APRENDER A CONHECER – BASES EPISTEMOLÓGICAS DA PSICOPEDAGOGIA
Taís Aparecida Costa Lima
O presente artigo procura refletir sobre o sujeito cognoscente, ser epistemológico da psicopedagogia e seu processo de conhecimento.
Resumo
O presente artigo procura refletir sobre o sujeito cognoscente, ser epistemológico
da psicopedagogia e seu processo de conhecimento.
Abstract
This article tries to reflect repon the awareness of a being, an epistemological
one from psychopedagogy and his process of knowledge.
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Palavras-chave: psicopedagogia/autoconhecimento/ser cognoscente
Key words: psycopedagogy/knowledge/awareness of a being
INTRODUÇÃO
Qual é afinal o objeto de estudo da psicopedagogia? De que sujeito eu falo?
Qual é a visão de homem e de mundo que temos a partir do ponto de vista
psicopedagógico?
Em debates sobre a epistemologia da psicopedagogia, discutimos nosso objeto de
estudo, a visão de homem e de mundo e como o sujeito do qual falamos se
relaciona com o objeto, procurando as bases que embasam a práxis psicopedagógica.
Fraturas, fissuras, rupturas… articulação entre afetivo e cognitivo? É
mesmo uma articulação? Não é uma junção? União? Afetivo e cognitivo
seriam paralelas que se encontram no infinito? Se encontram se o universo for
curvo?
Relatividade, cibernética, dialética, psicanálise, psicogênese, discurso
socrático, método cartesiano, Aristóteles, Lacan, Freud, Rousseau, Fromm,
Piaget, Fernández, Pain, Bettelheim. Não há dúvidas de que conhecendo as
bases epistêmicas do fazer, as atitudes tornam-se mais coerentes com o
discurso.
O objeto de estudo da psicopedagogia é a aprendizagem como mecanismo que a espécie
humana desenvolveu para se adaptar ao meio; pela complexidade desse mecanismo, a
psicopedagogia configura-se como um campo de investigação multidisciplinar
cercando-se, para isso, de bases orgânicas, psicológicas e sociais.
À PROCURA DO AUTO CONHECIMENTO
" Conhecer significa penetrar através da superfície, a fim de chegar às
raízes e, por conseguinte, às causas; conhecer significa "ver" a
realidade em sua nudez" (FROMM, pág.56)
Como resposta ao grande problema do fracasso escolar surge, no Brasil, a
psicopedagogia como campo de conhecimento sobre a gênese da aprendizagem na
articulação entre o cognitivo e o psíquico.
De início, o objeto de estudo da psicopedagogia eram os sintomas das
dificuldades de aprendizagem e o objetivo era remediar esses sintomas. Depois,
quando se começa a considerar os sintomas como valores relativos, seu objeto
passa a ser o processo de aprendizagem e seu objetivo remediar ou refazer um
processo em todos os seus aspectos, passando a ser percebida como um saber
independente.
O trabalho psicopedagógico se dá entre o ser em processo de construção do
conhecimento e o psicopedagogo.
Se de um lado a sociedade alcançou avanços tecnológicos, de outro causou uma
gradativa perda de identidade do ser humano como sujeito da história.
O conhecimento filosófico sugere que elaborar o próprio conhecimento da
realidade é tornar-se sujeito do próprio pensamento.
Formar uma consciência crítica é um processo reflexivo cujo objetivo é
formar um juízo crítico da realidade, abrindo assim, perspectivas de uma
concepção de mundo mais articulada, produzindo no sujeito a necessidade de
produção de novos conhecimentos.
"Somos o que somos porque fomos historicamente produzidos. Somos seres históricos
materializados por marcas emocionais, afetivas, econômicas, sociais, culturais,
religiosas e políticas, recebidas pelo ambiente exterior, pelo grupo social no
qual estamos inseridos".(PEREIRA, pág.107)
Assumir um modo crítico de pensar compreende, também, o conhecimento como ação
do sujeito, ou seja, o conhecimento é um processo de construção histórica.
Percebemos, na prática psicopedagógica, que não é possível construir uma
consciência crítica sem o autoconhecimento. Esse autoconhecimento leva ao
resgate da história de vida, o que possibilita ao sujeito a elaboração de
questões emocionais conflituosas que podem provocar alguns distúrbios de
aprendizagem.
Pensando dessa forma, recorremos a Heráclito que afirma que o homem, ao
atravessar o rio, será outro, mas continuará homem enquanto que o rio será
outro, mas continuará rio. Assim sendo, a partir do momento em que o educador e
o educando se encontram, ambos não são mais os mesmos, embora suas
individualidades permaneçam.
Tudo se transforma, mas permanece a essência. Há um movimento intra-subjetivo
entre ensinante e aprendente; portanto, podemos concluir que de acordo com Heráclito,
nossas subjetividades se transformam.
