OS CAMINHOS DA PSICOPEDAGOGIA NO 3º MILÊNIO
Jorge Visca
Os estudos futuros necessariamente facilitarão a distinção do objeto de estudo da psicopedagogia dos objetos de estudo da psicologia e da pedagogia; e ao mesmo tempo a complementaridade destas três áreas do conhecimento
INTRODUÇÃO
Ao escrever sobre o tema "Os caminhos da psicopedagogia no terceiro milênio"
vivenciei um duplo dasafio: o de pensar o que deveria acontecer no campo
psicopedagógico nos anos vindouros, para o qual se faz necessário efetuar
previamente um balanço do que foi feito até agora neste domínio do
conhecimento, de forma tal que o referido balanço traga uma visão de conjunto
e o de permitir realizar uma previsão para depois do ano 2000.
Por isso, esta exposição foi organizada em duas partes: a
primeira implica uma visão retrospectiva que denomino "O balanço" e
a segunda, que pretende ser uma reflexão sobre o futuro, que chamo "Os
caminhos".
No meu entender, a análise do passado, pode ser realizada
segundo três grandes dimensões: a teórica, a técnica e a institucional,
enquanto que o projeto para o futuro está constituído por um conjunto de idéias
que podem formar um programa de revisão de conceitos e técnicas já
estabelecidos como assim também a construção de novos conceitos e novas técnicas.
O BALANÇO
Cabe assinalar que embora estes três domínios, o teórico, o técnico e o
institucional, venham a ser comentados separadamente em função de tentar ser o
mais claro possível, a realidade é que os três se desenvolvem
simultaneamente, realimentando-se de forma recíproca.
A revisão da evolução teórica permite determinar
distintos momentos. Um anterior à constituição do modelo em que se baseia a
Instituição que nos convida para a comemoração do seu aniversário e outro
momento em que se desenvolve a Epistemologia Convergente, sobre o qual me
centrarei mais precisamente sem ignorar que também se desenvolveram outras
linhas.
Anterior a Epistemologia Convergente é possível reconhecer:
Um período pré-científico que vai aproximadamente até o século
XVIII onde não existia um claro conceito de aprendizagem e de dificuldades de
aprendizagem, visto que as mesmas eram tidas como doença mental, que por sua
vez era explicada por uma concepção demonológica: vale dizer sobrenatural.
O período seguinte, que vai até finais do século XIX e
começo do século XX, é uma etapa de transição entre as explicações pré-científicas
e as científicas. Neste período, Itard por um lado e Pinel por outro
propuseram respectivamente uma explicação ambiental e outra biológica para a
parada do desenvolvimento, apresentado pelo "menino selvagem" de
Aveyron. Ambos determinismos – o ambiental e o biológico – respondem a concepções
naturais da doença.
A etapa posterior começa com o nascimento de um sem número
de escolas psicológicas contemporâneas: o estruturalismo de Wundt e Titchner;
a psicanálise de Freud; o funcionalismo de Dewey e Woodwort; a reflexologia de
Pavlov; a Gestalt de Wertheimer, Koehler e Koffka; a topologia de Lewin; o
behaviorismo de Watson e os subprodutos psicológicos da escola piagetiana.
Todas estas escolas consideravam que "sua causa" – o inconsciente, o
estímulo, a estrutura, etc. – era a causa única e suficiente.
O último período inicia-se aproximadamente durante a década
de 30, e pode ser chamado de período de integração de idéias, assim chamado,
o mesmo se caracteriza desta forma porque alguns cientistas abandonam suas posições
irredutíveis e mergulham no conhecimento de outros, o que permite a tomada de
consciência das limitações, das descrições e explicações das distintas
correntes, com a qual se gera um movimento integracionista.
A Argentina e mais precisamente a cidade de Buenos Aires, foi
um lugar privilegiado tanto para o desenvolvimento da integração de teorias
como da psicopedagogia.
Três fatos, embora lamentáveis contribuíram para o
desenvolvimento da psicopedagogia na Argentina: a Guerra Civil Espanhola, a
Segunda Guerra Mundial e a repressão militar.
A Guerra Civil Espanhola ocorrida na década de 30, motivou a
emigração de um grande número de intelectuais: entre os quais cabe mencionar
José Ortega y Gasset o qual residiu, durante sua peregrinação, entre outros
lugares, em meu país, trouxe consigo sua visão humanística com a qual
sensibilizou os círculos mais renomados, produzindo uma renovação de
conceitos e métodos intelectuais que prepararam terreno para o passo seguinte:
as conseqüências intelectuais da segunda guerra mundial.
