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Artigo Entrid 248

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EU NÃO TENHO DE QUE BRINCAR…

Isabel Cristina Hierro Parolin

Para minha filha Paula, que muito brincou e que hoje oportuniza esse espaço para outras crianças

É muito preocupante ouvir um desabafo como esse,
dito por uma criança que está na praia, grudada na mãe, em meio a um
choro doído e lamentoso. Diante de uma infinidade de espaço e de
possibilidades criativas para brincar,  essa
criança se sente amarrada e sem instrumentos para aproveitar o momento, o
espaço disponível e companhia  das
outras crianças presentes. Mais preocupante ainda,  é ouvir uma outra mãe se solidarizando com essa situação por
vivê-la  igualmente com seu
filho.

Acredito que a vida confinada em apartamentos e longe
dos quintais tem uma boa parcela de contribuição  para a  situação que
estou descrevendo. No entanto, penso que outros fatores, de igual ou
talvez até maior importância, interferem decisivamente na capacidade
criativa da criança de brincar.

Nossas crianças estão crescendo super
familiarizadas com as máquinas: vídeo games, computadores, games boy,
televisão; com os brinquedos eletrônicos de toda espécie e,
infelizmente, distanciadas de caixas, pedaços de panos, bonecas,
carrinhos,  madeirinhas, jogos
de montar, jogos de tabuleiros, etc.  Esses brinquedos, sabemos muito bem, oportunizam e favorecem a
brincadeira livre e a fantasia. A criança coloca no objeto com  que ela está brincando, 
o
significado que ela deseja no momento. Por outro lado, esse tipo de
brincadeira requer atenção, dá trabalho e faz sujeira. Na pressa do dia
–a- dia, os pais e alguns professores, tentando simplificar suas rotinas
e suas tarefa de educadores, oferecem brinquedos já prontos e que não
requeram montagem, não fazem sujeira e nem  geram lixo; enfim, nada que 
precisam
limpar e arrumar..

Para muitas crianças a diversão de final de semana
é ir ao shopping, com roupas bem “transadinhas” brincar em brinquedos
virtuais e depois fazer lanche. Para outras, já maiores, o passeio é ver
vitrines, antes do lanche, e ficar enfernizando os pais com o seus
”quereres”. Nessa pseudo simplificação, os pais necessitam trabalhar
muito para manter a criança feliz com tudo que eles, erroneamente,
imaginam que seus filhos precisam.

Para outras crianças,  o final de semana é, simplesmente, 
assistir à televisão, de pijama .

Mais grave ainda, fica a situação se a criança
estiver em uma escola em que os educadores, para atender os pais, não
permitem que a criança se suje, ou corra, pois “é perigoso…”

Não dá para  isolar
o comportamento lúdico da criança. A criança brinca porque faz parte da
sua natureza. Ela brinca quando é para brincar e quando nós, adultos,
entendemos que ela não deveria brincar. Muitas criança ficam brincando
em seu castigo, ou com o caderno ou ainda, com a comida no prato.

As atividades lúdicas preparam a criança para o
desempenho de papéis sociais, para a compreensão do funcionamento do
mundo, para demonstrar e vivenciar emoções.

Quanto mais a criança brinca, mais ela se desenvolve
sob os mais variados aspectos, desde os afetivo-emocionais, motor,
cognitivo, até o corporal. É através da brincadeira que a criança vive
e reconhece a sua realidade.

Se pensarmos no brinquedo como suporte da
brincadeira, poderemos imaginar que a criança necessita interagir com o
brinquedo, transformá-lo, dar significados e representações sociais a
ele. Se o brinquedo já está carregado de significados, já tem um jeito
de brincar e faz tudo sozinho, muito pouco sobrou para a criança criar.

O valor do brinquedo para a criança não está em
seu preço, nem mesmo em seu tamanho e muito menos na quantidade ou número
de luzes que possui, mas sim na possibilidade criativa que oferece de
aceitar significados, fantasias e interações.

Retornando a situação inicial da criança que não
sabe como brincar na praia, podemos constatar  o quanto ela está distanciada de sua própria natureza e da sua
condição de criança.

Pais preocupados em compensar sua ausência na formação
de seus filhos costumam presenteá-los com brinquedos, muitas vezes fora
da faixa maturacional e do real interesse da criança.

“Dei um
patinete para a minha filha, pois ela me pedia todos os dias, e se ela
andou duas vezes, foi muito…” Outra mãe contou-me “O meu
filho destruiu o teclado do computador que eu dei para ele uma semana
depois do aniversário…”(de 4 anos) Se a mídia está oferecendo
um determinado brinquedo todas as crianças acabam influenciadas e pedindo
aquele objeto de consumo. Pais desavisados, que muitas vezes fazem
verdadeiros sacrifícios para presentear seus filhos, acabam comprando o
brinquedo como algo que a criança deva ter, como se em posse desse objeto
ela passasse a ser alguém.

“Meu filho
fica deitado na frente da televisão a manhã toda e ainda mama, pois tem
preguiça de tomar o Nescau no copo…O que eu devo fazer?”
perguntou-me um pai, aflito. “Brinque
com ele!” Respondi. Vá a uma praça andar de bicicleta, pegue umas
pazinhas e brinque na areia. Faça coisas com sucata, use caixas de
sapato, tesoura, cola e tinta. Jogue algum jogo, conte histórias, leia
contos de fadas. Convide outras crianças para brincar com ele . Logo ele
vai reencontrar o prazer de brincar,  e fazer seu lanche à mesa passa a ser conseqüência. Resgate a
criança que há nele. Não podemos perder de vista que a ação deve ser
educada e o desejo compreendido. A criança necessita aprender a
superar-se.

Fico assustada ao ver o número de crianças com tendência
à  obesidade e ao
sedentarismo. Falam e conversam muitíssimo bem, mas não fazem
absolutamente nada. Resolvem tudo com o verbal, dissociados de seu corpo! 
Pedem aos pais para  fazer
um  lanche ao invés de um
passeio! Preferem  assistir à  televisão, a brincar com o amigo do prédio.

Não sou contra brinquedos eletrônicos, computador,
televisão, etc. Sou a favor de equilíbrio e de educação. Existem
excelentes programas de tevê , software e jogos de videogames, mas não há
apenas essas opções.

Nós tiramos de nossas crianças a oportunidade de
brincar em quintais; em contrapartida,  precisamos criar um espaço alternativo para elas se manifestarem.

Não devemos esquecer que o que acontece nas telas da
tevê , do vídeogame e do computador é virtual e a vida, meus amigos, é
de verdade.

Brincadeira é coisa séria!

Publicado em 01/01/2000


Isabel Cristina Hierro Parolin – Pedagoga pela PUC-PR, Especialista em Psicodrama e Psicopedagogia e Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Atende crianças e jovens em seu processo de aprender ou de não-aprender, assim como a suas famílias, objetivando ações educativas. Consultora institucional, em todo o Brasil, de escolas públicas e privadas. Professora em cursos de pós-graduação em psicopedagogia e áreas correlatas. Pesquisadora do grupo “Aprendizagem e Conhecimento na ação educativa” da PUCPR. Palestrante para pais e professores. Conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia PR-SUL. Participou de eventos educacionais no Japão, Áustria, Bulgária, Alemanha e Espanha. Autora de vários livros e artigos em revistas, jornais e sites relacionados à aprendizagem e à educação.

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