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GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA
Maria José Carvalho Sant’Anna
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No Brasil é a única faixa etária a apresentar taxa de natalidade crescente, principalmente em menores de 15 anos, enquanto todas as outras diminuem.
A
gravidez na adolescência não constitui fenômeno recente na história da
humanidade, porém sempre tem sabor de novidade. Na antiguidade, contratos de
casamento eram lavrados quando a menina encontrava-se entre 13 e 14 anos, e,
segundo registros históricos, provavelmente era essa a idade de Virgem Maria
quando nasceu Jesus. No século XVI, Shakespeare, embora com conteúdo
ficcional, retratou os costumes da época de Romeu e Julieta, onde Julieta foi
descrita pelo pai Capuleto como uma menina que ainda não havia completado 14
anos de idade e já era prometida em casamento ao nobre Páris. No início desse
século, a gravidez precoce era, ainda, considerada um acontecimento habitual
para os padrões culturais da época.
Nos últimos anos, a gestação no extremo inferior da vida reprodutiva tem sido
objeto de preocupação, pois a gravidez, assim como o parto e a maternidade são
problemas peculiares, que quando ocorrem nesta fase da vida trazem múltiplas
conseqüências tanto ao nível de saúde física quanto a nível econômico e
emocional, repercutindo sobre a mãe adolescente e seu filho. A gravidez na
adolescência é sério problema médico social, sendo considerado de alto risco
pela Organização Mundial de Saúde.
As modificações
dos padrões de sexualidade repercutiram no aumento da incidência da gravidez
na adolescência, particularmente nos países em desenvolvimento e nas
adolescentes mais jovens. No Brasil é a única faixa etária a apresentar taxa
de natalidade crescente, principalmente em menores de 15 anos, enquanto todas as
outras diminuem. Estima-se que anualmente há um milhão de partos de
adolescentes, o que corresponde a 25,79% do total de nascidos vivos em 1996. No
ano passado o Sistema Único de Saúde SUS gastou R$153 milhões, o equivalente
a 27% de todos os partos do sistema, com gestações de adolescentes.
Famílias
chefiadas por adolescentes acabam alimentando o ciclo de pobreza: apenas 1% das
grávidas de até 19 anos permanecem na escola. Este perceptual e de 75% entre
garotas que não engravidaram. 40% dos abortos realizados são em menores de 20
anos, sendo que segundo dados do Ministério da Saúde (1996) o coeficiente de
mortalidade decorrente do aborto e 2,5 vezes maior em menores de 20 anos e, em
1994, um terço das mortes decorrentes do aborto foram entre 15 e 19 anos.
Segundo Crespin (1998), em seguimento em clínica privada, 86,2% das
adolescentes grávidas optaram por aborto provocado.
Acredita-se hoje que o risco da gravidez na adolescência não seja biológico e
obstétrico, mas sim determinado principalmente por fatores psicossociais. Esse
fato seria, no entender de vários autores, ligado ao atendimento inadequado
destas gestantes, que estariam imersas na problemática social e econômica de
sua condição de adolescente, enfrentando situações penosas, familiares e
existenciais somadas a própria crise da adolescência. Não se encontra nada
que possa fundamentar amigos conceitos de risco médico ou biológico, mesmo
quando se estudam as gravidezes mais precoces, em meninas mais jovens.
É importante salientar a multiparidade ainda na adolescência, que parece estar
ligada a fatores psicossociais associados ao ciclo de pobreza e educação que
se estabelece, e, principalmente, a falta de perspectiva -no horizonte dessas
meninas falta escola, saúde,
cultura, lazer e emprego. Para parte das meninas, a gravidez, embora precoce, e
desejada e pode vir a ser a única possibilidade de mudança de status na vida.
É uma questão complexa sob vários aspectos, mas que não deve ser tratada
apenas como um "problema" ou como um "desastre" na vida das
adolescentes. Muitas mulheres brasileiras iniciam sua vida reprodutiva na
adolescência até por uma questão cultural da região onde habitam, e isto não
se transforma necessariamente em problema “. Por outro lado, a sociedade e o
estado devem prover serviços que contemplem a saúde reprodutiva e sexual das
mulheres em todas as fases de sua vida”.
Devemos abandonar o rótulo de culpas e responsabilidades atribuídos somente às
adolescentes e reconhecer a possibilidade de alianças e parcerias; investir no
diálogo com os jovens, na melhoria das condições de vida, com compreensão e
sinceridade; ajudando a adolescente a acreditar em seu próprio potencial,
fazendo com que "se cuide", "se goste…”.
Publicado em 01/01/2000
Maria José Carvalho Sant’Anna – Medica do Depto. de Pediatria da Faculdade de Ciências Medicas da Santa Casa de São Paulo
Presidente da APA – Associação Paulista de Adolescência
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