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O SIGNIFICADO DA INTERNAÇÃO PARA A PESSOA COM DEPENDÊNCIA QUÍMICA

Ana Paula Carneiro Barbosa e Adalberto Romualdo Pereira Henrique

Resumo
O presente estudo buscou captar os significados  da internação para a pessoa com dependência química, como também compreender como a pessoa com dependência química, em situação de internação, vivencia a ruptura com seus antigos vínculos e redes de pertencimentos sociais, ao ser submetido ao tratamento num processo de reabilitação psicossocial em regime  fechado.

Palavras-chave: internação, pessoa, dependência química

Resumen
Este estudio trata de captar el significado de la hospitalización para personas con dependencia de sustancias químicas, así como entender a la persona con dependencia de sustancias químicas en la hospitalización, experimentó una ruptura con sus lazos de edad y sus pertenencias las redes sociales, cuando se sometió a tratamiento en un la rehabilitación psicosocial en régimen cerrado.

Palabras clave: hospital, persona, dependencia de sustancias químicas

Introdução
O senso comum mostra que o uso de substâncias entorpecentes, conhecidas tecnicamente como substâncias psicoativas, sempre esteve presente nas sociedades humanas, por meio de rituais religiosos e místicos, independente da cultura ou etnia dos povos.
Nas últimas décadas, houve um aumento significativo de consumidores e dos tipos de drogas usadas. Souza (2007) alerta que isso está sendo refletido como um problema bio-psico-social, gerando prejuízos nas esferas afetiva, econômica, educativa, ocupacional, saúde e relações sociais, além de exercerem influência em fatores externos como violência, marginalidade, tráfico, morte e agressão.
O presente estudo buscou captar os significados  da internação para a pessoa com dependência química, por meio da aplicação de um instrumento de pesquisa semi-estruturado, adaptado de Bittencourt (2001), e analisado a partir das perspectivas metodológicas de Minayo (2006). O estudo é caracterizado como exploratório, de natureza qualitativa, onde buscou compreender como a pessoa com dependência química, em situação de internação, vivencia a ruptura com seus antigos vínculos e redes de pertencimentos sociais, ao ser submetido ao tratamento num processo de reabilitação psicossocial em regime  fechado. Outra perspectiva do estudo é compreender o que esta proposta de transformação significa para este sujeito, no que este processo transcende, indo além do absenteísmo, isto é, colocar-se num lugar onde o sujeito deve  se propor a mudar todo seu estilo de vida e reconstruir a  sua própria identidade.  A análise de enunciação foi a ferramenta apropriada no universo dessa pesquisa, com a finalidade de identificar a experiência do sujeito com dependência química à procura de internação, com vistas a desintoxicação, e captar os significados subjacentes a essa experiência existencial. Para isso, foram entrevistados nove residentes da Comunidade Terapêutica El-Shaday, próxima ao município de Muriaé, todos do sexo masculino, diagnosticados como dependentes de substâncias, conforme os critérios do DSM-IV.
Em Bittencourt (2009) emblematicamente, o universo do uso abusivo das drogas seria como cair num poço, ou seja, algo fácil e rápido de acontecer, entretanto, sair dele é um processo difícil e penoso, uma vez que as paredes têm limo e podem levar o sujeito de volta ao fundo do poço, ao cair novamente. O processo de recuperação da dependência é lento, doloroso e repleto de obstáculos (SILVA, 2004). Por isso, foi necessário ouvir e analisar as respostas dos dependentes de substâncias internados para desintoxicação, e buscar interpretar os significados da internação para este sujeito. Por meio deste estudo, há a possibilidade de elaborar formas de tratamento, que correspondam às expectativas do usuário do serviço em relação à internação, será possível refletir sobre as condutas de tratamento oferecidas pela instituição, prever e criar formas lúdicas de lidar com os limites e obstáculos observados, e com isso buscar uma diminuição das desistências e recaídas em relação à internação, bem como aperfeiçoar o tratamento. Além do presente estudo, poder contribuir para eventuais discussões a respeito do significado da internação e a forma de tratamento oferecido pelas instituições de recuperação. 
De acordo com Frankl (1991), a busca do indivíduo por um sentido é a motivação primária em sua vida, sendo este, exclusivo e específico da pessoa que a vivencia, onde somente ela pode determiná-lo. Para compreender o significado da internação para a pessoa com dependência química, foi realizada a análise de enunciação, com a proposta de obter, por meio do confronto da análise lógica, análise seqüencial e análise do estilo do locutor, a compreensão dos significados (MINAYO, 2006). Visto que a significação é uma espécie de produto final da relação entre significado e significante, sendo o primeiro uma representação mental, um aspecto abstrato, e o segundo o que há de concreto no signo. A escolha por parte do locutor de um ou outro recurso lingüístico, é capaz de revelar múltiplos significados, produzindo assim uma significação (CITTELI, 2000). A pesquisa realizada buscou captar os sentidos existenciais subjacentes ao discurso dos respondentes da entrevista. Para se verificar a construção do discurso do Dependente Químico, deve-se reconhecer a organização e natureza dos signos lingüísticos. Compreendendo o que Citteli (2000) diz a respeito da linguagem, o autor afirma que todo signo possui dupla face, ou seja, um significado e um significante, e a escolha por parte do locutor de um ou outro recurso lingüístico, é capaz de revelar múltiplos significados, constitutivos de uma mesma unidade, produzindo assim uma significação, um sentido. De acordo com esse autor a significação é uma espécie de produto final da relação entre o significado e o significante, sendo o significante o que há de concreto no signo, sua realidade, materialidade. Já o significado refere-se ao aspecto imaterial, uma representação mental evocada pelo significante. Por exemplo, uma “abóbora” é o significante, sozinha ela nada representa; com os olhos, o nariz e a boca, ela passa a ter o significado do Dia das Bruxas.

Nesta articulação a sociedade constrói a sua ordem simbólica, que, se por um lado não é o que se convenciona chamar de real (mas sim uma sua representação), por outro lado é também uma outra forma de existência da realidade (…) (PESAVENTO apud ZAMBONI, 1998, p. 92).

Frankl (1991) em busca de sentido questiona se o ser, nada mais é que o resultado de múltiplos determinantes e condicionamentos sejam eles de ordem biológica, psíquica ou social, se o homem precisa necessariamente sucumbir a essas influências e como ele pode agir de maneira positiva às condições em que a vida lhe impõe. Conclui então, a partir de sua experiência de vida, que o ser pode muito bem agir “fora do esquema”, que a liberdade interior é uma das alternativas frente às condições impostas pela vida e que a liberdade espiritual permite ao ser humano, configurá-la de modo que tenha sentido. “Mas não se encontra sentido apenas na realização de valores de criação e de experiência. Se é que a vida tem sentido, também o sofrimento o terá. Afinal de contas o sofrimento faz parte da vida, de alguma forma (…)” (FRANKL, 1991, p. 67).
A partir das constatações de Frankl (1991), parece oportuno afirmar que sob quaisquer condições a vida tem um sentido, que a concepção do homem sobre si mesmo e o lugar que ele ocupa na própria vida é o que poderá ajudá-lo a encontrar um sentido para viver, não obstante as tragédias pelas quais deverá passar.
Sempre e em toda parte, a pessoa está colocada diante da decisão de transformar sua vida de uma situação de sofrimento numa realização interior de valores (FRANKL, 1991). Tomemos o caso da pessoa com dependência química, no qual possui uma doença que não tem cura e que o tratamento depende exclusivamente dela, esta pessoa pode escolher permanecer sóbria, corajosa, valorosa e digna na luta contra as drogas, contra si mesmo e sua compulsão, levando em consideração sua auto-preservação, buscando incessantemente dar sentido a sua existência. Dependendo da decisão e atitude que tomar, a pessoa realiza ou não os valores que lhe são oferecidos pela situação que está passando e pelo destino que o cerca.
Florido (1999) citando Heidegger, revela que o caminho que leva ao ser, passa pelo homem, e isto acontece na medida em que este está sozinho para interrogar sobre si mesmo, refletir e por em questão o seu próprio ser, a fim de desvendar o ser que há em si mesmo. Para o autor, o homem está sempre procurando algo além de si mesmo, se projetando de alguma forma para fora de si mesmo, onde encontra como fronteira o mundo.
Ao falar da angústia, Heidegger a descreve como o sentimento capaz de reconduzir o homem ao encontro de sua totalidade como ser, juntando os pedaços a que foi reduzido pela monotonia e “indiferenciação” da vida cotidiana. Isto seria comprovado pelo fato de que, na angústia, todas as coisas no mundo parecem não ter importância, perdendo seu sentido, suas ambições, desejos e preocupações, passam a serem considerados como insignificantes. E a partir desse estado de angústia, o homem é capaz de escolher uma alternativa: transcender, ou seja, superar sua própria angústia, atribuir um sentido ao ser, ou fugir de novo para o esquecimento e retornar para seu cotidiano sem sentido (FLORIDO, 1999).

