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UM DIÁLOGO PSICOPEDAGÓGICO COM PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

José Paulo de Araujo

Este trabalho tem por objetivo iniciar um diálogo com a proposta contida nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Língua Estrangeira (LE) para o terceiro e o quarto ciclos da Educação Fundamental, tal como estão apresentados na versão de 1998.

Este trabalho tem por objetivo
iniciar um diálogo com a proposta contida nos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN) de Língua Estrangeira (LE) para o terceiro e o quarto ciclos da
Educação Fundamental, tal como estão apresentados na versão de 1998.





Será feita uma resenha crítica do documento, cujo objetivo é empreender uma
reflexão de base psicopedagógica sobre a eficácia de seu texto para o
processo de formação inicial e continuada do docente de LE, tendo em vista a
forma como este texto é apresentado aos seus leitores potenciais, ou seja,
professores e equipes pedagógicas.

A relevância da Psicopedagogia
para este tipo de reflexão se deve ao fato de que seu foco de investigação é
o ser aprendente.  Como bem definiu Maria Cecília Almeida e Silva (1998):
“[a psicopedagogia] tem um objeto próprio, que é o ser do conhecimento. Ela
não se preocupa diretamente com as dificuldades de aprendizagem, mas com a
autonomia desse ser.” Este trabalho, portanto, pressupõe que o professor em
formação ou em exercício – e leitor potencial dos PCN de LE – é também
um aprendente, cuja autonomia deve ser construída a partir do desenvolvimento
de habilidades de observação e autocrítica, fundamentadas pelo conhecimento
teórico relevante disponível.  A caracterização destas habilidades e
deste conhecimento está na própria base dos PCN.

A resenha, portanto, se
concretiza como uma intervenção psicopedagógica de cunho preventivo (Fagali e
Vale, 1998), realizada em função dos aprendentes em questão, ou seja,
professores, equipes pedagógicas e todos que se encarregarão de pôr em prática
e de avaliar os PCN.  A intervenção será feita no sentido de detectar no
texto eventuais obstáculos à compreensão e portanto à implementação
satisfatória de suas propostas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O NÍVEL DA
CONCEITUALIZAÇÃO TEÓRICA

E SOBRE AS SUGESTÕES PARA A IMPLEMENTAÇÃO
PRÁTICA

A leitura dos PCN revela um
texto bastante rico e complexo.  É rico tanto pelo número de paradigmas
que o embasam, quanto pelo projeto formativo a que se propõe.  É complexo
pela tentativa de estabelecer parâmetros nacionais, sem contudo deixar de levar
em conta a diversidade cultural e econômica do país.

Há que se pensar que, talvez
justamente devido a esta diversidade, o documento torne-se por demais genérico
quando aborda conceitos fundamentais oriundos de alguns paradigmas.  Esta
generalidade é delicada se considerarmos que o docente de LE no Brasil pode não
ter uma formação que lhe permita reconhecer os paradigmas teóricos
subjacentes ao texto dos PCN a fim de operacionalizá-los.

Para exemplificar o tipo de
generalidade detectada, podem-se citar termos (ou conceitos) tais como
dialogia/dialógico (p. 27), tábula rasa (p.56) e troca de turnos (p. 94), que
ou são apresentados sem maior explicitação ou são apresentados sem definição. 
Se levarmos em consideração que um texto/discurso necessariamente pressupõe
um leitor e que, portanto, contém pistas suficientes para que este leitor
construa um significado possível, podemos chegar a duas explicações para o nível
de generalidade dos PCN:

  1.  os
    autores do documento crêem que o professor de Educação Fundamental poderá
    detectar as

    pistas necessárias, por já ter tido contato com os paradigmas teóricos
    dentro dos quais os termos acima são operacionais, a saber, a teoria da
    dialogia de Bakhtin, a psicologia behaviorista de B.F. Skinner e os estudos
    dos etnometodólogos sobre a organização da fala;

  2.  ou
    o documento foi intencionalmente redigido de modo genérico para que os
    leitores que

    desconheçam tais termos busquem, a partir da bibliografia apresentada, subsídios
    que lhes permitam compreendê-los.  O risco neste caso estaria em situações
    nas quais os leitores não busquem tais subsídios, preferindo interpretar
    os itens desconhecidos com base em seu conhecimento de mundo, sem uma avaliação
    crítica sobre a adequação de tal interpretação.

