Perfil sociodemográfico e características gestacionais de adolescentes mães do estado de Pernambuco
Este artigo faz parte de um projeto maior intitulado “Gravidez na Adolescência: Percepções de diferentes atores sociais”.
Resumo
Este artigo faz parte de um projeto maior intitulado “Gravidez na Adolescência: Percepções de diferentes atores sociais”. Embora as discussões sobre o tema se reconfigurem com o tempo, gravidez na adolescência ainda é encarada como problema social. Os significados acerca da gravidez a tornam parte do projeto de vida de muitas adolescentes, enquanto para outras é um evento não planejado. Este trabalho visa descrever o perfil sociodemográfico das adolescentes que vivenciaram a gravidez, através de variáveis como renda, idade, estrutura familiar, repetência e evasão escolar, estado civil. A amostra foi constituída por adolescentes mulheres da região metropolitana do Recife e Zona da Mata Pernambucana, entre 14 a 19 anos. Os dados coletados com um questionário sociodemográfico foram analisados através de estatística descritiva. A pesquisa passou pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco. Como resultado observou-se que a vivência da gravidez para este grupo em específico ocorreu em sua maioria dentro de uma relação com parceiro fixo, em uma realidade financeiramente desfavorecida, e com grande taxa de evasão escolar. Ainda que o objetivo desse estudo não seja o de generalizar os resultados para toda a população adolescente, é possível verificar indícios que podem facilitar a elaboração de estratégias voltadas para esse público. É importante que estejam disponíveis intervenções em diversos níveis: individual, comunitário e de políticas públicas, visando uma maior difusão de conhecimento sobre reprodução sexual, garantindo que as adolescentes tenham condições de escolher se devem ou não experienciar uma gravidez.
Palavras-Chave: Gravidez; Adolescência; Reprodução sexual.
Introdução
O artigo aqui desenvolvido faz parte de um projeto maior, intitulado “Gravidez na Adolescência: Percepções de diferentes atores sociais”, aprovado e financiado pelo CNPq, FACEPE e Secretaria da Mulher. A partir do projeto maior, surge este estudo, com enfoque especificamente na caracterização da amostra de adolescentes mães, visando traçar um perfil sociodemográfico e analisando características da gravidez. Para começar a discutir gravidez na adolescência, é necessário antes conceituar o termo, revisando como esta fase foi sendo configurada através da história.
A adolescência é compreendida por diversos autores da literatura como uma fase do desenvolvimento humano marcada por mudanças biológicas, hormonais, referentes principalmente ás mudanças corporais e de caracteres sexuais. A partir deste ponto de referência, seria natural que todos os seres humanos se descobrissem em meio a mudanças de ordem biológica. Além desta questão, deve também ser vista como uma etapa em que a personalidade e identidade do indivíduo estão se desenvolvendo, e se desenvolve num contexto social, não apenas individual. Para além desta compreensão, outros autores tratam a adolescência como uma fase do desenvolvimento humano que foi sendo resignificada ao longo do tempo, através das mudanças sociohistóricas. Ou seja, falar de adolescência é entender que este fenômeno vai muito além de mudanças de ordem física. Um dos fatores mais estudados dentro do grupo adolescente é o desenvolvimento da sexualidade. É principalmente nesta etapa da vida que muitos adolescentes experienciam a primeira relação sexual.
No entanto, o que acontece é que boa parte dos adolescentes não passam por uma psicoeducação relacionada a métodos contraceptivos capazes de prevenir doenças sexualmente transmissíveis e gravidez não planejada. Isto pode acontecer por uma falha na comunicação entre pais e filhos, por falta de programas nas instituições de ensino que sejam voltados para este fim, ou por políticas públicas efetivamente destinadas a esta população. Assim, muitos acabam por experienciar de forma prematura ou não planejada a vivência de uma paternidade ou maternidade.
O recorte deste artigo centra-se na figura feminina porque a experiência da gestação é muito diferente para homens e mulheres, inclusive na fase da adolescência. A mulher ainda é sobrecarregada por expectativas sociais que ditam os papéis que ela deve assumir. E ser mulher, adolescente e estar grávida pode provocar mudanças em vários aspectos e ambientes da vida dessas mulheres.
