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Artigo Entrid 267

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TRABALHANDO COM O GENOGRAMA DAS REDES

Elizabeth Polity

Com base no genograma, estou propondo discutir a construção do REDOGRAMA – o genograma das redes constituídas pelos sistemas mais amplos que cercam o grupo familiar e que lhe dá apoio – , e sua aplicabilidade no atendimento institucional escolar.

INTRODUÇÃO





Tenho como proposta apresentar um trabalho desenvolvido em uma instituição que atende crianças com dificuldade de aprendizagem e que, ao desenvolver um trabalho em rede, nos permitiu elaborar um mapa dessas redes, muito semelhante ao genograma usado com as famílias.

Para o entendimento da proposta, é preciso que se esclareça, que o genograma é um instrumento largamente utilizado em Terapia Familiar de orientação sistêmica, com o intuito de trazer para o conhecimento dos membros do sistema, suas origens, suas ligações afetivas, os mitos e os valores daquele grupo em especial.

O genograma é um mapa que oferece uma imagem gráfica da estrutura familiar ao longo de várias gerações, esquematiza as grandes etapas do ciclo de vida familiar, além dos movimentos emocionais a ele associados.

Com base neste instrumento, tivemos como proposta criar um mapa que trouxesse uma imagem gráfica das diversas redes envolvidas com um determinando caso: criou-se o REDOGRAMA.



SÍNTESE TEÓRICA



Em 1985, quando Mc Goldrick e Gerson lançaram seu livro Genogramas afirmaram que as possibilidades do uso daquele instrumento eram inúmeras e que só então começavam a ser desenvolvidas. O genograma, por nós usado em clínica, pode ser definido como um Genograma Construtivista, pois é uma verdadeira construção com a família que produz diferentes narrativas, em diferentes momentos. Esse mesmo instrumento pode ser usado em instituições, empresas, escolas, como instrumento de investigação, de resolução de conflitos, etc..

A visualização dessa rede, graficamente, com as indicações dos padrões relacionais, das vinculações formadas, proximidades e distâncias, ajudariam os leitores de trabalhos, que envolvem redes, a terem uma apreensão rápida do desenho redográfico. Estaríamos propondo então, um REDOGRAMA construtivista, na medida em que consideramos a importância de construí-lo conjuntamente com os envolvidos, permitindo diferentes acordos e diferentes narrativas.

Minha visão educacional aponta para o fato que toda criança vem inserida num contexto familiar que lhe dá suporte e que influencia sobremaneira no seu relacionamento com o saber e com o conhecer. 

Dentro da área educacional, utilizamos o genograma, para determinar a modalidade de aprendizagem, tanto do sujeito, quanto do grupo familiar ao qual ele pertence. Esta estratégia permite que se vislumbre como este sujeito se relaciona com o saber, como se aproxima ou se afasta das situações de conhecimento, quais as aprendizagens que foram adquiridas das gerações mais velhas e que são transmitidas como mandatos e valores para as mais jovens.

Através do genograma podemos ainda identificar a época do Ciclo Vital que cada aluno se encontra e quais os dinâmicas utilizadas pela família para caminhar ou não no tempo, pois como sabemos a aprendizagem está intimamente ligada a noção espacial e temporal. 

Com base no genograma, estou propondo discutir a construção do REDOGRAMA – o genograma das redes constituídas pelos sistemas mais amplos que cercam o grupo familiar e que lhe dá apoio – , e sua aplicabilidade no atendimento institucional escolar.



DESENVOLVIMENTO



Segundo Sluzk (1996), ao incorporarmos a dimensão de rede social na prática educacional, podemos observar processos adicionais que interferem no desenvolvimento do sujeito aprendente, assim como também, podemos levantar e pesquisar novas hipóteses acerca de quais variáveis podem ter contribuído para originar e/ou manter as referidas dificuldades. As redes oferecem um princípio organizativo das experiências pessoais e sociais, dentro do contexto escolar.

Diante de um baixo desempenho acadêmico, muitos alunos buscam uma escola especializada, com o objetivo de sanar as causas de seu fracasso escolar. A questão inicial parece ser a busca de um diagnóstico, que venha confirmar as referidas dificuldades.

Entretanto, entendo que o aluno deva ser visto, como aquele que ao apresentar uma dificuldade, revela uma situação mais ampla, onde se inscreve também a família e a escola – além de outros sistemas significativos – parceiros que são no processo de aprendizagem.

A visão centrada apenas no aluno empobrece a possibilidade de ampliação de recursos que devem ser disponibilizados para se fazer frente aos desafios.

