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PIAGET – VYGOTSKY: ACORDOS E OPOSIÇÕES

Dra. Maria Therezinha de Lima Monteiro

Enquanto Vygotsky focalizou a importância dos conteúdos sócio-culturais do conhecimento, Piaget tratou da forma do conhecimento e das categorias da realidade, numa abordagem mais Kantiana, mas numa perspectiva desenvolvimental.

Resumo: Na década de 1920, as primeiras obras de Piaget acentuaram a influência
social nos processos de desenvolvimento. Estas obras foram internacionalmente
lidas, influenciando os pesquisadores soviéticos. Neste período, Wallon
aconselhava Piaget a inverter sua perspectiva sobre o desenvolvimento: não
explicar a cognição pelos fatores sociais, mas a socialização pela estruturação
menta do ponto de vista orgânico. Posteriormente, Piaget, com base nas
pesquisas sobre desenvolvimento cognitivo, elege a equilibração como processo
de interação entre o sujeito e o objeto, focalizando a organização das
estruturas lógicas na construção do conhecimento. Vygotsky, influenciado
pelas primeiras obras de Piaget, focalizou os conteúdos do conhecimento,
acentuando o valor do social sobre o desenvolvimento. Contudo, ambos combateram
o modelo estruturalista estritamente fisicalista da Gestalt com o "modo
interpretativo" da construção do significado concebido nas formas
complementares de lógica por um lado e de retórica, por outro. Enquanto
Vygotsky focalizou a importância dos conteúdos sócio-culturais do
conhecimento, Piaget tratou da forma do conhecimento e das categorias da
realidade, numa abordagem mais Kantiana, mas numa perspectiva desenvolvimental.



Summary – In the 1920’s, Piaget’s first works accentuated the social influence
on the processes of development. These works have been read all over the world,
influencing the Soviet researchers. During this period, Wallon advised Piaget to
invert his perspective on development: to not explain the cognition through the
social factors, but the socialization through the mental structuration from the
organic point of view. Later Piaget, based upon the researches on the cognitive
development, chooses the equilibration as a process of interaction between the
subject and the object, focusing the organization of the logical structures in
the construction of knowledge. Vygotsky, influenced by Piaget’s first works,
focused the contents of knowledge, stressing the value of the social over the
development. Both, however, have fought the – strictly physicalist – Gestalt’s
structuralist model with the "interpretative mode" of the construction
of the meaning, conceived in the complementary forms of logic, on one hand, and
rhetoric, on the other hand. While Vygotsky has stressed the importance of the
social-cultural contents of knowledge, Piaget dealt with the knowledge form and
categories of reality on a more Kantian approach, but within a developmental
perspective.



Introdução



Anastasia Tryphon e Jacques Vonéche apresentam abordagem interessante das
teorias de Piaget e Vygotsky na obra "Piaget – Vygotsky, The Social Genesis
of Thought" (1996, Introd.), procurando acentuar oposições e acordos
entre os dois sistemas. O livro aborda pontos de vista de pesquisadores de várias
partes do mundo e, na introdução, os autores começam indagando se as duas
teses (de Piaget e de Vygotsky) estariam baseadas em hipóteses radicalmente
diferentes ou se ambas estariam contra um inimigo comum, o velho
associacionismo, que permanece tema vivo de muitos psicólogos de hoje.

Para responder a esta questão central, os autores situam os dois pesquisadores
em seus contextos comuns, críticos e históricos , especialmente na sua luta
comum para sobrepujar a dicotomia entre o behaviorismo e as psicologias da
consciência pela construção de uma perspectiva desenvolvimental designada a
transcender a oposição, sem cair nas malhas do nativismo ou do empirismo, cujo
significado seria substituir recentes enganos com erros originados a 200-300
anos atrás.

