Além da pesquisa: experiência do estágio em docência e formação inicial para o ensino universitário
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Este artigo objetiva analisar a experiência do estágio em docência realizado em duas instituições públicas de ensino superior.
Resumo
este artigo objetiva analisar a experiência do estágio em docência realizado em duas instituições públicas de ensino superior. Os estudos acerca do trabalho docente e do ensino universitário mostram que tanto as etapas de preparação para a docência, via pós-graduação stricto sensu, como a do efetivo exercício da profissão enfatizam o trabalho da pesquisa. Desta maneira, programas de mestrado e doutorado usualmente estão voltados para o desenvolvimento de competências pertinentes à atuação do pesquisador, de modo que as dimensões pedagógica e didática são negligenciadas durante esta etapa formativa. Em decorrência disso, assume-se que a construção da professoralidade seja relegada ao momento em que o profissional inicia seu trabalho como docente do ensino superior, caracterizando um fazer que se produz na prática. Assim, o estágio em docência se configura como dispositivo estratégico para promover o contato inicial do pós-graduando com a prática em sala de aula que compõe o trabalho docente.
Palavras-chave: Estágio em docência. Trabalho do professor universitário. Competência pedagógica.
Abstract
this paper intends to analyze an experience about the teaching internship done in two public universities. The studies concerning the professor’s work and the superior education show that as much the stage of professor’s preparation, through stricto sensu post-graduation programs, as the real professional actuation emphasize the research work. In this way, master and PhD programs are usually turned to the development of competences useful to the job as researcher, so the pedagogic and the didactic dimensions are neglected during this formation stage. As result, it is assumed that the construction of professional abilities relevant to professor’s work be postponed until the moment of beginning the career in the superior educational system, like a process of becoming professional which is produced in the practice. Thus, the teaching internship shows itself as a strategic device to promote the post-graduation student’s initial contact with the classroom practice which composes the professor’s actuation field.
Keywords: Teaching internship. Professor’s work. Pedagogic competence.
Introdução
O presente artigo pretende apresentar e discutir a experiência do estágio em docência realizado pelas autoras em duas instituições públicas de ensino superior. O estágio tem se apresentado como uma ferramenta que possibilita suprimir, em alguma medida, a lacuna de formação para o ensino que marca os cursos de pós-graduação.
Tem-se observado que, tanto na etapa formativa como na do efetivo exercício do trabalho docente, o fomento à pesquisa e a supervalorização das habilidades do pesquisador podem limitar as possibilidades de discussão, aperfeiçoamento e desenvolvimento das práticas de ensino e das competências críticas a esta dimensão do trabalho docente. Isso contribui para questionar a finalidade das instituições de ensino superior na sociedade contemporânea. Aparentemente o tripé ensino-pesquisa-extensão que sustentava e legitimava a razão de ser destas organizações tem se transformado em um pilar de eixo único e que, por vezes, parece cada vez mais distante da comunidade.
Não podemos desconsiderar o papel das instâncias fiscalizadoras da IES para a criação deste cenário. Com itens avaliativos pautados, em sua maioria, nas metas de produtividade do corpo docente – leia-se publicação de artigos em periódicos – é esperado que as instituições voltem-se prioritariamente para o desenvolvimento da pesquisa e a formação de pesquisadores. No entanto, a especialização num determinado campo do saber não garante a excelência nas estratégias de ensino, de modo que é fundamental fornecer subsídios pedagógicos para aqueles que exercem ou aspiram atuar como docentes. Além disso, parece plausível supor que a ênfase dada à pesquisa contribui para operar uma fragmentação no trabalho docente, dando a falsa impressão de que os componentes do tripé universitário (ensino-pesquisa-extensão) são opostos e excludentes entre si. Também, o aspecto solitário, que se julga característico da prática da pesquisa, parece estar sendo transposto para outras dimensões da atuação docente, reduzindo as possibilidades para este grupo se compor enquanto coletivo de trabalho. Neste sentido, o diálogo entre colegas para reflexão conjunta do fazer profissional encontra-se consideravelmente limitado.
Partindo destes elementos, percebe-se que o estágio docente pode ser um caminho que possibilite ao aspirante à docência experimentar essas dimensões que compõe o trabalho do professor universitário. O estágio também contribui para fornecer alguns subsídios pedagógicos mínimos para este futuro profissional possa exercer o ensino, ainda que, usualmente, esta formação inicial tenha como base as práticas e modos de atuação de um professor mais experiente.