Uma vida sem sentido pode ser comparada a um navio fantasma que navega sem rumo e sem direção, fadado a ficar à deriva, ao sabor de qualquer vento e maré e a ser ao fim engolido pelas implacáveis ondas do mar (CIFUENTES apud SILVA, 2009, p.16).

O homem tem anseio por um sentido, e isso o torna feliz, quando o está realizando. A procura de sentido para o homem é uma força primária na sua vida.  Este sentido é singular e específico, podendo ser realizado somente por ele.  O homem possui desejo, necessidade de sentido, um sentido pelo qual ele seja capaz de viver e até mesmo de morrer.

O homem procura sempre um significado para sua vida. Ele está sempre se movendo em busca de um sentido de seu viver; em outras palavras, devemos considerar aquilo que chamo a “vontade de sentido” como um “interesse primário” do homem. (FRANKL, 2005, p. 23).

De acordo com Frankl (2005), a vida jamais deixa de ter sentido, o homem pode descobrir um sentido para sua vida ao fazer um trabalho, criar uma obra, praticar um ato, ao experimentar sentimentos, emoções, expressões, ao se relacionar, ao amar, ou ao ter uma atitude positiva diante da vivência de um sofrimento. Basta ao homem encontrá-lo e realizá-lo.

Instituições para Desintoxicação de Pessoas com Dependência Química
As intervenções à pessoa com dependência de substâncias se iniciam a partir do diagnóstico e avaliação seguindo os critérios do DSM-IV.  As desordens relacionadas à dependência química são crônicas e a desintoxicação é uma fase essencial para que haja uma aceitação das demais intervenções que serão necessárias no processo de recuperação. Durante o processo de desintoxicação, ocorre uma fase conhecida como síndrome da abstinência, onde o dependente químico deve ser monitorizado e em casos mais graves devem ser usadas terapias farmacológicas, para aumentar a aderência ao tratamento e evitar complicações as cerca da abstinência (FERIGOLO, 2007).

Primeiro as instituições são normas, mas estas incluem também a forma pela qual os indivíduos concordam ou não em participar dessas normas, as relações sociais reais, tanto como as normas sociais, formam parte do conceito de instituição (…) seu conteúdo está formado pela articulação entre a ação histórica, grupos, coletividades, de um lado, e, de outro pelas normas sociais já existentes (ALTOÉ apud BITTENCOURT, 2001, p. 222).

Para uma boa recuperação a forma de tratamento deve ser individualizada para cada paciente, levando em consideração as características do indivíduo, suas expectativas em relação ao tratamento e seu grau de comprometimento. Hoje há diversas formas de tratamento disponíveis para a pessoa com dependência química, elas variam quanto ao lugar que o paciente é tratado, a modalidade terapêutica utilizada e condutas empregadas. Existem critérios de indicações que baseiam o tratamento em ambiente hospitalar ou ambulatorial, e a duração do tratamento, esses critérios levam em consideração o risco de síndrome da abstinência complicada, complicações biomédicas, comportamentais e emocionais e a resistência ou aceitação ao tratamento.

Material e métodos
O presente estudo trata de uma pesquisa exploratória, visto que seu principal objetivo foi o aprimoramento de idéias e descobertas sobre o tema, envolvendo levantamento bibliográfico, entrevista com pessoas que estão vivenciando o problema em comum e posterior análise dos dados coletados para a compreensão do assunto (FIGUEIREDO, 2007).
É um estudo de natureza qualitativa, de acordo com Minayo (2004), o aspecto qualitativo implica considerar o sujeito pesquisado “gente”, numa determinada condição humana, pertencente a um determinado grupo social, com suas crenças, valores e significados.

A pesquisa qualitativa surge diante da impossibilidade de investigar e compreender, por meio de dados estatísticos, alguns fenômenos voltados para a percepção, a intuição e a subjetividade. Está direcionada para a investigação dos significados das relações humanas, em que suas ações são influenciadas pelas emoções e/ou sentimentos aflorados diante das situações vivenciadas no dia-a-dia (MINAYO apud FIGUEIREDO, 2007, p. 29).

O trabalho de campo foi a etapa essencial da pesquisa, de acordo com (Minayo, 2004), na pesquisa qualitativa a interação entre o pesquisador e os sujeitos pesquisados é essencial.
 
A pesquisa de campo por onde começa toda carreira etnológica, é a mãe e ama-de-leite da dúvida, atitude filosófica por excelência. Essa “dúvida antropológica” não consiste apenas em saber que não se sabe nada, mas em expor resolutamente o que se acreditava saber e a própria ignorância […] (LÉVI-STRAUS apud MINAYO, 2004, p. 94).

A pesquisa de campo foi realizada, na Comunidade Terapêutica El-Shaday, uma fazenda para reabilitação de pessoas que sofrem de dependência de substâncias, próxima ao município de Muriaé, que atende à população da região.