A obra aborda a fascinação e oposição, por razões óbvias, à psicologia da
Gestalt e sua relação com a construção, interpretação (do desenvolvimento)
e o papel determinante desempenhado pela seleção de diferentes unidades para
esta análise nas teorias que criaram. Suas reivindicações comuns à
racionalidade como área comum de desenvolvimento são questionadas, como também
a compreensão do social e os mecanismos usados para explicar o duplo caráter
de qualquer conhecimento como sendo ao mesmo tempo interno e externo. Em
particular, a simples oposição entre uma construção de dentro para fora em
Piaget e de fora para dentro em Vygotsky é discutida.

Na introdução da obra, Tryphon e Vonéche acentuam que se limitam a uma
comparação breve entre Vygotsky e Piaget, no curto período de 1.920 a 1.934,
quando ambos foram contemporâneos na comunidade científica. Neste período, as
obras de Piaget "Linguagem e Pensamento" (1.923), Juízo e Raciocínio
na Criança (1.924) e Causalidade Física (1.927) estavam sendo traduzidas em várias
línguas e Vygotsky estava elaborando sua teoria Histórico-Crítica.

As obras de Piaget foram consideradas altamente originais na época e Vygotsky
foi influenciado por elas em suas pesquisas e teorização. René Van der Veer e
Jane Valsiner (1.993), na obra "Compreendendo Vygotsky", afirmam que várias
centenas de crianças foram testadas por meio das provas Piagetianas na então
União Soviética (Idem, p.2).

O interesse de Vygotsky pela obra de Piaget é explicado de dois modos
principais: (1) um verdadeiro processo de construção de uma nova sociedade e
uma nova concepção de seres humanos preparados por pensadores comunistas, que
procuravam aspetos alternativos de humanidade; (2) a necessidade para um país
revolucionário lutar contra a ciência burguesa representada na psicologia por
várias formas de associacionismo. Piaget era uma das poucas escolhas possíveis.
Se o livro linguagem e Pensamento" não era um estudo de aquisição da
linguagem por associações de uma palavra a um pensamento, não era também uma
abordagem cognitiva ou emocional da aquisição da linguagem, mas um estudo da
comunicação entre crianças interagindo livremente em um ambiente não
agressivo de Escola Ativa. Além disso, era também o tempo em que Wallon
notificava Piaget para inverter sua perspectiva sobre o desenvolvimento, para não
explicar cognição pelos fatores sociais, mas socialização pela estruturação
mental. Assim, segundo Wallon, "em vez de considerar a sociabilidade como o
agente do pensamento relacional, deveria inverter as perspectivas e dizer que,
quando, por causa do seu desenvolvimento mental, que é condicionado pelo
desenvolvimento orgânico, a criança torna-se capaz de apreender
simultaneamente em mente, dois pontos de vista diferentes, então a
sociabilidade será traduzida em pensamento relacional (Idem, p.3).

Além de oferecer uma alternativa teórica para os psicólogos soviéticos,
Piaget também apresentava uma alternativa metodológica, pois se a psicanálise
é descrita como uma "cura pela fala", o método de Piaget (método clínico)
poderia ser também definido como uma abordagem da fala muito similar em muitos
aspetos ao método psicanalítico. A "livre conversação" de Piaget
requer uma atitude improvisada e relaxada das crianças e uma definitiva ausência
de prejulgamento do entrevistador adulto. Assim, as duas dimensões, tão
essenciais do pensamento de Vygotsky, o histórico-social e a base da linguagem
(para o pensamento) estavam já presentes nos escritos de Piaget. Aparentemente,
os dois estudiosos estavam prontos para o diálogo, segundo os autores citados.