Ensino superior: um panorama geral
O ensino superior no Brasil tem passado por inúmeras mudanças nas últimas décadas e algumas merecem destaque. O interesse da sociedade pela educação superior tem aumentado significativamente nos últimos anos, segundo Colossi et. al (2001), é possível dizer que a história do progresso humano coincide com as histórias dessas instituições e no Brasil, é parte da história da sociedade. De acordo com os autores, a vinda da Família Real Portuguesa em 1808 foi o que de fato impulsionou a criação das primeiras escolas superiores no país: a Escola de Medicina do Rio de Janeiro, a Escola de Medicina da Bahia e a Escola de Engenharia e Arte Militar do Rio de Janeiro. Depois, em 1827 foram criados os Cursos de Ciências Jurídicas em São Paulo e em Olinda. Em 1889 quatorze Escolas Superiores foram criadas e em seguida, outras Universidades como a de Manaus, a do Paraná, a do Rio de Janeiro, a de Minas Gerais, a de São Paulo e a de Brasília foram desenvolvidas.
Em 2001, segundo Colossi e seus colaboradores, no Brasil existiam, em média, novecentas instituições de ensino superior. Já em 2013, no Censo da Educação Superior, foi possível encontrar um total de 2391 instituições de ensino superior. Essa crescente expansão traz novas exigências tanto para as Universidades, de uma maneira geral, como para os docentes que trabalham ativamente com esses novos alunos. Se antes a única exigência era que esses professores tivessem domínio de conteúdo e experiência profissional, hoje isso não basta mais. Por muito tempo, aqui no Brasil o modelo de ensino superior pautava-se na crença de que quem sabe, sabe ensinar, até porque ensinar significava ministrar aulas expositivas ou palestras sobre determinados assuntos dominados pelo professor. Acreditava-se que o conhecimento deveria ser transmitido por um professor que sabe para um aluno que não sabe e em seguida, uma avaliação indicaria se o aluno está apto ou não para seguir adiante.
Por muito tempo as universidades buscavam profissionais renomados e com sucesso nas suas atividades. Até a década de 1970, era exigido do professor de ensino superior apenas o bacharelado e o exercício da profissão, mas a partir da última década, algumas mudanças aconteceram e agora, além de se exigir cursos de especialização na área, também é preciso que esse profissional tenha cursado programas de mestrado e doutorado. Grande parte dessas mudanças foram reflexo das mudanças que aconteceram nas sociedade nos últimos anos. O papel do professor dentro de uma sala de aula precisou ser repensado: se antes era esperado dele domínio sobre determinado assunto e experiência profissional, nos dias de hoje, com a revolução tecnológica e a rápida socialização do conhecimento, isso deve ser reconsiderado (MASETTO, 2003)
Atualmente, as universidades não são mais consideradas as únicas referências como centros de pesquisa e produção de conhecimento. Algumas organizações hoje realizam essas funções também, então já não cabe mais nas universidades profissionais que esteja lá apenas com a função de repassar conhecimento. Nos dias de hoje, o professor também não é mais considerado o único detentor do saber transmitido, diariamente podemos ser surpreendidos com informações novas que podem vir dos principais meios de comunicação ou até mesmo de uma simples conversa com um colega.
Para Masetto (2001), uma carreira profissional deve ser revisada com base nas novas exigências que lhes são feitas. Hoje é preciso um profissional que tenha capacidade de buscar novas informações e que saiba trabalhar com elas. Alguém que entenda a importância da formação continuada, da formação permanente, bem como dos cursos de capacitação e que além disso tudo também se perceba, primordialmente, como um educador, que deve buscar cada dia mais desenvolver sua competência pedagógica. O professor universitário precisa entender que ter o domínio da matéria não necessariamente garante que ele seja alguém que consegue de fato ensiná-la. Ele também deve se preocupar com o processo de aprendizagem dos alunos, em como dar significado para todos os conteúdos e, principalmente, em como aperfeiçoar nos estudantes sua capacidade de pensar.
De acordo com Pimenta, Anastasiou e Cavallet (2003), a crescente preocupação com formação e o desenvolvimento profissional desses professores, para além de um saber teórico-disciplinar, tem ampliado a demanda por uma formação que contemple também os saberes pedagógicos e políticos. É preciso que haja uma integração de saberes complementares que proporcione o aperfeiçoamento da docência universitária. São os saberes pedagógicos e políticos que possibilitam ao docente se tornar sujeito da educação. Além dos mais, todas essas questões implicam diretamente na qualidade dos resultados no ensino superior.
