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DA FAMÍLIA PARA A ESCOLA – A CONSTRUÇÃO DO CIDADÃO!
Isabel Cristina Hierro Parolin
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A construção do cidadão!
Trabalho apresentado no XIII Congresso Estadual de Educação da AEC/PR
Caminhos e Descaminhos da Educação no Brasil
Em 25/08/2000 Londrina – Pr
O processo de aprendizagem e suas interações com o ensino têm sido alvo de
inúmeros estudos e avanços das mais variadas áreas em busca de sua compreensão.
No entanto, os diferentes olhares teóricos convergem para o mesmo ponto: a
valorização qualitativa das interações sociais que o aprendiz estabelece em
suas aprendizagens formais ou acadêmicas e as informais que estão ligadas ao
seu mundo familiar e social.
A Psicopedagogia, desde a sua origem histórica, é fruto da integração de várias
disciplinas que se propõe a compreender o processo da dificuldade de
aprendizagem. Hoje, a Psicopedagogia constitui-se como uma área do conhecimento
que trabalha e compreende o processo de aprendizagem de cada pessoa e, constrói
pontes entre a objetividade e a subjetividade, entre o ser que aprende e o ser
que ensina, entre o saber e o não saber, entre os seres que coexistem e,
juntos, se humanizam.
Ao considerar a aprendizagem como um processo articulado ao momento do aprendiz,
a sua história e as suas possibilidades sob o aspecto cognitivo, afetivo e
social, a Psicopedagogia "rompe a ligação ensino-aprendizagem, porque
tanto o aprender como processo quanto o processo de construção do conhecimento
não têm relação necessária com o ensinar e finalmente porque ambos os
processos antecedem e ultrapassam o ensinar." (SILVA, P.27) Sob este ponto
de vista, passa a existir a necessidade do Psicopedagogo investigar com
profundidade os contextos do aprendiz e tentar reuni-los em uma síntese que
retrate o momento desse aprendiz, ao mesmo tempo que viabilize a aprendizagem.
As experiências vividas pelo aprendiz em desenvolvimento são referência e
imprimem significação determinante em seu processo de construção pessoal. A
aprendizagem coloca em foco as diferentes dimensões do aprendiz sob a ótica
integradora dos aspectos cognitivo, afetivo, orgânico e social. O
"olhar" sobre esses aspectos, ao mesmo tempo que relativiza a importância
da escola na aprendizagem, coloca em foco a importância de toda a reunião de
fatores extra classe que interferem no processo de construção do conhecimento
e do papel de aprendiz.
Para aprender, o sujeito necessita estar apto a fazer um investimento pessoal no
sentido de renovar-se com o conhecimento. Implica um movimento que envolve tanto
a utilização dos recursos cognitivos mesclados com os processos internos,
quanto com suas possibilidades sócio-afetivas. Vale dizer que a aprendizagem
vai acontecendo à medida que a criança vai construindo uma série de
significados que são resultado das interações que ela fez e continua fazendo
em seu contexto social.
Se entendermos a família como "a estrutura social básica" , tal qual
nos ensina Pichon-Rìviere (1995) e o primeiro núcleo da construção de um
sujeito, fica fácil estabelecer a importância que os educadores dão e,
ultimamente mais fortemente a escola tem dado, à família de seu aprendiz.
Popularizou-se a visão de que não basta, e nem é garantia de sucesso escolar,
um ambiente doméstico favorável materialmente aos estudos e uma professora
interessada e competente para que a aprendizagem verdadeiramente ocorra com
sucesso.
Partindo do pressuposto que a aprendizagem estabelece um par dialético entre o
desejo e o não desejo de aprender (Fernández, 1990) e que o desejo de aprender
está intimamente relacionado com o tipo de interação que a criança
estabeleceu e continua estabelecendo com sua família, percebe-se que o
conhecimento da família do aprendiz e sua modalidade de aprendizagem são muito
importantes para o trabalho educacional.
Quando entendemos a família como
"um grupo onde se manifestam não só as ligações de ordem racional, por
exemplo, aquelas que constituem as expectativas sobre os comportamentos que
devem ser exibidos no desempenho dos respectivos papéis, com também aquelas
que, sendo de ordem afetiva, respondem por uma espécie de costura emocional que
une as pessoas entre si" (MOURA, 153)
passamos a trabalhar com a possibilidade do modelo de aprendizagem não se
caracterizar como algo de cunho somente individual, mas também como um modelo
desenvolvido em uma rede de vínculos que se estabeleceu em família.