Mudanças vem ocorrendo nos últimos anos, no tocante ao ensino. A óptica que privilegia o conteúdo, começa a sofrer um esvaziamento a partir da compreensão acerca dos processos de aprendizagem. O fazer pedagógico se transforma, e da condição de depositário, o aluno passa a fazer parte de um processo mais amplo, que incluem as novas parcerias como co- responsáveis : a família, a escola, os terapeutas, o meio social.

“A Dificuldade de Aprendizagem” transforma-se em oportunidade: oportunidade de aprendizagem para a família, no tocante aos seus processos de relacionamento interpessoal, oportunidade para os professores e para a escola, refletirem sobre os resultados de uma ação educacional, repensando o fazer pedagógico e inscrevendo a possibilidade de novas abordagens. Oportunidade para os terapeutas que podem ser co-construtores de narrativas mais funcionais. Oportunidades para todos os envolvidos se pensarem sistemicamente, dentro de sua prática e de seus procedimentos.

Dentro desses novos procedimentos incluo a construção do REDOGRAMA. 



PROCEDIMENTO METODOLÓGICO:



Gostaria de ilustrar com um caso atendido na Instituição, que acredito possa demonstrar o que acabo de dizer.

Fui procurada por Beatriz (os nomes são fictícios), em Fevereiro de 1999, que pediu ao telefone que marcássemos uma entrevista para conhecer o colégio. Neste primeiro contato ela informou que recebera a indicação de Zélia, psicopedagoga de seu filho.

B. começa a conversa contando que tem um filho (Guilherme) de 17 anos, que atualmente está sem escola, devido a alguns problemas que enfrentou no ano anterior.

Ela relata que G. fora usuário de drogas, tendo sido internado numa clínica de desintoxicação por oito meses. Este fato contribuiu para uma defasagem escolar do jovem, que encontra-se hoje apto a cursar a 5a série.

Depois de uma longa conversa, explico que para aceitarmos G. no Colégio, precisamos de um período de experiência, no qual analisamos as possibilidades de realizar um atendimento adequado. 

Digo também que é procedimento usual, entrarmos em contato com todos os profissionais que acompanham o aluno, para trocarmos experiências. Ela concordou e assim, conversei com a psicopedagoga, com a psicóloga e com o psiquiatra, que deram uma visão própria do caso.

Depois de percorrer todo o sistema terapêutico, considerando a rede externa que facilitaria o nosso trabalho, era hora de levar o caso para a equipe técnica do Colégio para discutirmos e estabelecer os vínculos necessários à rede de atendimento interno à escola. Fizemos uma reunião inicial, onde foram passados os dados por mim coletados nas entrevistas e onde demos nosso parecer sobre o aluno.

Nesta reunião, decidimos que seria importante termos um encontro com todos os envolvidos no caso. Foi quando me ocorreu a idéia de traçarmos um mapa, à semelhança do genograma, que nos trouxesse numa rápida visualização, todos os sistemas de apoio. Construímos assim, um REDOGRAMA.

A visualização oferecida pelo REDOGRAMA nos permitia discutir os progressos, as paralisações, os movimentos emocionais a eles associados, bem como os manejos necessários para darmos continuidade aos atendimentos.

Podíamos observar como era a relação de G. e da família com os diferentes sistemas e destes entre si.

Esses encontros permitiam ainda uma maior integração, um trabalho em equipe, que facilitava a comunicação entre os envolvidos, ao mesmo tempo que nos dava um sentimento de pertencimento a um sistema mais amplo

Alguns meses mais tarde, um fato novo veio nos surpreender: G. foi pego portando maconha e encaminhado para a delegacia. Os pais foram chamados e o padrasto quando soube do ocorrido afirmou que não permitiria que G. voltasse para casa. Estava criado um impasse.

Juntos: o psiquiatra, a equipe da escola, Z. e a psicóloga., discutimos com a família, quem cuidaria de G. neste momento.

Depois de sabermos que não havia ninguém da família com quem G. pudesse ficar, lançamos mão do apoio de uma rede social mais ampla: a família de um outro aluno da escola.

Assim, a exemplo de outras experiências bem sucedidas, que já havíamos feito antes, conseguimos uma outra casa para G. viver por uns tempos.

A “família hospedeira” ofereceu um lugar mais organizado para recebê-lo. Lá ele tinha horários bem organizados, fazia as refeições com a família reunida, contribuía com pequenos serviços em casa, como ajudar a tirar os pratos e a fazer a cama. Sobretudo, comparecia aos seus compromissos, como a escola e seus atendimentos terapêuticos.

