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A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM SIMBÓLICA COLETIVA

Luciene Martins Tanaka

A construção da imagem simbólica coletiva da deficiência no decorrer da
história e a formação de atitudes frente à inclusão escolar

RESUMO
A construção da imagem coletiva sobre a deficiência  no decorrer da história, constituiu-se numa memória social que vem interferindo na formação de crenças e valores, resultando em determinadas atitudes de resistência à inclusão de alunos com deficiência nas escolas de ensino regular, sobretudo nas séries iniciais do ensino fundamental. Partindo desse pressuposto, buscamos na literatura infantil (tradicional e contemporânea), a relativização do poder centralizador do narrador adulto, monopolizando a narrativa. A relevância dessa pesquisa reside na necessidade de enfraquecimento do poder autoritário desse narrador, aumentando a autonomia para pensar e construir uma imagem simbólica consciente e humanizada sobre a deficiência.

ABSTRACT
The construction of the collective image on the deficiency in elapsing of the history, was constituted in a social memory that it comes interfering in the formation of faiths and values, resulting in certain resistance attitudes to the students’ inclusion with deficiency in the schools of regular teaching, above all in the initial series of the fundamental teaching. Leaving of that presupposition, we looked for in the infantile literature (traditional and contemporary), the relativition of the adult narrator’s centralizing power, monopolizing the narrative. The relevance of that research resides in the need of weakening of that narrator’s authoritarian power, increasing the autonomy to think and to build a conscious symbolic image and human being on the deficiency.

INTRODUÇÃO
“A única pergunta tola é aquela que você não faz” (LUZ, 2000) .Então, que a pergunta seja feita: “Como a construção de uma imagem simbólica coletiva sobre a deficiência, que se constitui numa memória social, pode interferir na formação de crenças e valores, bem como em atitudes de resistência à inclusão de alunos com deficiência nas escolas e classes de ensino regular?“É refletindo que aprendemos e entendemos o porquê somos educadores e que tipo de educadores somos. A memória é o resgate da história individual, mas retrata uma época: fazemos parte de uma história que construímos e que nos constrói” (DAVINI, 2003) .Partindo desse questionamento, o presente trabalho busca uma análise sobre como e porquê, ainda nesse novo milênio, persistirem valores e crenças que deixam claras suas bases históricas, resultando em atitudes, comportamentos preconceituosos ou de resistência à inclusão de um modo geral, no âmbito social e escolar, no sistema de ensino regular fundamental, nas  séries iniciais. Numa época em que tanto se fala sobre integração, inclusão social, escola inclusiva, por quê será que muitos profissionais da área educacional ainda demonstram certas reservas, resistência ou medo da inclusão de alunos com algum tipo de deficiência em suas salas de aula  ou escolas, sobretudo nas séries iniciais- alfabetização (1ª e 2ª séries)?Não se pretende aqui fazer nenhum tipo de julgamento quanto aos valores e crenças de ninguém, nem tão pouco de opiniões, visto que todos têm direito de realizar escolhas em suas vidas, mas o que se busca aqui é a obtenção de uma maior e melhor compreensão do motivo de algumas atitudes de resistência, e até muitas vezes preconceituosas, propondo assim uma reflexão sobre a forma como a memória social vem sendo constituída e cristalizada ao longo de nossa história Partindo desse conhecimento,  é que poderemos ter uma visão crítica e consciente do tipo de formação de cidadãos que estamos oportunizando aos nossos alunos, para que possam eles também virem a ser  críticos e conscientes. Enquanto educadores, sempre estaremos numa posição de modelo, exemplo e padrão para nossos educandos (discípulos)! Então a mudança, a transformação social de valores, de crenças e sobretudo de atitudes, dependerá do compromisso que cada um de nós educadores, numa relação interativa com nossas crianças, possamos assumir frente a uma educação de fato, ou seja, uma educação democratizada e para todos, sem distinção, exclusão ou discriminação. Desta forma, a educação seria aquela que cumpre sua função de inclusão, garantindo não só o acesso e permanência, mas principalmente o direito de aprender de todos e para todos! “O propósito do Aprendizado é crescer, e nossas mentes, diferente de nossos corpos, podem continuar crescendo enquanto continuamos a viver” (MORTIMER ADLER – IN: INSIGHT, 2000, 60p.).Porém, que busquemos viver diferentemente de outros tempos, que deixou mostras do que não deu certo, para que erros antigos não voltem a ser cometidos, muito menos perpetuados. Que tenhamos em vista , a eterna procura de uma adequação para uma vida melhor, mais justa e digna para todos aqueles aos quais chamamos de Seres e Humanos. “O destino não é uma questão de sorte; é uma questão de escolha. Não é algo pelo que se espera, mas algo a alcançar” (WILLIAN JENNINGS BRYAN – 1860/1925 – IN INSIGHT, 2000).Para Saussurre (IN: INSIGHT, 2000), “A diferença faz todo o sentido”. Ora, o diferencial sempre existiu em toda a história da humanidade, como sendo uma forma de evidenciar as desigualdades entre os tempos da vida humana: entre os lugares e grupos sociais; entre o saber dos eruditos e a espontaneidade de práticos tradicionais; entre o que é real com o que é constituído no imaginário social- onde mentalidades diversas demonstram as diferentes maneiras e técnicas de representação simbólica de mundo, bem como as diferentes formas de encarar ou representar a deficiência- tema deste trabalho. Em grande proporção, é inquestionável o fato de que somos produto da sociedade, mas de que sociedade estamos falando? Este questionamento, destaca que não precisamos  estar presos às limitações impostas por tal sociedade, mas pelo contrário, como afirma Medina (1990) :“Conspirar e extrapolar. Subverter e transcender. Sair das engrenagens. Construir o novo. (…) Só somos sujeitos enquanto expressão de uma totalidade. Somos seres históricos e como tal, temos nossa própria história. Percorremos um caminho e nele somos produzidos ao mesmo tempo que produzimos esse caminho pela ‘praxis” (MEDINA, 1990) .Além disso, é preciso pensar mais sobre os mitos que cultivamos em nossa sociedade, pois deles também dependem, o tipo de pensamento e atitudes que temos frente ao diferente, ao deficiente ou anormal, ou seja, ao que foge dos padrões preestabelecidos para nós, como sendo o modelo de normalidade. “O pensamento mítico[…] constrói os seus palácios ideológicos com as ruínas de um discurso social antigo” (LÉVI-STRAUSS, 1970) . Daí um dos motivos de voltarmos o foco do estudo desta pesquisa para a ‘Literatura Infantil’ – principalmente sobre os contos de fadas: ‘Primeiramente, pelo fato de sempre gostar muito de ler e contar histórias enquanto mãe, professora e contadora de histórias; depois pela percepção da existência de estereótipos, padrões de beleza, que vêm embutidos nas mensagens sutis e aparentemente inocentes, que muitas vezes nos passam desapercebidos. No entanto, creio que além de se dar asas à imaginação e  ao sonho, é preciso que nos preocupemos  com certas atitudes, que posteriormente se transformarão em comportamentos preconceituosos, podendo emergir dessas histórias. Vigotsky (1972)  afirmou que: “o fim e o objetivo” da crítica não seria o de interpretar a obra de arte em si, nem a de preparar o espectador, o leitor, para a percepção da mesma. Para ele, ninguém lia de forma diferente um autor, após conhecer o que os críticos diziam sobre ele: “A obra de Arte, como qualquer outro fenômeno, pode ser estudada dos mais diversos pontos de vista;[…] com inúmeras interpretações e enfoques, cuja riqueza inesgotável, representa uma garantia de seu valor imperceptível […] Na variedade inesgotável da obra simbólica, isto é, de toda obra verdadeiramente artística, acha-se a fonte de suas numerosas compreensões e interpretações” (VIGOTSKY, 1972) .Desta forma, a crítica de maneira notória e consciente, estabelece relação entre arte e suas raízes sociais (quando assinala a relação social existente entre arte e os fatos reais, gerais da vida), mobilizando-nos assim, de uma forma consciente, para que nos oponhamos ou não, aos impulsos suscitados pela arte (sobretudo a arte literária infantil- tema também deste trabalho e pesquisa).Ainda Vigotsky (1972) , numa de suas corriqueiras analogias, afirmou que a “obra pode ser comparada a uma faca ou outro instrumento de dois gumes”, pois não é em si “boa ou má”, mas apresenta inúmeras possibilidades de bem ou do mal – isto dependerá do emprego  ou destino que a eles (instrumentos) serão dados.Como exemplo: uma faca ou bisturi nas mãos de um bom cirurgião ou nas mãos de uma criança, com certeza terá finalidades distintas, pois os valores e saberes são bem diferentes. Vigotsky (1972)  também distingue a “Crítica do Leitor” das demais críticas (antes de explorá-la e explicá-la na tragédia de Hamlet) – (p.330 à 332)… apontando três importantes peculiares para isso: a)Sua atitude em relação ao autor – não está ligada à personalidade do autor da obra em questão, pois a obra de arte (literária também), uma vez criada, desprende-se de seu autor; não existe sem o leitor. Assim, essa é mais uma possibilidade em que o leitor se realiza; b)Sua atitude em relação a outras interpretações críticas da obra – se a obra (literária – em nosso caso) não possuir uma única idéia, então qualquer idéia que lhe for atribuída será válida. Assim: “A conseqüência mais imediata e necessária da irracionalidade da obra de Arte é a validade de suas diversas interpretações” (GORNFELD, 1972) .Desta forma, segundo Vigotsky apud Gornfeld (1972) , o crítico pode criar sua própria interpretação, sem preocupar-se em refutar necessariamente todas as anteriores. Desta forma, o crítico se empenha por afirmar sua possibilidade, para pretencionar que esta seja exclusiva e única,  sem dedicar-se a criticar os demais críticos. c)Atitude em relação à obra – a idéia realçada é que a obra literária não existe sem o leitor, pois ele a reproduz, a revela, a recria em sua imaginação. Então, para Vigotsky (1972)  os conceitos de leitor e crítico são sinônimos. Podemos então apoiar-nos na afirmação de que os personagens da literatura infantil são tipos que existem a serviço do enredo: os atributos (beleza, perfeição, sexo, idade, cor, bondade, coragem, etc.), os quais funcionam para demonstrar uma tese de ordem moralizante, padronizante e pedagógica, caracterizando um modelo fechado de narrativa, que não se pode atribuir valor literário (na maioria das vezes). Entretanto, a relativização do poder que o narrador centraliza é fundamental para que a estrutura narrativa não se submeta às imposições didáticas de explicação da realidade – quer no sentido questionador das estruturas vigentes, quer no sentido de confirmá-las. Portanto, na literatura infanto-juvenil, a posição do narrador e dos personagens será de primordial importância para assegurar ao gênero o seu estatuto literário, libertando-o assim da vocação moralizante, padronizadora e pedagógica, proveniente das circunstâncias históricas de seu surgimento.Ao observarmos as histórias infantis, a fala do adulto costuma predominar, o que de certa forma monopoliza a narrativa, tendo em vista ensinar a vida aos leitores mirins, o que torna a literatura infantil um fascinante exemplo de tensão entre as estruturas internas e externas do texto. Assim, mesmo quando os textos constroem-se a partir do fantástico, ou de um eixo simbólico mais psicanalítico ou psicológico, a relação quase que direta com o referente externo é uma constante.A relevância social deste trabalho de pesquisa reside na necessidade de um enfraquecimento do poder autoritário, moralizador e padronizador do narrador, que na maioria das vezes é representado por um adulto (em textos da literatura Infanto-Juvenil); bem como na atribuição de uma força maior ao crescimento da análise dos múltiplos pontos de vista dos personagens, implicando assim na identificação do leitor com um universo ficcional numa perspectiva de liberdade, e não de imposição ou de sedução por um doador despótico, o que atribui-lhe um status de receptor (criança), com maior autonomia para pensar e formar uma imagem simbólica consciente e mais humanizadora. A metodologia empregada está baseada na abordagem qualitativa, com caráter exploratório, tendo em vista ir além da mera observação das influências histórico-sociais, para a construção da imagem simbólica coletiva da deficiência, resultando em atitudes e comportamentos frente à inclusão escolar de crianças com deficiência, na rede regular de ensino público estadual ( 1ªs e 2ªs séries iniciais), na cidade de Espírito Santo do Pinhal. Também será realizada pesquisa de campo com: questionários e entrevistas (semi- estruturadas)- que serão aplicados aos professores de 1ª e 2ª séries das escolas estaduais deste município.