Antes de dar início a pesquisa, foi iniciada a participação no grupo de ajuda Amor Exigente, que atende aos familiares de pessoas com problemas relacionados às drogas, e participação no grupo Esperança, que é formado por dependentes químicos que já passaram pela internação e hoje estão em “manutenção”, segundo informações colhidas (sic), o termo é usado quando um ex-residente freqüenta grupos de auto-ajuda e igreja para ajudá-lo a se manter longe das drogas. Com esta estratégia de aproximação, foi conseguida autorização para dar início à pesquisa de campo.
Antes da aplicação do instrumento de pesquisa, foi explicada a instituição referida, no caso a Comunidade Terapêutica El-Shaday, qual era o objetivo da pesquisa, e a relevância para a sociedade e o meio científico, dos significados da internação para a pessoa com dependência química. Também se fez necessário, uma autorização da Presidência da instituição, bem como termo de consentimento livre e esclarecido para os participantes, de acordo com a resolução nº. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os informantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido em conformidade com os princípios éticos de investigações científicas envolvendo seres humanos.
A pesquisa de campo foi realizada no período de março a maio de 2009. O tempo de duração das entrevistas foi de aproximadamente 26 minutos em média para cada entrevistado.
Participaram da pesquisa nove residentes, do sexo masculino, todos com diagnóstico de dependência de substâncias conforme os critérios do DSM-IV.
O instrumento de pesquisa aplicado é uma entrevista semi-estruturada composta de perguntas abertas e fechadas, que permitiu ao entrevistado flexibilidade e liberdade de discorrer sobre temas e considerações de seu próprio interesse. O instrumento de pesquisa foi adaptado de Bittencourt (2001) e analisado de acordo com a Análise da Enunciação proposta por Minayo (2006).
A análise da enunciação considera a concepção da comunicação como um processo, buscando um sentido no discurso do respondente, criando significados por meio da análise das contradições, incoerências e imperfeições produzidas em sua fala, durante a entrevista aberta, se evidencia um discurso dinâmico, sendo ao mesmo tempo espontâneo e constrangido diante da situação em que se encontra como emergência inconsciente (MINAYO, 2006). Como no caso destes, estar internado para desintoxicação e reabilitação psicossocial, devido à dependência de substância.
Esta análise parte do princípio que a estrutura da produção da fala se dá numa triangulação entre entrevistado (residente da Comunidade Terapêutica), seu objeto de discurso (significado da internação) e entrevistador. O autor supracitado conclui que “ao se expressar, o locutor projeta seus conflitos básicos por meio de palavras, silêncios e lacunas indicando processos, na sua maioria, inconscientes de expressão.” (MINAYO, 2006).
A análise da enunciação tem como proposta, obter, por meio do confronto entre as análises: análise lógica, observando a forma de raciocínio do sujeito, a análise seqüencial, dando atenção à forma como é construído o discurso, seu ritmo, progressão e rupturas e análise do estilo do locutor, prestando atenção nas repetições, lapsos, ilogismos, frases feitas, jogos de palavras e figuras de retórica, buscando a compreensão dos significados. Estas análises buscam evidenciar conflitos e condições que permeiam e estruturam o discurso do entrevistado.
 Dos nove indivíduos entrevistados nesta pesquisa, foram selecionados quatro por meio de amostra aleatória, para que fosse realizada a análise da enunciação no decorrer da apresentação e análise dos resultados. Para tanto, na questão que se refere à análise central da pesquisa, onde se questiona o significado da internação, todos os respondentes foram usados para uma melhor compreensão de tal unidade de sentido.
A análise qualitativa que será apresentada a seguir foi consolidada a partir da análise de enunciação proposta por Minayo (2006). Como tal, ela se apresenta como uma análise que busca um sentido no processo de comunicação do respondente, captando significados por meio da análise de imperfeições, incoerências e contradições encontradas na fala do sujeito. As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas literalmente, isto é, sem correção das normas cultas do idioma, para então serem analisadas.
A análise foi processada de três momentos, a saber: a definição de unidades de sentido, a identificação de temas relevantes e a processamento da análise de enunciação. Num segundo momento, as entrevistas foram comparadas entre si tendo como base as especificações temáticas de cada uma, com o interesse de compreender a abrangência de cada tema. 
Os objetivos estabelecidos na formulação inicial desse estudo foram apropriados para um melhor delineamento e norteamento do processo de análise dos resultados da pesquisa: 1) Captar os significados da internação para a pessoa com dependência química; 2) Compreender como esta pessoa vivencia o processo de internação para desintoxicação; 3)Refletir sobre como a pessoa com dependência química lida com as responsabilidades, regras e valores propostos pela instituição que o abriga; 4) Captar a expectativa de uma ideologia de vida sem as drogas e 5) Refletir sobre o papel da ocupação no processo de recuperação do sujeito.
O termo P1, P2, P3 e P4 são abreviaturas usadas na apresentação e análise dos resultados para indicar as pessoas entrevistadas, no caso quando se referir a P1 será a pessoa um e P2 a pessoa dois, e assim sucessivamente, sem trocar os respondentes.

Discussão e conclusão
O quadro a seguir mostra um pouco sobre o perfil psicossocial dos quatro respondentes escolhidos para análise que se dará. 
QUADRO 6 Referencial psicossocial dos entrevistados
P1: Sexo masculino, 32 anos, casado, tem dois filhos, é natural da cidade de Muriaé, cursou até a 8° serie, trabalhava como Técnico de Diesel. Quando foi entrevistado fazia sete meses e 20 dias que estava na Comunidade Terapêutica sendo esta sua segunda internação, não conseguindo completar o tratamento da primeira vez que esteve na Comunidade.
P2: Sexo masculino, 17 anos, solteiro, natural de Leopoldina, hoje reside com seus pais em Cataguases. Estava estudando antes de ir para a Comunidade, cursando a 8° série e trabalhava junto com pai de garçom esporadicamente. Não tem filhos. Quando foi entrevistado havia apenas 20 dias que estava na Comunidade Terapêutica, sendo esta sua segunda internação, não completando o tratamento da primeira vez.
P3: Sexo masculino, 28 anos, foi casado duas vezes e agora esta separado, tem dois filhos, sendo um de nove anos e um de seis anos. Natural de Cachoeira do Itapemirim. Trabalhava como vendedor. Cursou a Faculdade de Direito e Marketing, não concluindo nenhuma delas. Quando foi entrevistado completou um mês que estava na Comunidade Terapêutica, sendo reincidivo em suas internações, já passou segundo ele por aproximadamente 15 internações.
P4: Sexo masculino, 19 anos, solteiro, namora há três anos. Natural da cidade de Santana de Cataguases. Cursou o 1° grau completo. Não tem filhos. Trabalhava como padeiro em sua cidade antes de internar. Quando foi entrevistado fazia três meses e 15 dias que estava na Comunidade.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

A partir do perfil dos respondes apresentado acima, podemos considerar que apesar de cada um constituir uma unidade com toda sua subjetividade, essas pessoas possuem algo em comum, ambos enfrentam a internação para se recuperar da dependência das drogas.
Foi observado que dentre os quatro entrevistados selecionados pra a análise, três são reincidivos ao tratamento, ou seja, já tiveram recaídas do uso de drogas, tendo que internar novamente para conseguir a desintoxicação e recuperação. No que se refere à escolaridade, os entrevistados P1 e o P2 possuem escolaridade incompleta, interrompendo os estudos durante o ensino fundamental, já os entrevistados P3 e P4 concluíram o ensino médio, entretanto, o respondente P3 não concluiu as Faculdades de Direito e Marketing que cursava, abandonando os dois cursos, por razões não justificadas. Segundo o próprio, voltará a estudar assim que sair da Comunidade, e fará agora outro curso diferente, o que sugere que P3 ainda não se decidiu sobre o que quer em relação aos estudos.
No que refere à naturalidade, é fato que a maioria dos residentes da Comunidade Terapêutica El-Shaday são de Muriaé, que é a cidade mais próxima, porém, foi observado que cada um dos entrevistados citados nesta pesquisa pertence a municípios diferentes, o que demonstra que a Comunidade Terapêutica abriga e oferece suporte no tratamento de reabilitação a população de Muriaé e região.
No que diz respeito ao tempo que o residente permanece internado na Comunidade Terapêutica, vale ressaltar que isto interfere diretamente nas respostas dadas durante a entrevista, pois o tempo de permanência na instituição, esta diretamente ligada á aceitação e adesão do residente ao tratamento. No caso do respondente P1, que está na Comunidade há sete meses e 20 dias, apresenta em seu discurso aceitação e adesão completa ao tratamento, sendo hoje monitor da Comunidade e faltando apenas poucos dias para completar o plano de tratamento e voltar para sua residência. No decorrer da análise foi observado que o respondente P1 apresenta um vocabulário institucionalizado, o que pode ser analisado como fator do tempo de internação e que corresponde ás expectativas da Comunidade Terapêutica. O entrevistado P2 está a 20 dias na Comunidade apresentado em sua fala estar receoso sobre o impacto do abuso de drogas causado em sua vida, supervalorizando acontecimentos dentro e fora da Comunidade. O respondente P3 enfrenta a dependência das drogas a quinze anos, sendo esta a sua 15º internação, ou seja, sua15° recaída. P3 enfrenta a luta contra as drogas desde 2001, quando teve sua primeira internação. O respondente P4 em seu discurso demonstra ainda não aceitar o processo de reabilitação, dizendo estar confuso, ainda tomando consciência do processo.
O quadro a seguir tem a finalidade de apresentar os dados respondidos pelos entrevistados diante da pergunta se eles tinham conhecimento do que se trata a desintoxicação, também foi solicitado que os mesmos explicassem o que sabiam a respeito do tema. Foi obtido como resposta:

QUADRO 7  Desintoxicação
P1: (…) o método de desintoxicar aqui é o método da laborterapia. É o trabalho do certo período, certo período do dia, são mais ou menos umas, umas três horas, vão colocar três horas, a gente tem que fazer algum esforço físico, a gente suar, a gente colocar pra fora, e isso através da urina, e de, e de outras coisas mais o mais importante mesmo é a gente suar mesmo, para desintoxicar, tirar as toxinas de, que fica no nosso corpo (…).
P2: Desintoxicação é quando a pessoa fica limpo completamente, ela não fica com nem 1% de do seu organismo de drogas (…).
P3: Desintoxicação é um processo que a gente passa para tirar os organismos do corpo né. O que seria? Seriam as substâncias que a gente adquire no meu caso a minha droga de preferência, seria a cocaína, maconha e outras né, então, de acordo com o que é pregado aqui na fazenda, esse processo dura oito semanas, pelos meus estudos seriam noventa dias, e aí é um processo que a gente passa, onde a droga vai sendo eliminada pela urina e pelo suor (…).
P4: (…) o trabalho que a gente faz, é suando né, no suor a gente tira a desintoxicação, nas fezes, na urina, tudo pra mim, o que eles passaram pra mim isso é desintoxicação, o trabalho, a laborterapia (…).
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

Foi mencionado nas respostas acima, que a desintoxicação é conseguida pelo método da laborterapia, ou seja, por meio do trabalho, segundo os respondentes, a desintoxicação também se dá por meio das excreções eliminadas pelas fezes, urina e suor.
Ao falar do que se trata a desintoxicação, o respondente P2 refere que mesmo que haja a desintoxicação, a adicção traz conseqüências permanentes para o indivíduo: “(…) sempre a droga deixa uma seqüela na pessoa, a pessoa nunca sai ilesa da drogadição, ela sempre deixa uma seqüela na pessoa, nem que seja uma pouquinha coisa, mas fica com seqüela. Porque ela é um, um sentimento, é um hábito (…)”.
Durante a análise foi percebido que há uma expectativa em relação aos prazos para a desintoxicação. O respondente P1 comenta que são necessárias três horas diárias de laborterapia para se conseguir a desintoxicação, enquanto que o respondente P3 questiona os prazos da Comunidade com seu conhecimento e estudos sobre o tema. Toda a expectativa parece estar depositada nos prazos, não estipulados por eles, como se o tempo para a desintoxicação biológica fosse o foco principal, não se tratando do tempo ou prazos para a recuperação psíquica e social.
E fato corrente que o uso abusivo de drogas pode trazer conseqüências lesivas e irreversíveis para a pessoa com dependência química e sua família. Porém, quando foi questionado aos entrevistados a respeito do impacto causado pelo uso de drogas em suas vidas, foi com a intenção de captar a percepção destes sujeitos, que hoje se encontram internados para desintoxicação. Foi alcançado como resposta um feedback, o entrevistado ao contrapor a esta questão faz uma auto-análise sobre este impacto, que pode ser visto por ele como positivo ou negativo, entrando em contato com conteúdos internos deste sujeito. As respostas também soam como um depoimento, um testemunho, uma realidade constantemente mostrada na mídia, vivida por pessoas de diferentes níveis sócio- econômico- cultural como pode ser visto no quadro 8.

QUADRO 8 Impacto do abuso de drogas no cotidiano do sujeito
P1: (…) quase que irreversíveis quase danos irreversíveis. Primeiramente na minha família (…), já ia perdendo minha casa (…) meus filhos já tava se afastando, a minha esposa já chegou a pedir por fim ela já não tava agüentando, chegou a pedir (…) _ ô David eu gosto demais de você, mas do jeito que ta indo aí não vai ter jeito da gente ficar junto cara você ta matando a gente, meus filhos (…) a respeito de serviço, perdi vários serviços muito bons, perdi vários empregos, bons, trabalhava na empresa X, deixei de fazer vários cursos aí, por causa da minha vida, por causa da minha droga, minha droga de, de preferência (pausa). Espiritual, lado espiritual eu afastei, afastei da igreja, não procurando mais, (…) (pausa) era só envolvido, o mundo mesmo era só envolvido com a droga, o lado social, o lado de pessoa, o pessoal já tava começando a me apontar na rua, tava me olhando com outros olhos, _ falando assim: _ pô, já vem ele, lá vem àquele cara. O pessoal já fechava as portas, já vem o cara querendo fazer anarquia, ele vai querer brigar com alguém, então um cara total assim insano, né, só fazendo as coisas insanamente. _ chegava em casa discutia também, quebrava as coisas, chegava até a roubar , muitas vezes no serviço, perdi meu serviço por causa disso também. O lado social também perdi, e, é muitas dívidas, vai fazendo as dívidas, pensando que vai, que vai suprir aquela, aquela, aquele dinheiro nunca que dava (pausa), aí vinha as cobranças, e com traficante não tem esse negócio  de deixar prá depois, ele vai lá mesmo, a gente já chegou, já entrou dentro de casa, já pegou as coisas , então, não respeita seus filhos, minha mulher, nem nada, já vai e pega o DVD, já tá pegando o microondas, pegando o que tem de valor , lá fora(pausa) minhas ferramentas que eu tinha lá, já leva todinho mesmo, produto que minha  esposa também tava vendendo, uns produtos também lá do Y,  também lá da W, aliás, pegou aquilo tudo também sem perguntar, sem nada(pausa). Perdi tudo, a minha moral todinha, eu não tinha moral prá fazer mais nada, minha moral foi destruída todinha, foi aniquilada, posso falar do hoje também.
P2: A droga causou destruição na minha família, fez com que minha família se afastasse de mim, fez com que eu perdesse a confiança totalmente da minha família. Minha mãe chegou ao ponto de dizer que estava com medo de mim, medo, eu estava totalmente fora de mim mesmo. A droga, a droga pra mim não vale mais nada hoje não, já destruiu tudo, totalmente, me fez eu andar descalço, fedendo, me fez eu me humilhar mesmo, apanhar na rua dos outros, me prostituir, sexualmente, fisicamente, espiritualmente, me destruiu completamente entendeu, completamente(…).
P3: Nossa destruidora, destruidora (…) a partir do momento que eu começo a usar droga, eu transformo a minha vida e de todos que estão ligados a mim num inferno (…) o que eu consigo construir em tempo limpo (pausa) (…) depois que eu separei foi só derrota, só derrota. Larguei o emprego (…) aí juntei com outra pessoa dependente química também, fiquei oito meses morando com ela aí só derrota, aí foi muita derrota mesmo. Usamos muita droga, muita droga, que dá efeito financeiro até hoje. A gente foi acabando com tudo, quando eu vi a gente tava numa casinha pequenininha (…).
P4: Ah, foi muito (pausa), perdi, eu já perdi muitas coisas, a confiança do meu pai, nem conversar com ele eu converso, quebrei a moto dele dentro de cãs, quebrei um monte de coisa dentro de casa, vendi as coisas da minha mãe pra mim usar droga, da minha namorada também, pegava dinheiro com ela e falava que era pra comprar alguma coisa e ia comprar minha droga de preferência. Isso prejudicou muito dentro da minha casa e com minha namorada, porque já tem três anos que eu estou namorando com ela, aí ela também foi muito prejudicada com essas, com esse, com essas coisas que eu usei, droga e álcool.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.
 