No caso de uma interpretação
acrítica, os termos desconhecidos ou mal explicitados recebem uma interpretação
por demais simplificada, ou mesmo errônea, seja por seu valor de face, ou seja,
pelo que parecem querer dizer, seja como sinônimos dos exemplos apresentados
para concretizá-los.  Mantendo-se esta linha de raciocínio, os termos
mencionados anteriormente poderiam ser mal interpretados das seguintes formas:

 

[1] “Todo significado é dialógico, isto é, é construído pelos
participantes do discurso” (p. 27)

Pela semelhança formal, dialógico
pode ser associado apenas a um conceito limitado de diálogo, entendido como
conversa, quando na verdade, o conceito de dialogia de Bakhtin (v. Stam, 1992),
oriundo da Teoria da Literatura, explica que o uso da linguagem se dá no
reconhecimento necessário do outro e da complementaridade eu-outro.  Ele
abrange, além do diálogo, qualquer outra forma discursiva na qual o sujeito
faz escolhas dentro do repertório de estruturas de sua língua, a partir do
reconhecimento da existência de outros (leitores, críticos, atores) com quem
dialoga.  Para Bakhtin todo discurso existe em diálogo com o contexto e
com  outros discursos.

[2] “Nessa concepção [behaviorista] a
mente do aluno é entendida como uma tábula rasa que tem de ser moldada, por
assim dizer, na aprendizagem de uma nova língua.”

(p. 56)

O uso dos termos moldar e mente pode levar à
interpretação de que, segundo o paradigma da Psicologia Behaviorista,  o
aprendente já conta com algum tipo de conteúdo que pode ser modificado ou
aparato que pode ser programado para agir de determinada forma.  A posição
behaviorista radical de B.F. Skinner, entretanto, desconsidera “qualquer coisa
que seja mental”, como ele mesmo declara (Skinner, 1964, apud Fadiman e
Frager, 1986).

[3] “[…] a compreensão de textos orais
requer o conhecimento dos padrões de interação social (os direitos e deveres
interacionais, isto é, quem pode tomar o turno, por exemplo).” (p. 94)

Na melhor das hipóteses, o
termo pode ser entendido como uma permissão para fazer apartes em reuniões ou
debates. Oriundo da Etnometodologia, ou Análise da Conversação, o conceito de
tomada de turno nomeia  “a operação básica da conversação”
(Marcuschi, 1986), segundo a qual o ouvinte, a partir das pistas do falante
(nomeação do próximo a falar  ou pausa com entonação descendente),
adquire o direito de falar.  Esta operação apresenta  variações
culturais.




A fim de prevenir a má interpretação de termos essenciais, um glossário
poderia ser acrescentado ao documento.  Este glossário apresentaria definições
objetivas dos termos, além de localizá-los nas áreas de onde se originam
(teoria literária, psicologia, sociologia). Também uma pequena bibliografia
comentada sobre os termos poderia ser acrescentada em lugar da Bibliografia já
existente ou em acréscimo a ela.

Além dos problemas de
conceitualização de itens-chave, ocorre o emprego, também sem um detalhamento
imediato, de outros termos essenciais do ponto de vista da implementação dos
parâmetros.  Eis alguns exemplos:

(A) “As marcas que definem as identidades
sociais […] são intrínsecas na determinação de como as pessoas podem agir
no discurso ou como os outros podem agir em relação a elas nas várias interações
orais e escritas das quais participam. […] A consciência desses processos é
o primeiro passo na construção de uma sociedade mais igualitária.” (p.
27-28)

Quais seriam estas marcas ? 
Como se concretizam no nível da linguagem ?  Como podem ser evidenciadas
para os alunos ?  As respostas a estas perguntas são adiadas até as páginas
46-47, onde são discutidos alguns exemplos de como as marcas lingüísticas
(Escolhas Sistêmicas) servem para a exclusão social de grupos ‘minoritários’,
quando utilizadas pelo discurso da cultura hegemônica, ou para a representação
dos valores destes grupos, quando usadas por eles mesmos.  Tais exemplos
seriam mais adequadamente citados nas páginas 27-28, pois tornariam mais
concreto o significado dos termos introduzidos inicialmente ali.