1 TRAÇANDO UM HISTÓRICO SOBRE A FORMAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO SIMBÓLICA DA NOSSA CONSCIÊNCIA
Antes de iniciarmos o tema principal deste trabalho, faz-se necessário que busquemos traçar um histórico, ainda que superficial, de como a representação simbólica da nossa consciência é formada. Daí a importância de citarmos autores fundamentais para o desenvolvimento e compreensão deste trabalho. Vejamos como nossa representação simbólica coletiva veio sendo constituída no decorrer de toda a história da humanidade. A representação simbólica da nossa consciência pode dispor de duas maneiras de representar o mundo: uma direta – na qual a própria coisa parece estar presente no espírito, percepção ou sensação; e outra indireta – quando a coisa não se apresenta concretamente à sensibilidade, como no caso de recordações, imaginação de algo que nunca se viu ou se desconhece, ou ainda mesmo na representação de algo como o além morte. No caso indireto, o objeto que se encontra ausente, é representado na consciência por uma imagem, no seu amplo sentido. Desta forma, nossa consciência dispõe de graus diferentes de imagens, com dois extremos constituídos por adequação total ou inadequação da presença perceptiva de algo, como assim definiu Durand (1988), como um signo eternamente viúvo de significado ou sendo esse o símbolo. Assim, pode-se dizer que o símbolo passou a ter duplo sentido: um concreto e preciso, e outro alusivo ou figurado. No entanto, o símbolo vem com a classificação de regimes antagônicos, onde as imagens buscam certa ordenação. Tanto os símbolos (cuja relação entre significante – extenso e infinitamente aberto, e significado, o que as coisas realmente são ou querem dizer – ocorre como uma epifania, ou seja, como uma aparição divina), quanto as hermenêuticas – que também visam interpretações textuais (filosóficas, religiosas, etc.), são estes dois duplos: uns redutores e arqueológicos e outros instauradores, amplificadores e escatológicos. Por isso, segundo Durand (1988), a imaginação simbólica é dinamicamente a negação vital do nada, da morte e do tempo, pois o significado não é apresentável e o signo só pode referir-se a um sentido e não a uma coisa sensível, devido ao seu sentido restrito e antecedente ao significante. A representação simbólica em si, nunca pode ser confirmada, somente por sua representação pura e simples do que realmente significa, ou seja, o símbolo é válido por si e não para si mesmo, uma vez que para Godet (1998), o símbolo nada mais é que uma figura válida, não precisamente para si mesma, mas por si mesma. Muito se tem buscado, no sentido de retomar a consciência da importância da constituição das imagens simbólicas na vida mental, devido à contribuição da etnologia e patologia psicológica. Essas ciências parecem recordar aos indivíduos normais e civilizados, que toda uma parte de suas representações, prendeu-se às representações do delírio, neurótico ou primitivos. Faz-se então necessário, atentarmos aos processos de redução do simbolizado a dados meramente científicos, bem como do símbolo ao signo, uma vez que doutrinas psicanalíticas e ou antropológicas sociais só buscam descobrir a imaginação simbólica, visando integrá-la numa sistemática intelectualista em vigor. O exame da imaginação simbólica deve ser visto como uma iniciação ao humanismo aberto, como um humanismo de amanhã, e ao qual a simbólica nos convida adentrar, através das mitologias, literaturas, estéticas, sociologia, história das religiões, psicopatologia e etnologia, confundindo-se, no entanto, com o andamento da cultura humana, como uma perpétua mediação entre a esperança dos homens e sua condição temporal. Além disso, o humanismo de amanhã não poderia mais fechar-se numa irreverência exclusiva, mas sim servir como uma incitação a outros estudiosos e pesquisadores, sem que venham a negar a cultura ocidental e seus processos de desmitificação, para que tornem-se novos sonhadores de palavras, de poemas, de mitos, instalando-se na realidade antropológica mais vital e importante para o destino e, sobretudo, para a felicidade do homem, esquecendo-se assim, da morta verdade objetiva. Diante disso, a liberdade poética e remitificante, só serão instauradas através das verdades objetivas e desmitificadoras, bem como do insaciável querer ser que constitui o homem. Desta forma, uma ciência sem consciência, ou seja, sem uma afirmação mítica de esperança, significaria o declínio definitivo de nossas civilizações. Para Durand (1988), se suprimirmos o que está entre o imparticipável e os participantes, um imenso vazio nos separará de Deus, destruindo o elo e criando um grande inultrapassável abismo.O campo clássico de estudo do imaginário social, segundo Backso (1985: 306s), é formado por três autores: Marx com a intenção desmitificante e utilizando o conceito de ideologia; Durkheim demonstrando a relação entre as estruturas sociais e as representações coletivas e o modo como estas estabelecem a coesão social e Weber mostrando a questão do sentido que os atores sociais atribuem às suas ações. O campo é ampliado com a contribuição da psicanálise mostrando a imaginação como uma atividade necessária ao indivíduo, da antropologia estrutural mostrando como a cultura pode ser considerada como um sistema simbólico, pela história das mentalidades e por outras disciplinas. Isto mostra a complexidade do imaginário e de sua abordagem, que atravessa várias disciplinas configurando-se como um campo interdisciplinar e da multiplicidade de métodos e teorias que existem sobre ele e a inexistência de uma teoria única e consensual para o mesmo, percebida claramente na polissemia dos termos imaginários, símbolos e nas diferenças conceituais. Deste modo, a partir das últimas décadas, o imaginário sai do campo das belas-artes, onde tradicionalmente é utilizado, e passa a ser aplicado no domínio da vida social. Verifica-se a existência de técnicas de manejo do imaginário em todas as sociedades, confundindo-se com os mitos e os ritos, pois os guardiões do imaginário social são também os guardiões do sagrado e porque não dizer do fantástico existente nos contos infantis! Enquanto nas sociedades ditas “primitivas” os mitos possuem implicações ideológicas; na sociedade moderna, racional e técnica, as ideologias escondem os mitos, pois o imaginário social é racionalizado e instrumentalizado. Segundo Backso (1985), nesta emergem novas formas de trabalho com o imaginário, que conduzem à sua utilização e manipulação cada vez mais sofisticada e com técnicas mais refinadas, tais como a propaganda moderna.

