FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO: UM OLHAR A PARTIR DA PSICOPEDAGOGIA
Fernanda Figueira Marquezan**, Carmen Rosane Segatto e Souza***
A criança, mesmo não reconhecendo os símbolos do alfabeto, já “lê” o seu meio, estabelecendo relações entre significante e significado.
O propósito do estudo foi refletir sobre o papel da
psicopedagogia preventiva no fracasso escolar durante a alfabetização, devido
à desatenção que tem sofrido o ensino da leitura e da escrita, e o baixo
rendimento escolar, nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Também, a
importância do trabalho psicopedagógico preventivo que se baseia
principalmente na observação e análise profunda de uma situação concreta,
no sentido de detectar possíveis perturbações no processo de aprendizagem. O
estudo caracterizou-se como uma pesquisa de campo do tipo descritiva
exploratória. A amostra constituiu-se de 08 professores alfabetizadores de
escolas públicas e particulares de Santa Maria-RS. Para coleta das
informações, utilizou-se um questionário contendo perguntas abertas e
fechadas, aplicado sob forma de entrevista. Os dados analisados, mostram que do
total de professores entrevistados a maioria se deparam com alunos que
apresentaram dificuldades na leitura e na escrita. No estudo, constatou-se que o
fracasso na alfabetização ainda hoje faz parte do cotidiano das nossas
escolas.
PALAVRAS-CHAVE: Fracasso escolar – Alfabetização –
Psicopedagogia
1. INTRODUÇÃO
Na atualidade, várias pesquisas têm sido realizadas na
busca de compreender o fracasso escolar na alfabetização tendo em vista os
problemas que a leitura e a escrita apresentam à educação (PATTO, 1996;
MICOTTI, 1987; SCOZ, 1994). Essas pesquisas indicam a existência de
problemas no processo de ensino-aprendizagem da linguagem na
primeira série, isto é, problemas relativos à alfabetização, pois é na
primeira série que normalmente ocorre à alfabetização.
O educando chega à escola com um grande número de
experiências, de aprendizagens que são ignoradas pelo professor, pois mesmo
antes de ingressar na escola a criança já possui inúmeras vivências que
deveriam servir como ponto de partida das atividades do professor.
A criança, mesmo não reconhecendo os símbolos do alfabeto,
já "lê" o seu meio, estabelecendo relações entre significante e
significado. A escola deve dar continuidade a esse processo defendendo a livre
expressão da criança, pois com isso o educando enfrentará com mais
tranqüilidade a grande aventura do primeiro ano escolar: aprender a ler e
escrever.
Nesse sentido, é necessário que os educadores tenham
conhecimentos que lhes possibilitem compreender sua prática e os meios
necessários para promoverem o progresso e o sucesso dos alunos. Uma das
maneiras de se chegar a isso é através das contribuições que a
Psicopedagogia proporciona, pois é a área que estuda e lida com o processo da
aprendizagem e com os problemas dele decorrentes. Sua nova visão vem sendo
apresentada pela
Psicopedagogia e vem ganhando espaço nos meios educacionais
brasileiros, despertando o interesse dos profissionais que atuam nas escolas e
buscam subsídios para sua prática.
Em função dessa realidade educacional identificada com base
nas colocações referidas, buscou-se, a partir desta pesquisa refletir o papel
da psicopedagogia preventiva no fracasso escolar na alfabetização.
O interesse em pesquisar a forma como a intervenção
psicopedagógica pode contribuir para a prevenção do fracasso escolar na
alfabetização é devido à desatenção que tem sofrido o ensino da leitura e
da escrita, e o baixo rendimento escolar, nas primeiras séries do Ensino
Fundamental; e como também, devido à importância do trabalho psicopedagógico
preventivo que se baseia principalmente na observação e análise profunda de
uma situação concreta, no sentido de detectar possíveis perturbações no
processo de aprendizagem promovendo orientações didático-metodológicas de
acordo com as características dos indivíduos e grupos.
