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MEU FILHO VAI SER….
Maria Alice Leite Pinto
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Por que não reprimimos a criança que rouba um chiclete do bar como a quem rouba milhões de dólares da construção de um prédio de um tribunal ?
Roubar é errado
Por quem estão sendo criados nossos filhos? O que somos na
verdade? Pais ausentes, temerosos, incertos, permissivos, desonestos,
incoerentes, imorais, violentos, tolerantes, teóricos, moralistas, honrados,
tradicionais, rígidos, presentes, amorosos?
Já não conseguimos nos situar dentro desta gama de opções.
Todas são viáveis, o que muda é a dosagem.
Tentamos ser diferentes de nossos pais acreditando termos
triunfado na questão dos conflitos entre gerações, afinal, toleramos coisas
que no passado, no mínimo nos renderiam umas boas palmadas. Nos perdemos na árdua
tarefa dos diálogos. Acreditávamos que a proteção de nossos filhos estava
intimamente relacionada ao fato de querermos poupá-los de situações embaraçosas.
Dar amor era falar aos seus ouvidos vinte e quatro horas "Te amo"; que
nossa teoria era muito eficaz e começamos a confundir a palavra "Não"
com a própria repressão. Assim deixamos de praticar a educação, o respeito e
amor ao próximo e, graças a um psicologismo vigente na época, os equívocos
se espalharam pelo planeta, até que nossos filhos entraram na adolescência e
acabaram com nossos sonhos de pais ideais, ou pais modernos. Como resultado,
algumas situações inesperadas como: filhos depressivos, desajustados,
dependentes de drogas, violentos, etc. Situações assim tiram o chão dos
nossos pés, é hora de reavaliarmos nosso papel.
Claro que os pais a quem me refiro não são somente os
"pais" (mamãe e papai), mas aquele ser ou núcleo que represente o
modelo inicial para uma criança, sejam tios, avós, padrastos, madrastas, ou
uma instituição.
Devemos pensar um pouco no modelo de "pessoa" que
estamos oferecendo aos nossos filhos. Que modelos estamos exercitando no dia à
dia, em cada uma de nossas atitudes, no meio social que freqüentamos, na relação
de convívio e no respeito ao próximo e a nós mesmos?
Como estamos nos questionando e reagindo diante de tanta
impunidade, tanto roubo, tanta corrupção?
Quem já não se surpreendeu se questionando sobre as
vantagens de ser honesto?
Quem já não se sentiu sendo passado para trás no mundo dos
espertos?
As leis "do Mais Fácil", "do Gerson",
"da Malandragem" sempre existiram, mas nos impressiona assistir ao
exercício livre destas nos
dias de hoje. Essas leis são alardeadas nas altas esferas
políticas e empresariais onde somos obrigados a presenciar imensos rombos
financeiros causados por roubos catastróficos aos cofres públicos, na violência
de uma sociedade empobrecida onde se rouba para sobreviver, na injustiça social
e na ganância pelo poder.
É mais simples discutirmos esses assuntos que são foco de
nossos noticiários que exploram a miséria humana, é um tanto cômodo nos
revoltarmos com tudo o que está acontecendo no mundo aí fora.
Mas é extremamente difícil olharmos para dentro de nossa
casa, nossa família, nossos filhos e de nós mesmos e admitirmos que podemos
estar criando aquelas pessoas que tanto criticamos. Diante de tantas incertezas
nos tornamos permissivos, desatentos e confusos na educação de nossos filhos,
na orientação de nossos jovens, não os fazemos vivenciar na prática o certo
e o errado.
O psiquiatra infantil, professor de Harvard e autor de
Inteligência Moral das Crianças, Robert Coles, fala algo muito significativo:
"Crianças são testemunhas atentas da moralidade dos adultos".
Perdemos um pouco os parâmetros do que é bom e do que é
mau, roubar um cinzeiro em um restaurante é brincadeira, aliás alguns
estabelecimentos comerciais já se preparam de uma forma atípica escrevendo no
objeto a ser roubado : "ESTE CINZEIRO FOI ROUBADO DO TAL LUGAR", o
chamado "souvenir", e esse ato repreensível é aceito por muitos como
uma brincadeira corajosa, inocente e logicamente um exemplo para nossos filhos
de que roubo pode ser algo bom, engraçado e até divertido.