Os relatos supracitados trazem a tona o universo da drogadependência, um universo permeado por perdas, desencontros e sofrimento.  Na narrativa dos participantes é notório o fato de que o abuso e a dependência lhes subtraíram a vivencia familiar, a respeitabilidade da comunidade e o destroçamento da auto-estima. Cabe ressaltar que na análise da enunciação a fala do depoente “fala por si”, pois, são depoimentos impactantes que traduzem a experiência de drogar-se e perder a sua autonomia no gerenciamento do cotidiano. Ë pretensão do pesquisador, ao apresentar esta análise, fornecer subsídios para o repensar da questão do uso abusivo das drogas como um grave problema de saúde pública, buscar estratégias de acompanhamento  e minimização  do impacto deste uso na sociedade e na vida familiar dos sujeitos.
Foi questionado aos entrevistados qual seria a posição deles quanto à tomada de decisão a cerca da internação. Tendo como base que o sucesso do tratamento requer adesão, desejo em se recuperar e honestidade consigo mesmo. A esta questão todos disseram que sim, que estavam internados por vontade própria, porém, algumas contradições foram percebidas durante a análise, como é mostrado no quadro a seguir:

QUADRO 9 Decisão a cerca da internação
P1: Sim. Para mim já não dava aquela vida mais, aquela vida pra mim deu um basta (…) eu já tava vendo a hora que. Eu não criei resistência nenhuma prá vim prá cá não, porque, você vem pra cá, pra você resgatar a família, pra você manter o emprego, pra você fazer pras outras pessoas, não dá certo não. Você tem que admitir que você ta errado, admitir que você é importante perante, eu já tinha perdido o controle da vida mesmo. É seguir, entrar no programa, o programa de recuperação ele é pronto, já salvou várias vidas, a gente tem que entrar no programa não é esperar que o programa entra na pessoa não,  porque não vai entrar não, você tem que se adequar nele mesmo.
P2: Sim. Estou porque minha mãe gostaria, pediu muitas vezes para que eu me internasse aqui dessa vez (…) implorando, pedindo, chorando, rezando, eu falei: _Não vou, não vou, não vou, não vou, não vou. Um dia eu consumi uma substância química conhecida como Canabis sativa, é, meu olho estava vermelho e eu parei para pensar aonde que esta vida vai me levar. Aonde? Em lugar nenhum (…) vai me levar ao nada, só vai me levar a morte, prisão, hospital, só isso. Então chega, não quero mais não. Eu vim pra cá  por vontade minha, eu quero me recuperar(…).
P3: Sim. Eu vim sozinho! (…) eu tive uma recaída na qual eu usei dez dias seguidos, um descansei, aí eu vim pra cá, eu demorei uma semana pra chegar aqui (…) eu vim sozinho! Eu tinha duas opções de ir pela minha cabeça, uma era ir pra Fazenda Esperança em Teresópolis, e aqui em Muriaé, na El-Shaday, aí primeiramente eu embarquei lá em Cachoeira sentido Rio. Aí eu saí de lá, peguei o ônibus e fui pro Rio, aí no Rio eu fiquei uns 5 dias direto, essas coisas, quando eu cheguei na rodoviária , aí eu demorei 7 dias pra chegar aqui. Dessa vez eu cheguei bem melhor do que da outra vez que eu saí daqui. Da outra vez eu cheguei aqui com 50 e poucos quilos, quase 50, dessa vez eu já cheguei com 80, eu saí daqui com 72 e cheguei com 80(…) a primeira vez não foi por vontade própria não. Eu tava desaparecido tinha uns dois meses já né, minha família não sabia onde eu estava, aí me acharam, alguém me viu e falou para os meus pais que eu tava na casa de praia(…) chegaram lá, e o cara tava daquele jeito, muito vestígio de droga, aí um primo meu que já tinha sido internado me convenceu, aí foi onde que eu fui ter a minha primeira internação. Em 2003, na Fundação Esperança, um ótimo lugar. Aí de lá pra cá, fica de pé, recai, fica de pé, recai.
P4: (…) porque eu achei que aquele caminho que eu tava seguindo não era o caminho que eu tinha que seguir ne, eu estava me acabando comigo, eu tava acabando com o meu caráter, acabando com tudo, ninguém mais confiava em mim, eu não tava arrumando serviço mais, meus pais, nem dentro de casa ninguém confiava em mim (…) aí eu achei melhor eu me internar, pra eu me dar uma chance pra mim mesmo (pausa longa) pra vencer no final, pra mim conseguir vencer.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

Os relatos acima demonstram que a tomada de decisão acerca da internação ocorre em momentos de crise, justamente quando a pessoa já se encontra no “fundo do poço”. Foi percebida a partir da análise da enunciação, que a decisão em aceitar a internação, acontece quando a pessoa com dependência química percebe que não consegue viver sem as drogas, mas, não obstante, não pode mais viver com ela (TEDESCO, 2009), noutras palavras, o sujeito fica num processo de morte civil, não vive com ela e não suporta viver sem ela, a droga então funciona como amortecedor da existência (BITTENCORT, 2009), este reconhecimento se dá quando o existir se torna insuportável para estes sujeitos, percebendo as perdas e danos causados devido o uso abusivo de drogas.
De acordo com a análise da enunciação proposta por Minayo (2006), no que se refere às contradições, fica perceptível esta incoerência na fala do respondente P2. Ao ser questionado se estava internado por vontade própria, ele afirma dizendo que sim, quando o entrevistador pede a ele que explique como esta decisão foi tomada, o respondente se contradiz como apresentado no quadro acima, dizendo que foi sua mãe que insistiu para que ele se internasse nessa Comunidade, ou seja, contradizendo a mesma resposta dada anteriormente, contudo, mais adiante, reflete sobre a pergunta e diz assim como os outros entrevistados, que tomou esta decisão percebendo os danos causados pelo uso da droga em sua e de sua família e por receio de que algo pior como prisão, perder a família e a vida pudesse ocorrer, mostrando durante a fala, que isto não estava distante de vir a acontecer, sendo uma realidade vivida de perto por ele. Tal questionamento é extremamente relevante para a compreensão do significado da internação, pois nem sempre a chegada de uma pessoa em uma instituição de tratamento implica em desejo de se recuperar.
Como dito anteriormente, o elemento mais importante da abordagem de uma Comunidade Terapêutica é o sentido próprio de comunidade, ou seja, o convívio cotidiano por meio de uma organização social. E é exatamente na complexidade da rotina diária que se apresentam as diversidades e dificuldades em variadas situações da vida comunitária, além de no momento, estas pessoas estarem passando por um processo de desintoxicação biológica e comportamental e estarem separados fisicamente de sua família e amigos. Com este propósito foi questionado sobre como se dá a convivência em uma Comunidade Terapêutica, como é apresentada no quadro abaixo.