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 A PSICOPEDAGOGIA NA INSTUIÇÃO ESCOLAR
A Psicopedagogia se ocupa da aprendizagem humana, e surgiu de
uma demanda: o problema de aprendizagem, colocado num território pouco
explorado, situado além dos limites da Psicologia e da própria Pedagogia. Como
se preocupa com os problemas de aprendizagem, o psicopedagogo deve ocupar-se
inicialmente com o processo de aprendizagem, como se aprende, como essa
aprendizagem varia, e como se produzem as alterações na aprendizagem, como
reconhecê-las, tratá-las e preveni-las.
Segundo BOSSA, o objeto central de estudo da Psicopedagogia
está se estruturando em torno do processo de aprendizagem humana: seus padrões
evolutivos normais e patológicos, bem como a influência do meio (família,
escola, sociedade) no seu desenvolvimento (apud Kiguel, 1994, p. 8).
O trabalho na instituição escolar apresenta duas naturezas:
o primeiro diz respeito a uma psicopedagogia voltada para o grupo de alunos que
apresentam dificuldades na escola. O seu objetivo é reintegrar e readaptar o
aluno à situação de sala de aula, possibilitando o respeito às suas
necessidades e ritmos. Tendo como meta desenvolver as funções cognitivas
integradas ao afetivo, desbloquendo e canalizando o aluno gradualmente para a
aprendizagem dos conceitos, conforme os objetivos da aprendizagem formal. O
segundo tipo de trabalho refere-se à assessoria junto à pedagogos,
orientadores e professores. Tem como objetivo trabalhar as questões pertinentes
às relações vinculares professor-aluno e redefinir os procedimentos
pedagógicos, integrando o afetivo e o cognitivo, através da aprendizagem dos
conceitos, as diferentes áreas do conhecimento.
Segundo BOSSA (1994, p. 13), no exercício preventivo,
pode-se falar em três níveis de prevenção:
No primeiro nível, o psicopedagogo atua no sentido de
diminuir a freqüência dos problemas de aprendizagem. Seu trabalho recai
nas questões didático-metodológicas, bem como na formação e orientação de
professores, além de fazer aconselhamento aos pais. No segundo nível, o
objetivo é diminuir e tratar dos problemas de aprendizagem já instalados, a
partir das quais procura-se avaliar os currículos com os professores para que
não se repitam tais transtornos. No terceiro nível, o objetivo é
eliminar os transtornos já instalados, num procedimento clínico com todas as
suas implicações. O caráter preventivo permanece aí, uma vez que, ao
eliminarmos um transtorno, estamos prevenindo o aparecimento de outros.
Na sua tarefa junto às instituições escolares, o
psicopedagogo, numa ação preventiva, deve adotar uma postura crítica frente
ao fracasso escolar, visando propor novas alterações de ação voltadas para a
melhoria da prática pedagógica nas escolas.
Segundo FERNÁNDEZ:
Para resolver o fracasso escolar necessitamos recorrer
principalmente a planos de prevenção nas escolas – batalhar para que o
professor possa ensinar com prazer para que, por isso, seu aluno possa
aprender com prazer, tende a denunciar a violência encoberta e aberta,
instalada no sistema educativo, entre outros objetivos… (1990, p. 81-82).
2.2 FRACASSO ESCOLAR NA ALFABETIZAÇÃO
A aprendizagem da leitura e escrita constitui-se uma das
tarefas básicas propostas à educação. Aparentemente simples, essa tarefa
constitui, no entanto, um dos problemas educacionais da atualidade que mais
chama atenção, por isso tem sido objeto de estudo. O assunto tem sido
questionado por parte de pais, professores e especialistas em educação não
só no que diz respeito ao domínio da escrita propriamente dita, mas às
repercussões dessa aprendizagem nos vários aspectos da escolaridade.
Quando uma criança ingressa na escola, sua primeira tarefa
é aprender a ler e escrever, sendo a alfabetização o centro das expectativas
de pais e professores. Os pais a e própria criança não têm, em geral, razão
para duvidarem do sucesso nessa nova aprendizagem. No entanto, o que muitas
vezes os pais e professores não consideram, é que a leitura e a escrita são
habilidades que exigem da criança a atenção para aspectos da linguagem aos
quais ela não precisa dar importância, até o momento em que começa aprender
a ler e escrever. Por isso, toda a criança encontra alguma dificuldade na
aprendizagem da leitura e da escrita.