(B) “É preciso que o professor compreenda
a relação entre interação e aprendizagem.” (p.62)

Qual a relação ?  Como
se estabelece ?  A provável resposta encontra-se na página 58 do
documento, onde se declara que: “O processo de aprender pode ser considerado
uma forma de co-participação social […] entre pares na resolução de uma
tarefa em que a participação do aluno é periférica, inicialmente, até
passar a ser plena…” e que “Esse processo é […] mediado pela
linguagem…”.  Conclui-se, portanto, que através da mediação lingüística
se criam condições sob as quais pode ocorrer a aprendizagem. Não se
esclarece, por outro lado, quais aspectos desta linguagem favoreceriam a mediação
que permitiria ao aluno passar da participação social periférica para a
plena.

Pesquisas sobre como as crianças
adquirem sua língua materna e sobre como os imigrantes adquirem uma segunda língua
podem ajudar a compreender a conexão entre linguagem e aprendizagem. Tais
estudos, principalmente aqueles que focalizam a relação entre interação e
aquisição, sugerem que na fala dirigida à criança pelos adultos há traços
característicos que parecem facilitar o processamento lingüístico, o que
poderia levar à aquisição. Esta fala com características especiais é
denominada manhês e sua equivalente no contexto de aquisição de segunda língua
é denominada foreigner talk.  As características de ambas podem ser
resumidas nos seguintes aspectos (Ellis, 1998):

  1.   
    são oferecidas ao aprendiz em um ritmo mais lento;

  2.   
    contêm sentenças gramaticais mais curtas;

  3.   
    não costumam conter sentenças subordinadas ou complexas;

  4.   
    podem consistir de várias sentenças encadeadas com o intuito de tornar o
    conteúdo mais claro;

  5.   
    não costumam conter formas abreviadas, como por exemplo won’t  (will
    not) em inglês.

Outros estudos sobre a relação
entre interação e discurso têm indicado que é possível criar a oportunidade
para o surgimento de traços facilitadores tais como os anteriores, apenas
permitindo que os alunos interajam mais diretamente entre si – e com o
professor – para  negociar o significado, ou seja, para pedir
esclarecimentos, para confirmar o que compreenderam através de perguntas e paráfrases
(v. Ellis, 1998).

Em resumo, a relação entre
interação e aprendizagem, até onde as pesquisas parecem indicar, pode ser
explicada pelo processo ativo no qual os interlocutores (aluno-professor /
aluno-aluno) negociam o significado para realizarem uma tarefa conjunta. Neste
processo, a linguagem em uso sofre modificações e simplificações que dão ao
aprendente um insumo lingüístico mais fácil de processar, e que, em última
instância, pode ser assimilado.

Permitir que o professor
compreenda que há formas de intervir, sob uma perspectiva especificamente lingüística,
para facilitar o processo de aprendizagem de seus alunos é fundamental. Tornar
mais claro como se dá esta intervenção é sem dúvida uma tarefa que deveria
ser empreendida pelos PCN. O texto tal como se apresenta, entretanto, não é
suficientemente explicativo.

(C) “O avaliador se empenha em regular as
interações em sala de aula para corrigir rotas de percurso, utilizando um
vasto repertório de técnicas sociais, com sensibilidade e percepção dos
problemas, a fim de que se crie um clima emocional ótimo, conducente a uma
aprendizagem também ótima.”  (p.82)