Embora nem sempre planejada, não se deve considerar que toda gravidez na adolescência acontece por acidente. De forma consciente, muitas adolescentes tem a maternidade como um projeto de vida. Seja esse projeto um desejo pessoal, uma forma de adquirir relacionamentos mais firmes com o parceiro ou até mesmo uma forma de modificar a relação com a família, uma vez grávidas, as adolescentes passam por mudanças de ordens físicas, psicológicas e também sociais.
Desta forma, esta pesquisa pretende traçar um perfil sociodemográfico das participantes, bem como verificar algumas caraterísticas relacionadas a gravidez e responder as seguintes questões: quem são as adolescentes pesquisadas? A que grupo social fazem parte? Qual a escolaridade média dessas mulheres? Em que modelo de família se inserem? Dentre outras questões abordadas a seguir.
O levantamento dessas questões se faz relevante para a sociedade por permitir conhecer em que contexto e a partir de quais vivências está ocorrendo a gravidez na adolescência, a fim de permitir uma vivência mais consciente e saudável deste fenômeno, possibilitando a diminuição de riscos a gravidezes não planejadas ou indesejadas e/ou infecção por doenças sexualmente transmissíveis. E do ponto de vista acadêmico, a reflexão se mostra importante por fornecer uma possível contribuição teórica no campo da Saúde do Adolescente.
Adolescência: o surgimento do conceito
Difundida socialmente como uma fase de mudanças, rebeldia, atritos, transformação, o conceito de adolescência foi construído e resignificado ao longo do tempo. De acordo com Silva e Lopes, 2009 e Grossman 2010, a adolescência se configura como tal no final do século XIX e início do século XX, na Europa. Cria-se uma fase nova (a adolescência) entre a infância e a fase adulta, tentando garantir a possibilidade de maior acesso á educação, maior maturidade e independência financeira antes de constituir família. A maior preocupação com o acesso aos estudos surge também devido a revolução industrial, e a necessidade de ter pessoas mais qualificadas a lidar com as novas demandas de trabalho. Assim, as crianças passam mais tempo nas escolas, retardando a entrada no mercado de trabalho e formando novos grupos de pares, nesse caso, os adolescentes (BOCK, 2004). Se antes as fases do desenvolvimento centravam-se entre a infância e a fase adulta, diante do novo contexto que se apresenta, a adolescência se configura em lugar de destaque e recebe atenção de estudiosos de áreas diversas.
Na medida em que o termo adolescência ganha força, e os jovens se apropriam dos comportamentos comuns a esta fase, novos movimentos se configuram, a exemplo do movimento libertário da década de 60. Nesta época, com o surgimento da pílula anticoncepcional e o conceito do amor livre, grupos de jovens vivem de forma mais libertária as experiências sexuais, criando uma subcultura que se apropria de formas distintas de falar, se vestir ou se comportar (COUTINHO, 2005). Tal movimento desencadeia mais interesse sobre o tema, se desenvolvendo estudos em áreas como a Medicina, Sociologia, Psicologia, Pedagogia dentre outros. A partir do interesse na fase adolescente, algumas questões se configuram como centrais. Dentre elas, como se configura esta fase, que características seriam próprias dos adolescentes, a influência biológica e sociocultural nesse processo.
Adolescência universalizada X Adolescência como construção social, cultural e histórica
Por uma perspectiva biológica e universal, denomina-se adolescência a fase que compreende a faixa etária dos 10 aos 19 anos (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE – OMS, 1986). O fato é que, para esta visão teórica, a adolescência compreende uma fase em que mudanças biopsicossociais acontecem e se refletem, sobretudo, no corpo físico, no aumento das habilidades psicomotoras e atuação dos hormônios, acarretando mudanças de comportamento, de expressões, de pensamento, e culminando na iniciação das práticas sexuais (FERREIRA, ALVIM, TEIXEIRA E VELOSO, 2007).
Neste período, como explanam Romero, Medeiros, Vitalle e Wehba (2007), mudanças biopsicossociais ocorrem a todo o momento, a exemplo da construção da identidade pessoal, maior independência emocional da família, vivência efetiva da sexualidade, afetividade e intimidade, formação de novos grupos sociais. Importante frisar a diferença que pode existir entre as fases da puberdade e adolescência. Sendo a primeira uma fase de destaque para mudanças de ordem mais corporal, enquanto a segunda está pautada numa evolução para além das mudanças biológicas, se estendendo para evoluções de ordem psicológica, social, afetiva e emocional. (WAIDEMAN, 2003).