A legislação no Brasil trata a questão da formação de professores universitários de forma pontual e simplista. Segundo Pimenta, Anastasiou e Cavallet (2003), a Lei 9.394 de 1996, Lei de Diretrizes e Bases de Educação Brasileira (LDB), a mais abrangente legislação educacional, dedica apenas um artigo ao tema:
Art.66 – A preparação para o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritariamente em programas de mestrado e doutorado. Parágrafo Único – O notório saber, reconhecido por universidade com curso de doutorado em área afim, poderá suprir a exigência do título acadêmico (BRASIL, 1996).
Para os autores, é importante ressaltar que para LDB a preparação será realizada prioritariamente nos cursos de pós-graduação stricto sensu, entretanto, deve-se pontuar que geralmente, essa preparação ocorre por meio de disciplinas de 45 a 60 horas. Essas disciplinas concedem algumas possibilidades de crescimento pedagógico aos docentes do ensino superior, mas são possibilidades limitadas, tendo em vista o curto período de tempo.
Tal panorama contribui para elucidar a deficiência que parece existir na formação do professor para o exercício da docência no ensino superior. Isso por que, além da reduzida carga horária das disciplinas destinadas à formação pedagógica e didática do docente universitário, é deveras comum que os cursos de pós-graduação stricto sensu, mestrado e doutorado, estejam voltados para o desenvolvimento de competências ligadas à pesquisa. Batista (2011) reitera essa constatação por meio da apresentação dos mecanismos normativos e de controle elaborados pelo Estado para orientar a formação docente e fiscalizar a qualidade das instituições de ensino superior (IES).
Segundo a autora, as diretrizes estabelecidas para os cursos de pós-graduação stricto sensu, principal lócus de preparação profissional para atuação no ensino superior, valorizam sobremaneira a formação de pesquisadores, negligenciando dimensões importantes da prática profissional do docente ligadas às atividades de ensino. Além disso, os mecanismos de controle criados pelo Estado para fiscalização das IES adotam a titulação e a produção em pesquisa do corpo do docente como critérios avaliativos, enquanto que a avaliação da qualidade do ensino fica restrita ao corpo estudantil, por meio de instrumentos com o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE).
Diante desta conjuntura, não raro, observamos a implantação de políticas internas nas Universidades que estabelecem rigorosas metas de produção em pesquisa ao corpo docente (publicação em periódicos), enquanto as questões relativas ao ensino (programas de formação complementar e/ou continuada, por exemplo) permanecem secundarizadas. Neste sentido, tanto a etapa de formação quanto a do efetivo exercício profissional parecem limitar as possibilidades de aperfeiçoamento da competência pedagógica do professor universitário, estabelecendo um claro desequilíbrio entre o binômio pesquisa-ensino, dois dos principais pilares sobre o qual se assentam a Universidade.
O estágio como estratégia de formação inicial
Neste panorama, a demanda por experiências que possibilitem a aproximação dos pós-graduandos com a dimensão do trabalho docente e as atividades ligadas ao ensino se torna cada vez mais um imperativo. Assim, o estágio em docência apresenta-se como um recurso estratégico para estabelecer a conexão entre o pós-graduando e esta outra esfera do trabalho do professor universitário.
Considerando que o artigo supracitado da LDB outorga aos portadores de diploma de mestre e doutor o direito de exercer o magistério superior, prescindindo de formação e experiência no campo da pedagogia, reitera-se importância do envolvimento do pós-graduando com atividades como a do estágio em docência. Em atenção a isso, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) instituiu, desde 1999, a obrigatoriedade de realização do estágio em docência para alunos bolsistas do programa de demanda social, permanecendo facultada aos alunos não bolsistas ou aqueles vinculados a outras agências de fomento. Em tese, o ato parece justamente buscar maior equilíbrio entre a formação em pesquisa e ensino dos profissionais pós-graduandos.
Santos e Powaczuk (2012) pontuam que a docência no ensino superior se constitui enquanto uma aprendizagem contínua que se desenvolve por meio das experiências no cotidiano de trabalho. Para as autoras é imprescindível que o profissional se insira num processo de constante reflexão e análise sobre sua prática docente associada ao contexto sociopolítico e econômico mais amplo da educação, buscando aperfeiçoar suas competências para o exercício profissional e enriquecer sua compreensão acerca do papel da universidade e do ensino superior na contemporaneidade.