Quais seriam tais técnicas
sociais, cujo valor é aqui ressaltado para a instrumentalização de um
processo de avaliação contínua do ensino ? Os exemplos sugeridos
(“aconselhar, coordenar, dirigir, liderar, encorajar, animar, estimular,
partilhar, aceitar, escutar, respeitar  e compreender”) podem ser
considerados conhecimentos adquiridos naturalmente pelo professor em sua
cultura. O problema neste caso está no fato de que normalmente nenhum de nós
tem muita consciência de como estas técnicas realmente funcionam e de por que
às vezes fracassam.  Parece, portanto, que não se sabe o suficiente a
respeito deste tipo de conhecimento para que o professor possa utilizá-lo
deliberadamente na sala de aula.   Seu uso será, na melhor das hipóteses,
satisfatório.  Conclui-se que, sob esta ótica, os PCN criam a expectativa
– bastante equivocada –  de que o professor saberá dar conta da avaliação
através do emprego  todas as técnicas, como se fossem um dom natural ou
ainda algo para que sua educação superior o habilitou.

(D) “Atividade: listar itens lexicais 
relativos à temática do texto que será ouvido.” (p. 95)

Esta passagem se refere à
relativa importância do conhecimento sistêmico – sintático-semântico e
lexical –  para o processamento da linguagem no nível da compreensão. 
A dificuldade aqui está em implementar na prática o que se advoga no
documento, i.e. que a língua estrangeira não deve ser ensinada de modo mecânico,
desprovido de significado, como um fim em si mesma.  O documento parece
propor, de modo geral, que o aprendizado decorre de um envolvimento do aluno na
criação de sentido por meio do engajamento no discurso. 

Se esta for a interpretação
de fato esperada, faz pouco sentido uma atividade de pré-compreensão oral na
qual os itens lexicais relevantes ao texto que se escutará sejam simplesmente
listados, sem que se permita ao aluno alguma tarefa ativa e significativa para a
construção de significados para os itens lexicais.

Ainda em relação ao valor do
componente sistêmico, ao definir os critérios de avaliação da compreensão
escrita, o documento declara que “o aluno deverá ser capaz de […]
demonstrar conhecimento sistêmico necessário  para o nível de
conhecimento fixado para o texto” (p. 83-84). O termo necessário atribuído
ao conhecimento sistêmico permite a interpretação –  obviamente não
desejada dentro da proposta dos PCN – de que para ler é indispensável
possuir um conhecimento lingüístico equivalente ao do texto.  Isto
equivale a recuperar a já ultrapassada concepção de que ensinar as estruturas
e o vocabulário basta para capacitar o aluno para o uso da LE, ou de outro
modo, que o aluno que possui um vasto vocabulário e conhece muito bem a
estrutura da LE será um melhor leitor.  Esta concepção não dá conta
dos aspectos estratégicos utilizados pelo aluno na sua própria língua materna
para compreender e produzir o discurso, mesmo quando sua competência lingüística
não é suficiente. O termo necessário  torna-se, portanto, suscetível a
más interpretações.

(E) “Colocar o foco nas escolhas sistêmicas
feitas pelos participantes discursivos específicos  em línguas
particulares pode ajudar a chamar a atenção para a maneira como a representação
discursiva do mundo social é feita em línguas diferentes.” (p. 46)

Neste trecho parece existir uma
suposição implícita de que a formação do professor de LE o habilitou para
analisar os aspectos discursivos que marcam as relações sociais.  Ainda
que correndo o risco de generalizar ao extremo, pode-se imaginar que a formação
universitária normalmente habilita o futuro docente no máximo para uma análise
morfossintática nos moldes tradicionais estruturalistas, e muito raramente para
uma análise discursiva de caráter crítico, que leve em conta as formas como a
linguagem serve para a marcação de papéis sociais dentro de grupos diversos. 

A dúvida é: tendo como
pressuposto que a formação do docente nem sempre é conduzida de forma a levá-lo
a uma reflexão que vá além da morfossintaxe, será que apenas com base nos
exemplos apresentados no documento dos PCN os professores seriam capazes de
perceber as tais marcas de escolhas sistêmicas ?