A luta armada que aconteceu entre os anos 40 e 45 fez com que
um número significativo de psicanalistas europeus, buscassem na América do Sul
um novo lar; o que beneficiou novamente a Argentina ao difundir entre nós suas
práticas e conhecimentos. Pouco tempo depois começou a se conhecer a teoria
piagetiana, produzindo-se uma significativa oposição entre os seguidores de
ambas as escolas.
As décadas de 70 e 80 foram testemunhas da mais crua repressão
e intimidação que sofrera a Argentina. É importante lembrar que desapareceram
30.000 pessoas das quais 4.400 foram jogadas vivas no mar. Isto produziu
simultaneamente uma dispersão e enclausuramento de intelectuais, em particular
de todos aqueles cuja profissão começava com "psi": psiquiatria,
psicologia, psicopedagogia, etc.
Enquanto os colegas que emigraram, se saciaram de outras
fontes, ao mesmo tempo que levaram seus conhecimentos a inúmeros lugares,
aqueles que ficaram enclausurados, se dedicaram à reflexão, à investigação
clínica e à produção de escritos. Entre estes últimos se encontra quem lhes
fala, o que elaborou um paradigma denominado Epistemologia Convergente: o qual
consiste na assimilação recíproca de contribuições da Psicanálise, da
Escola Piagetiana e da Psicologia Social.
A revisão da dimensão técnica permite lembrar dentro desta
linha, a elaboração de instrumentos conceituais, recursos diagnósticos,
assistenciais e preventivos, individuais e grupais.
Entre os instrumentos conceituais que se elaboraram, cabe
mencionar: o esquema evolutivo da aprendizagem, o processo diagnóstico, a
matriz do pensamento diagnóstico individual, o quadro nosográfico das
dificuldades de aprendizagem e os critérios de seleção para a inclusão em
grupo de tratamento psicopedagógico. Por outro lado, quanto aos instrumentos
concretos se encontram, entre outros: a entrevista operativa centrada na
aprendizagem, as técnicas projetivas psicopedagógicas, a caixa de trabalho
individual, a caixa de trabalho grupal e os recursos diagnósticos e terapêuticos,
individuais e grupais.
É importante mencionar que, além dos trabalhos com as
unidades de análise indivíduo e grupo, começaram as primeiras tentativas de
sistematizar conceitual e tecnicamente outras duas unidades de análise: a
instituição e a comunidade. Aproximadamente até 1996, eu acreditava que a
psicopedagogia possuía somente duas unidades de análise: o indivíduo e o
grupo, ambas como unidades funcionais ou seja que o grupo apesar de possuir
heterogeneidade estrutural – por seus diferentes integrantes – tinha
homogeneidade funcional e aprendia como um todo, não como uma soma de indivíduos.
Algumas circunstâncias me colocaram frente a trabalhos com
outras duas unidades: a instituição e a comunidade. Trabalhos que me
permitiram realizar aproximações preliminares sobre as mesmas. O trabalho de nível
institucional consistiu no Estudo da Universidade de Buenos Aires, a pedido da
Reitoria desta Alta Casa de Estudos e os trabalhos a nível comunitário foram
realizados – na Argentina – para o Estado de Neuquen, cujo governo desejava
desencadear o processo de industrialização – e no Brasil – na Prefeitura de
Santo André, cuja Secretaria de Cultura, Educação e Desporto queria estudar
os mecanismos de aprendizagem da comunidade desfavorecida que não se sentia –
entre outras coisas – com direito a usar os lugares públicos. A população
pertencia às favelas e por um obsatáculo emocional não se sentia com direito
a usar praças, passeios, etc.
O desenvolvimento institucional – novamente restrito às
instituições vinculadas à Epistemologia Convergente, começou em 1977 com a
criação do Centro de Estudos Psicopedagógicos em Buenos Aires. Neste, se
organizaram quatro departamentos: docência, assistência, investigação e
publicações. Cada um dos quais alcançou distintos graus de desenvolvimento em
função de diferentes fatores internos e externos. O departamento que mais se
desenvolveu foi o de docência, logo em seguida o de assistência e finalmente
os de publicações e investigações.
O departamento de docência dedicado à formação de pós-graduação
oferece esta formação a todo graduado em pedagogia, psicologia,
fonoaudiologia, medicina, etc. e também a psicopedagogos que se interessam pela
linha teórico-técnica deste Centro de Estudos Psicopedagógicos. Os três anos
de formação – 1) teoria e técnica psicopedagógica, 2) contribuições da
escola psicanalítica e de Genebra e 3) prática assistencial: diagnóstico e
tratamento – são trabalhados com uma exposição teórica que serve de
disparador e grupo operativo e/ou dramatizações. Também oferece a formação
em núcleos, no interior do país e se fundaram Centros de Estudos no Brasil,
que seguem a linha do Centro de Estudos Psicopedagógicos de Buenos Aires.