Ainda, segundo estes autores, este fato está bastante claro, especialmente no
prefácio escrito por Piaget para a edição russa de sua obra "A Linguagem
e o Pensamento na Criança" (1.932), no qual ele escreve:

"Obrigado por este prefácio, tenho grande prazer de expressar publicamente
minha gratidão aos psicólogos soviéticos por esta escolha para realizar a
tradução de meu trabalho para o russo e, especialmente para a organização
dessas séries de pesquisas que terão continuidade. O objetivo dessas pesquisas
será complementar e corrigir o trabalho feito em Genebra. Gostaria de explicar
aqui, em poucas palavras, o imenso significado para mim do início dessa
colaboração. No trabalho publicado aqui, a idéia dominante é, como me
parece, que o pensamento das crianças não pode ser definido somente por
fatores psicobiológicos inatos com influências do meio físico. Deve-se também
e acima de tudo considerar as relações entre a criança e o meio social. Não
quero dizer que a criança reflete pensamentos e opiniões expressas ao seu
redor, isto poderia ser banal. A verdadeira estrutura do pensamento individual
depende do meio social. Onde quer que alguém esteja pensando sozinho de um modo
egocêntrico (tão típico da criança), estará sempre sujeito às suas próprias
fantasias, desejos e inclinações pessoais e, como tal, este tipo de pensamento
será totalmente diferente do pensamento racional. Onde quer que alguém esteja,
sob a influência sistemática de determinado meio social (como uma criança
sujeita à autoridade adulta) este alguém virá a pensar de acordo com as
regras do meio externo. Estas regras geram verbalismo e sincretismo verbal no
pensamento deste alguém ou o que é denominado "legalismo" no
julgamento moral próprio. Inversamente, quanto mais o indivíduo colaborar com
outrem, mais as regras de colaboração desenvolvem e disciplinam seu
pensamento, que teórica e praticamente modelam a razão. Egocentrismo, restrição
e colaboração são as três tendências, entre as quais, o pensamento da criança
em desenvolvimento oscila e, nas quais, o pensamento do adulto está ligado
diferentemente, se ele permanecer autístico ou se for integrado em um tipo ou
outro de organização. Isto é apenas um esboço. Na vida real, as influências
sociais e as atitudes orgânicas individuais de pensamento estão entrelaçados
num modo sutil. Um importante problema metodológico necessariamente se eleva
aqui no caso da psicologia da criança. Se o pensamento da criança depende da
relação entre o individual e o ambiente social, como podemos determinar
exatamente o que pertence a cada um desses fatores? Quando alguém trabalha
dentro de um único meio social (tal como das crianças de Genebra) como somos
forçados a fazer, esta determinação é impossível. Deve-se estudar a criança
em meios sociais totalmente diversificados para se fazer esta determinação.
Esta é a razão porque tenho grande prazer em ter colaboradores tão
qualificados como os psicólogos soviéticos. Eles estudam crianças em meios
muito diferentes deste em que desenvolvo minhas observações. Nada é mais útil
para a ciência do que este confronto de pesquisas por psicólogos russos e por
outros de outros países. Até o ponto em que os resultados das pesquisas
descritas neste volume estão preocupados, gostaria de acrescentar muito mais no
que foi escrito em 1.922 e que eu não poderia fazer em um curto prefácio.
Estou bem certo que meus resultados são somente fragmentários e questionáveis.
Mas, isto não me entristece, porque eu sei que outros darão continuidade a
tais pesquisas".

A triste realidade parece ser que Piaget e Vygotsky nunca se encontraram, apesar
deste prefácio, acrescentam Tryphon e Vonéche (1.996, Introd.) Há alguma
especulação sobre um possível encontro em Moscow num Congresso sobre "Pedology",
mas não há evidência de tal encontro dos dois estudiosos, nem em cartas de
Piaget e nem nas recordações da filha de Vygotsky .Segundo Tryphon e Vonéche,
o que parece mais provável é que Piaget tivesse encontrado com Lúria em 1.929
na Universidade de Yale, New Haven, para um Congresso de Psicologia (um fato
comprovado por uma carta de Piaget para Meyerson) e que ambos decidiram
colaborar de uma forma ou de outra em um triângulo: Lúria, Vygotsky e Piaget.

