O DESEJO DE CRESCER E O DESEJO DE APRENDER
Cleomar Landim de Oliveira
A escola pode dinamizar por meio de atividades criativas, simbólicas… Contudo ela esta muito preocupada com os conteúdos, com as atividades sistemáticas…
Constatamos que muito do equilíbrio da saúde psicológica da criança
acontece durante o primeiro ano de vida, funcionando como base, verdadeiro
alicerce desta evolução afetiva. Estas experiências emocionais agem como
modeladoras e é aí que se assentam precocemente o jogo de forças básicas
amor x ódio x conhecimento, prazer x desprazer, realidade x fantasia. Portanto
não é difícil começar desde cedo a estabelecer as primeiras linhas
interativas destas fases de desenvolvimento com os quadros patológicos,
sobretudo com os que estão intimamente ligados a um grau de funcionamento de núcleos
predominantemente orais : os quadros psicóticos, a depressão precoce e
alguns equivalentes psicossomáticos.
Quando se estabelece, por déficit, na sua linha evolutiva estagnada neste
funcionamento ainda arcaico, a criança não conseguirá libertar-se das angústias
paranóides, terá dificuldade em distinguir-se de modo claro na relação
sujeito/objeto (individuação ou separação) e funcionará
primariamente num registro de "sem limite" onde as clivagens
essenciais são omissas.
Embora grande número de quadros com estas características possam ser
precocemente detectados antes da entrada para a Escola, não é o que acontece
na prática. E apesar da gravidade e da obrigatoriedade de interação rápida,
minimamente adequado, de extrema fragilidade, que lhes permite a grosso modo,
passar desapercebidas, sobretudo quando assentam em em quadros
desarmônicos.
Contudo com a inserção escolar e conseqüentemente com as exigências,
cumprimentos de atividades as quais necessitam de uma base estrutural psíquica,
mínima, sobrevem a dificuldade de se manter neste estado de "aparente
normalidade" propiciando a eclosão de uma sintomatologia intensa. E é
isto que vem acontecendo. Recebemos diariamente crianças que são encaminhadas
pela escola, cuja queixas são : fulano tem um comportamento diferente,
permanece isolado, não se relaciona com os coleguinhas… tem atraso de
linguagem…
A escola pode dinamizar por meio de atividades criativas, simbólicas… Contudo
ela esta muito preocupada com os conteúdos, com as atividades sistemáticas…
E a vivencia essencial, as quais poderia permitir o uso de mecanismos de defesa
mais ajustados, como por exemplo a sublimação, a qual nos permite pensar que a
energia colocada em determinado conflito poderia ser deslocadas para outra zona,
com resultados construtivos e reparadores, não só do "eu" da criança,
mas do outro. Outro ponto importante é que pela frustração adequada da
"Mãe boa" que acalanta e embala ( o "holding" físico e
psicológico), a criança vai reconhecendo cada vez mais os seus próprios
limites e estabelece então a primeira separação eu x não eu, pela construção
de uma verdadeira pele psíquica. Esta distinção essencial para a futura relação
com as coisas; ganha-se noção de distância, de um espaço, submetendo o
desejo e a sua satisfação imediata à sua alucinação e como conseqüência a
transformação : surgindo a atividade simbólica. Sobrevem então um espaço de
transição em meio ao interior e o exterior, cujo objetivo é a adequação
entre essas duas realidades, de um modo indolor.
Penso que esta é a essência da construção do aparelho de pensar os
pensamentos : a transformação do espaço entre o desejo e a satisfação
:" senão tenho, represento, simbolizo e penso" a crescer neste Mundo
simbólico: nesta fase, temos a Educação Infantil, que é de grande interesse.
O jogo,
o grafismo, as atividades corporais são atividades de transição; a professora
com incumbência de minimizar o choque entre os dois Mundos, verdadeiro elo de
ligação, tal como a mãe havia sido anteriormente. A comunicação, neste
momento será muito simples : a relação corporal, também
usada como técnica de "Maternagem", e aplicada em psicoterapia em
crianças com patologias precoces e/ou muito regressivas.
Estamos realmente preocupadas com o ensino pré-escolar, chamado agora de Educação
Infantil, que tem modificado sua linha de trabalho, de investimentos e objetivos
de ação, privilegiando as atividades de cunho escolar, em detrimento das
outras mais básicas que acima nos referimos e que
é importante desenvolver.
A problemática fica mais importante quanto mais a situarmos na realidade dos
grandes centros, nos quais o manancial das atividades simbólicas se dilui
frente as dificuldades do dia a dia, da desagregação familiar, do trabalho da
mulher, da falta de espaço nos apartamentos, da falta de parques, jardins e de
diversões destinadas a esta faixa etária. É sabido também que grande
parte da disponibilidade parental está perdida, independentemente dos seus
fatores; estão também enfraquecidos os elos clássicos dos vínculos sociais
mais antigos, as crianças de hoje são precocemente deixadas ao acaso de um
sistema onde "as pessoas não gostam de se envolver"…
Esta situação permite seguramente uma maior autonomia, sobretudo marcada pela
oposição. A linguagem começa a desenvolver-se, e o "não" será
entendido aqui como um marco evolutivo, porque com certeza ele exprime uma espécie
de confirmação do próprio, por oposição do outro.