Para Sócrates, a dialética é uma discussão dialogada, o que exprime trocar
palavras e idéias, definição esta que vem ao encontro de uma sociedade cuja
comunicação era basicamente oral. O sujeito interdisciplinar forma-se por
intermédio do diálogo com seus professores, com seus pares, com o conhecimento
científico, com o conhecimento do cotidiano, com diversas fontes de
conhecimento. As ciências, cujo movimento é um permanente fazer e refazer, não
se assentam sobre bases imutáveis. Sua construção resulta num constante diálogo
entre as formas de pensamento.
A essência é transformada através da palavra. A intersubjetividade é
exercitada pela fala do sujeito. O psicopedagogo promove o conhecimento do
sujeito, de maneira que o mesmo se escute, se veja e se perceba ao falar, olhar
e perceber o psicopedagogo.
Conhecer-se a si mesmo: isso é o que procura o ser epistemológico da psicanálise,
bem como o ser cognoscente da psicopedagogia. A natureza humana é uma fonte de
conhecimento, apesar de toda sua subjetividade . O conhecimento está sempre
relacionado ao prazer, prazer sexual. Dessa forma, aos poucos o id instintual
transforma-se num ser cultural.
É esse o ser humano de Freud: cultural e dependente de sua cultura, que reprime
impulsos, cria mitos, faz guerras e vive oprimido numa constante repressão, porém,
ainda que caminhe sempre em busca do prazer.
Um sujeito inconsciente, desejante, do gozo, narcísico. Sujeito dialético
entre o princípio do prazer e o da realidade, entre a pulsão de vida e a de
morte.
Segundo Hegel, o homem deve limitar-se a informação, acabando, com isso, a ter
que se limitar à ordem existente das coisas. A razão torna o homem livre e
capaz de se desenvolver, se estiver dominado por uma vontade racional,
possibilitando, assim, a transformação da realidade de acordo com critérios
racionais.
Ainda segundo Hegel, uma nova situação só surge com a morte da outra, pois o
progresso não é uniforme, só se realiza em saltos.
Neste caso, o sujeito interdisciplinar é um crítico das verdades estabelecidas
e busca novas verdades para realizar novas sínteses. Para Hegel, tudo acontece
no campo das idéias. Para mudar a realidade, é necessária a antítese; a
oposição ao pensamento é a síntese.
Já para Lao Tsé, quando os homens reconhecem que a bondade é boa, sabem que a
maldade existe; se a beleza é bela, é porque a feiúra existe. Assim ser e não
ser, difícil e fácil, comprido e curto são complementares.
Educador e educando também desenvolvem atitudes complementares. O educador só
pode considerar-se detentor de um bom ensino quando o educando tiver boa
aprendizagem.
A "Pedagogia da Incerteza" de Japiassu mostra a busca permanente de
novas verdades, enquanto Morin introduz a designação de razão aberta para
sugerir a viabilidade de um conhecimento ilimitado e não fechado em si mesmo.
Sobressai, aí, a importância do retorno da subjetividade, do resgate da
interioridade do sujeito no conjunto de sua vida e no ato de construir o
conhecimento.
Ciência não existe. O que existe são práticas científicas efetivas. Não se
vai da ciência para a prática, mas da prática para a ciência.
"Mas que é Filosofar hoje em dia – quero dizer, a atividade filosófica –
senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento?"
(EVANGELISTA, pag.21)
Se a tarefa da epistemologia é buscar fundamento para o conhecimento, buscar
legitimar o que já se sabe, a tarefa da psicopedagogia é um trabalho crítico
do pensamento sobre o próprio pensamento, como uma possibilidade de fazer da análise
crítica do ser cognoscente, um objeto de cientificidade.
"Ao psicopedagogo cabe saber como se constitui o sujeito, como este se
transforma em suas diversas etapas de vida, quais os recurso de conhecimento de
que ele dispõe e a forma pela qual produz conhecimento e aprende" (BOSSA,
pág. 14)
Lajonquière supõe que o que move a interpretação para compreender o
"Isso" que se interpõe entre o aprendizado, tem sido uma posição
explicativa do estímulo-resposta.
Pontuou um cruzamento entre a inteligência segundo Piaget e o inconsciente
segundo Freud, constituindo o que interfere no ato de aprender, ou seja, quando
o sujeito reconstrói o conhecimento socialmente partilhado, pode se reconstruir
como sujeito cognoscente e então estruturar-se como sujeito epistêmico.
Dessa forma, a conjunção do conhecimento e do saber reconstrói o sujeito e
redimensiona o conceito de construtivismo.
A partir da Psicanálise, Sara Pain nos traz uma contribuição para o estudo do
mundo do conhecimento objetivo e o mundo da subjetividade, ressaltando três
pontos de identidade entre a Psicanálise e a Epistemologia Genética: a
organização estruturalista, o ponto de vista genético e a primazia do
inconsciente no processo do pensamento e na intersubjetividade.