Com a adolescência, surge a necessidade de se fazer notar e de se sentir parte de grupos sociais. Assim, a influência do grupo de amigos se torna central, muitas vezes inclusive tomando um papel mais importante do que a família (BRETÃS, 2003). Novos valores começam a ser compartilhados e internalizados pelos adolescentes, sejam os que agradam a si mesmos, sejam os que se fazem importantes para sua aceitação dentro do grupo de amigos. Quando há uma discrepância entre aquilo que é compartilhado entre os pares, e os valores compartilhados pela família, o adolescente tende, por uma questão de se sentir parte do grupo, a se afastar cada vez mais dos pais, o que dificulta o diálogo dentro de casa e deixa brechas para comportamentos vulneráveis (MOREIRA ET.AL, 2008).
Na maioria das produções sobre o assunto na Psicologia, como afirma Bock (2004), o conceito de adolescência continua atrelado a uma fase natural do desenvolvimento, mediando a infância e a fase adulta. Conceito difundido que é, sendo uma fase esperada e familiar, por muitos é vista como a fase onde a cultura exerceria pouca influência, sendo essa maturação muito mais de ordem biológica e inerente, do que influenciada pelo meio social ou cultural onde este homem se encontra.
Por outro lado, pensando numa concepção da Psicologia Social, pauta-se a adolescência por uma ótica de construção sócio-histórica-cultural, onde a questão de ordem biológica tem o seu valor, mas não são determinantes, uma vez que se trata de uma etapa evolutiva e singular a cada ser humano, na qual culmina todo o processo de maturação biopsicossocial do indivíduo (OZZELA, 2003; OSÓRIO, 1992). Desta forma, se pode dizer que cada cultura ou meio social encara a adolescência a partir de uma ótica diferente, levando em consideração seus costumes, seus rituais, seus valores. Assim, a adolescência apresenta características psicológicas que não são necessariamente universais, pois se modificam de acordo com a cultura, o gênero, a raça/cor, classe social e tantas outras variáveis sociais, históricas e culturais (ENDERLE, 1998; GUBERT E MADUREIRA, 2008).
Adolescência, sexualidade e vulnerabilidade
A influência dos pares, o grupo de amigos na adolescência, pode ser determinante de comportamentos diversos, e há de se configurar também uma determinação quanto aos papéis de gênero impostos dentro desses grupos. Refletindo sobre comportamentos ditos como típicos dessa fase, observa-se a vivência da primeira experiência sexual. A primeira relação sexual se configura como um evento importante na vida dos jovens tanto do sexo masculino quanto feminino, gerando expectativas para todos. Mas o modo como essa experiência se configura para homens e mulheres é mesmo diferente, tendo os homens mais liberdade de falar sobre o assunto em todos os grupos sociais e até mais acesso ás informações e aos métodos preventivos, enquanto as mulheres ainda são coibidas pelos pais, pela sociedade e pelos próprios parceiros.
Assim, diante desse contexto de experiência corporais, psicológicas, sociais, emocionais, afetivas e amorosas que é a fase da adolescência, a primeira relação sexual pode acontecer, sendo esta experiência um marco na vida do indivíduo (WAIDEMAN, 2003). No entanto, nem sempre a primeira relação sexual ocorre num contexto de segurança e orientação. A falta de comunicação entre pais e filhos, escola e alunos, serviços de saúde e usuários adolescentes podem comprometer a adoção de medidas preventivas eficazes que diminuam a possibilidade da vulnerabilidade a doenças sexualmente transmissíveis e gravidezes não planejadas, e, consequentemente, podem comprometer outros projetos de vida desses adolescentes (XIMENES NETO ET.AL, 2007).
A sexualidade ainda hoje é encarada como um tabu. Por influência da religião, da cultura, dos grupos sociais, cada lugar e cada grupo podem vivenciar suas práticas de forma singular e diversa. Por muito tempo, por exemplo, e ainda hoje em alguns contextos, o ato sexual estava vinculado á reprodução. Mais tarde, na década de 50 e 60 os jovens derrubam o modelo tradicional, desvinculando o sexo do compromisso e a importância da sexualidade para as mulheres, numa tentativa de igualdade entre os gêneros (DÜSMAN ET.AL, 2008). Mesmo diante de tais mudanças, falar em iniciação sexual e em gravidez na adolescência ainda é visto como assunto proibido para algumas mulheres. Vergonha e culpa muitas vezes podem ocupar o lugar do prazer e da liberdade.