1.1 UMA RELAÇÃO POSSÍVEL ENTRE IMAGINÁRIO, IDEOLOGIA E REPRESENTAÇÃO SOCIAL
Foi observado que a ideologia e a representação social possuem em sua constituição elementos que ultrapassam o discurso racional, um caráter figurativo e simbólico, bem como a função cognitiva e social, semelhante aos mitos e religiões. Pode-se considerar que o simbólico ou representação é um elemento que constitui o humano, podendo ser dividida em dois campos: do imaginário e da representação semiótica. Este teria como fundamento o signo e aquele o símbolo. Nesta concepção, o símbolo é vivencial, polissêmico, ou seja, como uma reunião de vários sentidos, que se liga a imagens, remetendo a um significado invisível e não passível de ser traduzido em palavras, sendo então a melhor expressão possível de algo relativamente desconhecido, enquanto o signo possui significado convencional, unívoco e opera com experiências definidas e discurso lógico e racional. Assim, o sentido afetivo e emocional de integração vivencial do indivíduo frente à realidade e, a construção de um significado para a sua existência, são realizados por meio do símbolo, através da imaginação simbólica (que opera com símbolos) e da função transcendente (que permite integrar opostos). O signo, presente no campo racional e com suas operações entre si, podendo ser explicadas racionalmente e conjugadas segundo regras, representa uma espécie de enquadramento da multivocidade, ou seja, da ambiciosidade do símbolo. Desta forma, o símbolo antecede aos conceitos, às idéias, às ideologias e a todas as representações e produções humanas semióticas, sendo o substrato do qual elas emergem. Ele relaciona-se com a função da imaginação, de acordo com teorias de pensamento tais como a Psicologia Analítica de C. G. Jung (1998) e a Teoria do Imaginário de G. Durand (1997). O estudo do papel da imaginação de G. Bachelard (1984) e do estudo das religiões, enfatizam o papel da imaginação no relacionamento com a realidade. A imaginação é considerada como um elemento criativo e relativamente autônomo em relação ao sujeito – as imagens aparecem ao indivíduo e não estão sujeitas a seu controle. Ela possui a faculdade de integrar as diversas esferas da existência, tais como: pensamento, ação e emoção – em uma experiência significativa, através da função transcendente e de simbolização, onde o que o indivíduo faz, é sentido e entendido de forma plena, integrado afetivamente e, por conseqüência racionalmente. A mediação entre estas esferas é realizada através do símbolo. Esta maneira do símbolo operar mostra que seu significado e as experiências e imagens a ele estão vivas – símbolo vivo, mas ele pode deixar de ser significativo, de evocar estas experiências e de possibilitar a integração, pode sofrer um movimento de racionalização, tornando-se então um signo e formar ou se inserir em um sistema ou discurso racional e unívoco. Deixa-se o campo do simbólico para o campo semiótico, da simbolização para a representação. A atuação do símbolo e da imaginação forma o campo do Imaginário. Deve-se salientar que este termo possui muitas acepções e nem sempre é bem definido. Nesta concepção, utiliza-se uma definição baseada em G. Durand (1997) na qual o imaginário seria como o conjunto das imagens não gratuitas e das relações de imagens que constituem o capital inconsciente e pensado do ser humano, além disso, sendo também formado pelo domínio do arquetipal e pelo domínio do ideográfico, localizado em contextos específicos e no interior de unidades grupais. Diante disso, o imaginário possui dois pólos: ideográfico ou ideário e arquetipal ou imaginária. O primeiro compreende a cultura, padrões de conduta, códigos, normas, práticas científicas, técnicas e à determinação. O segundo pólo envolve a afetividade, a vivência, as imagens por si próprias, a mitologia, o onirismo coletivo, os sonhos, as práticas rituais, a incerteza, denominado de imaginária. Estes pólos são conectados através da função simbólica, em que a ideologia e as representações sociais aparecem como uma das formas de funcionamento oriundas do imaginário, sendo resultado de um processo de racionalização, mas permeado de componentes mítico e imaginais. Ela localiza-se principalmente no campo semiótico (do signo), agindo como uma visão de mundo coerente e racional. Postula-se, entretanto, que os componentes imaginais e míticos (simbólicos) sejam responsáveis pelo papel integrador reunindo o pensamento, o sentimento e a ação do sujeito em um todo coerente tanto no campo racional como no campo afetivo. Isto é possibilitado pela função transcendente dos símbolos presentes nos componentes míticos e imaginais da ideologia e da representação social. Desta maneira, as imagens arquetípicas transformam-se em idéias e conceitos através de um processo contínuo de racionalização, saindo do pólo arquetípico em direção ao pólo ideográfico. A ideologia, enquanto visão de mundo, e a representação social atuam na sociedade moderna como elementos que substituem os mitos e a religião das sociedades homogêneas. Enquanto os mitos possuem claramente um fundamento arquetipal e sua coerência é principalmente afetiva e emocional, pois pertence ao campo do imaginário; a ideologia e a representação social exigem certa coerência lógica no preenchimento das lacunas e aporias, pois estão no domínio semiótico. A ideologia, que em seu desenvolvimento teórico chega a se colocar como científica, tornando-se visão de mundo, que de alguma forma busca coerência, tenta fornecer a orientação e justificativa racional para as condutas e comportamentos. Isto é realizado por meio de um modelo conceitual da realidade, através do qual se realiza a comparação e a análise. De forma diferente, mas também procurando preencher lacunas, a representação social procura tornar o objeto, antes estranho, em familiar, ou seja, busca ser inserido em “uma posição segura na matriz de identidade deste grupo social” (MOSCOVICI, 1981, p. 23). Assim, ele adquire uma identidade e pode ser descrito, qualificado, distinguido de outros objetos, receber juízos e ter seu significado partilhado entre este determinado grupo social. Este processo, de tornar familiar o que é estranho através da ancoragem e objetivação, não tem por objetivo uma visão de mundo totalizante e totalmente coerente, mas parcial e de orientação no cotidiano. Ele se utiliza da mesma maneira de processos cognitivos com exigência de coerência lógica, mas manipula e distorce os conceitos científicos através da lógica figurativa que aparece como um nível de funcionamento latente. Desta forma, apresenta-se na ideologia e na representação social um dinamismo em dois níveis: “Um nível é manifesto, patente e pretensamente racionalizado, onde se localiza a narrativa ou discurso ideológico e a representação social e outro nível é latente, que ancora o manifesto e localiza os componentes do imaginário” (TEIXEIRA, 2000, p. 42). Diante disso, o discurso latente do mito e do imaginário complementa o aspecto cognitivo, pois confere à ideologia e à representação social manifestas, o impulso emocional e axiológico (de valores morais e filosóficos), que possibilitam sua permanência. Quanto à representação coletiva, podemos apresentar também o que Young (1956), tão bem salientou, de que nada mais é do que um sistema de crenças definidas como produto social, oriundo de uma matriz da interação simbólica. Já para Monique Augras (1970), aponta-nos que a representação coletiva seria um conjunto de idéias, crenças e atitudes que exprimem os valores do grupo, incluindo o comportamento mágico e as crenças religiosas, até os sistemas científicos. Sendo assim, tudo aquilo que estiver ligado aos sistemas simbólicos intelectuais ou mágicos, sobretudo os que dependam de mecanismos afetivos, podem ser enquadrados no que chamamos de representações coletivas, cujas ações visam o controle e a estabilização. Para se pensar mais na questão da constituição de uma memória social, é então preciso que pensemos primeiramente sobre a questão de como as codificações sociais acontecem, de que forma essas mensagens são passadas, chegando a constituírem-se em representações coletivas, quais os elementos que compõem sua forma, visão de mundo, quais valores e crenças vêm embutidos nelas e acabam sendo multiplicados ao longo de nossa história. Ora, mas porque devemos questionar as representações coletivas que constituem a memória social? Simplesmente, porque acreditamos que através delas possamos observar como as atitudes, estereótipos, preconceitos e estigmas, podem estar sendo cultivados, muitas vezes de forma inconsciente e acrítica pela sociedade, mas que muito dificulta a aceitação da inclusão de pessoas com deficiência, tanto em âmbito social como educacional, denotando a prevalência da exclusão, marginalização e ou discriminação. Esse fato nos remete ao propósito desta pesquisa, ou seja, o de analisar até que ponto o trabalho com os contos de fadas no ambiente escolar podem ou não interferir na construção e até perpetuação de uma memória social, impregnada ou não de preconceitos, atitudes e comportamentos frente à inclusão de alunos com deficiência, portanto diferentes do que socialmente se estabelece como normal – nas escolas/ classes do ensino regular.