Tryphon e Vonéche se restringem a abordar, na introdução da obra citada, ao
que cada um escreveu sobre o outro.



Vygotsky sobre Piaget



No capítulo 2 de seu livro "Pensamento e Linguagem" (1.934/1.962),
Vygotsky criticou o conceito de egocentrismo apresentado por Piaget. No capítulo
6 do mesmo livro, ele discutiu criticamente a distinção que Piaget faz entre
aprendizagem de conceitos científicos e espontâneos.

Vygotsky considera egocentrismo como pedra fundamental no sistema teórico de
Piaget. Na realidade, não há dúvida de que para Piaget, desenvolvimento
mental vai do solipsismo do bebê para o egocentrismo da criança e deste, para
a descentração do adulto. Mas, o que Vygotsky lastima nesta abordagem é a
linearidade de uma tal concepção de desenvolvimento mental. Para Vygotsky não
há tal linearidade de movimento a partir da linguagem egocêntrica para a
socializada. Ao contrário, suas observações na Rússia demonstraram que a
linguagem egocêntrica é muito mais do que uma mera companheira da ação à
disposição num tempo certo. Linguagem egocêntrica é, além disso, mais do
que uma descarga emocional de tensão na criança ou um simples meio de expressão.
Linguagem egocêntrica deveria ser considerada como um instrumento de pensamento
adaptado a todos os tipos de situação de solução de problemas, porque ela
ajuda a criança definir um problema e construir planos para uma solução possível.

Ora, Vygotsky estava fundindo em um só conceito a noção de linguagem egocêntrica
à moda Piagetiana com aquele da linguagem interna, privada ou particular.
Entretanto, Vygotsky não poderia aceitar a idéia de linguagem egocêntrica
desaparecer com a idade. Ao contrário, ele afirma que crianças em idade
escolar continuam a usar a linguagem egocêntrica como um meio para um fim
cognitivo, a única diferença sendo que a linguagem egocêntrica, tendo sido
internalizada e cada vez menos observável, apesar dos processos mentais em
jogo, permanecerem os mesmos .

Assim, se para Piaget o movimento desenvolvimental vai do individual para o
social, para Vygotsky a linguagem é originária e primariamente social.
Desenvolvimento vai de uma falta de diferenciação das várias funções da
linguagem para uma progressiva diferenciação e uma hierarquização das funções
inicialmente fundidas. Linguagem egocêntrica torna-se um meio para a criança
transferir comportamento social externo para funções intra-psíquicas. No
final do capítulo 2 da obra "Pensamento e Linguagem" acentua alguns
"erros" conceituais feitos por Piaget. O primeiro versa sobre a noção
de sincretismo. Vygotsky sente que a criança tende a pensar sincreticamente
sobre situações ou objetos não familiares, mas não sobre os familiares. A
familiaridade depende da educação recebida pela criança. O papel dos métodos
educacionais é aqui crucial para Vygotsky.

A Segunda crítica de Vygotsky se refere ao grau de universalidade dos traços
do desenvolvimento observados por Piaget. Obviamente, as descobertas de Piaget não
são universais, mas histórica e socialmente fundamentadas.