QUADRO 10 Como o residente da Comunidade Terapêutica vivência a internação
P1: (…) Quando eu cheguei aqui, eu cheguei muito perturbado, eu cheguei muito perturbado, hoje eu vivo num mundo de esperança, eu vivo mesmo na esperança de aqui, de reconstituir mesmo a minha família mesmo, que ta aí despedaçada ainda. Ninguém vai acreditar em mim, num dia não vai ser sete meses que eu to aqui que eles vão acreditar em mim, né, vai ser meu caminhar mesmo, meu dia a dia mesmo que vai mostrar pra mim principalmente, que eu consigo viver sem droga e o álcool porque é difícil é mais tem que ter coragem, tem que ter força, e principalmente entregar na mão de Deus, colocar a minha vida mesmo na mão do Poder Superior, porque ele é a base mesmo, tem que entregar a Deus porque, sem ele não funciona não, tem que ter muita boa vontade prá ta aqui também(…)Sentimento de gratidão e esperançoso, estou nesta casa graças aos meus companheiros, graças, graças a Deus, graças a Deus por ter me dado essa oportunidade, foi muita, muita insanidade na rua e muita prova de fogo que eu já passei(…)Hoje o que eu vejo é só esperança mesmo, de reconstituir tudinho, minha família, de ser feliz, Deus não quer a infelicidade dos outros, Deus não colocou a gente aqui pra sofrer.
P2: Me sinto gratificante, eu sinto que a vida é nova pra mim hoje, pois o passado insano e hoje esperançoso. Hoje eu vejo que aqui ta salvando a minha vida, apesar das tubulações, brigas, conflitos, é, é, pessoas que são excluídas, por causa de briga, pessoas que manipulam um ao outro. (…) aconteça o que acontecer eu tenho que ficar aqui até o final (…) porque se eu sair lá fora eu vou morrer na droga, então eu fico aqui vivendo.
P3: Pra mim, hoje, ficar internado é tão doloroso como se eu tivesse usando droga, mas, porém, seco. Eu acordo todo dia mal pelo fato de estar aqui mais uma vez, eu já passei por outras internações, então, umas quinze. (…) Eu escolhi muito aqui pela faixa de preço mesmo, minha família já gastou muito dinheiro comigo, que. (…) Cheguei bem, to com a cabeça bem melhor agora. Tive uns dias ruins que me afeta muito psicologicamente, fiquei bem mal, fiquei mal. Minha cabeça não fica muito legal depois que eu, eu usei droga dez dias direto aí cheguei aqui com fortes dores de cabeça, meio insano ainda, corporal eu não tive problema, tem gente que, sei lá, da coceira, da empola, eu não tive nada disso, o meu é mais psicológico mesmo, senti fortes dores de cabeça, eu não tenho, é muito raro eu ter dor de cabeça, mas eu tive bastante, dessa vez foi bastante dor de cabeça. Vai fazer um mês que eu to bem, melhor passo aqui dentro é você ficar com Deus, só Deus mesmo, pra sair da droga só Deus, não tem outro não, é a única saída, é a única saída, não tem psiquiatria, psicologia, não tem nada disso, eles podem até controlar a base de remédio alguma coisa, nas a única saída mesmo é Deus (…).
P4: Ah, ta tudo muito confuso, isso aqui ta sempre a mesma coisa, pra mim é, diz que a fase de três meses passa por isso mesmo, mas eu to muito confuso, é muito é, todo dia a mesma coisa, a mesma monotonia, todo dia seis horas tem que acordar cedo, seis horas tem a espiritualidade lá em cima, todo dia a mesma coisa, pra mim ta muito confuso. Mas agora eu já to, já to mais me entrando mais na recuperação, vendo com lado melhor ne, pra mim, porque tava tudo muito confuso, meu sentimento tava muito confuso. Eu já tava querendo ir embora, eu já ia embora essa semana (…) porque esses dias teve a visita ne, minha namorada não veio, eu fiquei revoltado com aquilo, aí deu vontade de ir embora, eu ia embora essa semana, eu ia embora amanhã (…).
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

Foi observado durante as visitações à Comunidade Terapêutica e entre os relatos dos entrevistados, que grande parte do tratamento é baseado na fé e na religiosidade, chamada por eles de espiritualidade, por aceitar as diversas religiões, sem escolher uma em especifico.
Ë observado na fala do respondente P1 que durante todo tempo que esta na Comunidade, ele vive num mundo de esperanças, esperança de que com o cotidiano vivido ali, com o tratamento e com a fé diária, poderá reconstituir sua vida, sua família e ser feliz.  De acordo com Minayo (2006), frases incompletas estão muitas vezes impregnadas de significados. Na fala do respondente P1 ao dizer que “tem que ter muita boa vontade para ta aqui”, ele não diz exatamente se é bom ou ruim esta ali, mas ao dizer isso e por toda sua expressividade envolvida no momento da resposta, eu posso sugerir, de acordo com a análise da enunciação, o quanto está sendo difícil para ele está ali. Seguindo o mesmo conceito das frases incompletas, o respondente P2 diz ainda que “aconteça o que acontecer eu tenho que ficar aqui até o final”, ou seja, não importa o que aconteça ele vai ficar ali até o final, ele quer o que ele foi buscar, mostrando mais uma vez como deve ser a vivencia numa Comunidade, que coisas ruins podem acontecer, tanto dentro, como fora da Comunidade, como se machucar, ter brigas, diferenças e desentendimentos.
A fala do entrevistado P3 ao responder a esta questão soa mais como um desabafo, “Pra mim, hoje, ficar internado é tão doloroso como se eu tivesse usando droga, mas, porém, seco. Eu acordo todo dia mal pelo fato de estar aqui mais uma vez“ é o depoimento de uma pessoa que já passou por 15 internações, e que enfrenta mais uma vez a luta contra as drogas, 6 anos, nesse tempo já vivenciou e viu muitas coisas, então diferentemente dos outros respondentes, hoje ele transmite sentir mais insegurança do que esperança.
O relato do respondente P4 mostra a dificuldade em se adaptar ao cotidiano pré-estabelecido pela Comunidade Terapêutica e sua não satisfação com a internação, sendo percebido em sua fala ao se queixar da monotonia e vontade de sair da Comunidade. Frankl (1991) faz referencias ao vazio existencial, e o atribui a uma dupla perda sofrida pelo ser humano desde que se tornou um ser verdadeiramente humano, o vazio existencial se manifesta principalmente num estado de tédio, é um sentimento de falta de sentido. Por mais que a Comunidade Terapêutica se esforce para que acontecimentos externos não interfiram de forma negativa na internação dos residentes, muitas vezes é impossível, assim como aconteceu com P4. A visita na Comunidade acontece apenas uma vez ao mês, ou seja, o respondente P4 permaneceu firme na recuperação durante um mês inteiro para ver sua namorada e no dia da visita ela não compareceu. Isto mexeu profundamente com ele que já se encontrava em um estado de instabilidade emocional, deixando-o inseguro a ponto de querer sair da Comunidade para resolver este mal entendido com sua namorada, como é mostrado em seu depoimento. De acordo com Frankl (2001), ele pode estar passando por um “vazio existencial”, onde enquanto ele não resolver essa situação com a namorada, não faz sentido se recuperar, fazendo com que tudo pareça tedioso e sem sentido.
A Comunidade Terapêutica tem como proposta uma estrutura organizacional, regrada de normas e regras partilhadas entre os residentes. É de interesse da pesquisa, captar como é a adesão do interno a esta modalidade de tratamento, para isto, foi questionado aos entrevistados a respeito do assunto. As respostas estão apresentadas no quadro a seguir.