Deste modo, revelam-se os aspectos processual e permanente que caracterizam a formação do professor universitário, o que circunscreve o caráter de inacabamento deste sujeito no tocante ao seu métier. Destaca-se que o aperfeiçoamento profissional assenta-se na busca pela capacitação teórica, metodológica, prática e pedagógica, pelo desenvolvimento da reflexão crítica do docente acerca do seu fazer e na criação de espaços e hábitos de compartilhamento das experiências, de modo a favorecer a reflexão dialogada no coletivo profissional (SANTOS; POWACZUK, 2012).
Apesar disso, seria pouco prudente postergar o contato inicial com as incumbências e responsabilidades, que compõem o conjunto de atividades a que chamamos docência, até o momento da efetiva inserção no exercício profissional. No que tange às atribuições ligadas ao ensino diretivo em sala de aula, o estágio em docência parece ser uma estratégia valiosa para aproximar o aluno de pós-graduação desta dimensão do trabalho do professor universitário. Assim, “o estágio é um dos processos mais interessantes da capacitação e integração do jovem professor no mundo da docência (JOAQUIM; BOAS; CARRIERI, 2012, p. 509)”, em especial porque possibilita ao pós-graduando vivenciar a realidade do ser e do fazer-se professor numa atividade sob a supervisão e orientação de um profissional mais experiente. Porém, mesmo com a importância desta atividade ainda são escassos os programas de pós-graduação que apresentam propostas bem definidas e articuladas, com diretrizes claras sobre as atribuições e objetivos dos estágios de docência ofertados pelos cursos, de modo a orientar sua execução. Ainda mais raras são as produções que se ocupam do tema, especificamente no que tange à discussão e ao compartilhamento de experiências vividas por aqueles que realizaram esta atividade.
À vista disso, abordaremos a seguir a experiência de estágio em docência em duas instituições públicas de ensino superior, alocadas em diferentes estados, a saber: São Paulo e Paraná. Os estágios foram realizados pelas autoras como uma das atividades complementares do curso de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Estadual Paulista (UNESP), campus de Assis, durante o segundo semestre letivo de 2015. Primeiramente, apresentaremos uma breve descrição para caracterizar o contexto em que o estágio foi desenvolvido e, em seguida, buscaremos destacar e analisar aspectos marcantes, transversais às duas situações vivenciadas, a fim de ensaiar uma compreensão compartilhada acerca da experiência inicial do fazer-se docente.
Estágio em docência: o contexto
O estágio realizado pela segunda autora ocorreu durante o segundo semestre de 2015, no campus da UNESP de Assis, no curso de Psicologia junto à disciplina Psicologia, Infância e Adolescência na Contemporaneidade IV, direcionada aos estudantes do décimo semestre letivo do curso. A disciplina ora tratada estava sob a responsabilidade do professor que também é orientador da autora na dissertação, e compunha parte do currículo obrigatório dos estudantes que optam pela ênfase em Desenvolvimento Humano e Processos Educativos. As aulas eram ministradas semanalmente e em dois períodos – matutino e noturno – para atender cada uma das turmas.
Antes do início da disciplina o professor responsável forneceu a ementa, onde constavam os objetivos da disciplina, as metodologias de aula, as estratégias de avaliação e a bibliografia sugerida, para que a estagiária pudesse consultar o material e propor alterações que porventura considerasse pertinentes. Em reunião realizada antes do início das aulas o professor expôs sobre sua experiência na disciplina em anos anteriores, explicando que na primeira aula costuma apresentar o programa aos estudantes e consultá-los sobre outros temas e autores de interesse, bem como sobre os métodos avaliativos que eles julgavam mais pertinentes de serem adotados. Essa estratégia foi percebida de maneira muito positiva pela estagiária, pois configurava uma iniciativa concreta de elaboração conjunta do programa, possibilitando aos estudantes ter uma participação verdadeiramente ativa frente ao seu processo de formação.