Atendi a uma família que achava engraçadinho o pequenino de
4 anos voltar das lojas com os bolsos recheados de miudezas, roubadas enquanto
sua mãe fazia compras. A mãe conta que passou a costurar os bolsinhos da
roupinha de seu pequenino rebento, "para não passar vergonha" nos
lugares onde ia. De fato, essa façanha era contada pela avó aos seus netos
como algo engraçado e bonitinho, sem a menor intenção de pontuar de forma
repreensiva aquilo que é errado – roubar. Logicamente os netos tentavam repetir
o que o pai herói fizera em sua meninice.
Esse conceito é passado para a criança dessa vivência,
pois as crianças pequenas não fazem corretamente a distinção do certo e do
errado, do porque não se pode ou não se deve pegar algo que não lhes
pertence. Por que a única preocupação dessa mãe era a vergonha pela qual
passaria?
O dever da família é educar moralmente suas crianças para
um convívio social, para a democracia, para a integridade e
roubar é errado em nossa sociedade, seja roubar um chiclete
do bar ou milhões de dólares da construção de um prédio de um tribunal. Não
podemos minimizar a importância dessas atitudes de nossos filhos, e maximizar o
roubo do empresário ou político, porque ambos roubaram.
Então por que não conseguimos reprimir, reprovar,
repreender nossos filhos nas situações mais básicas de convívio social?
Violamos leis de trânsito e o único meio de passamos a nos
controlar foi a imposição de pesadas punições que atingem diretamente nosso
orçamento, e com nossos filhos no carro, reclamamos ou mesmo xingamos aqueles
"molengas" que as respeitam ou os que "injustamente", não
deixam passar impunes nossas infrações.
Que noções de cidadania, de ética e moral estamos
ensinando aos nossos filhos quando não respeitamos normas e leis que instituímos
e que beneficiam a nós mesmos e a comunidade? Que solidariedade é essa, quando
fingimos não existir a miséria e a pobreza que circunda nossas vidas?
Fechamos nossos olhos e nunca conversamos com nossos filhos
sobre a cooperação entre os indivíduos como se vivêssemos em outro mundo até
serem eles assaltados ou molestados na porta do prédio ou dentro de um
Shopping.
Por que delegamos a educação básica de nossos filhos à
escola, professores, psicólogos, empregadas, avós, etc? Por falta de tempo? E
no pouco tempo que estamos com nossos filhos, a culpa nos leva a ser cúmplices
da falta da educação que não lhes demos?
Temos mêdo de assumir tal responsabilidade, quando não
temos claro para nós mesmos o que é certo ou errado?
Temos de rever nossos valores, exercitar claramente o certo e
reprovar o errado, esse é o papel que nos compete, em nossa família,
socialmente, e diante do mundo. Mesmo diante de exemplos absurdos que a mídia
traz de uma sociedade corrompida e corrupta, devemos refletir, e termos uma
postura crítica junto aos nossos filhos. Aí sim, estaremos realmente
presentes, participantes da educação de nossos filhos, mostrando caminhos a
serem percorridos para a cidadania, para a coletividade, para humanização,
legitimando nosso papel de pais e seres sociáveis neste momento tão complicado
que vivemos.
Todos temos a obrigação de educar, cada segmento social tem
seu papel, a escola, o governo, a família, mas é em casa e com aqueles que nos
são mais próximos, que desperta nossa aprendizagem, nosso desenvolvimento físico
e mental. É em casa, e através daqueles que nos educam e que inicialmente nos
servirão de modelo, que irão se formar nossos princípios morais e éticos.
Publicado em 01/01/2000
Maria Alice Leite Pinto – Diretora ecoordenadora do site Psicopedagogia On Line; Pedagoga; Professora de Psicologia da Educação e Especialista em Orientação Educacional; Psicopedagoga Clínica e Institucional pelo Instituto “Sedes Sapientiae” e EPSIBA – Formación em Psicopedagogia Clínica para graduados (Argentina); Mediadora de PEI I – Programa de Enriquecimento Instrumental pelo CBM – PEI Centro Brasileiro de Desenvolvimento da Modificabilidade através do PEI; Ex-Conselheira e Ex-Diretora de Relações Públicas da ABPp – Associação Brasileira de Psicopedagogia.
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