1.2 A CONTRIBUIÇÃO DA INDÚSTRIA CULTURAL PARA A CONSTITUIÇÃO DA IMAGEM COLETIVA: DO BELO, DO PERFEITO E NORMAL
Segundo Adorno/ Horkheimer (1985, p. 113): “Na opinião dos sociólogos, a perda do apoio que a religião objetiva fornecia a dissolução dos últimos resíduos pré-capitalistas, a diferenciação técnica e social e a extrema especialização levaram a um caos cultural”. O fato é que a nossa cultura contemporânea atribui a tudo certo ar de semelhança. Assim, o cinema, o rádio, a televisão, as revistas (sobretudo as de moda), bem como a própria literatura, constituem um sistema, onde cada setor é coerente em si mesmo e todos o são em conjunto, ou seja, existe uma padronização cultural dos estereótipos que acabam por ditar o chamado modismo. Vasch (1988), mostra o poder das palavras em moldar imagens e objetos de referência, sendo a sua escolha de extrema importância para a construção ou destruição de estereótipos. Isso acaba sendo confirmado pela existência de um grupo que é oprimido, escondido e desprovido de poder, além de ser obrigado a sentir vergonha da natureza de sua própria existência. Muitos procuram uma justificação tecnológica para a indústria cultural, explicando o fato de milhões de pessoas participarem dessa indústria, como sendo um recurso para a reprodução, o que torna inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. Entretanto, o que não fica claro, é que é por essa técnica que os economicamente mais fortes, conquistam seu poder sobre a sociedade. Portanto, podemos dizer que a racionalidade da dominação é fruto da racionalidade técnica, com caráter de uma sociedade alienada de si mesma, em que a atitude do público que favorece a indústria cultural é apenas uma parte do sistema e não sua desculpa.O grande poder social, tão adorado pelos espectadores, é eficazmente afirmado na onipresença imposta pela técnica de um estereótipo, mais do que nas rançosas ideologias pelas quais os efêmeros conteúdos devem responder. Assim se faz a reprodução mecânica do belo, à sua exaltação, do perfeito e do normal, pois aqui, a semelhança perfeita é que faz a diferença absoluta.Observamos que a indústria cultural produziu, de forma maldosa, o homem como um ser genérico, sendo ou pelo menos, buscando ser arduamente, apenas mais um exemplar. Filmes, novelas, revistas (ditadoras de moda), e até mesmo livros de literatura infanto- juvenil (tema de nosso estudo), atribuem ao figurante apto ao papel de protagonista ou de herói/ heroína, uma igualdade essencial, decantada por uma ideologia da perfeição, excluindo as fisionomias rebeldes, deformadas, comuns, por fugirem ao padrão pré-estabelecido. Tais fisionomias só são solicitadas e admitidas, quando referidas ao humor, ao dramático, ao apelativo, ao espanto e ao horror. Desta forma, o gosto dominante toma seu ideal de beleza utilitária da publicidade.Hoje, a indústria cultural assumiu a democracia como herança civilizatória de empresários e até pioneiros, que desenvolveram uma fineza de sentido para os desvios espirituais. Desta forma, todos somos livres para dançar, nos divertirmos; porém, essa é uma liberdade de escolha já imputada pela ideologia, que sempre reflete a coerção econômica, revelando-se em todos os setores, como sendo a liberdade de escolher o que é sempre a mesma coisa, o que é genérico, o que nos torna meros aparelhos eficientes, sobretudo correspondentes aos modelos apresentados pela indústria cultural. Consideramos que o triunfo da indústria cultural resida na compulsiva mimese dos consumidores, pela qual os mesmos se identificam com as mercadorias culturais, as quais eles decifram muito bem. Para Muniz (1971), a cultura de massa (brasileira) é o espelho que reflete o id e os demônios das nossas estruturas. É o espelho em que a sociedade se olha e se oferece como espetáculo. Assim, a anomalia, o insólito, o estranho, o monstruoso e o grotesco, se refletidos sobre o poder da influência das crenças e valores, passados de geração à geração, que juntamente com a mitologia grega, textos bíblicos e outras doutrinas religiosas, que não a cristã, podemos perceber o grande impacto causado sobre a questão da deficiência. Diante disso, o indivíduo com qualquer tipo de deformidade, deficiência (em especial a física), tem sido historicamente descrito como um desvio da organicidade natural, estudado pela teratologia (ramo da biologia) que trata da estrutura e desenvolvimento, etc. dos que são tidos como monstros-Teratos. Tais escatologias muito influenciaram e influenciam a construção da imaginação coletiva. Muniz (1971), aponta que o ethos da cultura de massa brasileira, se acha tão perto da cultura oral, sendo fortemente influenciada pelas escatologias da tradição popular. Desta feita, o fascínio pelo extraordinário, pela aberração, fica evidenciado nos programas de variedades, sendo o grotesco apreciado como a categoria estética mais apropriada para a apreensão do ethos escatológico da cultura de massa nacional. O fato é que tudo o que esteja numa ordem inacessível à normalidade humana, parece encaixar-se à primeira vista, na estrutura do grotesco, inclusive a demência e a deformidade física. Percebemos que o que nos causa estranheza, acaba caracterizando o grotesco, colocando-o próximo do cômico, do caricaturístico, sendo assim um mundo distante, mais próximo do que seja estranho ou exótico.É desta forma, que o grotesco contrapõe-se ao sublime, tomando para si o ridículo, a feiúra e todo tipo de enfermidade. No entanto, os meios de comunicação de massa, têm satirizado, caracterizando a deficiência de várias formas, aproximando-a ao grotesco, como uma maneira de chamar mais a atenção, conseguir maior IBOPE (como em programas de TV que expõe pessoas com deficiência ou deformidade, utilizando-se disso para proveito próprio e financeiro). Mais uma vez, na história da humanidade, observa-se como o homem permanece em sua essência vil e insensível ao seu próximo – que não se assemelha a ele! Isso se deve ao fascínio do homem pelo extraordinário, e sua necessidade de exposição, como uma forma de constatação do castigo – como na época da mitologia grega, quando crianças não sadias eram expostas como exemplo da existência de um deus maior que punia aos desobedientes. Será que essa forma de pensar mudou, ou o que mudou foi a forma de exposição? Sim, tudo isso mudou, mas será que a essência da alma humana, a representação social coletiva que o homem faz a respeito da deficiência, os preconceitos existentes sobre a diferença também evoluíram tanto quanto a tecnologia? Acreditamos que muito pouco mudou nesse sentido, uma vez que atitudes preconceituosas estão constantemente presentes, em comportamentos como os de exposição de pessoas com deficiência ou deformidade na mídia, como sendo atrativos cômicos, caricaturísticos e até de horror da figura humana, visando somente bater na concorrência por índice de audiência. Diante de tudo isso, percebemos a grande importância da personificação de conceitos, da transformação do abstrato em fenômeno mais palpável, de carne e osso – como corpos humanos insólitos, anômalos, grotescos, monstruosos. Porém, para isso faz-se necessário passar pela corporificação do próprio grotesco, do monstruoso, para melhor conhecer esse corpo presente em nosso imaginário, no mitológico e no lendário. Surge então, a necessidade de conhecermos mais sobre os livros infantis, os contos de fadas e os contos folclóricos, que perpassaram gerações, bem como recorrermos ao que os contadores de história dispuseram-se sempre a contar sobre: Sacis, Minotauros, Mulas sem cabeça, Curupiras, Ciclopes, Gigantes e Anões, Corcundas, Feras, o Feio, etc. É preciso que conheçamos o que sempre despertou em nós sensações fortes de fascínio e ou de terror, de desejo e ou angústia, numa constante ambivalência de sentimentos. Seriam então estas histórias fantásticas, com corpos fantásticos, também responsabilizados pelo acionamento de mecanismos inconscientes de projeção de fantasmas, de monstros, recriando assim, uma nova realidade.