(F) “Ainda, é importante ajudar o aluno a
relacionar propriedades e regularidades presentes na língua materna,
explorando-as ao máximo.” (p. 55)





“Percebe-se, portanto, a complexidade do processo de compreensão com o qual o
aluno de Língua Estrangeira se depara.  Contudo, deve-se ressaltar que
esse processo já foi vivenciado pelo aluno na aprendizagem de sua língua
materna.” (p. 89)

Nestes trechos faz-se referência
implícita a dois processos distintos: de um lado a aquisição pelo aluno de
sua primeira língua e a posterior etapa de letramento, e de outro lado a
progressiva capacitação para empreender análises metalingüísticas e
metadiscursivas que os adolescentes começam a experimentar como resultado de um
processo de maturação e desenvolvimento cognitivo.  Esta capacidade analítica,
no contexto de aquisição de uma segunda língua, permite ao adolescente buscar
regularidades no insumo da LE e efetuar comparações com o insumo que recebe
normalmente de sua primeira língua.  Neste procedimento abre-se a 
possibilidade para que este aluno adolescente assimile novos padrões sintático-semânticos
e pragmáticos.

O problema está em:

1.     
presumir (como parece ser o caso dos trechos citados)  que esta capacidade
analítica já esteja presente quando o aluno inicia a aquisição da LE, o que
pode nem sempre se verificar.  Não se pode, portanto, dar ao professor a
expectativa de que deveria explorar ao máximo estratégias metalingüísticas e
metadiscursivas que podem ainda estar incipientes.  Mais eficaz, por outro
lado, seria permitir que o professor possibilitasse, por meio de atividades de
comparação e análise, o desenvolvimento das tais habilidades metalingüísticas
e metadiscursivas, sem imprimir ao processo um caráter avaliativo ou de
testagem.

2.     
presumir que mesmo o adolescente que já seja capaz de tal raciocínio metalingüístico
ou metadiscursivo tenha consciência do processo pelo qual aprendeu a
compreender o discurso oral e escrito em sua língua materna.  Tal consciência
não deveria ser esperada sequer do professor, sem que lhe seja evidenciado como
ocorreu o processo.  Mais uma vez o texto presume o domínio de uma
capacidade normalmente não acessível de modo organizado ao sujeito.




(G) “Sabe-se que, quanto melhor for o controle que os aprendizes têm sobre o
que estão fazendo no ato de aprender, maiores serão os benefícios do ponto de
vista da aprendizagem […] clareza sobre o propósito da atividade […] da
tarefa pedagógica que estão querendo resolver […] do papel de uma
determinada organização do espaço […] conhecimento explícito sobre a relação
entre o uso de certos padrões interacionais em sala de aula e a construção do
conhecimento […]” (p. 62)

Este trecho do documento, onde
se discute o valor da metacognição, sugere que o professor deve tornar o aluno
consciente do porquê das escolhas pedagógicas feitas nas aulas. 
Presume-se que isto teria um efeito positivo na aprendizagem.  Será que
apenas dizer aos alunos que “sentar em círculo é mais produtivo que sentar
em fileiras” bastaria para torná-los mais conscientes do valor da interação
para a aprendizagem?  Aparentemente a questão não é tão simples quanto
parece. 

Por metacognição entende-se
um envolvimento ativo e estrategicamente instrumentalizado do sujeito (aluno) no
processo de aproximação do objeto cogniscitivo e da tarefa a ser realizada. 
Este envolvimento é influenciado por fatores atitudinais, psicológicos e
perceptuais, que até certo ponto afetarão esta aproximação.  Disto
decorre que nem sempre se pode esperar que o aluno perceba o valor de uma
“organização X ou Y para sua aprendizagem”.  E ainda que perceba, por
outro lado, isto não necessariamente conduzirá à aprendizagem.

O documento, portanto, pode
criar expectativas no professor de que o sucesso de seu ensino dependa
exclusivamente de sua habilidade em explicitar o valor do que é feito nas
aulas.  A conseqüência lógica deste raciocínio é que o insucesso da
aprendizagem pelos alunos seria resultado do fracasso do professor em explicitar
sua prática, ou seja, passa-se a responsabilizar o professor pela não aquisição
da LE pelos alunos.