QUADRO 11 Como o dependente químico lida com as responsabilidades, regras e valores propostos pela instituição
P1: No começo foi bem difícil, porque a aceitação, a aceitação do mundo, do mundão é porta aberta né, é a porta larga, aqui você tem que respeitar e aceitar mesmo as coisas, aqui não é forçado a nada, é sugerido as coisas, eu fiquei, eu não coloquei, coloquei empecilho prá mim recuperar não, porque é o que eu quero, é tudo que eu queria mesmo, é só o querer da pessoa mesmo, querer uma nova forma de viver. Isso vai resgatando o meu valor, porque já não tinha compromisso com nada mesmo (…), a dificuldade, o adicto em si, o adicto em si, ele, só quer mesmo a moleza (…). Aqui no dia-a-dia mostra isso tudo, tem horário de tudo prá gente fazer aqui, o horário da reunião, o horário de tudo, compromisso e as coisas com o serviço, ter as responsabilidades. Pegar um serviço fazer com dedicação, não é fazer com promoção prá mostrar pros outros nem nada (…) eu aqui dentro, aqui esses 7 meses eu já vi mais de 100 pessoas vim aqui e ir embora, mas os escolhidos são poucos mesmo, mas os escolhidos são poucos mesmo, eu da minha turma que eu to aí do ano passado até hoje aí, de 17 só ta de pé aí, é isso aí, então eu tenho que dar valor aqui mesmo, tudo aqui prá mim aqui é válido, você lava sua roupa na hora certa, quem tiver no serviço comunitário. Se tem uma bala aqui, se minha família trás aprender a dividir a turbulência do companheiro, e o caminho aí aprendendo também, ele é meu espelho, ele que vai mostrar onde eu to errado, ele vai me apontar, na reunião nossa, aí de auto-ajuda, reunião nossa aí muito importante de prevenção a recaída, sentimentos de enfrentamento, vai perguntando ,você errou aqui, a qualidade do companheiro, amigo. Você tem que aceitar, muitas vezes, o difícil é aceitar. Hoje em dia eu me sinto realizado, como eu era e como eu sou hoje, calmo e sereno pra começar e eu não sei essas palavra bonita, não sou estudado, sempre vivi na malandragem, sempre vivi com pessoa ruim mesmo né, as conduta mesmo a zero mesmo, eu venho me reeducando devagarzinho aí, saí daqui dá seguimento no colégio, ser participativo em casa com meus filhos, ser participativo com minha esposa, ser como um ser humano vive mesmo né, normal né, ter responsabilidade mesmo.
P2: Olha, agora nesse momento eu estou procurando fazer o certo, pois se eu fizer o errado, eu vou voltar ao uso abusivo de substâncias químicas, agora, se eu fizer o certo, minha vida só vai pra frente, ela nunca vai pra trás, assim, vai ter problemas, problemas de conflito, que pode haver sim ou  não, com minha mulher que um dia eu vou ter. Então é gratificante mesmo ta aqui, to lidando muito bem agora, hoje, to procurando reformular aminha vida. Eu tenho que fazer o certo, só o certo. Oração, disciplina e trabalho, as três ferramentas para lutar contra o mundo lá fora, oração, disciplina e trabalho, as três ferramentas que eu vou vencer o mundo, e ficar limpo e salvar a minha vida e da minha família. Eu não posso pensar muito no passado, tenho que pensar só no hoje, mas eu estou seguindo sim as regras daqui dessa Comunidade.
P3: Daqui. Aqui é bem distorcido, as coisas não são o que eles passam pra você, não é exatamente o que acontece aqui dentro. A minha responsabilidade eu faço normal, as regras eu cumpro e os valores da instituição são bons também, perto do que funciona aqui tudo bom, falta só melhor estrutura e , mais colaboração dos funcionários. Se for cumprir o que está no papel, todas são ótimas, mas na realidade aqui não funciona. Entrevistador: Como assim? R: “(…) a gente vai fazer laborterapia o dia inteiro? (…) a hora dos nossos direitos a gente não tem direito, a gente brinca muito aqui que os nossos direitos é não ter direitos (…) “ Entrevistador: E  como você lida com isso? R: (…) não me satisfaz, não supre o que eu preciso, mas eu vou levando de boa, tranqüilo, tem hora que irrita um pouquinho (…).
P4: No começo eu não tava muito entrando nisso não, tem muitas coisas que a gente vai, que a gente vai desencaixando quando a gente ta usando droga. Igual, a mesma coisa que ele falou comigo ali agora, tinha roupa em cima da cama, não pode, a cama tem que ficar tudo arrumadinha, o negócio tudo no guarda-roupa. Mas agora eu já vou encaixando. Honestidade, se sumir alguma coisa ali no meu quarto, se foi eu que peguei eu entrego, se eu ver que sumiu e ver que foi alguém que pegou eu vou, falo quem  pegou. Procuro ser o mais honesto possível, porque isso é bom pra mim mesmo, não para os meus companheiros, mas pra mim mesmo.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

Parece ainda existir hoje uma visão marginalizada das pessoas com dependência química, eles geralmente são vistos como pessoas indisciplinadas, desprovidas de regras, limites e valores, e por isso precisam ser reeducados para serem re-inseridos na comunidade. Esta não é uma visão exclusiva da sociedade, diante dos relatos, foi percebido que há uma auto-percepção por parte dos próprios residentes acerca do assunto.
È de comum acordo entre os entrevistados, que é difícil lidar com esse novo estilo de vida que lhes é proposto, confirmando que o que prevalece na Comunidade Terapêutica são as rotinas diárias com suas regras e afazeres, além das reuniões de Doze Passos e a espiritualidade. De acordo com o que é percebido na análise, os residentes não participam das decisões sobre as tarefas que devem cumprir, apenas as executam e muitas vezes insatisfeitos, o que demonstra que os mesmos não possuem autonomia para questionar quanto as tarefas que devem realizar. Isto sugere, que nesta instituição, não há profissionais qualificados para atender ás necessidades dos residentes quanto à laborterapia, a Comunidade Terapêutica em questão, possui um quadro com tarefas fixas, que devem ser cumpridas rotineiramente. Caso alguém não as cumpra, recebe como punição, tarefas adicionais, como por exemplo, lavar os pratos ou os copos após o almoço. Com relação a isso, foi percebido que os residentes são tomados por algo inesperado, uma espécie de humor negro, fazendo brincadeiras a cerca das tarefas e punições, assim como o respondente P4 diz “vai lavar roupa, bem feito, ninguém mandou você usar droga”. Numa atitude meio forçada, cada qual se diverte fazendo comentários engraçados, primeiro, consigo mesmo, depois também com os outros. “O humor constitui uma arma da alma na luta por sua autopreservação” (FRANKL, 1991), permitindo que a pessoa se coloque acima da situação, mesmo que por um segundo, se referindo a esta atitude, como um truque útil para a arte de viver.
A Comunidade em questão aparenta apresentar falhas em sua abordagem, não há como alcançar os devidos objetivos terapêuticos da laborterapia, principalmente se as funções de trabalho forem rotineiras.
As percepções dos residentes relacionadas ao tratamento refletem como é a motivação, adesão e adequação ao processo de mudança proposto pela instituição. Os relatos abaixo mostram como os residentes vêem o curso de sua própria mudança, como pode ser visto no quadro 12:

QUADRO 12 Auto-percepção do residente quanto à reabilitação
P1: Eu tenho que manter isso aqui, eu tenho que ter metas, hoje em dia minha vida, minha vida hoje em dia, “só por hoje”, é viver de metas, pra eu me manter limpo lá fora , eu vou ter que ter metas, vou ter que colocar metas quando eu acordar, até a hora que eu vim embora pra casa, porque eu vou ter que evitar lugares, pessoas, hábitos, companheiros antigos, eu vou ter que evitar isso tudo. Entendeu? Não é que eu vou virar as costas e vou ser um ignorante, mas a doença é sagaz, eu não vou recair, a recaída não vem você indo direto na droga de preferência não, eu indo no botequim, abrindo uma cerveja, ou bebendo um copo de cachaça, eu indo na boca direto não, eu vou recaindo de atitude, eu vou recaindo de atitude, eu tenho que me vigiar é na minha atitude, eu vou ser um vigilante 24hs, ver o lugar, o ambiente onde é que eu tô , vou ter que evitar muitas coisas, eu tenho que viver de metas, porque é brincadeira não, vai me dar vontade mesmo e na verdade essa vontade eu vou ter que superar ela. Sempre ligando pro meu companheiro de recuperação, buscando a Deus a todo o momento, buscando a Deus a todo o momento. Ele que vai me ajudar na situação de enfrentamento aqui, e aqui passa tudo prá gente através das reuniões, conscientização com os coordenadores aí, tem que assimilar elas, tem que assimilar no dia-a-dia, colocar em prática, porque a fé sem ação não funciona não.
P2: Sim. Depende de mim mesmo, depende. Porque todo mundo tem defeitos, todos, todos tem defeitos, ninguém é perfeito. È, vai ficar alguma coisa que eu vou esquecer de olhar, esse vai ser o defeito. Pode ser o jeito de andar, pode ser com as palavras, gírias, gírias (…). È bom fazer o certo para não fazer o errado, é bom fazer o certo para não errar, porque errado você não faz o certo e o certo não faz errado e por assim vai.
P3: É como eu te falei é o primeiro passo ne. Agora ajudar, o que me ajuda aqui é o fato de eu estar longe, de estar em abstinência e me desintoxicando. Eu pretendo ficar aqui dois meses ou três, a recuperação começa além daquela porteira ali, aqui é apenas o primeiro passo, minha luta diária vai ser dali pra fora. (…) Todo mundo esta sujeito a errar desde que se arrependa e busque melhorar, vai esta dando o primeiro passo novamente. Se eu ficar oito meses aqui, nada vai me garantir que eu vou sair daqui bem. Eu fiquei um ano e quatro meses só de uma, não é assim, a luta é dali pra fora, minha luta é dali pra fora (…) não pretendo ficar os oitos meses, isso é coisa certa (…) quero me estruturar novamente, botar a cabeça no lugar. A minha recaída foi por falta de manutenção, dessa vez agora, falta de manutenção. Eu abandonei o NA, abandonei a igreja depois (…). Deus não vira as costas pra você, mas você vira as costas pra Deus, mais ou menos isso. È como se eu tivesse subindo, subindo um morro de bicicleta, e no final você dá uma pedalada errada, seu pé sai, e você volta lá pra baixo, você tem que começar tudo de novo. (…). Teve pessoas que passaram aqui e ficaram um mês e estão bem até hoje, como eu dei o exemplo do M., que era coordenador, ele ficou aqui quatro anos, agora ele ta de volta como residente, ele cumpriu o tratamento de oito meses, ficou quatro anos. Nada garante nada garante na realidade, só Deus.
P4: Sim. Porque são muitas coisas, muitos defeitos que eu tinha lá fora que me levava ao uso, tipo, mentira, desonestidade, é, picuinha, ficar falando mal dos outros, ficar querendo me vestir melhor do que os outros, querendo ser mais do que os outros, do que as outras pessoas e sendo que no final não vale nada. Entendeu? Eu sou o mesmo, todo mundo é igual, todo mundo é a mesma pessoa, e é isso aí, trabalhando os defeitos de caráter meu, pra chegar lá fora e conseguir resistir a, a, ao povo lá fora que não , quando eu chegar lá fora não vai ser um mar de rosas, não vai, ninguém vai chegar lá, ah ele mudou, que legal, todo mundo vai continuar me olhando com os mesmos olhos, então eu to trabalhando isso aqui pra mim conseguir chegar lá fora. Todo mundo vai falar de mim mesmo, igual, eu saí de lá, todo mundo, ninguém acreditava em mim mais, ninguém me dava serviço, todo mundo falava que eu era um drogado, vagabundo, e eu to trabalhando aqui pra mim chegar lá fora, vou encontrar isso, não dar aquele baque de eu cair, meu sentimento da aquela, me dar vontade de usar de novo. Então eu tenho que trabalhar isso, porque quando eu chegar lá fora, vou ter muitos problemas ainda lá fora pra mim resolver.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