Estava sendo incluído mais um sistema nesta ampla rede e mais uma vez o REDOGRAMA – agora com a inclusão de mais um nó de rede – foi um elemento facilitador em nossas reuniões.

Dois meses se passaram. Com o auxílio da rede terapêutica, a família passou para uma fase de maior aceitação. B. foi atendida individualmente, para que pudesse atravessar um período de depressão. O padrasto, pelo que soubemos, esteve sempre presente, tentando dar apoio emocional à mulher.

Neste tempo, o comportamento de G. na escola também mudou. Ele teve oportunidade de fazer novas amizades e ver que os outros jovens tinham suas competências. Ele pode começar a trabalhar com a desorganização que parecia projetar nos outros, e reorganizá-la dentro de si. Aprendeu a relacionar-se, com um grupo de alunos de sua sala, com os quais, através de atividades educacionais (seminários, trabalhos, apresentações) e sociais (cinema, teatro, passeios), pode começar a reconstruir sua auto-imagem.





DISCUSSÃO DE RESULTADOS



A uma semana do término das aulas, nos reunimos com o objetivo de fazer uma avaliação do ano.

Da parte do Colégio, estávamos satisfeitos com o progresso de G., embora soubéssemos que ainda havia muito a caminhar. 

Examinamos então, as providências que precisariam ser tomadas para que isto ocorresse. Tínhamos em mente que G. precisava sempre ser chamado para uma visão mais realista da vida, não apontando soluções mágicas para seus problemas, o que combinava muito com o padrão de comportamento familiar.

Z. informou que terminou o ano satisfeita com os resultados obtidos. A psicóloga disse que estava dando férias para G., e que ele pretendia viajar com a família. Segundo ela, eles teriam boas condições de passarem um período juntos, em atividades de lazer. O mesmo afirmou o psiquiatra.

Fazendo uma retrospectiva, percebo que G. veio de sucessivas experiências frustradas em escolas anteriores. Seu comportamento sem limites e com alguns componentes delinqüentes eram fatores impeditivos para que desenvolvesse um aprendizado significativo. Embora suas competências intelectuais estivessem presentes, com algumas defasagens, não estavam disponíveis no contexto escolar.

A partir de um trabalho integrado, facilitado pela visualização do REDOGRAMA, as perspectivas pedagógicas foram ampliadas, permitindo que o jovem retomasse seu curso desenvolvimental.



CONSIDERAÇÕES FINAIS



Trabalhar as relações nesta família, juntamente com as redes envolvidas, permitiu que cada um ocupasse o lugar que lhe cabia, favorecendo uma organização (interna e externa) vital para o desenvolvimento da aprendizagem de G. 

Minha hipótese de que ele poderia ter ganhos pedagógicos com o trabalho em rede foi confirmada por seu desenvolvimento observado ao final do ano letivo. A visualização e as discussões que foram entabuladas em torno do trabalho em conjunto, foi sobremaneira auxiliado pelo REDOGRAMA, que permitia que houvesse a troca e o intercâmbio necessários para auxiliarmo-nos mutuamente.

Creio que passamos – escola, família e terapeutas – por diversos estágios mas, conseguimos, ao final, juntos, redefinir a história da família, num processo de desintoxicação dos padrões relacionais habituais.

O pensamento sistêmico aplicado à prática educacional representa um grande salto conceitual. O foco do ensino muda do sujeito da aprendizagem para os sistemas humanos formados pelos: alunos, professores, famílias, comunidade; portanto do exclusivamente intrapsíquico para o inter-relacional. 

O aparecimento dessa possibilidade na área educacional foi marcado pela interdisciplinaridade, que permite um diálogo a partir de múltiplas perspectivas. Esse referencial é viabilizado com o trabalho em redes e auxiliado pela execução do REDOGRAMA.

FERNADEZ, A., A inteligência Aprisionada, Porto Alegre, Artes Médicas, 1990
MC. GOLDRICK & GERSON, Genogramas, Porto Alegre, Artes Médicas, 1985
MIERMONT, J. e col., Dicionário de Terapias Familiares, Porto Alegre, Artes Médicas, 1998
POLITY, E. Ensinando a Ensinar, São Paulo, Lemos, 1997
POLITY, E. (org.) Psicopedagogia: um enfoque sistêmico – Terapia Familiar nas dificuldades de aprendizagem, São Paulo, Empório do Livro, 1998
SLUZKI, C., A rede social na prática sistêmica, São Paulo, Casa do Psicólogo, 1997

Publicado em 01/01/2000


Elizabeth Polity – Psicopedagoga, terapeuta familiar, Mestre em educação, doutoranda em
psicologia. Diretora do Colégio Winnicott. Diretora da APTF

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