Aprender a ler exige novas habilidades, novos desafios à
criança com relação ao seu conhecimento da linguagem. Por isso, aprender a
ler é uma tarefa complexa e difícil para todas as crianças.
Quando as crianças não conseguem atender às expectativas
da professora, supõe-se e conclui-se que elas têm problemas, pois a escola
constrói um modelo de bom aluno, mas nem todas crianças se adaptam
dentro desse modelo, quando isso acontece os professores recorrem as muletas
para explicar tal situação: "estas crianças não podem aprender porque
não há ajuda familiar, falta de maturidade, suposta lesão cerebral mínima ou
transtornos do tipo: psicomotora, na fonação, percepção,
etc…"(FERREIRO, 1989, p. 73).
Sobrecarregados de tantos males estas crianças acabam
aprendendo que não poderão aprender, buscando estratégias de sobrevivência
neste sistema, tentam adequar-se às normas e copiam do quadro mesmo sem saber
como e porquê. Outras se recusam a copiar, procuram outras atividades para
fazer, surgindo o espaço ideal para a indisciplina.
Várias pesquisas afirmam que o fracasso na leitura constitui
uma das principais causas de repetência ou atraso escolar. Cerca da metade dos
alunos repetem a primeira série onde a repetência é acentuada e está
intimamente relacionada com problemas no ensino e na aprendizagem inicial da
leitura e escrita e, nos casos dos alunos provenientes de família de baixa
renda, essa porcentagem sobe para 60% (TORRES, 1999, p. 12).
Segundo FERREIRO (1989, p. 73)
A escola geralmente, ineficiente para introduzir as
crianças no mundo da língua escrita, é contudo, extremamente eficiente
para conseguir fazer com que assumam a culpa de seu próprio fracasso: um
dos maiores danos que se pode fazer a uma criança é leva-la a perder a
confiança em sua capacidade de pensar.
Nesse contexto, o ensino da escrita tem se reduzido a uma
simples técnica que serve e funciona num sistema de reprodução cultural. Os
efeitos desse ensino são evidentes, não apenas nos índices de evasão e
repetência, mas nos resultados de uma alfabetização sem sentido que produz
uma atividade sem consciência, desvinculada da realidade e desprovida de
sentido, tornando a escrita um instrumento seletivo, dominador e alienador.
Já é bem conhecido o fato de que o fracasso escolar
não se distribui democraticamente no conjunto da população. O fracasso
escolar inicial, que é o da alfabetização, se concentra nas populações
urbanas e rurais marginalizadas. Constitui, também, lugar comum assinalar
correlações positivas entre o fracasso da alfabetização no tempo escolar
requerido e fatores como estado de saúde da criança (especialmente o
nutricional) o nível de educação dos pais, as condições gerais de vida,
etc. os professores e a instituição escolar têm aceitado, com facilidade,
a realidade de tais fatos… (FERREIRO, 1989, p. 72).
2.3 CONCEPÇÃO SOBRE ALFABETIZAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO
SEU PROCESSO
Tradicionalmente, o processo de alfabetização estava
diretamente relacionado com a inteligência (QI), essa visão da alfabetização
dominou, durante muito tempo, os estudos e pesquisas na área, explicava o papel
desempenhado pela ideologia do dom, na justificativa do fracasso em
alfabetização, atribuindo a responsabilidade por esse fracasso às chamadas
disfunções psiconeurológicas da aprendizagem da leitura e da escrita (afasia,
dislexia, discalculia, disgrafia, disfunção cerebral mínima, ect).
Mais recentemente, o foco da análise da alfabetização
voltou-se para as abordagens cognitivas, sobretudo da Psicologia Genética de
Piaget. Embora Piaget não tenha realizado pesquisas sobre a aprendizagem da
leitura e da escrita, vários pesquisadores têm estudado a alfabetização,
entre esses, destaca-se Emília Ferreiro.
Mas apesar de todos os estudos realizados, ainda hoje a
alfabetização tem sido considerada como processo de aquisição do código
alfabético, em que a escrita representa a transcrição dos sons em fonemas.
