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Artigo Entrid 269

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OS CONCEITOS PSICANALÍTICOS UTILIZADOS NA PSICOTERAPIA FAMILIAR – UM REFERENCIAL PARA A INTERVENÇÃO NA SALA DE AULA

Antônio Tadeu Ayres

Para uma intervenção pedagógica sensata e eficiente, não apenas o paciente (aluno) identificado (simbolicamente representado aqui pelo remendo novo) deve de fato ser novo.

“O autoconhecimento ou o processo de personalização une 

aquilo que estava disperso e que era múltiplo, alarga a consciência, integrando nela os paradoxos e secando assim a fonte de conflitos. Mas essa autocriação é simultaneamente bênção e maldição. Pois resulta logo num inevitável isolamento do indivíduo que se separa do rebanho indistinto e inconsciente. Não há para isso designação melhor do que esta: solidão. Dessa solidão não nos livram nem família, nem sociedade, nem posição.

O desenvolvimento da personalidade – meta da natureza e de qualquer terapia – é tamanha felicidade que tem de nos custar imensamente.” (Emir Calluf)





ÍNDICE







1. Introdução 

2. Referencial teórico da psicodinâmica familiar 

2.1. Pontos a ponderar 

3. Considerações finais 

4. Referências bibliográficas 







“Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o mesmo remendo novo rompe o velho, 

e a rotura fica maior. ” (Marcos 2:21).





1. Introdução

Jorge Visca (1999), em trabalho intitulado ” Os Caminhos da Psicopedagogia no Terceiro Milênio” veiculado via INTERNET, faz alusão ao fato de que um dos trilhos que deverá ser percorrido depois da virada do século é o da investigação, concordando de certa forma com Bossa (1994) que declara em um de seus escritos: “o futuro da Psicopedagogia é ser ciência”. 

De fato, não se pode deixar de levar em conta o fato de que as ciências que não realizam pesquisas são as que menos progridem e que ao contrário, as que se dedicam à investigação são as que mais êxito obtêm, tanto para aqueles que delas se ocupam, como também e principalmente para o bem daqueles que delas se utilizam.

Uma rápida passada d’olhos sobre a produção científica obtida a partir das idéias de Freud no final do século XIX, início do século XX, ate a presente data dar-nos-á uma noção do volume de livros e de teses de mestrado e doutorado publicados desde então, os quais vêm oferecendo suas contribuições para o mundo acadêmico de nossos dias. Isso só vem provar a importância da pesquisa, ao demonstrar, por exemplo, o grau de compreensão alcançado pela Psicanálise na atualidade.

Tomando esses pensamentos como ponto de partida, sem deixar de levar em conta que o próprio Visca é o autor do paradigma conhecido como Epistemologia Convergente, que contempla a assimilação recíproca de elementos da Escola Piagetiana, da Psicologia Social e da própria Psicanálise, procurarei mostrar neste trabalho que as contribuições desta última, em especial os estudos da linha kleiniana sobre a psicodinâmica familiar, são extremamente importantes não apenas para o profissional que hoje chamamos de psicopedagogo, como também, e principalmente, para a intervenção do professor, em sala de aula. 

Com esse objetivo em vista, desejo repassar, a seguir, o pensamento de alguns autores sobre a questão, entremeados, quando achar conveniente, por comentários adicionais.



2. Referencial teórico da psicodinâmica familiar

Desde que Melanie Klein introduziu o conceito conhecido como “identificação projetiva” em 1946, designando-o como “uma combinação de partes cindidas do EU que é projetada em outra pessoa”, ofereceu para a compreensão da psicodinâmica familiar inestimável contribuição.

Dias (1990) esclarece o conceito, explicitando que “os sentimentos e idéias derivados do mundo interno dos indivíduos são cindidos (divididos em pedaços) e projetados num objeto externo. Conseqüentemente, o sujeito fica desprovido dessa parte do EU e vivencia o objeto (a outra pessoa) como se ele possuísse a parte projetada.

“Essas partes podem ser aspectos seus que o indivíduo considere tanto bons como ruins. Pela complementaridade, o outro recebe tais projeções e se transforma em cúmplice da configuração, num processo conivente de interação (num pacto inconsciente) ” (p. 29).

Conforme evidenciei anteriormente, a compreensão da abrangência desse conceito passa a ser extremamente útil, na medida em que, tanto a prática psicanalítica propriamente dita, como a psicoterapia de família, a atuação psicopedagogica e, por extensão, a intervencao do professor na sala de aula, podem se utilizar dele numa serie de situacoes que, se bem conduzidas, podem desencadear, com grandes chances de sucesso o processo de cura do paciente (aluno) identificado, bem como de seu núcleo familiar.

Por conseguinte, entende-se facilmente que não é mais admissível em tais intervenções, relegar para um plano secundário a importância da compreensão da psicodinâmica familiar uma vez que esta, baseada no conceito de identificação projetiva, esclarece que não apenas o indivíduo “enfermo” é realmente a única pessoa doente, pois toda a família acaba entrando na berlinda.

Com essa perspectiva em mente, deduz-se que é muito mais sensato, portanto, pesquisar todo o entrejogo das relações familiares para então, a partir daí, extrair significações que esclareçam o aparecimento da “doença” em um paciente (aluno) identificado.

Entretanto, para uma melhor compreensão do assunto, vale a pena verificar as contribuições de alguns outros autores a respeito:

Rivière (1986) desenvolve a idéia do chamado “bode expiatório” a partir de sua definição da família básica como sendo aquela que se configura pelo entrejogo de papéis diferenciados (pai-mãe-filho) e explica o mecanismo de “depositação” desse entrejogo entre depositante, depositado e depositário.