(H) “Entende-se que a mente humana está
cognitivamente apta para a aprendizagem de línguas.  Ao ser exposto à língua
estrangeira, o aluno, com base no que sabe sobre as regras de sua língua
materna, elabora hipóteses sobre a nova língua e as testa no ato comunicativo
em sala de aula ou fora dela.” (p.56)

Este trecho é particularmente
problemático.  Em primeiro lugar, a concepção de que a mente humana está
apta  para a aprendizagem de línguas origina-se das teses inatistas de
Noam Chomsky, segundo quem a espécie humana é geneticamente programada para
processar certos estímulos auditivos, segundo certos padrões estruturais, e
para atribuir-lhes significados.  Este tipo de processamento natural dos
estímulos seria o que permite ao ser humano adquirir uma ou mais línguas na
infância. Este processamento geneticamente programado, entretanto, apenas
ocorreria até a adolescência (v. Scovel, 1998). Desta forma, a aquisição de
uma ou mais línguas a partir da adolescência decorreria de processos
cognitivos não tão lingüisticamente especializados, o que vem sendo
comprovado por técnicas de mapeamento da atividade cerebral.

Em resumo, o adolescente e o
adulto aprendem uma segunda língua a partir de processos cognitivos e
metacognitivos mais gerais que aqueles processos específicos que lhes
permitiram adquirir na infância uma língua materna.  O texto do documento
poderia ser modificado no sentido de afirmar que “a mente humana está apta
para processar a linguagem, mas a forma de processamento que conduz à aquisição
na criança é natural e biologicamente determinada, enquanto que a aquisição
de línguas pelo adolescente e pelo adulto se dá por um processo distinto.”

Ainda deve-se ressaltar que ser
exposto à língua estrangeira, como propõe o documento, pelo menos no caso do
adolescente, talvez não baste para garantir a aprendizagem, pois, como
discutido anteriormente, além da exposição é necessário um nível de
desenvolvimento das habilidades metalingüísticas e metadiscursivas para que o
insumo lingüístico seja percebido e processado. 

Em resumo, presumir de modo genérico
que o processo de aquisição de LE resulte de uma aptidão natural é arriscado
não apenas por ser uma concepção ainda não consensual, mas também porque
reduz o papel do professor ao de mero fornecedor de insumo ao aluno, pois retira
dele a possibilidade de efetuar intervenções mais efetivas no sentido de
facilitar a aprendizagem.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PROPOSTA PARA A
FORMAÇÃO

E PARA O DESENVOLVIMENTO CONTÍNUO

Existe uma crença ainda
bastante popular de que o fazer docente é uma atividade de cunho meramente
pragmático e de que o professor “…não precisa ser envolvido com teorias,
com reflexão sobre sua prática, uma vez que seu trabalho requer sobretudo
desempenho técnico…” (Libâneo, 1997).  Na área de LE esta crença
contribuiu para a desvalorização do papel social do professor, pois alimentou
uma busca do ‘método ideal’ – que seria à prova de professores – e em
decorrência permitiu que qualquer pessoa que passasse por um ‘treinamento’
neste método pudesse dar aulas.

A proposta contida nos PCN
surge em um momento em que se critica este tipo de crença,  assim como
também todo tipo de ensino que reduz a aprendizagem a uma atividade
mecanicista.  Atualmente se crê que a área de LE não necessita de um método
revolucionário ou de uma teoria definitiva sobre como se aprendem línguas. 
Isto não significa, por outro lado, que o ensino deva tornar-se impermeável às
descobertas da lingüística, da psicolingüística e de outras ciências afins. 
O ensino de LE necessita, na verdade, de um professor capaz de compreender que o
conhecimento teórico é apenas uma tentativa (provisória) de explicar a
realidade, e que, portanto, não constitui uma verdade absoluta nem é despido
de valores sociais.  Cumpre a quem desempenha a função de formar ou
atualizar o professor de LE o papel de desenvolver a capacidade deste
professor-aprendente de compreender seu papel como mediador entre a teoria e a
prática por meio da reflexão e da investigação sistemática.