No capítulo seis, "O Desenvolvimento de Conceitos Científicos na Infância",
Vygotsky aborda a distinção entre conceitos espontâneos e científicos
aprendidos na escola. Piaget considera conceitos espontâneos como mais uma
revelação das estruturas internas dos processos de pensamento da criança do
que os aprendidos . Vygotsky pensa que conceitos espontâneos e científicos estão
entrelaçados no seu desenvolvimento numa relação altamente complexa que torna
o ensino efetivo somente quando ele trilha o caminho do desenvolvimento. Ele
toma o exemplo de dois conceitos: "exploração" que é ensinado na
escola como conceito científico e a "noção de irmão" que é espontâneo.
Mostra que o conceito "exploração" desenvolve antes do conceito de
"irmandade" (como conceitos não como comportamentos). Em geral, entre
as crianças russas soviéticas, conceitos científicos antecipam os espontâneos.
Isto demonstra, de acordo com Vygotsky, os efeitos de estruturação e de
generalização da consciência da escolarização da criança sobre seus próprios
processos mentais . Como ele disse, conscientização reflexiva entra pela porta
dos conceitos científicos. Esta descoberta é, para Vygotsky, um exemplo específico
de um problema mais geral: a relação entre "desenvolvimento e
aprendizagem". Interessante notar que essa diferença entre desenvolvimento
e aprendizagem é feita por Piaget no seguinte sentido: toda mudança de
comportamento é uma forma de aprendizagem, mas a mudança de comportamento mais
"organização" leva à construção de conhecimento e, portanto, ao
desenvolvimento (Piaget/Gréco, 1974).

Vygotsky se opõe ao espontaneismo de Piaget nestas matérias; pensa que a educação
formal é um domínio específico que definitivamente influencia o
desenvolvimento em outros domínios do conhecimento por uma espécie de processo
de generalização que é essencial para ele.

Na realidade, durante os quarenta anos que Piaget foi diretor do Bureau
Internacional de Epistemologia Genética em Genebra, em discursos proferidos
perante o Conselho de Educação, sempre sugeriu que a educação sistemática
partisse das reações espontâneas da criança em desenvolvimento, mas jamais
negou o papel do professor como mediador nos processos de ensino e aprendizagem
escolar.



Piaget sobre Vygotsky



Os comentários de Piaget sobre Vygotsky são conhecidos principalmente por meio
do seu prefácio na Introdução para o Inglês da obra "Pensamento e
Linguagem" de Vygotsky (Piaget, 1.962, p.1. In op.cit.pp.6-7): "Não
é sem tristeza que um autor descobre, 25 anos após sua publicação, o
trabalho de um colega, que morreu nesse meio tempo, quando tal trabalho
apresenta tantos pontos de interesse imediato para ele e que poderiam ser
discutidos pessoalmente e em detalhe".

Mas, esta afirmação, segundo Tryphon e Vonéche, não significa que Piaget não
tivesse conhecimento do trabalho de Vygotsky. De fato, o prefácio do livro de
Kostyleff "A Reflexologia e os Ensaios de uma Psicologia Estrutural",
publicada em 1.947, mostra que Piaget não ignorava vários traços da
psicologia soviética. Piaget era também freqüente visitador da União Soviética
e foi mencionado por um pequeno "paper" : "Algumas Impressões de
uma Visita aos Psicólogos Soviéticos" (1.956). Ele se encontrou com Lùria
e Leotieve e evidentemente discutiram a psicologia Vygotskiana e pós-Vygotskiana.
Apesar de estar em acordo geral com Vygotsky, Piaget acentua algumas diferenças. 

Sobre o egocentrismo e linguagem egocêntrica, Piaget agradece o criticismo de
Vygotsky, mas coloca sua posição mais explicitamente usando estudos mais
recentes desenvolvidos por ele e colaboradores. Contudo, discorda das afirmações
de Vygotsky que linguagem egocêntrica e comunicativa sejam ambas socializadas e
se diferenciam somente por suas funções. Para ilustrar a oposição entre a
sua posição e a de Vygotsky, ele dá o seguinte exemplo: "… se um indivíduo
A erradamente acredita que um indivíduo B pensa do mesmo modo que ele (A) , e
se ele não consegue entender a diferença entre os dois pontos de vista, isto
é, certamente comportamento social no sentido que há contato entre os dois,
mas eu chamo tal comportamento "inadaptado" a partir de um ponto de
vista de cooperação intelectual" [Piaget, 1962, p.8. In Tryphon & Vonèche,
1996, p.7).

