O VIRTUAL NA ESCOLA
Patrícia Vasconcellos Pires Ferreira
Temos que nos lembrar que educar é algo mais que fixar conteúdos sem significados que logo serão esquecidos; educar é contribuir para a formação de cidadãos felizes que consigam viver em harmonia, que saibam trabalhar em equipe, que respeitem as diferenças, que ousem e criem.
Acho importante observarmos que a tecnologia, por si só, não é boa nem má. Como qualquer outro instrumento construído culturalmente, o que faz a diferença é a utilização que o ser humano faz dela. O mesmo avião que transporta pessoas, unindo-as fisicamente, apesar das distâncias, transporta bombas atômicas que matam essas pessoas.
Fazendo um recorte para o ambiente escolar, encontramos realidades tecnológicas bem diversas. Em algumas escolas, o computador já faz parte do cotidiano dos alunos, enquanto que em outras, ainda é algo bem distante.
Percebo que o meu percurso profissional fez com que eu nunca fizesse a pergunta “o computador vai substituir o professor?”, tão comum nos meios educacionais, pois sempre o vi como uma máquina cuja função é processar informações e penso que a função do professor não é transmitir informações acumuladas para alunos que as recebem e as acumulam passivamente. Acredito que o papel do professor é o de “provocador”, motivador, estimulador, facilitador, mediador, para que cada aluno descubra e desenvolva o seu potencial – racional, emocional, corporal, social e espiritual – e seja feliz.
Alguns educadores temem que o computador substitua o livro.
Outros, temem ser substituídos por ele. Os educadores de hoje, afinal, foram educados em uma sociedade não tão tecnológica e na sua formação profissional não tiveram a oportunidade de vivenciarem ambientes computacionais e refletirem sobre eles – nem mesmo nos cursos universitários.
Então, o que se faz, na maioria das vezes, para atender à demanda da sociedade, é adaptar o uso do computador na escola àquela forma antiga de se trabalhar nela: transmissão e decoreba(3) . Assim, ocorre o que Cysneiros(4) chama de “modernização conservadora”.
O que o computador e outras tecnologias, como televisão e vídeo, podem fazer nas escolas depende, essencialmente, da concepção do educador sobre o processo ensino-aprendizagem e de como ele vivencia a sua prática pedagógica. (5)Pode-se utilizar o computador como uma excelente máquina de ensinar Skineriana ou como mais uma ferramenta pedagógica dentro de um ambiente de aprendizagem que favoreça a construção do conhecimento pela criança.
Não podemos continuar reproduzindo nas escolas o modelo industrial de produção em série e massificação das pessoas, como nos mostra Chaplin, de uma forma poética, no seu lindo filme Tempos Modernos, onde um operário de uma fábrica fica stressado com a mecanização do seu trabalho e “enlouquece”, saindo dos padrões determinados pelo vigilante chefe. Como vemos essa mesma situação em nossas escolas, quando um aluno mais “inconformado” com a padronização do ensino, rebela-se contra o chefe-professor e adota um comportamento agressivo ou apresenta dificuldades de aprendizagem, ou seria melhor dizendo, de memorização/reprodução da informação transmitida!!
Nossa sociedade, já mergulhada num oceano de informações, não exige mais que se saiba, de cor, muita coisa. O importante é que o profissional, saiba buscar, analisar, sintetizar as informações disponíveis para que possa tomar a decisão adequada. Então, fica a questão: como prepararmos nas escolas as crianças para essa nova realidade? Kannitz(6) nos fornece uma pista: “O jovem de hoje deve concentrar-se em uma das competências mais importantes para o mundo moderno: aprender a aprender e a tomar decisões.”
Em algumas escolas, os alunos são proibidos pelos educadores de trazer tarefas de casa “escritas” no computador, pois “não desenvolvem a caligrafia”, e de trazer pesquisa sobre determinado tema na Internet, pois “não analisam as informações coletadas” – como se a pesquisa em enciclopédias organizadas em inúmeros e pesados volumes de livros favorecesse uma postura crítica e reflexiva dos alunos frente a essas informações!
Acho que é importante vermos a criança em todas as suas dimensões, inclusive a corporal. É bom ter uma letra bonita. Mas não é essencial. Não podemos penalizar a criança pela sua “caligrafia feia”, diminuindo sua auto-estima, quando o que queremos que ela desenvolva é o prazer de produzir um texto escrito, com coerência e criatividade. Temos o teclado do computador que pode facilitar esse trabalho, minimizando sua limitação de “coordenação motora fina”.
Procurando no dicionário a definição de VIRTUAL, encontrei “que existe como faculdade, porém sem efeito atual; suscetível de realizar-se; potencial; possível”, ou ainda, “sendo na essência ou no efeito, mas não de fato;”.