Todos esses estudos são importantes contribuições para que o educador não
tenha uma visão de sujeito deformado mas, sim, de um sujeito articulado em seus
aspectos afetivos e cognitivos.
CONCLUSÃO
Enquanto os cientistas das eras de Galileu e Newton tentavam entender o universo
do infinitamente pequeno, isto é, como as coisas funcionavam por dentro,
Einstein demonstrou que a realidade ao nível dos átomos era diferente da
realidade ao nível dos objetos.
A física da escala humana que Newton explicava com relativo sucesso não era
aplicável nessa dimensão. Era necessário criar uma outra linguagem para poder
entender o universo do infinitamente pequeno.
Desta forma, Einstein produziu três artigos. De forma resumida: no primeiro,
prova matematicamente que os grãos de pólen dentro de um líquido
movimentam-se de forma caótica, saltando de um lado para outro. Isso ocorre
porque os átomos do líquido chocam-se com os grãos de pólen; no segundo,
Einstein prova que a luz, incidindo sobre uma superfície de metal, faz com que
alguns elétrons sejam liberados, provocando um fluxo de corrente elétrica,
chamado de efeito fotoelétrico; no terceiro, mostrou que as noções que usamos
para definir espaço e tempo são convenções. Dessa forma, se uma bala de canhão
é lançada em alta velocidade e eu sou lançada também em determinada
velocidade até emparelhar com ela, vejo a bala ao meu lado parada, porque eu e
ela estamos na mesma velocidade relativamente um corpo ao outro. Esta é parte
da Teoria da Relatividade. Portanto, nada existe de absoluto, a não ser a
velocidade da luz. Não existe, também, uma verdade absoluta em relação ao
processo de aprendizagem, não existem receitas, apenas aprendente e ensinante
devem caminhar lado a lado.
Nesse sentido, a busca permanente de novas verdades introduz a possibilidade de
um conhecimento ilimitado e que se renova constantemente.Na verdade, falamos de
uma troca: a do indivíduo que fomos pelo sujeito que nos tornamos. Sujeito
pensante, cognoscente, que se torna outra pessoa, mas não muda sua essência…
apenas cresce. Acrescenta algumas coisas, subtrai outras, indaga, nega,
descarta, segue alguns caminhos que julga serem corretos, muda para outros por
julgar serem ainda mais corretos e percebe que talvez ainda existam outros
caminhos. O processo do crescer, do saber, não pára.
Eu mesma, me propus a escrever inúmeras vezes e não conseguia transformar
todos os símbolos, todos os meus pensamentos, em outros símbolos que fossem
reconhecidos. O porquê não escrevo, se sei o que quero escrever tem sido uma
indagação constante que faço a mim mesma. Percebi que, à medida que escrevo,
me coloco, me transformo e me vejo no outro e o outro me vê. Quando escrevo,
assumo a autoria dos meus pensamentos e, então, as contradições aparecem, os
questionamentos tornam-se inevitáveis.
O não escrever ou o processo do não se autorizar a conhecer pode ser uma
maneira de evitar riscos.
Na prática psicopedagógica, atendemos crianças que não se autorizam a
conhecer, e crianças que "conhecem", mas não podem mostrar que
conhecem.
Nesses casos, o psicopedagogo deve buscar o sujeito, atingir o inconsciente
usando recursos simbólicos, psicodrama, contos de fadas, discursos socráticos,
enfim, procurar o saber. Mas como é bom saber que é possível e permitido
dizer não sei! Não temos uma receita pronta, quando estamos com um paciente.
Sabemos apenas que o caminho aparece em algum momento e o olhar muda.
Voltando, também, ao rio e ao homem de Heráclito, que não perdem sua essência,
eu diria, hoje, que não tenho mais um olhar psicopedagógico, tenho, sim, um
"ver" psicopedagógico.
Mudanças, reformulações. Arrisco a reformular: Olhar é diferente de ver.
Meus olhos enxergam, mas é meu cérebro que vê. Esse misterioso cérebro com
neurônios, sinapses, neurotransmissores, conexões, espinhas neuronais, tálamo,
hipotálamo… não importa. Importa a essência. Basta saber que existe um
sujeito capaz de transformar um pensamento em ação. Capaz de unir razão e emoção.
Capaz de perder para ter e ser. Simplesmente ser.
Mais que aprender a conhecer a psicopedagogia nos ensina a aprender a ser.
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SILVA, Maria Cecília Almeida e – Psicopedagogia – Em busca de uma fundamentação
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SILVA, Paulo Sérgio – Epistemologia e Psicanálise, Osasco, SP, Revista UNIFIEO,
Ano I – nº 1, 1999.
Publicado em 01/01/2000
Taís Aparecida Costa Lima – Psicopedagoga Clínica, mestranda em psicopedagogia pelo UNIFIEO, professora e supervisora de estágio do curso de Pós-Graduação lato-sensu em psicopedagogia clínica pela UNISA – Universidade de Santo Amaro
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