A escrita da palavra "cooperação" indica a vontade de Piaget apelar
para operações mentais na estruturação das relações sociais, que é a base
do que Henri Wallon queria que ele considerasse em 1.928, mostrando que as operações
lógicas são tão importantes quanto as relações sociais na modelação da
descentração da mente da criança.

Isto é seguido por uma discussão detalhada de Piaget do acordo geral entre
Vygotsky e ele próprio sobre conceitos espontâneos e científicos e
especialmente sobre a necessidade de estudar cuidadosamente a origem e o
desenvolvimento dos conceitos científicos na criança, que Piaget considerou
como programa de sua pesquisa pessoal desde 1.930. Piaget concorda com Vygotsky
sobre a afirmação de que "conceitos científicos e espontâneos começam
de diferentes pontos, mas discorda que tais conceitos se encontrem
eventualmente" (Piaget, 1.962, p.11, In op.cit., p.7) e interpõe o fato
como um encontro de pontos entre a sociogênese dos conceitos científicos e a
psicogênese das estruturas espontâneas. Piaget não nega a influência do meio
sobre a psicogênese, mas levanta a questão de sua participação no
desenvolvimento. Isto é, a questão situa-se no fato de como é o social
assimilado pelo sujeito do conhecimento.

Novamente aqui, as diferenças estão presentes. Para Piaget desenvolvimento é
uma evolução por estágios semelhantes à evolução biológica, uma sucessão
de "eventos" para usar a frase de Bronckart, enquanto que para
Vygotsky desenvolvimento tem uma generalização humana cheia de sentido. Piaget
não aceita este conceito como explicação adequada de desenvolvimento. Para
ele, generalização é puramente descritiva e não explicativa.

Piaget está fortemente convencido que o desenvolvimento "consiste em ações
interiorizadas tornando-se reversíveis e coordenando-se em padrões de
estruturas sujeita a leis bem definidas" ( Piaget, 1962, p.12. In Tryphon
& Vonèche, p.8)).

O processo de desenvolvimento é necessariamente socializado à medida que cada
operação mental vincula comunicação sob a forma de co-operação. Mas isto não
significa para Piaget que poderia haver uma diferença entre operações
intra-individual e inter-individual. Ao contrário, elas devem ser
necessariamente idênticas para serem verdadeiramente opertatórias, na medida
em que ambas resultam de um mesmo mecanismo explanatório de equilibração.
Como um corolário desta posição, a sociedade seria meramente uma adição de
indivíduos. Contudo, nas palavras de Piaget "perguntar se operações
intra-individuais geram operações inter-individuais ou inversamente eqüivale
a perguntar quem veio primeiro, a galinha ou o ovo" (1960, p.234. In
Tryphon & Vonèche, p.8).

Este é o modo de pensar de Piaget nos anos de 1.960 e após. Mas, como vimos,
no seu prefácio da tradução de sua obra "Linguagem e Pensamento"
para o Russo, Piaget pensa que a verdadeira estrutura do pensamento individual
depende do meio social, não tendo ainda voltado sua atenção para os processos
dialéticos entre o sujeito e o objeto do conhecimento na construção das
estruturas lógico-matemáticas.

Assim, quando comentou o livro de Vygotsky, anos mais tarde, perante uma audiência
anglo-saxônica, principalmente a pedido de Gerome Bruner, considerou a obra
Linguagem e Pensamento de Vygotsky, correta ou erroneamente, como mais sensível
ao papel do meio. Naturalmente Piaget não poderia antecipar então a onda
presente de nativismo, para não mencionar "geneticismo" (com sentido
de papel dos genes) nos Estados Unidos. Ele poderia mais provavelmente ter
reagido a ele colocando a ênfase anterior sobre o meio, mas focalizando o modo
espontâneo e natural de interação entre o sujeito e o objeto. A sensibilidade
ao papel do meio como algo que incide sobre o sujeito do conhecimento de modo
unilateral esteve bastante presente nas primeiras obras de Piaget, já citadas
no início deste artigo, posteriormente reinterpretado em termos de equilibração.