O depositado corresponde aos afetos, fantasias e imagens que cada “depositante” coloca sobre o outro (depositário). Nessa linha de raciocínio, o “bode expiatório” seria então a pessoa sobre a qual convergem os depósitos de toda a família, que encarrega-se pelo depositado. Como se vê, o bode expiatório acaba por se tornar o “porta-voz” da enfermidade de toda a família. 

Já Meyer (1987), a partir dos estudos não só de Melanie Klein, mas também dos de Bion, entende que o aparecimento de uma patologia em um membro da família seria influenciado pela incapacidade desse grupo em manter seus conflitos internalizados. Em virtude disso, um dos membros dessa família (geralmente o mais susceptível) passa a se utilizar da dinâmica familiar como forma de exteriorizá-los. Sendo assim, por identificação projetiva, os conflitos que eram internos passam a ser vivenciados como externos e relativos a algum outro membro da família. 

Toda essa interação acaba por produzir no núcleo familiar um “objeto interno compartilhado” elaborado a partir da percepção e diferenciação de um conjunto de relacionamentos constituídos pelos “intercâmbios familiares”. Esse objeto, formado pela experiência de interação familiar, é denominado por Meyer de “familidade”.

Por sua vez, Soifer (1989) em linha de raciocínio semelhante, parte da hipótese de que a doença dos filhos obedece à impossibilidade dos pais em transmitir-lhes certa aprendizagem psicológica por não terem podido, eles mesmos, incorporá-las satisfatoriamente no momento histórico apropriado de suas vidas.

Por conseguinte, de acordo com o pensamento da autora, para que sejam capazes de realizar sua função de genitores eficazes (aqueles que dão limites, fornecem a noção de realidade, auxiliam na contenção de impulsos destrutivos e no discernimento entre fantasia e realidade), esses pais dependem de sua capacidade para entrar em regressão, tolerar a reativação de ansiedades e, finalmente, libertar-se da regressão voltando à sua condição de adulto, adquirindo assim a possibilidade de questionar-se e de modificar-se se houver necessidade.

2.1. Pontos a ponderar

Não se pode, evidentemente, perder de vista a constatação de que esse tipo de discussão no ambiente da escola é extremamente incipiente, no Brasil. No entanto, devido ao fato dela já estar sendo exaustivamente definida como uma área de atuação de interdisciplinariedade e de transversalidade, necessário se torna que os profissionais que dela se ocupam (educadores, por definição) jamais percam de vista essa questão, sob pena de tornarem-se desprovidos de condições para a prática do magistério.

Dentro de um modelo mais abrangente, tal interação interdicisplinar e transversal e também, por conseguinte, multidisciplinar e contempla, entre uma serie de outros conceitos, a assimilação recíproca da tríade formativa da Epistemologia Convergente (Escola Piagetiana, Psicologia Social e Psicanálise).

Conforme procurei deixar claro anteriormente, meu entendimento é o de que, dentre as contribuições da Psicanálise, são particularmente interessantes para a pratica pedagógica do professor em sala de aula, aqueles conceitos já utilizados por terapeutas que se ocupam com a psicoterapia familiar (apontados no pequeno referencial teórico apresentado acima).







3. Considerações finais

A fim de concluir, desejo utilizar-me da citação de Jesus, colocada no início deste trabalho: “Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha; porque o mesmo remendo novo rompe o velho, e a rotura fica maior.” (Mc. 2:21).

Dentro do objetivo a que me propus no início deste estudo, procurei demonstrar que a utilização de conceitos psicanalíticos tais como: “identificação projetiva”, “paciente identificado” (“bode expiatório”), “objeto interno compartilhado”, “familidade”, etc., na prática da psicoterapia familiar são também fundamentais para a pratica pedagógica.

Com isso pretendo dizer que, se essa prática pedagógica, consciente ou inadvertidamente, procurar ocupar-se mais com o paciente (aluno), relegando a um segundo plano a sua família e o processo de circulação das informações dentro dela, está tentando colocar “remendo de pano novo em veste velha”.

Para uma intervenção pedagógica sensata e eficiente, não apenas o paciente (aluno) identificado (simbolicamente representado aqui pelo remendo novo) deve de fato ser novo. Também a sua família (o tecido velho) deve ser tornada nova através de uma abordagem que não perca de vista os modelos psicanalíticos aqui apresentados.

1. BOSSA, Nádia Aparecida. A psicopedagogia no Brasil – contribuições a partir da prática. ed. Porto Alegre, RS, Artes Médicas, 1994.
2. DIAS, Maria Luiza. O que é psicoterapia da família. 1 ed. São Paulo, SP, Brasiliense, 1990.
3. CALLUF, Emir. Sonhos, Complexos e Personalidade – A Psicologia Analítica de C.G Jung. 1 ed. São Paulo, SP, Mestre Jou, 1969.
4. MEYER, Luís. Família: Dinâmica e Terapia (Uma Abordagem Psicanalítica). 2 ed. São Paulo, SP, Brasiliense, 1987.
5. RIVIÈRE, Pichon E. O Processo Grupal, 1 ed. São Paulo, SP, Martins Fontes, 1986.
6. SOIFER, Raquel. Psicodinâmica da família com crianças. 1. ed. Petrópolis, RJ, Vozes, 1989.
7. VISCA, Jorge. Os caminhos da psicopedagogia no terceiro milênio, artigo veiculado pela INTERNET, site da Abp, maio de 1999 ( http:/www. psicopedagogia@trait.com.br).

Publicado em 01/01/2000


Antônio Tadeu Ayres – Psicopedagogo, Mestrando em Educação e Psicanalista Clínico

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