O Departamento de Assistência adotou ao longo destes anos,
três modalidades: assistência individual, assistência grupal e
assessoramento. As duas primeiras além de terem sido implementadas na sede do
Centro de Estudos Psicopedagógicos, também foram levadas a cabo em hospitais:
Centro de Saúde Mental de La Matanza, Hospital Ramos Mejía, Hospital Infanto
Juvenil Dra. Carolina Tobar García e a nível de assessoramento na direção de
Inovações Educativas da Secretaria de Educação da Municipalidade de Buenos
Aires.
Em 1982, logo depois de alguns cursos, tanto de
psicopedagogia, como de grupo operativo, se fundou o Centro de Estudos
Psicopedagógicos do Rio de Janeiro – CEPERJ, posteriormente em 1988 o CEP –
Curitiba, em 1992 o CEP Salvador e recentemente foi solicitada e concedida a
permissão para criar o Centro de Estudos Psicopedagógicos de Belo Horizonte,
em Minas Gerais.
Cabe mencionar que tanto na Argentina como no Brasil algumas
tentativas de criar outros Centros, um na Argentina e dois no Brasil se
frustraram.
O Departamento de Publicações em 1981 em combinação com o
Departamento de Docência, convidou a Dra. Elsa Schmid-Kitsikis, titular da Cátedra
de Clínica da Universidade de Genebra para que nos visitasse na Sede de Buenos
Aires , onde proferiu seminários, conferências e realizou supervisões. Também
deve-se dizer que o Departamento de Publicações produz cadernos, traduz
artigos e elaborou publicações.
OS CAMINHOS
O fazer da Psicopedagogia no terceiro milênio – também visto na perspectiva da
Epistemologia Convergente – traz conjuntamente dois dasafios principais e
indissociáveis: aperfeiçoar os resultados alcançados e abordar as eventuais
provocações do futuro.
O aperfeiçoamento dos resultados alcançados pode ser
generalizado sob a idéia de uma definição mais inclusiva e profunda do objeto
de estudo da psicopedagogia, vale dizer, da aprendizagem e dos recursos diagnósticos,
preventivos e assistenciais utilizados nas quatro unidades de análises, já
mencionadas.
Mesmo que os resultados pré-citados, tragam uma clara dedicação
ao sujeito individual, nos quais se privilegiam os aspectos cognitivos e
afetivos (como construções sociais), acho indispensável levar a cabo
investigações clínicas e experimentais, que aprofundem mais especificamente
esta interação em situações de aprendizagem.
Até agora foram estudados três fenômenos: os da dimensão
cognitiva, os da dimensão afetiva e os da interação entre ambos.
|
mecanismos de objeto aglutinado
|
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mecanismos de objeto parcial
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mecanismos de objeto total
|
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interação numa dimensão
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mecanismos de insensivilidade
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mecanismos de disociação
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mecanismos de integração
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|
interação entre dimensões
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posição masculina (conteúdo)
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posição femenina (continente) |
O que falta estudar é a influência que a aprendizagem
produz em ambas as dimensões e na interação, o qual poderia ser apresentado
como o gráfico que se segue:
Também é necessário aprofundar-se nos conceitos de
aprendizagem grupal, institucional e comunitária. Indivíduo, grupo, instituição
e comunidade são, sem dúvida alguma, organismos vivos que aprendem.
UNIDADES DE ANÁLISE
Sendo que cada uma delas influi na precedente,
condicionando-a.
Influência de umas unidades sobre as outras
Também se conhecem, até certo ponto, os elementos
constitutivos de cada unidade e sua interação dentro da unidade. Contudo,
estes conhecimentos não bastam.
Os elementos constitutivos de cada unidade são:
Indivíduo |
|
Aprendizagem
intra-psíquica |
Grupo |
|
Aprendizagem
intra-grupal |
Instituição |
|
Aprendizagem
institucional |
Comunidade |
|
Aprendizagem
comunitária |
Assim mesmo, cabe mencionar que muito provavelmente a
psicopedagogia deva incorporar ao estudo dos mecanismos de aprendizagem uma nova
e quinta unidade de análise: "a cultura".
Embora as unidades de análise, comunidade e cultura pareçam
confundir-se e não seja fácil realizar uma clara distinção entre ambas,
seguindo o critério de maior inclusão, anteriormente utilizado, pode-se dizer:
1° Que as culturas contem em seu seio comunidades.
2° Que uma cultura possui um conjunto de valores e respostas
compartilhadas.
3° Que a interação entre culturas produz fenômenos que
podem alcançar um grau de estabilização ou não.
Entre tais fenômenos cabe mencionar a difusão, quase no
mesmo sentido da física, ou seja a integração do novo; a desintegração de
uma das culturas e o estorvo cultural, uma parte da cultura evolui rapidamente e
outra não.