Conclusões



Este debate teve o grande mérito de mostrar que há algo significativo
coincidindo entre as idéias de Vygotsky e as e Piaget. Por exemplo,
contrariamente ao geralmente visto, oposições fáceis entre os dois pensadores
são sem sentido: aprendizagem não é só ação e o desenvolvimento do
conhecimento não se resume em algo simplesmente de dentro para fora para
Piaget; também para Vygotsky, conhecimento não acontece simplesmente de fora
para dentro. Ambos os pontos de vista combinam mecanismos intrapsíquicos e
interpsíquicos. Ambos defendem a ação como o ponto inicial para mais
desenvolvimento. Mas, eles entendem isso diferentemente. Para Piaget, ação é
um evento natural acontecendo no ambiente natural; para Vygotsky, é um ato
humano rico e cheio de sentido construído pela história e pela sociedade. A
natureza Kantiana das investigações de Piaget contrasta com a abordagem sócio-cultural
e histórica das pesquisas de Vygotsky. Piaget está mais preocupado com o
desenvolvimento de processos universais para a validação de conhecimento e
Vygotsky está mais centrado na gênese sócio-cultural e sua interpretação.
Um está mais devotado à discussão da interpretação do próprio caráter
construtivo do conhecimento e o outro à dimensão interpretativa da construção.
Como tal, eles se complementam mutuamente, na medida em que fecham as portas
para o modelo estruturalista estritamente fisicalista da Gestalt com o
"modo interpretativo" de construção do significado, concebido em
formas complementares de lógica, por um lado e de retórica , por outro. Mas
para um, lógica significa a lógica dos significados e para o outro, significa
a retórica de pensamento e ações, porque ambos estavam bastante preocupados
com o mesmo tipo de racionalidade baseada na filosofia das luzes . Ambos viram
progresso da mente humana como uma conquista do universal sobre o particular, do
geral sobre o local.

Portanto, na realidade, enquanto Piaget focalizou mais a "forma" do
conhecimento, o "como" ocorre a assimilação dos conteúdos sócio-culturais,
Vygotsky considerou o "conteúdo" do conhecimento, a produção sócio-histórica.
Na realidade, ambos os pólos do conhecimento guardam, entre si, interações,
cujo desenvolvimento de um se dá em função do outro e inversamente, num
processo de contínua equilibração. A verdadeira herança deixada por ambos,
segundo os autores eleitos por nós neste trabalho, foi a volta àqueles domínios
da "psiquê" humana, negligenciados pela velha psicologia e a exploração
deles de modo imparcial, sem qualquer pré-julgamento racionalístico para
descobrir, nas chamadas formas mais primitivas de comportamento, seu valor inegável
na explicação do desenvolvimento. Esta, diz Tryphon e Vonéche, parece ser a
conclusão mais geral a ser tirada desta discussão da gênese do pensamento, de
acordo com Vygotsky e Piaget.

O valor da coordenação das ações como origem dos significados e sua
reconstrução e ressignificação pela verbalização, onde a expressão verbal
objetiva realmente os processos de conscientização, parece ser o ponto de
encontro importante na abordagem de ambos, segundo pesquisas realizadas na prática
psicopedagógica (Monteiro, 1.993, 1996). Contudo, esta reconstrução é bem
clara em Piaget ao focalizar o conhecimento matemático e a realidade (cf.
Piaget. 1973, cap. III), bem como nas demais obras relativas ao desenvolvimento
das categorias da realidade: objeto, espaço, tempo e causalidade.

Em Vygotsky, a noção de zona proximal objetiva bem os achados de Piaget por
meio do método clínico.

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Publicado em 01/01/2000


Dra. Maria Therezinha de Lima Monteiro – Profa. da Univ. Católica de Brasília. Curso de Mestrado em Educação, área de Ensino e Aprendizagem.

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