Pensando nos textos “escritos virtualmente” no Word(7) , encantei-me com a definição “que existe como possibilidade”, pois é exatamente assim que funciona a sua lógica: escrevemos, re-escrevemos, mas sem que o texto possua as características de um texto escrito fora do mundo da informática, ou seja, da informação em bits nos computadores. No mundo das possibilidades, o mundo VIRTUAL, o erro é algo comum, que aponta para um tateamento experimental(8) que pode ser refeito todas as vezes que se fizer necessário.
No consultório trabalho com um software que tem uma atividade de labirinto. É fantástico como as crianças tentam encontrar a saída, fazendo e refazendo caminhos alternativos (errando) de uma forma natural, leve, sem stress. A nova rota escolhida substitui a que “deu errado”, graças à virtualidade do recurso, e a criança analisa novas possibilidades de exploração do caminho. Tive a oportunidade de imprimir um labirinto, trazendo-o para o “não-virtual”, para trabalhar com uma criança na escola e foi interessante notar que a criança, ao entregar o labirinto com o caminho de saída marcado pela caneta no papel, comentou que o outro caminho riscado era o que ela tinha tentado primeiro e tinha errado. Nessa forma de trabalho com o labirinto o erro estava ali, apontado, registrado.
Acho importante ressaltar que não se pode, enquanto educador, adotar um postura superficial em relação aos erros das crianças no seu processo de aprendizagem, pois ao se acreditar que o erro faz parte desse processo é importante que se tenha não apenas o resultado final, mas que o professor possa acompanhar qual foi a lógica que a criança seguiu para achar a sua “saída” para o problema proposto. Um bom software educativo deve permitir esse acompanhamento pelo professor.
Na escola, ao se trabalhar na construção de um projeto sobre determinado tema, professores e alunos têm no computador uma ferramenta preciosa. As enciclopédias em cd-rom, com recursos de multimídia, permitem que o próprio aluno procure a informação desejada, fazendo conexões com outros temas que lhe sejam interessantes. É muito mais fascinante para o aluno, por exemplo, visualizar uma animação sobre o processo de respiração humana a tentar compreender esse processo nos desenhos do professor no quadro com giz. A Internet pode ser utilizada para pesquisar informações sobre o tema, para trocar informações com especialistas nesse tema ou ainda com outras crianças que estejam desenvolvendo o mesmo trabalho. Os editores de texto e os software de apresentação ajudam a organizar as idéias e a apresentá-las para o público.
Discute-se muito que o computador isola as crianças, pois ficam horas em frente à telinha, como que hipnotizados pelos recursos da tal maquininha. Dimenstein(9) , lúcido e criativo jornalista, coloca os devidos pontos nos “is”.
“O que provoca o isolamento não é a tecnologia – as máquinas apenas acentuam uma tendência nutrida dentro da sociedade.
O isolamento é fruto de uma visão individualista, cínica até, sem valores comunitários, na ética e na ótica do “cada um por si e ninguém por todos”.
Não se ensina a cooperar, mas apenas competir; o padrão do sucesso é aquele de quem briga para ser mais rico e mais famoso.
Mergulhados em seus problemas e agendas lotadas, pais não conversam com os filhos – e, depois, a culpa do isolamento é da tecnologia.
A sociedade vai ficando mais moderna, oferece oportunidades, e vamos, paradoxalmente, ficando com menos tempo. Ganhamos visibilidade virtual e invisibilidade real.”
Apesar da virtualidade do mundo pós-moderno, sou uma ferrenha defensora do contato cara a cara, pele com pele, gente com gente, sem intermediários. Há algum tempo, a Rede Globo apresentou uma matéria no seu telejornal em que era discutida a idéia de como seria a escola do futuro, trazendo duas situações bem diferentes: uma, com crianças e adolescentes numa sala de realidade virtual, sentados com seus óculos, assistindo uma apresentação de reprodução celular; outra, com crianças plantando flores, cuidando de uma horta e animais. Qual seria a melhor opção? Acho que aqui, mais uma vez, o equilíbrio é a melhor alternativa.
Acredito que não podemos negar na escola o acesso a um instrumento que faz parte da nossa cultura. É preciso que reflitamos com nossos alunos o uso do computador no seu cotidiano de uma forma crítica. Porém, não podemos continuar nos preocupando, na escola, apenas com o desenvolvimento da racionalidade das crianças. Nicholas Negroponte, coordenador do MIT, em entrevista ao programa de televisão Roda Viva, comentou que não nos lembramos do professor da nossa infância que tinha a melhor metodologia de ensino; lembramo-nos daquele que afagou a nossa cabeça quando estávamos tristes ou preocupados. Os professores, assim como os pais, “nunca devem substituir o tempo que passam com as crianças por um computador, pois a chave para uma boa educação ainda é a leitura e as brincadeiras com as crianças(10).”