1.3 OS CAMINHOS PEDAGÓGICOS DA INCLUSÃO ESCOLAR: Sobre O Sistema De Inclusão De Deficientes Nas Escolas De Ensino Regular
O sistema de inclusão de deficientes nas escolas se diferencia, devido às suas condições políticas, pedagógicas e financeiras de cada estado, escola e/ ou família desses alunos. O sistema se caracteriza por deficientes freqüentando somente as escolas especiais (que podem ser diferenciadas para casa tipo de deficiência, ou podem estar todas em uma mesma instituição por não haver estabelecimentos e profissionais suficientes), deficientes freqüentando somente a escola normal (com ou sem profissionais integrados), alunos freqüentando um sistema de educação em uma instituição única que possuí a escola regular e especial, em um mesmo estabelecimento e também escolas especiais que funcionam em regime de internato. O sistema de inclusão tende a se tornar uniforme, porém cada província tenta aderir a esse sistema como pode. O fato é que o sistema de ensino comum ou regular consiste em prestar serviços que são de direitos de todos e para todos. No entanto, como nós professores podemos lidar com diferentes tipos e graus de deficiência que poderão estar sendo inseridos em nossas salas da aula? Estamos nós preparados para tamanho desafio? O que será que nos causa tanto medo?
 
1.4 ESCOLA E ALTERIDADE 
O termo alteridade se faz necessário, mais uma vez, para retornarmos ao seu significado, que segundo a Larousse cultural (1998), seria: “Estado, qualidade daquilo que é outro, distinto, (antônimo de identidade)” (p. 220). A mesma enciclopédia apresenta o significado de alteridade para a filosofia e psicologia, remetendo à primeira uma relação de aposição entre sujeito pensante (o eu) e o objeto pensado (o não eu), e à segunda as relações com outrem. Segundo Skliar (2000), a alteridade deficiente é um exemplo de voracidade com que um mundo pequeno, sem soluções, inventa e exclui a esses outros. Um lugar onde o mundo desses outros deficientes tem sido permanentemente relacionado e confundido com seu lugar institucional, que freqüentemente é pensado pelos términos exclusão e inclusão. A alteridade deficiente, segundo ele, raramente é vista como pertencendo a uma nação, sendo sujeitos políticos, articulando-se a movimentos sociais, que possuem sexualidade, religião, etnia, classe social, idade, gênero, atores e produtores de histórias próprias. Em palavras de Larrosa e Perez de Lara (1998), a alteridade do outro permanece absorvida em nossa identidade e a reforça, todavia mais; a faz possível, mais arrogante, mais segura e satisfeita de si mesma. A partir desse ponto de vista, o louco confirma e reforça a nossa razão; a criança a nossa maturidade; o selvagem, a nossa civilização; o marginal, a nossa integração; o estrangeiro, nosso país e o deficiente, a nossa normalidade. Em nossas próprias espacialidades e temporalidades como ouvintes, o olhar em relação ao outro, nesse caso os “outros deficientes”, que têm sido diferentes e vem determinando diversas posições subjetivas em relação à diferença. Skliar (2002) afirma que a diferença não tem valor em si mesma, porém, apesar de se falar da diferença se volta sistematicamente a falar dos outros como diferentes. Vale voltar na história e lembrar que por muito tempo o discurso médico foi a ideologia dominante na educação especial, determinando uma pedagogia da correção e em nome dessa representação se praticaram controles do corpo, da mente e da linguagem do outro. Recorramos agora a um importante questionamento feito por Skliar (2000):

Como é possível pensar sobre os deficientes, indígenas, mulheres, meninos e meninas de rua, negros, mestiços, desempregados, cegos, etc., sem esconder-se detrás da máscara discursiva da natural pluralidade, da natural diversidade, da natural democracia, onde vivem também esses outros?