Como o programa de pós-graduação ao qual a estagiária encontrava-se vinculada não oferecia uma etapa preparatória para o desenvolvimento do estágio, no tocante a noções e princípios de pedagogia, didática e estratégias/métodos de aula, ficou combinado que, inicialmente, ela acompanharia e observaria as aulas ministradas pelo professor responsável e, posteriormente, conduziria algumas aulas/atividades com a turma. Ainda, a estagiária e o professor consideraram pertinente que nas primeiras semanas fosse feito o acompanhamento das duas turmas, como forma de poder perceber as especificidades de cada grupo e da dinâmica de aula – interação entre o professor e a turma. Ao longo do semestre a estagiária conduziu duas aulas: uma voltada ao estudo dos fundamentos conceituais e teóricos de um autor específico, o educador Paulo Freire, e outra direcionada à discussão sobre a atuação d@ psicólog@ como mediador de processos educativos no contexto corporativo. Importante destacar que nas referidas aulas o professor responsável esteve presente, contribuindo com complementações teóricas e exemplos da prática profissional.
Já o estágio realizado pela outra autora, ocorreu no primeiro semestre de 2015, na Universidade Estadual de Londrina, no curso de Psicologia. Poucas semanas antes do inicio do ano letivo, o professor responsável pela estagiária fez uma reunião para apresentá-la as disciplinas que seriam ministradas por ele ao longo de 2015. A disciplina escolhida para a realização do estágio de docência foi a de Psicologia Geral, que era anual, mas que estava dividida em três módulos nos quais haveria troca de professor em cada um deles. A estagiária ficou responsável por acompanhar o professor no módulo de Psicologia Social. A disciplina tinha quatro horas semanais e estava na grade curricular do primeiro ano do curso.
Assim como no caso anterior, antes do inicio das aulas, o professor ofereceu o cronograma e a ementa da disciplina. Ele falou sobre o material que havia escolhido para se trabalhar nas aulas e explicou quais eram seus objetivos com tais textos e filmes. Apesar de ser licenciada em psicologia, a estagiária também não tinha experiência em sala de aula, então ficou decidido que, de um total de seis dias, primeiro ela seria apresentada à turma e acompanharia os três primeiros encontros como observadora e ministraria as duas próximas aulas. Depois, participaria do processo de avaliação juntamente com o professor responsável pela disciplina.
Pensando a experiência
Desde 2002, aprovado pela Portaria 052 de 26 de setembro, o estágio de docência passou a ser uma atividade obrigatória para pós-graduandos que participam do Programa de Demanda Social da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O ato vinha reiterar o que já estava previsto desde 1999 e propor algumas alterações e especificações normativas. O principal objetivo do estágio é o aprimoramento da formação docente desse aluno de pós-graduação, que tem o direito de lecionar mesmo não tendo a formação de caráter pedagógico. Sabe-se que se aprende a ser professor e a construir uma identidade profissional, mas será que somente o estágio de docência é o suficiente para dar a esse aluno a formação pedagógica? No atual cenário dos cursos de pós, nota-se um predomínio do incentivo à pesquisa, em detrimento da prática do ensino. Todos os programas têm disciplinas que tem como propósito à formação do pesquisador, entretanto, poucos programas apresentam disciplinas voltadas à formação do professor (JOAQUIM et al, 2011).
Segundo Joaquim, Boas e Carrieri (2013), o estágio de docência, da forma como tem sido desenvolvido pelas universidades, tem como base apenas o saber prático, ou seja, pauta-se na ideia de que se aprende a ensinar ensinando. Há uma valorização da prática e uma desvalorização do saber teórico pedagógico e das práticas reflexivas que deveriam ser inerentes ao professor. Os autores inclusive comparam esse modelo de formação, amparado simplesmente pela prática, com as esteiras fordistas e suas linhas de montagem industrial. Independente da formação profissional do indivíduo, o estágio de docência vem com o objetivo de complementar sua formação e pensar essa formação sem se preocupar com as bases pedagógicas, acaba se tornando uma visão simplista.
O conhecimento pedagógico, por sua vez, abrange a percepção do processo de ensino e aprendizagem em que o professor deve considerar os princípios básicos da aprendizagem do aluno. O processo de tornar-se professor vai além de uma mera preparação. Ele está intimamente relacionado com a aquisição de conhecimentos, com o desenvolvimento de habilidades e um aprimoramento didático, o que muitas vezes não acontece em um processo preparatório. Problematizar essas questões é de suma importância, pois a falta da formação pedagógica e a inexperiência em sala de aula tornam o contato dos estagiários com seus alunos um pouco mais difícil (SANTOS; HELAL, 2013).