Nessa concepção de alfabetização e do seu processo de
desenvolvimento o aluno é considerado como aquele que não possui qualquer
conhecimento, que deve estar pronto para receber as informações de como lidar
com esse código, através de um professor que, detendo o conhecimento,
restringe-se apenas a transmiti-lo. A escola considera-se guardiã do
objeto cultural: a linguagem escrita, tomando-o como algo estático e imutável,
como um modelo a ser seguido, que exige do educando uma atitude de respeito
diante deste objeto e ainda cópia e reprodução fiel, sem direito a
modificações.
Desta forma, a aquisição da leitura e da escrita deve
acontecer através da utilização de um conjunto de procedimentos: métodos,
técnicas e recursos, que possibilitem aos educandos adquirirem habilidades em
relação ao uso desse código.
O trabalho do professor quanto à alfabetização tem-se
centralizado na busca do melhor ou mais eficaz método levantando,
assim, uma polêmica em torno dos métodos sintético e analítico.
Os métodos sintéticos começam pela apresentação de
elementos considerados simples (elementos sem nenhuma significação) e, por
composição, vão alcançando as unidades significativas. Os métodos
analíticos partem das unidades com significado (palavras ou frases) que vão
decompondo progressivamente até alcançarem as unidades menores. Frente a esta
dicotomia, muitos professores declaram que utilizam um método misto que
nada mais é, do que uma mistura de elementos recebidos, que estão na moda.
Essa forma tradicional leva a escola ver na alfabetização uma vinculação
entre os métodos utilizados e o estado de maturidade ou prontidão,
de conceber a escrita como transcrição gráfica das unidades sonoras e a
leitura como decodificação deste código, essa realidade mostra o total
desconhecimento dos professores e do processo de alfabetização.
De acordo com MOURA (1999, p. 127):
Essas concepções e as formas de proceder baseada nos
métodos, desnudado as práticas escolares que são de certo modo
responsáveis pelo fracasso das crianças, pela sua expulsão da escola,
transformando-as em analfabetos funcionais que, no futuro, em alguns casos,
transforma-se nos adultos que voltam à escola em busca do conhecimento não
adquirido.
Além da utilização dos métodos, o livro didático é
apresentado para o aluno como uma fonte de conhecimentos do mundo, ao
invés de ser um dos objetos de conhecimento. As atividades de leitura e
escrita, baseadas no livro didático, são totalmente desprovidas de sentido e
totalmente alheias ao funcionamento da língua.
Para MOURA (1999, p. 131):
À medida que o professor desconhece o processo de
aquisição que constitui a alfabetização, as características dos
sujeitos que aprendem, ele torna o processo mais difícil do que deveria
ser, produzindo fracasso escolares desnecessários, transformando a
experiência da alfabetização em uma experiência literalmente
traumática.
Em contraposição a essa concepção em torno da
alfabetização e a preocupação com os níveis alarmantes de fracasso escolar,
Emília Ferreiro propõe a psicogênese da língua escrita, onde o processo de
aquisição da escrita é construído pela criança, e os objetivos da
alfabetização devem possibilitar aos educandos irem muito além do que
adquirir habilidades para a leitura e a escrita, mas sim interpretar aquilo que
se lê e escreve, o processo de aprendizagem é resultado da atividade do
sujeito que compara, exclui, ordena e reformula.
Segundo MOURA (1999, p. 140):
A alfabetização consiste num processo pedagógico e
epistemológico deve possibilitar, ao sujeito, a apropriação do sistema de
representação da linguagem escrita e a sua conseqüente reconstrução e
utilização para si como objeto possibilitador da apropriação de novos
conhecimentos e de intervenção em diferentes situações sociais.
De acordo SMOLKA (1988, p. 47), Emília Ferreiro deixa bem
claro a sua concepção sobre o sistema de linguagem em contraposição à
concepção tradicional e faz a distinção entre a escrita como sistema de
representação da linguagem e a escrita como sistema de decodificação.
No primeiro caso, a escrita é concebida como um código de
transcrição e a aprendizagem é concebida como aquisição de uma técnica.
Tem-se uma imagem pobre do sujeito que aprende, não se entende nem se considera
as experiências que ele tem e muito menos as suas concepções sobre a escrita,
nem se avalia o seu caminho evolutivo até chegar à produção da escrita.