Tomando como ponto de vista a saúde reprodutiva e sexual, as primeiras práticas sexuais não só marcam uma passagem para a vida adulta, como também acabam inserindo os adolescentes no contexto de vulnerabilidade às doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e HIV/AIDS, à gestação não planejada e em alguns casos, ao aborto (BORGES, LATORRE E SCHOR, 2006). Corroborando este comentário, Castro, Abramovay e Silva (2004) elaboram que com a diminuição da idade de início das práticas sexuais, o aumento do número de parceiros e a ausência do uso de métodos contraceptivos, é crescente o número de adolescentes no grupo vulnerável às DSTs, a HIV/AIDS e a gravidez não planejada.
Gravidez na adolescência
A gravidez na adolescência, principalmente nos últimos 20 anos, desponta como um dos assuntos mais importantes abordados para a adolescência, podendo ser encarado como um problema a acarretar consequências indesejáveis, principalmente quando falamos da população menos abastada. Nos últimos trinta anos houve um aumento da fecundidade das adolescentes, na faixa de 10 a 19 anos, quando comparadas com as mulheres de 20 e mais anos de idade (FIGUEIRÓ, 2002). Estes dados podem estar associados á qualidade da informação que chega até o grupo adolescente, seja por meio da mídia ou de outras instituições.
No ano de 2007, por exemplo, dos 2.795.207 nascimentos no país, 594.205 (21,3%) foram de mulheres entre os 10 e 19 anos. De 2005 a 2009, a quantidade de partos em adolescentes de 10 a 19 anos caiu 22,4%, de acordo com o Ministério da saúde. Considerando o corte de 2000 a 2009, o menor índice de partos em adolescentes aconteceu em 2009, sendo realizados 444.056 partos de mães adolescentes no Brasil. Se fizermos um recorte ao longo da década, veremos que a redução ocorreu num total de 34,6%. Uma taxa significativa, porém, é preciso refletir sobre esses números. (BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
Buscando comparações entre as regiões do país, observa-se que tanto Norte quanto Nordeste apresentaram os maiores índices. Historicamente a fecundidade nestas regiões já se mostra superior ás demais. Em Pernambuco observa-se que também houve uma queda no número de partos. Em 2000 foram 39.183, no ano de 2005 foram 32.981, já em 2009 foram registrados 26.419 partos. (BRASIL – MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010). Ainda que os dados mostrem uma queda significativa de partos na última década, é preciso verificar que muito deste índice incide sobre uma população que se encontra em situação de vulnerabilidade social. Na contramão dos índices, dados do IBGE/IPEA – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IBGE/IPEA), a taxa de fecundidade adolescente em 2006, cresceu em 0,14 nas classes econômicas mais baixas. (BRASIL- MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
Nas camadas mais pobres da população, observa-se a gravidez na adolescência como um fenômeno que é passado de mãe para filha, ou seja, a mãe teve a filha adolescente, e a filha por sua vez também engravidou na adolescência. É um ciclo que acaba se repetindo tanto pelas poucas oportunidades aos quais estas mulheres têm acesso, quanto pela representação da gravidez enquanto símbolo do que é ser mulher. Outro aspecto bastante relevante diz respeito à recorrência da gravidez na adolescência. A Pesquisa Nacional Demografia e Saúde – PNDS 2006 (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009) revelou que 16,2% de mulheres na faixa etária de 15-19 anos já eram mães e, entre estas, 13,5 % tinham dois filhos ou mais. Bruno, Feitosa, Silveira, Morais e Bezerra (2009) observaram uma alta incidência de nova gestação após cinco anos da primeira gravidez (61%). Além disso, grande parte das adolescentes tinha engravidado mais de uma vez neste período (40%).
Cabe aqui fazer uma reflexão. Ainda que muitos grupos sociais possam perceber a gravidez na adolescência como um erro, como inconsequência ou como um ato não planejado, muitos adolescentes tem a gravidez como parte do seu plano de vida. Não só desejando, como planejando a reprodução. Assim, é preciso um olhar cuidadoso ao avaliar a gravidez na adolescência, uma vez que um julgamento errado sobre o caso pode afastar mais ainda esta adolescente dos serviços de saúde, da escola, ou do convívio familiar (CAVASIN, 1993).