O documento dos PCN menciona
algumas abordagens que podem favorecer o desenvolvimento de tal capacidade
mediadora entre teoria e prática, tais como a prática reflexiva (p.19), a
pesquisa-ação (p. 109), a pesquisa colaborativa (p. 109) e a auto-etnografia
(p. 109).  O problema está novamente na constatação de que tais termos não
são definidos ou mesmo exemplificados, o que torna o texto mais uma vez genérico. 
O maior risco deste nível de generalização é a rejeição pelo leitor, que
pode ainda não dispor de conhecimentos de mundo que lhe permitam construir
sentidos, o que aqui equivaleria a construir uma prática docente crítica.

Ainda que se reconheça que a
proposta dos PCN não é dogmática, ou seja, não visa ao estabelecimento de métodos,
não se pode deixar de considerar que o professor de LE não necessariamente
teve em sua graduação a experiência de ler textos teóricos, ou de realizar
pesquisas de cunho auto-exploratório.  Pode-se supor que poucos realmente
tiveram a oportunidade de ter contato com pesquisas feitas por professores sobre
sua própria prática docente. 

Em resumo, o documento deveria exemplificar os
tipos de pesquisa citados, além de sugerir aspectos sobre os quais o professor
de LE poderia iniciar uma auto-investigação.  Além disso, o documento
também deveria demonstrar como o professor pode utilizar  os dados que
colete em sala para melhor interagir com outros membros da equipe pedagógica
para que solucionem, em conjunto, quaisquer problemas que estejam dificultando o
processo de ensino-aprendizagem.

CONCLUSÃO

Esta resenha teve o propósito
de iniciar um canal de diálogo com o documento dos PCN de LE.  Em vista
dos dados analisados, entretanto, não seria injusto afirmar que a análise
empreendida demonstrou a necessidade de não apenas iniciar, mas sim de 
forçar  a abertura do diálogo.  O texto do documento em alguns
pontos torna-se hermético, se levarmos em conta o grau de formação e
especialização dos professores de LE no país de modo geral.  Este
hermetismo em alguns momentos é substituído por um relato simplista de
teorias, o que pode levar à criação de estereótipos ou ao reforço de outros
já existentes.  Há inclusive o risco de que se crie uma responsabilização
do professor pelo insucesso dos alunos.

Conclui-se, portanto, que, tal
como se apresenta, o texto dos PCN parece pouco sensível ao público leitor
esperado.  É questionável se haveria facilidade para este leitor
construir os significados que lhe permitiriam o desenvolvimento de uma prática
reflexiva e autônoma.

BIBLIOGRAFIA

ALMEIDA E SILVA, M. C.
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representantes da ABPp na audiência pública realizada em 18/06/1998 na comissão
de educação e cultura e desporto da Câmara dos Deputados “Detaq”. 
In: Revista Psicopedagogia, vol. 17, n. 46, p. 7, 1998.



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LIBÂNEO, J. C.  Pedagogia e modernidade: presente e futuro da Escola. 
In: Guiraldelli  Jr., Paulo (org.),  Infância, escola e modernidade.
São Paulo, Cortez; Curitiba, Editora da Universidade Federal do Paraná, 1997,
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MARCUSCHI, L.A. Organização de turno a turno. In: — Análise da conversação.
São Paulo, Ática, 1986, p. 17-28.



SCOVEL, T. Aquisition: when I was a child, I spoke as a child.  In: —
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STAM, R.  Marxismo e filosofia da linguagem. In: — Bakhtin: da teoria
literária à cultura de massa. São Paulo, Ática, 1992, p.29-35.

Publicado em 01/01/2000


José Paulo de Araujo – Mestre em Lingüística Aplicada
Especialista em Psicopedagogia Bacharel em Letras (português-inglês) – UFRJ
Mestre em Lingüística Aplicada – UFRJ
Pós-graduando em Psicopedagogia – Universidade Candido Mendes
Membro da ABPp
Membro da ALAB (Associação de Lingüística Aplicada do Brasil)
Professor Substituto da Faculdade de Letras (UFRJ) – de agosto de 1993 a dezembro de 1993
Professor Assistente da Faculdade de Letras (UFRJ) – de setembro de 1996 a fevereiro de 1997
Bolsista do CNPq – de julho de l 994 a fevereiro de 1995

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