Apesar das autoras terem feito estágio de docência em instituições diferentes, terem trabalhado com turmas e disciplinas diferentes, as dificuldades e desafios foram bem semelhantes em alguns momentos. A preparação da aula, o modo como tais conteúdos seriam passados, a aproximação com os alunos, a capacidade em identificar quando a aula não está agradando, ter uma estratégia para mudá-la em cima da hora, a intimidade com os alunos e saber responder suas dúvidas são pontos que só se desenvolvem com prática e formação. Infelizmente, em um estágio de docência não existe tempo hábil pra isso, então a sensação foi de uma vivência instantânea, pontual e de certa forma até mesmo fragmentada do que é o verdadeiro trabalho docente.
Diante de todas essas inseguranças, é importante destacar o papel do professor orientador. Esse ambiente aparentemente novo pode causar um estranhamento para alguém que sai da posição de aluno e se coloca na posição de professor. Como mencionado anteriormente, o professor orientador deve ser o ponto de apoio do estagiário, estando próximo, construindo pontes, instrumentalizando-o e ajudando-o. É fundamental que ambos, estagiário e professor, possam fazer a análise e reflexão conjunta da atividade realizada. Esta avaliação é interessante, pois possibilita reorganizar as estratégias de aula e pontuar os aspectos positivos, bem como aqueles que precisam ser aperfeiçoados ou alterados (JOAQUIM; BOAS; CARRIERI, 2012). O diálogo é indispensável para favorecer o desenvolvimento da atividade profissional, em especial entre profissionais iniciantes, e promover a construção de uma prática coletiva que encerre o isolamento característico do trabalho do docente universitário (ISAIA; BOLZAN, 2004).
De acordo com a experiência das autoras, pode-se perceber que o estágio de docência é sim uma importante estratégia para familiarizar os alunos de pós-graduação com a realidade da graduação, no entanto, ao longo do tempo de estágio foi possível observar com clareza a necessidade de disciplinas nos cursos de pós que sejam voltadas para a formação pedagógica dos alunos. Por mais que tenha sido essencial a orientação dos professores mais experientes, ainda assim ela não contribuiu significativamente para a formação pedagógica das estagiárias.
No mais, embora se reconheça algumas das limitações do estágio de docência, também se admite que há aprendizagens que são significativas, pois trata-se de um momento de aprendizado, de errar e de conhecer o lugar em que se deseja atuar. O estágio também proporcionou ás professoras iniciantes o desenvolvimento de algumas capacidades como, por exemplo, a segurança para discutir alguns temas, assumir uma postura diante da turma, elaborar e ministrar uma aula, encontrar o tom de voz adequado e até mesmo conseguir observar o que é e o que é interessante para o aluno. Para Santos e Helal (2013), poder vivenciar as praticam citadas, bem como os momentos de interação entre professor e orientador, tendem a promover uma maior aprendizagem e um conhecimento inovador.
Considerações finais
Mesmo apresentando algumas limitações, Joaquim, Boas e Carrieri (2012) defendem a importância do estágio de docência. Para os autores, é através do estágio que alunos de mestrado e doutorado têm a oportunidade de vivenciar e observar o meio acadêmico não só como alunos, mas como profissionais. O estágio pode ser importante para o aluno que está se formando professor, pois toda sua prática é acompanhada por um professor orientador mais experiente, que servirá de modelo e de ponto de segurança para o aluno que está iniciando e que muitas vezes acaba se sentindo inseguro diante das novas experiências.
O estágio de docência ainda se configura como uma possibilidade de desenvolver nesse aluno de pós-graduação capacidades técnicas de uma postura docente. Em muitos casos, essa é a primeira aproximação dele com a sala de aula, então, mesmo com os fatores limitantes vindos do fato de como esse estágio vem sendo organizado pelos programas de pós-graduação, ele ainda continua sendo muito importante, afinal, é a partir desse primeiro contato com a docência que irão se construir suas identidades profissionais. Em que pesem a falta de estruturação e ausência de diretrizes sobre o estágio de docência nas IES, é fundamental lembrar que para a mudança da cultura universitária, no tocante ao ensino, é necessário que haja, entre outras coisas, uma modificação dos componentes avaliativos propostos pelos órgãos fiscalizadores da IES. Neste sentido, operar um maior equilíbrio do binômio ensino-pesquisa requer uma ação conjunta das diversas instituições que formam a rede do ensino superior.
Referências
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Autores
Talita Machado Vieira – Doutoranda em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Assis) Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Daniele Sita – Mestranda em Psicologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp/Assis)