No Brasil, o desenvolvimento de programas de gravidez na adolescência, tanto em serviços de saúde quanto em escolas ainda é uma preocupação do governo (MOCCELLIN, COSTA, TOLEDO E DRIUSSO, 2010). No entanto, é importante que estas ações sejam planejadas pensando nas particularidades de cada contexto social, e que tentem envolver uma perspectiva que traga para este plano a escola, a família, os parceiros sexuais e afetivos e os grupos de amigos.
Método
Trata-se de um estudo quantitativo de cunho descritivo, passando por variáveis sociodemográficas como idade, escolaridade, estrutura familiar, renda, evasão escolar, repetência escolar, estado civil. E ainda variáveis de caracterização da gravidez, como se é a primeira gestação, em que período gestacional se encontra, se tem antecedentes de filhos nascidos vivos ou mortos, e se pensou em aborto. As participantes desta pesquisa foram 50 adolescentes do sexo feminino na faixa etária entre 14 e 19 anos, que estavam passando pela experiência de gravidez ou tinham passado a menos de um ano.
A amostra foi caracterizada como não probabilística por conveniência, desta forma, recorreu-se a Unidades de Saúde da Família (USF) da região metropolitana do Recife (que abordou as cidades de Recife, Olinda, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Igarassu e Cabo de Santo Agostinho) e Zona da mata pernambucana (passando pelas cidades de Goiana, Timbaúba, Escada, Vitória de Santo Antão, Paudálio, Chã Grande e Tracunhaém). As cidades foram escolhidas por conveniência, pelo fácil acesso e maiores números populacionais. O número de participantes da pesquisa foi delimitado de forma que fossem equivalentes entre as duas regiões, assim sendo, trinta participantes foram abordadas na região metropolitana e 20 na Zona da mata.
Este projeto de pesquisa foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Pernambuco. Mediante aprovação, foi realizado contato com as Unidades de Saúde da Família (USF) dos Municípios, onde foi exposta à direção de cada USF uma carta de apresentação, contendo a relevância social e acadêmica da pesquisa. Em seguida, foi iniciada a fase de coleta de dados dentro das USFs, em que as participantes foram informadas, previamente, a respeito dos objetivos e procedimentos da pesquisa, bem como, da confiabilidade dos dados e do anonimato da sua colaboração. Após a aceitação da participante em colaborar com a pesquisa, foi solicitado que a mesma assinasse um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cujo modelo foi elaborado de acordo com a Resolução n° 196/96 sobre Pesquisa Envolvendo Seres Humanos.
O documento explicita a solicitação às participantes para participação no estudo informando ainda, que o consentimento garante a participante o direito de interromper sua colaboração na pesquisa a qualquer momento, caso julgue necessário, sem que isso implique em constrangimento de qualquer ordem. É importante ressaltar que esta pesquisa não acarretou em riscos ou prejuízos às referidas participantes.
A análise dos dados foi realizada através da construção do banco de dados, que se deu a partir de digitação dos questionários com prévia codificação das respostas, utilizando o Software SPSS. for Windows versão 18. Os dados foram analisados através de estatística descritiva (freqüência, média e desvio padrão).
Resultados e discussão
A amostra foi composta por 50 participantes femininas, adolescentes, com média de idade de 16,94 anos e Desvio Padrão (DP) 1,49. Do total, 30 participantes são da região metropolitana do Recife e as outras 20 de cidades da região da Zona da mata pernambucana. A maioria vive apenas com o Parceiro (N = 28), e com renda total familiar de até um salário mínimo (N = 31). Quanto à escolaridade, a maioria tem o primeiro grau incompleto (N = 23), tendo 34 delas repetido ano escolar pelo menos uma vez, e com um índice alto de evasão escolar (N = 26). Apenas 02 das participantes possuem algum tipo de atividade remunerada, e 34 adolescentes são casadas ou moram junto com o parceiro. Estes dados podem ser melhor observados na tabela a seguir.