Temos que nos lembrar que educar é algo mais que fixar conteúdos sem significados que logo serão esquecidos; educar é contribuir para a formação de cidadãos felizes que consigam viver em harmonia, que saibam trabalhar em equipe, que respeitem as diferenças, que ousem e criem.
Se no presente conseguirmos seguir o caminho certo, talvez, no futuro tenhamos como real uma situação que hoje só acontece no virtual:
“Estamos em 2069, num ambiente de estudo e pesquisa, antigamente chamado de ‘sala de aula’. Os aprendizes têm entre 12 e 16 anos e conversam com o dinamizador da inteligência coletiva do grupo, uma figura que em outras décadas já foi conhecida como ‘professor’. Eles estão levantando e confrontando dados sobre os Centros de Cultura e Saberes Humanos (ou, como diziam antes, as ‘escolas’) ao longo dos tempos. Admirados, não conseguem conceber como funcionava, no século passado, um ensino que reunia os jovens não em função dos seus interesses ou temas de pesquisa, mas simplesmente por idades. O orientador de estudos lhes fala da avaliação: ela classificava os alunos por números ou notas segundo seu desempenho, e em função disso eles eram ou não ‘aprovados’ para o nível seguinte. Os aprendizes ficam cada vez mais surpresos. Como determinar ‘níveis de ensino’? Como catalogar ‘fases de conhecimento’? O que seriam ‘etapas’ escolares? Em que nó da rede curricular eles se baseavam para fundamentar isso? A surpresa maior se dá quando descobrem que essas avaliações ou ‘provas’ eram aplicadas a todos os estudantes do grupo. A MESMA PROVA? – espantam-se todos. Não conseguem conceber uma situação em que todos tivessem que saber exatamente os mesmos conteúdos, definidos por outra pessoa, no mesmo dia e hora marcados. ‘Eles não ficavam angustiados?’ – comenta um aprendiz com outro. Os jovens tentam se imaginar naquela época: recebendo um conjunto de questões a resolver, de memória e sem consulta, isolados das equipes de trabalho, sem partilha nem construção coletiva. Os problemas em geral não eram da vida prática, e sim coisas que eles só iriam utilizar em determinadas profissões, anos mais tarde. Imaginando a cena, os aprendizes começam a sentir uma espécie de angústia, tensão, até mesmo medo do fracasso, pânico de ficar na mesma ‘série’, de ser excluído da escola… ‘Assim eu não ia querer estudar, diz um deles, expressando o que todos já experimentam. Mas em seguida, envolvido pelos outros temas da pesquisa, o grupo inicia uma nova discussão ainda mais interessante, e todos afastam definitivamente da cabeça aquele estranho pensamento(11).”
Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante,
do que ter sempre aquela velha opinião formada sobre tudo.
Raul Seixas |
- Participação em mesa redonda no IV Seminário de Psicologia da UFPE (Maio/2000).
- Bacharel em Ciência da Computação e em Psicologia; especialista em Informática na Educação.
- Gabriel, o Pensador, na sua música Estudo Errado faz uma excelente crítica ao modelo de ensino ainda vigente na maioria de nossas escolas.
- Tive a oportunidade de trabalhar com Paulo Gileno Cysneiros no Projeto Educom da UFPE, atuando em uma escola pública da cidade do Recife/PE, na produção de um jornal escolar. Continuamos trocando idéias no Núcleo de Informática na Educação da UFPE (NIE/UFPE).
- Discuti o tema no artigo O COMPUTADOR NA ESCOLA.
- Stephen Kanitz, no artigo Volta às Aulas, revista VEJA (16 de fevereiro de 2000).
- Editor de Textos da Microsoft.
- Conceito de Freinet para as explorações naturais dos alunos no processo de construção do conhecimento.
- Gilberto Dimenstein, na sua coluna dos domingos do jornal Folha de São Paulo, em 20 de fevereiro de 2000.
- Adaptado da entrevista de Don Tapscott, autor de best-seller Geração Digital, à revista VEJA – Vida Digital (19 de abril de 2000)
- RAMAL, Andréa Cecília. Avaliar na Cibercultura in: Pátio (Fev/2000).
Publicado em 01/01/2000
Patrícia Vasconcellos Pires Ferreira – Bel. em Ciência da Computação e em Psicologia; Psicóloga Clínica; Especialista em Informática na Educação; Especialista em Psicologia Transpessoal; Mestranda em Psicologia Cognitiva pela Universidade Federal de Pernambuco
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