Para ele, o tema de alteridade deficiente constituiria um exemplo muito concreto de como em nossa sociedade inventamos e ao mesmo tempo excluímos os Outros, já que a tendência dominante não seria exatamente buscar formas contundentes de tratar dessas diferenças, mas principalmente pensá-las apenas como inclusão/exclusão. Ou seja, a alteridade deficiente é tratada de forma que raras vezes a entendemos como referida a cidadãos comuns, sujeitos políticos que têm a sua sexualidade, religião, etnia, idade, gênero, e assim por diante. Portanto, a deficiência não é uma questão biológica para Skliar (2000), mas sim uma retórica social, histórica e cultural. A deficiência não é um problema dos deficientes ou de suas famílias ou dos especialistas. A deficiência está relacionada com a própria idéia da normalidade e com sua historicidade, pois quando a deficiência é narrada como fatalidade, por exemplo, esse discurso não seria somente afeto aos sujeitos aí nomeados, mas também aos considerados normais, já que se trata de uma mesma matriz de significação. Nesse sentido, o que está em discussão é a deficiência diante do problema da identidade, da alteridade e, portanto, da diferença. Portanto, Skilar (2000) defende que o termo diversidade, tão utilizado quando se fala de educação especial, na realidade indica uma estratégia bastante conservadora e inclusive hipócrita: aceita-se uma espécie de pluralidade diferente, a qual na maior parte das vezes está referida a uma norma ideal. A proposta é que se pense que as diferenças não seriam alguma coisa óbvia na cultura, que elas são construídas, são sempre políticas, não são algo por si indesejável e, finalmente, o fato de existirem não depende de uma autorização dada pelo mundo da normalidade. Todo esse contexto nos conduz a compreender a alteridade como surda, a partir de uma ruptura com significados comumente atribuídos à deficiência, ou seja, a proposta é que os deficientes sejam vistos como sujeitos que têm uma experiência; o que implica ver sua história e sua cultura como um tipo de construção que não se reduz a meros efeitos de buscas de compensação biológica ou cognitiva. Assumir essa ruptura tem conseqüências diretas no modo de vermos práticas como as que se referem a promessas de inclusão ou de integração da alteridade deficiente, claramente presente nos dominantes. É necessário que se discutam os argumentos basiladores das propostas de inclusão, particularmente as representações e sentidos nele reproduzidos, para entendermos que tais discursos remetem, na maioria dos casos, a práticas claramente de inclusão excludente. O que importa, é afirmar que o processo de inclusão/exclusão acaba por fazer parte de um poderoso jogo de poder, de dominação, dando forma ao longo da história a muitas das relações políticas, sociais e econômicas que nos constituem. Os processos de inclusão e exclusão têm um tratamento bastante peculiar, ou seja, enquanto a exclusão é o afastamento, o desconhecimento; a inclusão, cujo modelo inicial é o controle de uma população vítima, é também o modelo do conhecimento, do exame. Não há como negar que:

(…) mais do que o direito à educação, hoje se conhece o direito às oportunidades educacionais. Desta forma, a extensa gama de diferenças individuais existentes entre os educandos a serem atendidos nas instituições escolares exige que haja uma diversidade de meios disponíveis no sistema escolar, a fim de se assegurar o atendimento desse direito (MAZZOTTA, 1987, p. 36).

Assim, considerar-se-á que os fenômenos de inclusão e exclusão seriam dois momentos distintos no processo de construção dos discursos – pressuposto que é rigorosamente orientador de uma breve e superficial análise, sobre as Constituições de 1824 (para a qual “não havia o outro: os nomeados eram os que se nomeavam a si próprios”); de 1891 (em que as mulheres, os sujeitos libertos da escravidão e os trabalhadores continuavam “naturalmente” excluídos); de 1934 (em que pela primeira vez é nomeado o povo; em que os grandes incluídos são a mulher e o trabalhador, que então nasce do ponto de vista constitucional, embora isso não atinja o trabalhador rural); de 1937 (em que se fazem exclusões no campo político e inclusões no campo social; em que, pela primeira vez, a educação aparece num texto constitucional, como forma de fixação de significados); de 1946 (em que pela primeira vez aparece o homem do campo, e em que há enormes avanços em relação aos trabalhadores urbanos – com referência inclusive ao sujeito desempregado, embora não haja incorporação significativa de novos sujeitos sociais); sobre a emenda constitucional de 1969 (em que se determina a exclusão do sujeito subversivo e em que há uma detalhada inclusão do trabalhador rural); e, finalmente, sobre a Constituição de 1988 (em que se especificam os diferentes tipos de trabalhadores; em que o cidadão tem diferenciação de sexo; em que os cidadãos são homens, mulheres, índios, crianças, idosos, etc. e em que, pela primeira vez, é nomeada a marginalização). Desta forma, a exclusão seria uma prática significante fundamental nas sociedades contemporâneas, que nos atinge a todos, cidadãos de diferentes países, classes e grupos sociais, na complexidade de nossas vidas e mortes. Com relação às políticas e práticas educacionais, quais seriam nossas novas formulações com respeito aos projetos de integração, inclusão e entendimento do que seja o normal? É preciso que façamos a seguinte pergunta: em que medida a intenção de preparar professores para a diversidade cultural traduz-se em práticas discursivas e não-discursivas, reais ou teóricas, que impactam a construção de suas identidades? Mais uma vez, os temas da diferença, da diversidade, da construção de identidades, – agora vistos em relação à formação do professor o que inscreve-se no que se tem chamado de multiculturalismo crítico pós-moderno. Para isso, torna-se necessário superar dicotomias e reconhecer que diferença e similaridade são, antes de tudo, construções discursivas, com enormes contradições entre os propósitos de formar uma docência que seja multicultural e os impactos dos sujeitos (professores em formação) na interação com grupos diferentes do seu (étnicos, por exemplo) – geradas, por uma espécie de congelamento identitário que nos constitui. Assim, em tempos de projetos neoliberais excludentes, racismo, indiferença e violência contra o outro, a formação de professores sensíveis à pluralidade identitária e forjadores de práticas discursivas desafiadoras da homogeneização e da cristalização das diferenças torna-se, cada vez mais, uma tarefa urgente.