No segundo caso, a escrita é entendida como um sistema de
representação e a aprendizagem se converte na apropriação de um novo objeto
de conhecimento. Entende-se que o processo de evolução do sujeito em direção
à apropriação da escrita é um processo complexo que se identifica com a
própria história da construção da escrita pela humanidade
Desta forma, esta concepção de alfabetização pressupõe
ter bem clara a distinção entre apropriação de conhecimento de aprendizagem
e uma técnica de decodificação, pois a alfabetização é um processo ativo
de reconstrução por parte do aluno que não pode se apropriar verdadeiramente
de um conhecimento se não quando compreendeu seu processo de construção.
Essas mudanças requerem novas atitudes em relação à
compreensão dos sujeitos e do objeto da alfabetização. Requer entender que a
escrita não é um produto escolar, mas sim objeto cultural, resultado do
esforço coletivo da humanidade e que não é pela utilização de técnicas,
métodos que o sujeito produz a escrita. O processo de alfabetização, enquanto
construção do conhecimento, é uma tarefa crucial tanto para as crianças
quanto para os professores.
3. METODOLOGIA
Com o intuito de refletir sobre o papel da psicopedagogia
preventiva no fracasso escolar na alfabetização, este trabalho optou-se, num
primeiro momento pela pesquisa bibliográfica para construção de um
referencial teórico.
De acordo com LAKATOS & MARCONI, (1995, p. 43), "a
pesquisa bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito
sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou
abordagem, chegando a conclusões inovadoras".
Num segundo momento, tornou-se necessário fazer uma
confirmação entre o referencial teórico construído e a realidade escolar,
para isso, foi realizada uma pesquisa de campo do tipo descritiva exploratória.
Segundo BASTOS & KELLER:
A pesquisa de campo visa suprimir dúvidas, ou obter
informações e conhecimentos a respeito de problemas para as quais se
procura resposta ou a busca de confirmação para hipóteses levantadas e,
finalmente, a descoberta de relações entre fenômenos ou os próprios
fatos novos e suas respectivas explicações (1992, p. 55).
Como instrumento de pesquisa foi utilizado um questionário
que constou de perguntas abertas e fechadas, aplicadas sob forma de entrevista
pessoal, que foi coletada junto aos professores, com o propósito de refletir
sobre o papel da psicopedagogia preventiva no fracasso escolar na
alfabetização.
Conforme MARCONI & LAKATOS:
Como técnica de coleta de dados, a entrevista oferece
várias vantagens: oferece maior oportunidade para avaliar atitudes,,
condutas, podendo o entrevistado ser observado naquilo que diz e como diz:
registro de reações, dá oportunidade para obtenção de dados que não se
encontram em fontes documentais e que sejam relevantes e significativos…
(1990, p. 86).
O universo deste estudo foi representado por 08 professores
que atuam na 1ª série do Ensino Fundamental de escolas da rede pública
estadual e privada de Santa Maria-RS, e ainda na Escola de Aplicação São
Vicente de Paulo, pelo fato de a mesma ser uma extensão do Centro
Universitário Franciscano onde, futuramente, acontecerão todas as atividades
de prática de ensino dos cursos de licenciatura da Instituição.
4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
A seguir serão discutidos os resultados obtidos das
entrevistas realizadas com 08 professores alfabetizadores de escolas particular
e pública.
4.1 CARACTERIZAÇÃO DA CLIENTELA
Os professores entrevistados na sua maioria possuem
formação superior, com tempo de atuação no magistério entre cinco a quinze
anos. Em relação ao tempo de atuação, em alfabetização, a grande maioria
dos professores possuem cinco a quinze anos. A média de alunos por turma é de
vinte a vinte e cinco por classe, com idade média de sete anos de idade.
TABELA 01 – Questões propostas e as opiniões do entrevistados
|
Questões |
|
|
Sim |
Não |
Total |
Dificuldades para aprender a |
7 |
1 |
8 |
ler e escrever |
|
|
|
|
Foram muitos casos de |
7 |
1 |
8 |
dificuldades na aprendizagem |
|
|
|
Alunos reprovados |
|
7 |
1 |
8 |
No que se refere às dificuldades para aprender a ler e
escrever, percebe-se que a grande maioria dos professores entrevistados se
deparam com essa situação, acarretando com isso na reprovação dos alunos que
apresentam tal dificuldade.