As culturas são organismos vivos que se assemelham ao indivíduo
mas com uma maior complexidade que se poderia bem dizer é de 5a. potência (
indivíduo, 1a. potência; grupo, 2a. potência; instituição, 3a. potência;
comunidade, 4a. potência e cultura, 5a. potência) e ao mesmo tempo é a mais
inclusiva.
As culturas, como o indivíduo, para sobreviverem se abrem e
se fecham ante os estímulos do meio, ou seja, podem crescer, deter-se,
desintegrar-se e apresentar decalagens em sua configuração.
Sem lugar a dúvidas, no momento atual, em função dos avanços
tecnológicos que facilitam a comunicação, esta unidade de análise adquire
uma relevância fundamental, pois ao mesmo tempo que encerra a série das cinco
unidades, se reverte sobre cada uma e sobre o indivíduo muito especialmente,
fazendo que nele se introduza um conjunto de valores e condutas.
Justamente o governo da Cidade de Buenos Aires e
UNICEF-Argentina implementaram conjuntamente, em 26 de outubro uma experiência
com crianças e jovens de 8 a 17 anos que se encontra a meio cominho entre os níveis:
unidade de análise comunidade e unidade de análise cultura.
Esta experiência denominada "Todos votam e eu também"
consiste em consultar a opinião dos jovens coincidentemente com a data dos comícios
para legisladores da Cidade de Buenos Aires; ao mesmo tempo que se os exercita
na aprendizagem da participação e expressão democrática de suas opiniões.
Cabe mencionar que este estudo é o terceiro que se leva a
cabo na América; mas o mesmo tem uma diferença em relação aos anteriores, o
qual consiste em que as questões foram formuladas por crianças e jovens e não
por adultos.
Esta experiência não só envolve a comunidade como também
a cultura, já que pretende modificar de forma operacional a concepção de que
os adultos tem razão e as crianças e jovens não.
O estudo das culturas como unidade de análise exige que o
psicopedagogo realize um trabalho em equipe com o sociólogo, psicólogo social,
o antropólogo e historiador, sem perda de seu objeto de estudo: a aprendizagem
De outra forma, mas não totalmente desvinculado ao que se
acaba de dizer, é importante, que num futuro próximo, se aprofunde de um ponto
de vista concreto, prático e técnico, a psicopedagogia institucional em suas
modalidades: a psicopedagogia "na instituição" e a psicopedagogia
"da instituição". Enquanto a primeira se aproxima da prática do
consultório; a segunda se introduz na instituição como totalidade. Enquanto a
primeira permite entre outras coisas, que as pessoas sejam incorporadas em um nível
institucional – fábrica, escola, oficina, etc. – adequado às suas
possibilidades, a segunda facilita o desenvolvimento da aprendizagem da instituição.
Aqui também, cabe expressar o anseio de que a falsa
antinomia do sociologismo e o psicologismo deixe de ser uma resistência e se
transforme em opostos complementares.
Outro caminho que deverá ser transitado no próximo milênio
é o da investigação em psicopedagogia. As pesquisas psicopedagógicas são
essenciais para o progresso desta área do conhecimento, tanto desde o ponto de
vista teórico como técnico. As ciências que não realizam investigações são
as que menos progridem. Muito provavelmente pela juventude da psicopedagogia não
há um número necessário de investigações de caráter estritamente
psicopedagógico. Os estudos futuros necessariamente facilitarão a distinção
do objeto de estudo da psicopedagogia dos objetos de estudo da psicologia e da
pedagogia; e ao mesmo tempo a complementaridade destas três áreas do
conhecimento.
Por último e para encerrar esta exposição direi que outra
meta da psicopedagogia em geral e da Epistemologia Convergente em particular é
a de fundar Núcleos de assistência, docência e investigação que socializem,
democratizem e humanizem o nosso fazer psicopedagógico.
Publicado em 01/01/2000
Jorge Visca – formado em Ciências da Educação na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires e Psicologia Social na Primera Escuela Privada de Psicología Social. Fundou o Centro de Estudos Psicopedagógicos na cidade de Buenos Aires e os centros de estudos Psicopedagógicos do Rio de Janeiro, Curitiba e Salvador no Brasil. Vem desempenhando como docente de Pós-Graduação na Universidade de Buenos Aires e Universidades Brasileiras na especialilização da Psicopedagogia. Realizou numerosas publicações em seu país e no estrangeiro e participou de congressos internacionais representando a Argentina. Participando como membro para eleição de docentes em diversas Universidades. Dirige estudos e investigações em Educação e Psicopedagogia. E ainda é professor convidado de várias Universidades Brasileiras.
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