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Artigo Entrid 206

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ESSA TAL ESCOLA…

Gizéli Coelho Andrade

Ora se consolidava em catequizar índios, ora em preparar os filhos dos grandes senhores, ora qualificar mão de obra, ora em oprimir, excluir.

Ao longo dos tempos, a função social da educação se refez. Ora se
consolidava em catequizar índios, ora em preparar os filhos dos grandes
senhores, ora qualificar mão de obra, ora em oprimir, excluir. 

Atualmente, o que se espera da educação é que ela possibilite a emancipação
dos sujeitos, que promova a liberdade, o desenvolvimento de habilidades e competências,
o pleno desenvolvimento humano. Mas, será que é isso que está acontecendo nos
prédios públicos denominados "escolas"?

A escola é de fato um espaço preparado para a socialização do conhecimento,
ou seja, saberes diversos se misturam de modo que as aprendizagens não se
restringem àquelas atingidas pelos educandos: todo mundo aprende. Para
aprender, precisamos estar pré-dispostos, precisamos estar seduzidos,
envolvidos pela situação. Esta relação acontece com todos os que estão no
espaço escolar. Não falo aqui somente do conhecimento erudito, mas também do
popular, daquele que se confirma nas relações diárias, que se faz no toque
com o outro ou quando me afeto com ele.

As relações que se estabelecem de forma mais verdadeira são aquelas em que os
envolvidos estão afetados, incomodados, desconfortáveis. Se lido com situações
de pobreza e isso não me faz pensar, refletir sobre a mutabilidade que poderia
ocorrer, certamente não faço diferença. Se lido diariamente com sujeitos
agressivos e isso não me incomoda (desde que não me agridam) certamente não
faço diferença. Se trabalho numa escola cuja proposta é de emancipação dos
sujeitos (de todos) e tenho alunos cujo aprendizado se faz de forma diferente,
segue um outro caminho, exige mais de mim enquanto pessoa e educadora e, passo a
responsabilidade para o sistema de ensino, para a escola (como se eu não a
fosse), estou sendo uma des-educadora. Estou passando para outros uma
responsabilidade que é minha. O desconforto que me assola nas relações diárias
tem que me projetar em busca de soluções, de novas alternativas, de
possibilidades de sair da mesmice, do "é assim mesmo". Não posso
tomar atitudes, propor mudanças ou estratégias de superação se o outro não
me envolver, não me afetar…

No meu grupo de trabalho, seja ele composto de alunos, de colegas educadores, de
funcionários da escola ou de pais, ou ainda por todos estes, preciso assumir
posições. Preciso mostrar a que venho. As pessoas precisam me conhecer pela
minha fala, que deve estar diretamente relacionada ao meu fazer pedagógico. 

O desenvolvimento de todo o sujeito precisa ser assumido por todos. Se está
comigo, se é meu educando alguém que com outros educadores não se desenvolveu
como poderia (ou deveria), preciso assumi-lo, fazer por ele o meu melhor. Não
posso admitir que educadores continuem a culpar a proposta da escola, a família,
a comunidade, pelas causas que fizeram com que esse educando chegasse
"assim" neste ou naquele grupo. Se ele, casualmente ou não, veio
estar no meu grupo, onde atuo como profissional, preciso assumi-lo e esgotar
todas as possibilidades que favoreçam seu sucesso. O que conta aqui é minha
postura profissional, minha opção político-pedagógica, minha formação
enquanto pessoa que acredita ou não na transformação. Devo pensar nos
encaminhamentos que posso estar fazendo para que meu educando supere, seja autônomo,
seja feliz. Não posso acreditar em educadores que se acham capazes de
determinar o futuro daqueles que estão consigo, dizendo ter esgotado as
possibilidades antes mesmo de tentar. Preciso estar ao lado de profissionais
convencidos de que o que está posto não é suficiente, é pouco. Preciso estar
ao lado de profissionais que acreditem na transformação do mundo, que
acreditem que todos devem ter as mesmas chances ou pelos menos lutar com as
mesmas armas. Preciso imensamente discutir, duvidar do que está colocado como
definitivo.

Não quero absolutamente para mim a responsabilidade de ter privado e ser por
isso responsável, pela infelicidade de um sujeito, por sua aproximação ao
crime, às drogas, à prostituição. Quero possibilitar-lhe…

É indescritível a sensação de ver um desses sujeitos, fadados ao insucesso,
por este ou aquele motivo (que nunca convencem) superarem suas próprias limitações
(que foram determinadas por outros). É indescritível o olhar desse cara… É
possível acreditar em limitação? 

Não é não, não é, Jair?

Pode ser que hoje você não entenda os motivos que me levaram a escrever este
texto pensando em você. Pode ser que hoje, pra você, isso não faça diferença.
Pode ser.

Pode ser também que você, que demorou pelo menos dez anos (hoje você tem
16anos) para dar conta do seu processo de alfabetização e inserção no mundo
da maioria, não se dê conta do tamanho da sua conquista. Você é uma daquelas
criaturas de Deus que me faz acreditar que é possível mudar, que é possível
fazer acontecer. 

Gostaria de te agradecer, pela oportunidade de te conhecer, pela oportunidade de
te ouvir ler…

Jair Silveira dos Santos é um personagem real, nascido numa comunidade real,
estudante real, de professores reais. Questionado sobre seu sonho maior, seu
sonho de liberdade, ele responde: "Quero ser professor". 

Professor…

Jair deseja libertar outras pessoas. Acredita que seus professores são responsáveis
por sua felicidade de ser hoje, letrado, alfabetizado.

Não importa muito onde estamos, mas o que podemos fazer para mudar o mundo em
que atuamos. Quero continuar a acreditar, a possibilitar…

Os professores e professoras que estão com Jair no ano de 2000 são a Vera, a
Fabiana, o Christian, a Liane e a Tânia. Valeu, pessoal!

Publicado em 01/01/2000


Gizéli Coelho Andrade – pedagoga atuando na Rede Municipal de Ensino de Blumenau

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