MINHA ALUNA QUEIMA FUMO
Jorge Claudio Ribeiro
Minha (posso?) querida aluna
Pois é, aconteceu. Não foi de repente. Já naquela sexta-feira notei alguma
coisa esquisita no teu jeito meio eufórico, meio misterioso de cumprimentar.
Você estava numa rodinha de colegas, na rampa, ali perto da entrada do ginásio,
onde havia uma festa. Durante as aulas, claro, eu estranhava sua dificuldade de
concentração, agravada pela inassiduidade, complementada pela irritante insistência
em não deixar a aula deslanchar. Tudo bem, pentelhações da juventude?
Quanto aos demais, já começava a me acostumar com o cheiro da erva (às vezes,
a gostar dele, admito) quando passava ali pela viradinha da sala de convivência
ou pelos lances intermediários de escada do prédio novo. Cheguei a ver jovens
cheirando um pòzinho, na maior desenvoltura, embalados por metros cúbicos de
cerveja e pelo som de caixas enormes. Do pátio para o muuundo! Também
permanecia meio indiferente quando alguns professores mais exaltados cobravam
providências da direção da escola. Mas afinal, tratava-se sempre de alunos
dos outros. Da mesma forma que se tratava de filhos dos outros.
Aí aconteceu. Não foi de repente mesmo, já o disse. Sem explicações, você
e sua amiga predileta saíram de sala, bem na hora em que me virei para o quadro
negro e peguei o último toco de giz (“essa escola é bem relaxada”, pensei)
para completar minha lição. Como dedo não escreve, fui à secretaria buscar
mais giz quando deparei com vocês duas fabricando “unzinho” (no meu tempo
se chamava “pacau”), debaixo da jabuticabeira. “Desculpe”, ouvi-a
sussurrar, com o sorriso mais amarelo que vi na minha vida. Amarelei também e não
disse nada.
Tá bom, não tem de quê; mesmo porque você não me ofendeu. Há até quem
discuta se a maconha faz algum mal. Mas só desculpo se você me perdoar.
Perdoar esses anos todos em que assisti impotente (uau!) essas coisas – de suma
importância para você – invadirem o chamado recinto escolar e não ter sido
capaz de, junto com meus colegas eméritos educadores de uma das melhores
instituições do Brasil, ter dado uma resposta pedagógica a ela. Aliás, não
dei resposta a nada. Preferi ostentar competência na minha matéria, investir
numa relação meia-bomba entre professor e aluno, refugiar-me no cumprimento de
prazos e portarias. Tranqueira bem distante da sua vida.
Aconteceu. Perdi a inocência. Continuo sem saber o que fazer. Só que dessa vez
eu sei disso, e não me conformo. Aquele cigarro de maconha tem um rosto
conhecido por trás dele. Não mais os alunos dos outros. Não mais a filha dos
outros.
Publicado em 01/01/2000
Jorge Claudio Ribeiro – Professor, Doutor Departamento de Teologia e
Ciências da Religião da PUC/SP
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