Conforme DORNELES (1990, p. 251), à medida que começamos a
estudar mais profundamente o fracasso escolar, percebemos que, no Brasil, esse
problema adquire características de fenômeno de massa, ou seja, atinge a maior
parte da população em idade escolar.
GRÁFICO 01 – Áreas em que as dificuldades de aprendizagem
da leitura-escrita estão mais relacionadas:

Os dados acima revelam que, em relação às áreas em que as
dificuldades de aprendizagem estão mais relacionadas, destacam-se as áreas:
cognitiva 30%, afetiva 30%, social 30%, ficando a área física em menor
ocorrência, apenas 10%.
Segundo WEISS (2000, p. 16), os aspectos cognitivos estão
ligados basicamente ao desenvolvimento e funcionamento das estruturas
cognoscitivas em seus diferentes domínios. Inclui-se nessa grande área
aspectos ligados à memória, atenção, antecipação. O fracasso escolar está
ligado ao aluno enquanto aprendente, isto é, especificamente às condições
internas de aprendizagem.
Com relação à área afetiva a autora, ressalta a ligação
entre o desenvolvimento afetivo, e sua relação com a construção do
conhecimento e a expressão deste através da produção escolar. O
não-aprender pode, por exemplo, expressar uma dificuldade na relação da
criança com a sua família, será o sintoma de que algo vai mal nessa
dinâmica.
Quanto à área social, WEISS afirma que no diagnóstico
psicopedagógico do fracasso escolar de um aluno não se pode desconsiderar as
relações significativas existentes entre a produção escolar e as reais
oportunidades que a sociedade possibilita aos representantes das diversas
classes sociais.
Em relação à área física, constata-se que os professores
entrevistados não consideram como a área que esteja mais relacionada com as
dificuldades de aprendizagem, pelo fato de que em suas classes não havia
crianças portadoras de necessidades especiais ou com déficit físico ou
orgânico, mas reconhecem a importância do corpo na aprendizagem.
Conforme PAIN (1985, p. 22), é com o corpo que se fala, se
escreve, se tece, se dança, resumindo, é com o corpo que se aprende. As
condições do mesmo sejam constitucionais, herdadas ou adquiridas, favorecem ou
atrasam os processo cognitivos e, em especial, os da aprendizagem.
QUADRO 01 – A quem atribui as dificuldades de aprendizagem?
A quem atribui as dificuldades de aprendizagem? |
Ausência da família |
7 |
Mídia |
4 |
Condição social |
1 |
Pobreza |
1 |
Falta de interesse |
1 |
No quadro acima, verifica-se que a maioria dos professores
entrevistados consideram a ausência da família como um fator que contribui
para as dificuldades de aprendizagem durante a alfabetização.
De acordo com SCOZ (1994, p. 71), a influência familiar é
decisiva na aprendizagem dos alunos. Os filhos de pais extremamente ausentes
vivenciam sentimentos de desvalorização e carência afetiva, gerando
desconfiança, insegurança, improdutividade e desinteresse, sérios obstáculos
à aprendizagem escolar.
A influência da mídia aparece como o segundo fator que
contribui para as dificuldades de aprendizagem, pois conforme LIBÂNEO (2000, p.
72), a televisão passa a ser um instrumento cada vez mais poderosos no processo
de socialização. Um dos aspectos negativos dessa influência é a tendência
à passividade e à dependência das crianças prejudicando o desenvolvimento
pleno de suas capacidades cognitivas e sócio-afetivas.
Os professores consideram que a pobreza e a condição social
dos alunos como um fator que influencia nas dificuldades de aprendizagem. Para
SCOZ (1994, p. 81), a pobreza dos alunos aparece com forte determinante dos
problemas de aprendizagem. A autora ressalta que sem querer negar que grande
parte do fracasso de alguns alunos pode estar relacionado à pobreza material a
que estão submetidos, é importante estar atento para que a baixa renda das
famílias não seja utilizada como justificativa para o insucesso escolar das
crianças, eximindo a escola de qualquer responsabilidade.