1.5  INCLUSÃO ESCOLAR
Mediante todas as dificuldades reconhecidas pela escola e na escola, vivenciamos a precariedade da relação aluno/ professor/ escola. E isso é refletido na aprendizagem tradicional dos alunos, ou melhor, alunos que apresentam condições de bom ou relativo desenvolvimento, alunos que aparentemente deveriam apresentar resultados satisfatórios de sociabilidade e assimilação no contexto escolar. No entanto, a maioria apresenta dificuldades de convívio, comportamento, assimilação de conteúdos e entendimento do que a escola pode oferecer. É notório que a escola está envolvida por objetivos generalizados, ou seja, visa transmitir ensinamentos educacionais de forma homogênea e avaliativa. Ainda neste ambiente os alunos buscam superar-se para a melhoria de seus desempenhos, conseqüentemente sendo inseridos em conceitos de produtividade e improdutividade. Paralelamente a esses aspectos o aluno com deficiência está conquistando e reivindicando seu espaço e direito de atuação na escola. É na escola segregada e despreparada para o novo que o aluno com necessidades educacionais especiais estará dando seus primeiros passos na relação ensino-aprendizagem. Mas todos esses aspectos citados são gerados principalmente pela ausência de uma política de formação continuada capaz de promover o desenvolvimento profissional dos professores. Sabe-se da dificuldade e do desconhecimento que a comunidade escolar possui com relação a educação na perspectiva da diversidade. Segundo Amaral (1998), a discussão tanto teórica como das possibilidades práticas de superação de processos estigmatizantes do interior da escola, que se situa no contexto histórico de uma sociedade que tem se orientado pela ótica da homogeneidade entre pessoas, homogeneidade esta que, ao se colocar, repercute sobre constituição e existência de outro que seja o diferente. Ainda neste processo é identificada situação de aspectos comparativos de alunos normais com os diferentes, gerando padrões de comportamento, de aprendizagem, de sociabilidade e produtividade. Na inclusão escolar ou na sociedade deve-se assumir o deficiente, mas, paradoxalmente, vislumbrar a atuação dessa pessoa como cidadão imerso no contexto das relações humanas, relações que superem velhos preconceitos, rótulos, estigmas e mitos. Deve-se acreditar em planejamentos e estratégias para o desenvolvimento e a superação do deficiente. Conforme o Parecer CNE/CEB 17/2001, homologado pelo SENHOR MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO em 15 de agosto de 2001. Refletindo sobre as funções da escola, não podemos focar apenas na socialização do alunado, e principalmente, do deficiente. A instituição pode elaborar planos de desenvolvimento que alcance o máximo da capacidade do aluno nos mais diferentes aspectos. Pimenta (1999) aponta para a escola a função de incorporar os alunos no processo civilizatório, garantindo que os alunos deficientes se apropriem dos avanços do conhecimento, da tecnologia e da diversidade das manifestações culturais. A escolarização tem como objetivo educacional à formação do ser crítico, autônomo e criativo. Deve haver oportunidade de conhecimento e vivências do mundo contemporâneo, culminando na transformação do sujeito e na melhoria da sua atuação na sociedade. Nesta perspectiva é esperada uma tendência na qual se coloca menos ênfase nos aspectos orgânicos e de constituição biológica da deficiência e mais ênfase nas relações sociais e na atenção educacional, mais adequada a ser fornecida pelos sistemas de ensino. Em suma, a expectativa é que dentre todos os aspectos positivos que a Inclusão Escolar estabelece, possa haver a extensão de ações significativas na vida social-cultural de todas as pessoas, sejam deficientes ou não.

1.6 RETOMANDO O FIO DA MEADA: A LEITURA E A LITERATURA INFANTIL COMO CAMINHOS FACILITADORES PARA A ARTE DE VIVER E CONVIVER
Acreditamos que a leitura de mundo, bem como a leitura oral e o discurso literário, poderiam ser apontadas como caminhos facilitadores para a difícil arte de viver. Observamos que a própria bíblia traz em seus escritos preciosas promessas para aqueles que seguem seus mandamentos escritos como: “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e até quando envelhecer não se desviará dele” (Provérbios – 22:6). Ou ainda, numa história mais próxima e contextualizada, podemos citar D. Pedro II, ao demonstrar sua admiração pela tarefa de educar, de formar, de ensinar, de alfabetizar, ao afirmar que se não fosse Imperador, desejaria ser professor, pois não conhecia missão mais nobre que a de dirigir as inteligências juvenis e preparar os homens do futuro. Vemos uma educação dentro da escola, que vai muito além da seqüência discursiva, que acredita numa seqüência de reconhecimento político da diferença, prática da diferença, experiências comunitárias, outras diferenças/ alteridade, experiências culturais, educação e interação educativa. Portanto, devemos buscar viver diferentemente de outros tempos, que deixou mostras do que não deu certo, para que erros antigos não voltem a ser cometidos, muito menos perpetuados, visando com isso, a eterna procura de uma adequação para uma vida melhor, mais justa e mais digna para todos aqueles, aos quais chamamos de Seres e Humanos. Que façamos então do nosso destino uma escolha acertada, que de fato possamos alcançar, não ficando a mercê de uma sorte já lançada. Além disso, é preciso pensarmos mais sobre os mitos que cultivamos em nossa sociedade, perpetuados ou não por nossas práticas de leitura e contação de contos tradicionais, pois deles também dependem, o tipo de pensamento e atitudes que temos frente ao diferente, ao deficiente ou anormal, ou seja, ao que foge dos padrões preestabelecidos para nós, como sendo o modelo de normalidade. Assim, como Medina (1990), acreditamos que seja necessário conspirar e extrapolar, subverter e transcender, sair das engrenagens. Construir o novo, pois só somos sujeitos enquanto expressão de uma totalidade. Desta forma, se somos seres históricos, temos nossa própria história, percorremos um caminho sendo por ele produzidos e produtores pelas práticas do mesmo. Observamos também que a simplificação feita pela Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID) (handicaps) com relação às terminologias existentes sobre deficiência, não resolveu e nem facilitou a compreensão, muito menos a comunicação de todos com relação aos diferentes conceitos de deficiência. O fato é que uma das críticas à essa classificação,  é a de que ela permanece muito próxima ao modelo médico de doenças, o qual se apóia no positivismo. Assim, o conceito de doença e de deficiência da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID) estão muito próximos, o que implica na patente subordinação ao diagnóstico médico. Desta forma, de acordo com a proposta da Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), de que as definições deveriam ser elaboradas por pessoas qualificadas e competentes para isso, o que acaba por indicar somente a categoria médica para tal, excluindo assim outros profissionais, a comunidade e até as pessoas com deficiências, o que remete a uma tendência ao reducionismo, uma vez que sua figura ainda encontra-se muito atrelada a estereótipos e à figura de médico. Por isso, devemos estar atentos às barreiras sociais, que não estão necessariamente relacionadas à deficiência em si, mas sim aos estereótipos, aos tipos de preconceitos e discriminações existentes. A linguagem utilizada por uma sociedade está totalmente ligada às suas condições filosóficas, políticas, bem como em sua geografia e clima. Assim, o preconceito não seria ou estaria imposto, mas sim metabolizado na corrente sangüínea de toda uma sociedade, onde o poder de dominar as pessoas e a significação do estigma, através da palavra, deveria ser reconhecido por todos. Para reverter o estigma, deveria se contextualizar a relação com nossas deficiências e com o nosso corpo, realizando mudanças não só nos termos em si, mas na gramática utilizada: adjetivos e nomes que igualam o indivíduo à deficiência. Ex: – inválido e deformado – que desacredita o indivíduo como um todo; o uso de preposições que descrevem relações e encorajam a separação entre a deficiência e o indivíduo – Ex: Um homem com deficiência; o uso do verbo na voz ativa e não passiva – Ex: Um indivíduo usando cadeira de rodas e não confinado a ela; o uso do verbo Ter ao invés do Ser – Ex: O indivíduo tem uma deficiência ou incapacidade e não ele é um deficiente ou incapacitado. Desta forma, a construção de pontes culturais seria de extrema importância para que houvesse proximidade e comunicação entre os indivíduos. A Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID) também visa permitir essa comunicação entre os profissionais, sobre o nível de comprometimento que um distúrbio ou doença possa acarretar para uma pessoa. Entretanto, o que observamos é a ineficácia das discussões sobre os rótulos, sendo restritas apenas às tentativas de renomear denominações e conceituações, não superando, contudo, as conotações e generalizações que possam estar implícitas. Portanto, consideramos que a tentativa de mudar a terminologia, por muitas vezes é desviada, sendo que muitas pessoas bem intencionadas acabam fazendo críticas umas às outras, ao invés de estarem direcionando-se para alvos mais apropriados como: as organizações sociais, as prioridades políticas, os preconceitos existentes na nossa sociedade, além de outros mitos destrutivos. Conforme esclarece D’Antino:

Pelo verbo portar, do latim portare, significando carregar, levar, conduzir. Assim penso que a expressão (esta sim) “porta” impropriedades posto que, por maiores (e mais pesadas) que sejam as necessidades das pessoas, não se constituem em objetos que devem ser carregados, levados, ou conduzidos. Melhor expressado: necessidade não me parece algo possível de ser carregado, mas no caso em questão, um direito a ser conquistado por corresponder a especificidades (D’ANTINO, 2001, p.182).

Qual seria o papel do leitor crítico ou de um crítico leitor? De acordo com o que acabamos de analisar, seria o de perceber e reproduzir conscientemente em sua alma, uma obra alheia, estando ele então, totalmente ligado à obra (subjetivamente – suas impressões). Por isso, deve esse leitor e crítico ou vice-versa, encontrar-se constantemente dentro da esfera da obra, tendo sua verdadeira interpretação sobre ela, não sendo influenciado por nada que fora escrito sobre a mesma, o que enfatizaria uma idéia de compromisso com a obra literária! Gornfeld (1972), afirma que se certo fanatismo é impossível falar, defender e encarnar a verdade, aquele que tenha que dizer algo seu, uma palavra nova, aquele que pretenda criar seu próprio Hamlet, pode ser tolerante de uma maneira objetiva unicamente no prólogo, mas não nas páginas de seu trabalho. Importante aqui salientar o fato de as obras de arte literárias (em especial a dos contos), bem como qualquer outra produção humana, trazem consigo explícita ou implicitamente a marca de seu criador, que carrega a marca de seu grupo de referência, que por sua vez traz a marca de uma cultura, e assim por diante. Desta forma, em meio a condições socioculturais tão adversas, superar as contradições sociais é algo necessário e imprescindível para combatermos as mais diversas formas de preconceito existentes, repassados e às vezes até perpetuados também pela literatura infantil (através dos contos). Entretanto, tal superação não é nada fácil, muito menos rápida. Por esse motivo, creio que cabe a nós educadores a tentativa de superação do preconceito velado, mas existente no ambiente escolar, tendo em vista mudanças de atitudes e comportamentos, muitas vezes resistentes, frente à inclusão escolar de crianças com deficiência. Acreditando que esse estudo possa vir subsidiar o trabalho de professores, profissionais da educação, pais, propomos que seja feita uma leitura crítica das obras literárias infantis, pois somente a leitura crítica pode fazer a diferença entre o perpetuar e o diminuir o preconceito. É importante ressaltar que esse estudo não representa o universo total de contos referentes ao tema, sendo apenas uma pequena amostra representativa, o que não invalida seu resultado, mas sugere uma pesquisa mais abrangente com um maior número de contos. Voltando à questão inicial deste trabalho, porém de uma maneira mais afunilada: De que maneira ou maneiras, o deficiente ou diferente, têm sido inscritos no imaginário coletivo, dentro do universo da Arte da Literatura, sobretudo na Literatura Infantil dos contos de fadas? Segundo Vovelle (1987), não existe real sem o discurso que lhe confere uma realidade específica, assim como não existe ação sobre o real sem uma representação dele. Desta forma, é a longo prazo que muitos concordam em reconhecer, com o tempo próprio da história das mentalidades, que a Literatura veicula as imagens, os clichês, as lembranças e as heranças, as produções sem cessar, distorcidas e reutilizadas do imaginário coletivo, perpetuando-as. Em toda nossa trajetória histórica, lidamos com os mais variados tipos de leitura: a de mundo, a oral, a escrita, a de imagens, a gestual, etc.; enfim, o tempo todo somos bombardeados com palavras verbalizadas, escritas ou subentendidas nas ações e reações existentes em nossos círculos relacionais. Mas o que vem a ser a Leitura e a Literatura? Não pretendemos fazer aqui nenhum estudo aprofundado de definições ou conceituações a respeito desse assunto, mesmo porque, não nos cabe tal competência, além do que não pretendemos desviar o rumo de nossa pesquisa. Procuraremos aqui fazer uma elucidação, do que consideramos pontos importantes para o desenvolvimento desse trabalho. Há muito mistério sobre a necessidade do homem em transmitir-se a si próprio, como uma forma de imortalizar suas percepções, suas ações, medos, esperanças, questionamentos e crenças. Esse mistério pode ser constatado nos milênios que nos separam das primeiras inscrições de imortalidade, feitas pelos homens primitivos nas rochas das cavernas. Interessa-nos apenas enfatizar qual o discurso utilizado nas obras literárias, bem como a qualidade interpretativa das mesmas sobre a realidade do mundo. Para isso, necessário se faz estabelecermos um recorte, do que caracteriza a obra em si (do real), bem como um recorte de como o narrador interpreta, sintetiza (na fantasia), para depois então, recorrermos ao saber do leitor – intérprete. Antes porém, é preciso sabermos como se dá a compreensão da leitura pelos olhos do leitor. Sendo o ambiente escolar um campo dinâmico, capaz de movimentar ideologias, valores e a própria democracia, acredito que a inclusão mereça seu lugar de destaque, desde que busquemos uma reestruturação dentro desse espaço, com os profissionais desse espaço, mobilizando para isso procedimentos que reconheçam e valorizem as infinitas possibilidades que abarcam o ser humano, com toda sua diversidade. No caso deste estudo, proponho um repensar sobre as práticas pedagógicas com os Contos de Fadas, sobretudo nas séries iniciais – não pretendo apregoar a sua exclusão, muito pelo contrário – mas que se tenha em vista uma revisão, um repensar dos reais valores e crenças, que cada um de nós possuímos acerca da deficiência/ diferença. Que esse repensar não fique na teorização, mas que seja convertido numa prática de aceitação, reconhecimento e respeito aos direitos da pessoa com deficiência, garantindo-lhe não somente o acesso e a permanência (como tem acontecido na maioria das vezes) – mas também e, sobretudo o direito à aprendizagem (respeitando seu tempo, suas necessidades educacionais especiais para tal). Somente assim, acreditamos que a inclusão escolar se efetivará de fato, livre de preconceitos, com o crescimento e desenvolvimento de todos, uma vez que a educação escolar é para e por ‘todos’.

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Publicado em 23/11/2010 11:48:00


Luciene Martins Tanaka – Formação Acadêmica: Licenciatura plena em Pedagogia pela Fundação de Ensino Octávio Bastos- São João da Boa vista. S.P; Pós- Graduada em Instrumentalização Didático Pedagógica pelas Faculdades Maria Imaculada de Mogi-Guaçu; Pós Graduada em Psicopedagogia pela UNIPINHAL; Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Mackenzie de São Paulo. Atua como Psiocpedagoga da rede municipal e Estadual na cidade de Espírito Santo do Pinhal-SP.

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