Tabela 1 – Perfil Sociodemográfico das Participantes
Variáveis |
N (50) |
||
Região |
Região Metropolitana Zona da Mata |
30 20 |
|
Faixa Etária |
14-15 16-17 18-19 |
09 21 20 |
|
Vive com Quem |
Família Nuclear Família Reconstruída Família Extensa Amigos/Irmãos Parceiro |
09 09 02 01 28 |
|
Renda |
Até um Salário Mínimo De 1 a 3 Salários Mínimos Não sabe |
31 12 07 |
|
Escolaridade |
I Grau Incompleto I Grau Completo II Grau Incompleto II Grau Completo |
23 08 13 05 |
|
Repetência Escolar |
Sim Não |
34 16 |
|
Evasão Escolar |
Sim Não |
26 24 |
|
Trabalha |
Sim Não |
02 48 |
|
Estado Civil |
Solteira Casada/Mora junto Separada |
14 34 02 |
|
Quanto ao estado civil das adolescentes, observa-se que a maioria da amostra é casada ou mora junto com o parceiro. Mesmo que não more apenas com ele, como nos casos em que moram com o parceiro e sua família, estas adolescentes estão tendo a gravidez assistida também pelo pai da criança. Apesar de nesta pesquisa as adolescentes casadas serem maioria, Melhado et. al (2008) aborda que a porcentagem de adolescentes grávidas que casam-se com seus parceiros é menor do que a de grávidas adultas, e que as adolescentes que engravidam, são as que apresentam em sua maioria, uma autoestima baixa. Ainda segundo Melhado, muitas delas não possuem projetos de vida. No entanto é importante refletir, como já dito anteriormente, que a própria gravidez pode estar ou ser o principal projeto de vida de muitas dessas adolescentes. Nem sempre podemos considerar a gravidez na adolescência como inconsequência, ou mesmo falta de autoestima.
Os dados quanto ao estado civil das adolescentes dessa pesquisa corroboram com os da literatura, que afirmam que as gestações na adolescência ocorrem geralmente num contexto de relacionamentos estabelecidos, e poucos casos decorrentes de parceiros eventuais. Além disso, a gestação ocorre muitas vezes com o mesmo parceiro com que estas adolescentes se iniciaram sexualmente (OLIVEIRA, VIERA, FONSECA, 2011). Isto poderia explicar o porquê de muitas gravidezes nesta fase já serem planejadas, uma vez que acontecem dentro de um contexto onde há um relacionamento sólido. Também reforça o mito do amor romântico, principalmente entre as mulheres, e o fato de que muitas idealizam uma família com seus primeiros parceiros sexuais.
Inúmeras vezes as adolescentes não possuem projetos de vida que incluem outras motivações como vida profissional e estudo. Observa-se uma evasão escolar por maior parte da amostra, e um número extremamente baixo de adolescentes que trabalham ou trabalhavam antes da gestação. Para muitas adolescentes é difícil se desprender da figura de estudante para a de futura mãe e cuidadora de um bebê. E não só isso, mas a gravidez acaba ocupando um lugar central na vida dessa mulher, não deixando muitas vezes que outras coisas tornem-se possíveis, assim, muitas começam a se sentir inadequadas no espaço escolar, fazendo com que deixem de frequentar a escola (OLIVEIRA, VIERA, FONSECA, 2011).
Pode-se considerar ainda que essas gravidezes ocorreram num âmbito de poucas oportunidades para essas adolescentes, seja de estudo, de trabalho, de lazer ou de acesso aos serviços de saúde, inclusive com interrupção dos estudos. O despreparo, a imaturidade a gravidez e aspectos outros impedem que estas adolescentes obtenham uma renda própria. Assim, a renda da casa é obtida pelo parceiro, no caso das que estão casadas, ou pelos pais, no caso das que moram com a família de origem. Verifica-se uma renda de até um salário mínimo para a maior parte da amostra (31 das 50 entrevistadas), salário este que não é utilizado apenas pela adolescente, mas sim por todos os moradores da casa.
Por esta realidade, observa-se que neste grupo, a gravidez na adolescência ocorre dentro de um contexto de desvantagem social, seja no que diz respeito à renda, a evasão escolar e ao trabalho. Outra explicação para a baixa renda pode ser a precocidade das uniões conjugais. Como exposto por Sousa e Gomes (2009), tais uniões podem causar prejuízos ao potencial produtivo dessas adolescentes, aumentando a desvantagem social, uma vez que se veem obrigadas a se limitar ao papel de mãe e dona de casa, abandonando os estudos e as possibilidades de qualificação profissional.