Alguns professores apontaram a falta de interesse do aluno
como um fator que contribui para as dificuldades de aprendizagem.
Mas, para WEISS (2000, p. 23), é preciso que o professor
competente e valorizado encontre o prazer de ensinar para que possibilite o
nascimento do prazer de aprender. O ato de ensinar fica sempre comprometido com
a construção do ato de aprender, faz parte de suas condições externas. A má
qualidade do ensino provoca um desestímulo, na busca do conhecimento. Não há
assim um investimento dos alunos, do ponto de vista emocional, na aprendizagem
escolar, e essa seria uma condição interna básica. Casos há em que tal
desinteresse é visto como um problema apenas do aluno, sendo ele encaminhado
para diagnóstico psicopedagógico por não ter o menor interesse nas aulas
é não estudar em casa, baixando assim sua produção.
TABELA 02 – A quem recorre quando surgem as dificuldades de
aprendizagem? |
|
|
|
|
|
Recorre ao(à) |
|
n.º |
|
% |
Família |
|
|
9 |
|
29 |
Psicopedagogo |
|
7 |
|
23 |
Fonoaudiólogo |
|
5 |
|
16 |
Orientador Educacional |
5 |
|
16 |
Psicólogo |
|
|
5 |
|
16 |
TOTAL |
|
|
31 |
|
100 |
No que refere a quem o professore recorre quando surgem as
dificuldades de aprendizagem, 39% dos professores entrevistados recorrem aos
pais. Ao mesmo tempo que a ausência da família é considerada com um dos
fatores que contribuem para as dificuldades de aprendizagem, os professores,
como mostra a tabela acima, procuram a família para ajuda-los.
Constata-se que mesmo a família estando ciente das
dificuldades que apresenta a criança, muitas vezes, fica omissa não ajudando o
professor, não contribuindo para o trabalho da escola, que deveria ser em
conjunto com a família para superação das dificuldades.
De acordo com SCOZ (1994, p. 143), o contato com a família
pode trazer informações sobre fatores que interferem na aprendizagem e apontar
os caminhos mais adequados para ajudar a criança. Também torna possível
orientar aos pais para que compreendam a enorme influência das relações
familiares no desenvolvimento dos filhos.
TABELA 03 – Concepção de alfabetização |
|
|
Concepção |
|
n.º |
|
% |
Ir além de ler e escrever |
5 |
|
42 |
Prazerosa |
|
|
3 |
|
25 |
Desafiadora |
|
2 |
|
17 |
Significativa |
|
1 |
|
8 |
Criativa |
|
|
1 |
|
8 |
TOTAL |
|
|
12 |
|
100 |
Quanto à concepção de alfabetização dos professores,
percebe-se que esse processo deve ser prazerosos, desafiador e, principalmente
deve possuir significado, que permita ao aluno ir além de escrever e ler, isto
é, que seja uma construção resultante da interação da criança com a
língua escrita.
Conforme WEISS (2000, p. 70), alfabetizar é penetrar num
mundo novo, é mudar o eixo referencial da vida. O domínio da língua escrita
dá à criança uma autonomia ao mesmo tempo prazerosa e assustadora.
QUADRO 02 – Métodos de alfabetização utilizados
Método de alfabetização |
Método de alfabetização proposto |
Sim: método construtivista |
Escola: nenhum professor utiliza |
método construtivista |
um método proposto pela escola |
sócio-interacionista |
|
Pessoal: todos os professores |
método silábico-alfabético |
possuem um método pessoal ou em |
Não: 5 |
|
|
construção comunitária com os |
|
|
|
demais professores |
|
No que se refere ao método de alfabetização proposto pela
escola, todos os professores entrevistados foram unânimes em dizer que a escola
não apresenta um método de alfabetização, todos os professores utilizam um
método pessoal de alfabetização ou em construção comunitária com os demais
professores.
Apenas três professores entrevistados disseram possuir um
método de alfabetização específico, os demais não utilizam um método
específico. Os métodos de alfabetização utilizados são: o método
construtivista, método sócio-interacionista e o método silábico-alfabético,
mas através da entrevista foi possível constar que os professores que
disseram utilizar os métodos citados acima possuem pouco esclarecimento
sobre a teoria que os fundamentam.