É a família que dará noções de poder, autoridade, hierarquia, funções que
têm diferentes níveis de poder e onde aprendem habilidades diversas. Aprendem
ainda a adaptar-se às diferentes circunstâncias, a flexibilizar, a negociar,
enfim, desenvolverá o pertencimento da criança ao seu núcleo familiar. À
medida que a criança vive em família e se submete aos seus rituais, processo e
desenvolvimento, ela vai se individualizando, diferenciando-se em seu sistema
familiar. Quanto mais as fronteiras entre os membros da família estiverem nítidos,
mais possibilidade de individualizar-se a criança terá. Se tiver irmãos, é a
oportunidade de experimentar relações com iguais.
"Dentro deste contexto, as crianças apoiam, isolam, escolhem, um
bode-expiatório e aprendem umas com as outras. No mundo dos irmãos, as crianças
aprendem como negociar, cooperar e competir. Aprendem como fazer amigos e
aliados, como ter prestígio, embora se rendendo e como conseguir o
reconhecimento de suas habilidades. Podem assumir diferentes posições
trapaceando com o outro…" (MINUCHIN, 63)
É neste cenário aqui descrito que a criança constrói o seu modelo de
aprendiz e a forma como ela se relaciona com o conhecimento.
Para a família do aluno, a escola tem uma simbologia e um significado que estará
presente na forma de "ser aluno" e na forma de participação nas
atividades escolares da criança. A maneira pela qual a criança se integra e se
entrega ao processo de aprender está diretamente relacionado à capacidade
desenvolvida em família de viver o coletivo compactuado.
Para a escola do aprendiz, a família é a matriz indispensável para que o
trabalho de construção do cidadão aconteça. Toda a riqueza do
desenvolvimento da criança, se inicia na família e vai se fortificando à
medida que a criança vai estabelecendo sua rede relacional, que, na seqüência,
acontece na escola e se expande para além dela.
É em relação com seus pares e em um contexto democrático, que a criança
consolida o seu papel social de cidadão. A construção de uma mentalidade
solidária, comprometida com o seu grupo social, exige uma flexibilidade e
aceitação do que não é norma, do diferente, do pluricultural.
A dimensão da proposta escolar para o novo milênio, assim como o seu êxito,
estão diretamente ligados à construção de seres pensantes, críticos, com
instrumentos capazes de melhorar o seu social promovendo democratização. A vivência
da cidadania plena é aprendida e internalizada na ação social e, para tal
tarefa, a família necessita matrizar equilibradamente seu filho.
A plena integralidade do ser humano, entendida como a interação entre razão e
emoção, entre o subjetivo e o objetivo, entre o individual e o coletivo,
constitui o ser cidadão, pleno em suas capacidades de exercer seus deveres e
viver seus direitos, para redimensionar os problemas sociais.
Em verdade, creio que a educação deva ser um ato de "resgatar a dignidade
do ser humano e sua infinita nobreza" (NICOLESCU. 144) e propiciar uma
convivência em que todos tenham um espaço digno e sejam mais felizes.
BIBLIOGRAFIA:
FERNÁNDEZ, Alícia. A Inteligência Aprisionada, abordagem psicopedagógica clínica
da criança e da família. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.
MINUCHIN, Salvador. Famílias: Funcionamento & Tratamento. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1990.
MOURA, Wilson. A Família contra a Rua. In: O Trabalho e a Rua: crianças e
adolescentes no Brasil urbano dos anos 80. Org. FAUSTO e CERVINI. São Paulo:
Cortez, 1991
NICOLESCU, Basarab. O Manifesto da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom,
1999
PICHON-RÌVIERE, Enrique. Teoria do Vínculo. São Paulo: Martins Fontes,1995.
SILVA, Maria Cecília Almeida. Psicopedagogia: em busca de uma fundamentação
teórica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1998.
Publicado em 01/01/2000
Isabel Cristina Hierro Parolin – Pedagoga pela PUC-PR, Especialista em Psicodrama e Psicopedagogia e Mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP. Atende crianças e jovens em seu processo de aprender ou de não-aprender, assim como a suas famílias, objetivando ações educativas. Consultora institucional, em todo o Brasil, de escolas públicas e privadas. Professora em cursos de pós-graduação em psicopedagogia e áreas correlatas. Pesquisadora do grupo “Aprendizagem e Conhecimento na ação educativa” da PUCPR. Palestrante para pais e professores. Conselheira da Associação Brasileira de Psicopedagogia PR-SUL. Participou de eventos educacionais no Japão, Áustria, Bulgária, Alemanha e Espanha. Autora de vários livros e artigos em revistas, jornais e sites relacionados à aprendizagem e à educação.
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