Outro fator de importante reflexão e análise diz respeito ás características da gravidez dessas adolescentes, onde 41 das 50 adolescentes pesquisadas estavam na primeira gestação, sendo 20 delas no terceiro trimestre gestacional. 42 nunca tinham perdido um bebê, enquanto 03 já tinham provocado um aborto, e 05 já haviam sofrido aborto espontâneo. Nove já tinham filhos de gestações anteriores, e duas tinham antecedentes de filhos nascidos mortos. Das 50 adolescentes, 36 não pensaram em realizar aborto ao se descobrirem grávidas. A tabela a seguir ilustra melhor este panorama.
Tabela 2 – Características da Gestação
Variáveis |
N (50) |
|
Primeira Gestação |
Sim Não |
41 09 |
Período Gestacional |
Primeiro Trimestre Segundo Trimestre Terceiro Trimestre |
13
15
20 |
Perdeu Bebê |
Sim Provocado Sim Espontâneo Não |
03 05 42 |
Antecedentes Nascidos Vivos |
Sim Não |
09 40 |
Antecedentes Nascidos mortos |
Sim Não |
02 47 |
Pensou em Aborto |
Sim Não |
14 36 |
Um fator a ser analisado dentro da gravidez na adolescência é o da repetição da gravidez. Pode-se observar que em muitos casos, mulheres que engravidam muito cedo tendem a não parar no primeiro filho. Embora a reincidência da gravidez na adolescência não seja uma exclusividade de apenas uma classe social, a maior incidência ocorre entre as adolescentes mais jovens e de baixa classe social. Além disso, observa-se uma taxa menor de reincidência em adolescentes que receberam apoio pré-natal especializado, bem como acompanhamento mãe/filho pós-parto (MELHADO ET. AL., 2008). Esses dados mostram a importância também de um maior engajamento por parte da equipe multidisciplinar que atende estas mulheres na atenção básica. É interessante um pré-natal bem feito e que busque não só fazer com que a gravidez evolua de forma correta e saudável, mas que informe a mãe sobre formas de prevenção e acesso á informação.
Além de antecedentes nascidos vivos, ainda que em menor número, observou-se também a incidência de antecedentes nascidos mortos e de abortos espontâneos e provocados. Além daquelas que, ao descobrirem a gravidez pensaram em realizar abortos, mas declinaram da ideia. O que também reflete a qualidade do acesso aos serviços de saúde, e outras questões de cunho social, como a representação do aborto na sociedade.
Considerações finais
A literatura acerca da temática sobre gravidez na faixa etária dos adolescentes deixa claro que consideram esta população despreparada em todos os aspectos da vida para lidar com tal experiência. A sociedade ainda espera por uma estabilidade emocional e financeira destes jovens antes de casamento e filhos. Isso mostra que existe uma representação compartilhada socialmente sobre o que é ser adolescente e que papéis estes devem assumir nesta fase da vida.
Pensar sobre gravidez na adolescência é também refletir sobre como as políticas públicas desenvolvidas para este fim estão trabalhando. Observa-se que majoritariamente há um foco em atividades informativas sobre métodos contraceptivos, deixando a desejar em outros aspectos. Diante da realidade apresentada com os dados desse estudo, verifica-se a necessidade de ampliar o olhar da equipe multidisciplinar que atua no campo da assistência, para as novas demandas que se apresentam. Se a gravidez foi planejada e desejada, fazendo parte dos planos desta mulher adolescente, é preciso um acolhimento por parte da equipe, para que haja uma melhor adesão ao acompanhamento e pré-natal.
Por mais que as políticas públicas pautadas na gravidez na adolescência encarem o fato como um problema social e de saúde, nem sempre o é, e permitir que estas mulheres tenha uma evolução desta gravidez de forma humana e digna também é papel dos serviços de saúde. O que fica desse estudo, então, é a compreensão de que nem sempre a gravidez na adolescência é vivenciada como um erro ou como um problema, isso é relativo, e depende também do grupo social em que se encontram essas adolescentes. As vivências podem ser muito diferentes de um grupo para outro, e isto também deve ser levado em consideração.
Referências
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Autores
Isabelle Tavares Amorim – Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco e Professora do Departamento de Psicologia da Faculdade Maurício de Nassau – Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – http://lattes.cnpq.br/6712433902405817
Alessandra Ramos Castanha – Doutora em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco – Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. http://lattes.cnpq.br/8772046436357499
Celestino José Mendes Galvão Neto – Doutorando em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz. Email: celestino.galvãEste endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. – http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4484363A3