Com relação às alternativas didáticas, FERREIRO (1989, p.
73), afirma que, muitos professores declaram utilizar um método misto,
que nada mais é, em realidade, do que uma mistura de elementos recebidos, por
tradição de outros que estão na moda e de uma certa dose de
intuição.
4. CONCLUSÃO
Após a construção do referencial teórico e análise das
respostas dos professores, que responderam aos questionamento, considera que:
O fracasso escolar na alfabetização, ainda hoje, faz parte
do cotidiano das nossas escolas, acarretando na grande maioria das vezes na
reprovação.
Essa constatação reforça a importância do psicopedagogo
institucional no sentido de criar condições juntamente com os professores para
que a aprendizagem da leitura e da escrita aconteça de maneira eficaz,
prazerosa e significativa. Atuando, como assessor, na busca da melhoria do
processo de aprendizagem, desenvolvendo um trabalho integrado
professor-psicopedagogo-escola no sentido de melhor desenvolver a prática
educativa. Isto significa que o professor precisa entender como acontece a
aprendizagem da leitura e da escrita, buscando as origens das dificuldades, do
fracasso, avaliar, diagnosticar e, acima de tudo, estabelecer um rumo teórico
de ação.
É portanto, através da intervenção psicopedagógica
dirigida aos professores que se acredita no real progresso da aprendizagem
voltada sobretudo, a uma educação integrada ao desenvolvimento do aluno como
agente produtor do seu meio e não apenas como um resultado.
____________________________________________________________
* Monografia do Curso de
Especialização em Psicopedagogia do Centro Universitário Franciscano
ANEXO 1– Instrumento de pesquisa
Prezado(a) Professor(a)
Estamos solicitando sua colaboração no preenchimento deste
questionário que é um instrumento para obtenção de dados para uma pesquisa
sobre fracasso escolar na alfabetização.
Sua colaboração é muito importante e, desde já,
agradecemos sua participação.
A – Dados de Identificação
1. Formação:
( ) nível médio (normal)
( ) curso superior. Qual? _________________________
( ) pós-graduação. Qual? _________________________
2. Tempo de atuação no magistério:
( ) menos de 5 anos
( ) 5 a 15 anos
( ) mais de 15 anos
3. Tempo de atuação com alfabetização: ______________
B –
1. Número de alunos (média)
( ) 15 ( ) 20 ( ) 25 ( ) 30 ( ) + de 30
2. A idade dos alunos (média)
( ) 6 ( ) 7 ( ) 8 ( ) + de 8
3. Utiliza um método de alfabetização específico? Qual?
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3.1 Este método é proposto pela escola ou pessoal:
( ) escola ( ) pessoal
4. Na sua experiência profissional já ocorreram casos de
alunos com dificuldades para aprender a ler e escrever:
( ) sim ( ) não
4.1 Se positivo, foram muitos casos:
( ) sim ( ) não
4.2 Estes alunos, foram reprovados:
( ) sim ( ) não
5. Assinale em que área(s) as dificuldades de aprendizagem
da leitura-escrita estão mais relacionadas:
( ) cognitiva( atenção, concentração, memória,
linguagem)
( ) afetiva (agressividade, imaturidade, interesse,
socialização)
( ) físico (doenças, deficiências)
( ) social (família, meio…)
6. A que você atribui tais dificuldades?
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7. A quem você recorre quando surgem as dificuldades de
leitura e escrita:
( ) Orientadora Educacional
( ) Psicólogo
( ) Psicopedagoga
( ) Fonoaudióloga
( ) Ninguém
( ) Aos pais
( ) Nunca houve tais casos
( ) Resolvo sozinha com próprias estratégias didáticas
8. Defina sua concepção prática de alfabetização:
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BASTOS, Cleverson Leite; KELLER, Vicente. 1992. 3. ed. Aprendendo a aprender: introdução à metodologia científica. Petrópolis: Vozes.
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Publicado em 01/01/2000
Fernanda Figueira Marquezan**, Carmen Rosane Segatto e Souza*** – ** Aluna do Curso de Especialização em Psicopedagogia do Centro Universitário Franciscano
*** Professora Orientadora
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