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Artigo Entrid 250

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SOCORRO, QUERO DAR AULA!

Jorge Claudio Ribeiro

– Olha aí, turma: hoje vou dar a minha melhor aula! Em nome da humanidade, apresento-lhes…

– Com licença, professor. Desculpe o atraso.

– Pode entrar. Já é seu terceiro atraso este mês, hein?… Não é pela coisa, em si. Mas, pensa comigo: se você atrasar tanto na sua firma, o que vai acontecer?

– É, a empresa é do meu pai. Ele não liga.

– Infelizmente. Recomeçando: hoje vamos ter uma aula especial. Adoro este assunto. Trata-se de um texto do filósofo antigo, Platão, que viveu há uns 2.300 anos. Chama-se…

O pinto! O pinto do meu pai, fugiu com a galinha da vizinha!

– Meu Deus, precisava começar esse trio elétrico logo agora!

Já procurei de noite, já procurei de dia. O pinto!

– Por favor. Vocês que estão perto da parede, fechem a janela. Cadê a segurança? Cadê a polícia? Cadê o reitor? O bispo? Aqui, ou ensurdecemos ou torramos. Vamos tentar assim. Bom, trata-se da Alegoria da Caverna, uma espécie de parábola. Ela é famosíssima ao longo da história do pensamento e trata do fechamento na ignorância e na opressão e da possibilidade de libertação. Parece que o Saramago está preparando um romance inspirado nessa alegoria. Começa assim…

O pinto! O pinto do meu pai, fugiu com a galinha da vizinha!

– Professor, posso dar um aviso? É sobre uma festa que o Centro Acadêmico está promovendo para levantar fundos em prol da festa de formatura.

– Senhorita, daria pra voltar daqui a meia-hora? É que estamos começando um assunto importante…

– Puxa, que cara autoritário! Festa também é cultura, sabia?

Já procurei de noite, já procurei de dia. O pinto!

– Ainda morro disso. Ei, você: feche a porta e entre de fininho – quem chega atrasado tem de ser discreto, certo? Então, o seguinte: num monte distante, ou talvez mais próximo do que se imagina, havia uma caverna. Nesse estranho lugar, morava um numeroso grupo de pessoas, desde o nascimento. Estavam acorrentadas pelo pescoço de tal forma que não podiam olhar para trás. Do lado de fora, havia uma mureta de pedra que deixava um pequeno espaço para entrar o ar e um pouco de luz, fornecida por uma fogueira, permanentemente acesa. Quando alguém passava pelo caminho que havia entre a fogueira e a mureta, aquilo que carregava sobre a cabeça era projetado como sombra no fundo da caverna…

– Professor, era uma espécie de cinema, certo? Aliás, o senhor assistiu ao filme Velocidade Máxima III?

– Ué, já saiu? Ainda não vi, não. Mas acho a Sandra Bullock uma gracinha. Bom, voltando à vaca fria… 

O pinto! O pinto do meu pai, fugiu com a galinha da vizinha!

… as pessoas pensavam que as sombras eram os objetos reais, já que os sons ecoavam no interior de toda a caverna. E nessa ilusão, tentavam adivinhar o nome das coisas que apareciam lá na frente, isto é, lá no fundo.

– Professor, o senhor já brincou de mímica? Também é uma espécie de adivinhação, não é?

O senhor sabe qual o nome do filme Ben Hur em Portugal?

– Não consigo adivinhar. Mas esse filme eu recomendo. É belíssimo! Um clássico.

– O nome lusitano é Charreteiro audaz! Não é engraçado? E sabe como os portugueses batizaram o Drácula? Não sabe? É: Não me venhas com beijos ao pescoço. Legal, né?

– Então, retomando. Suponhamos que alguém libertasse um dos presos e o forçasse a olhar para trás, na direção da saída. O recém-libertado reclamaria energicamente, protestando que sua visão era ofuscada, que o estavam cegando e que era muito melhor no lugar anterior…

PLAN!

– E essa agora! Acabou a luz no bairro. Devia era queimar o gerador desse trio elétrico infernal! Quero ver se, nesse escuro, eles acham o pinto do pai deles, ou a galinha da vizinha…

– Agora estamos mesmo na caverna, concorda, professor?

– Pois é. Então a aula acabou.Vocês vão saindo com calma. Para a próxima aula, leiam o texto da Alegoria da Caverna, que está nas páginas 15 a 22 da apostila, na pasta 136 do xerox.

– Tudo isso? Professor, o senhor quer matar a gente com tanta leitura?! Vamos dançar, pessoal!

O pinto! O pinto do meu pai, fugiu com a galinha da vizinha!

Já procurei de noite, já procurei de dia. O pinto!

Publicado em 01/01/2000


Jorge Claudio Ribeiro – Professor, Doutor Departamento de Teologia e
Ciências da Religião da PUC/SP

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