Temos ainda nesta fase outro dado de suam importância : o controle dos esfíncteres,
que lhe dá a noção de que tem algo que é seu que pode comandar e manipular a
seu modo, usando-o como conteúdo simbólico de quem já sabe que agora poderá
guardar, reter, esconder/ter dentro/fora, e assim continuar a estruturação de
clivagens essenciais. Fase esta que costumamos chamar de
fase anal. É no primado desta fase, que se estabelece a organização cada vez
mais segura de um "eu" ou "meu". Não temos dúvida de que
constitui a base de um narcisismo que pode, estabelecer-se na moldura de uma
auto-imagem. O que é importante neste momento é a quantidade de energia
investida, muito mais do que o objeto em si ou suas qualidades… É no
transcurso desta fase que se assentarão outros alicerces que deverão ser
construídos. As falhas na analidade podem levar a patologias graves como por
exemplo o nível depressivo primário. E sem esta consistência segura de uma
"boa analidade" será difícil a criança aprender na Escola. Incapaz
de controlar e controlar-se, de reter, de se opor para se
afirmar,"desinvestida do seu espaço contentor próprio, erguer-se-á numa
estrutura em permanente depleção" (in Pedro Strech, 1995) como se
fora um tubo contínuo, o qual corre o risco de ficar vazio, pela incapacidade
de controlar conteúdos internos x externos.
A criança estruturada desta forma, escoaria grande parte dos conhecimentos
adquiridos na escola como a água de uma torneira num funil… Quando a
analidade se faz de um modo dito normal, a criança fará investidas para medir
suas possibilidades, limites(são as "birras" das crianças
pequenas) Os conflitos anais poderão aparecer mais tarde como enurese,
encoprese, comportamentos onipotentes, de risco ou de provocação (fontes básicas
de futuras neuroses). Certas defesas entre as quais destacamos as ligadas a
respostas obsessivas, nesta fase são de caráter essencial : o gosto pela
organização, as regras, a limpeza, o prazer de ganhar, mandar, e vão servir
de base as futuras defesas, as quais serão usadas na fase da latência. A
diferença anatômica entre os sexos constitui neste processo a fase fálica.
Constitui para os dois sexos a confirmação narcísica de um poder. Nas falhas
poder-se-ão estruturar um outro nível depressivo, a depressão fálica. Este
poder é atribuído ao reforço narcísico resultante dos conflitos da fase
edipiana, que na criança dentro da faixa de normalidade acontece entre os três
e os cinco anos. Neste nível, movida pela curiosidade em descobrir o que
acontece entre o pai e a mãe, a criança movimenta-se numa relação
triangular, na qual, um dos participantes ficará fora da situação dual
idealizada. O pai aparece como aquele que corta uma possível relação simbiótica;
simbolicamente desempenhando o papel de "terceiro" e isto representará
a " "questão fulcral para a função paterna que a escola, que a
rua, a cultura, representarão"( in Pedro Strech, 1995).
Antes de entrar para a escola acriança deveria estar resolvida nesta última
etapa "fulcral"e entrar na fase da latência que é o solo básico
para a iniciação à aprendizagem escolar.
A criança, encerra este capítulo de grande intensidade e crescimento psíquico
interior e canaliza sua energia psíquica para os interesses do mundo exterior.
Ela passou do interesse de desejar saber como os bebês nascem, para o desejo de
descobrir, de conhecer o que se passa com os
animais, com a natureza, etc.
O uso dos mecanismos de defesas como o recalcamento e a sublimação é que
permitirá de maneira frutífera o acesso à curiosidade por tudo que rodeia.
A escola, que tem início justamente nesse nível do desenvolvimento
afetivo,aparecerá como meio estruturante essencial, no qual a criança busca e
deseja apoio para satisfazer a sua curiosidade pelo conhecimento potencial
inesgotável. É a etapa mais produtiva no campo do saber, e por
isso as primeiras experiências escolares representarão tanto, não apenas pelo
que valem diretamente, mas sobretudo pelo que indiretamente permitem construir
em termos de futuro.
Estes aspectos do desenvolvimento infantil aqui levantados são básicos para
aprendizagem ou "sucesso" na escola. E ao olharmos uma criança com
transtornos de aprendizagem, temos que estar conscientes destes fatores, para
termos uma escuta adequada as necessidades reais da criança a fim de que ela
possa ser compreendida e auxiliada, se necessário, para que possa alçar vôo e
manter o seu desejo de crescer.
Referências Bibliográficas
SOUZA, Audrey Setton Lopes – Pensando a Inibição Intelectual – Perspectiva
Psicanalítica e |Proposta Diagnóstica _ Editora Casa do Psicólogo, São
Paulo, SP.
Publicado em 01/01/2000
Cleomar Landim de Oliveira – Psicóloga,Pedagoga, Psicomotricista, Mestranda
em Educação Especial, Psicopedagoga, fundadora do Capítulo Cearensede
Psicopedagogia e da1ª Escola de Psicopedagogia do Ceará, ex presidenta e
conselheira nata do referido capitulo..
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