A partir da análise, pode-se dizer que todos os respondentes apresentam em seu discurso, ter conhecimento das dificuldades que terão que enfrentar quando saírem da Comunidade, para não se envolverem no mundo das drogas novamente. O respondente P1 diz que terá que viver de metas, e o respondente P3 diz que a recuperação começará, quando estiver fora da Comunidade. Ambos os discursos mostram, que ao saírem dali terão que assumir outra conduta frente aos projetos de vida idealizados.
O respondente P1 fala que seguirá o que aprendeu na Comunidade para se manter “limpo”, de deverá se comportar lá fora exatamente como é passado na Comunidade, dizendo que deverá se afastar de pessoas, hábitos e lugares que se relacionam as drogas, abandonando antigos vínculos, diz ainda que será um “vigilante 24 horas” de si mesmo, mostrando nesta fala a luta diária que terá que enfrentar para se manter longe das drogas. O respondente P3 diz ver a Comunidade apenas como o primeiro passo, não atribuindo a ela a responsabilidade por se recuperar, mostrando ser vista por ele como um lugar que é capaz de mantê-lo longe das drogas nos momentos de recaída, enquanto se reorganiza internamente, “botar a cabeça no lugar”. Durante seu discurso, o mesmo se mostra um pouco desacreditado da capacidade de recuperar, diz que já ajudou muitas pessoas a se recuperar, mas não consegue ajudar a si mesmo, diz que esta última recaída foi por falta de manutenção, descuido, justificando o ocorrido, porém mostra ao longo do seu discurso, amadurecimento em relação à dependência química.
O quadro a seguir mostra quais são as expectativas de vida sem as drogas, para pessoas com dependência química que estão internadas buscando a recuperação, o que estas pessoas desejam fazer quando saírem da instituição, quais são seus planos, objetivos ou metas após passarem pelo processo de desintoxicação:

QUADRO 13 Ideologia de vida sem drogas
P1: Minhas metas? Eu desejo é ser feliz, eu desejo é ser feliz. Desejo recomeçar tudo de novo, recomeçar, tudo de novo, desejo recomeçar tudo de novo. Nova vida, o que foi passado aqui prá mim é o que eu preciso prá me manter lá na rua, eu tenho é que colocar em prática mesmo. Nunca deixar de freqüentar as reuniões, de ir na igreja, ser participativo com meus meninos, a minha meta é isso aí, seguir pro meu novo emprego, arrumar um serviço de novo, voltar a fazer meus cursos, voltar a estudar (… ). Ser feliz mesmo, coisa que não era.
P2: Olha, eu não pretendo criar castelos, castelo é quando a pessoa cria muitas coisas, quando que acorda pra vida ela vê que não é isso. Então eu não posso falar que eu vou sair daqui, que eu vou ter uma namorada, que eu vou trabalhar, que eu vou ter um carro, não, isso é castelo. Mas na minha opinião, eu pretendo sair daqui, arrumar um emprego, ir a igreja, ir a igreja, é, ter disciplina dentro de casa, do jeito de comer, do jeito de andar, do jeito de falar, eu pretendo nascer de novo.(..) Pra que que eu vou fazer mal pra minha família sofrer? Eu pretendo sair daqui e começar tudo de novo, é, fazer uma família, , to ficando de maior, vou fazer dezoito anos, pretendo ter uma família, ficar junto da minha família, ir a igreja, ir na sala de Narcóticos Anônimos, pretendo seguir a disciplina que é passado aqui pra mim, mas lá fora, porque o mundo está esperando um adicto recair pra ele engolir, engoli-lo. Isso que ele está esperando, esperando isso, o mundo está esperando um recair pra ele mastigar, sentir o gosto, mas ele não vai conseguir me vencer não, vai ser difícil, eu confio no Senhor Jesus.
P3: Reingressar na minha vida na igreja, continuar fazendo a manutenção, voltar a estudar. Continuar fazendo a manutenção NA, AA, onde que eu me adaptar e igreja. Tomar meu remedinho todo dia, que é um dia de cada vez ne, a partir do dia que você esquece. É igual se você tiver tomando um remédio controlado, se esquecer um dia, já não vai dar mais o mesmo resultado do que se você tivesse tomando todo dia, manutenção. Ninguém sai curado daqui em oito meses, ninguém, primeiro porque essa doença é progressiva, fatal e incurável(…) quando me sinto forte é que estou fraco e quando me sinto fraco e que me sinto forte. Porque quando você ta fraco, ah to ruim, vou a igreja, mas quando você fala, ah to forte, hoje eu vou, aí você passa na frente do bar, da boca, é onde você se coloca em risco. Então, eu estou bem mais consciente do que das outras vezes.
P4: Trabalhar, e, e trabalhar, ir nas reuniões de AA ou NA, ir a igreja e arrumar uma casa pra mim casar com a minha namorada.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

A uniformidade das respostas pode sugerir a ausência de projetos futuros e a massificação institucional-religiosa relativas ao momento de retorno à vida social, sem que haja uma verdadeira re-análise de suas experiências e a busca por significados pessoais para a existência. O discurso pasteurizado dos respondentes sugere paradoxalmente o mesmo modelo que deu origem à doença, um modelo onde à reflexão e o desejo pessoal pouco interfere.
A resolutividade desta iniciativa ainda é uma incógnita, como foi percebido durante a pesquisa, essas pessoas têm esperanças, caso contrário, toda a caminhada não faria sentido. Elas perseveram em busca de uma a ideologia de vida sem drogas.
A Comunidade Terapêutica onde foi realizada a pesquisa, não possuía até o momento das entrevistas, o profissional Terapeuta Ocupacional, além de outros profissionais que poderiam contribuir para uma adequada recuperação de seus residentes. As respostas apresentadas no quadro abaixo têm a intenção de captar a importância da atividade em uma Comunidade Terapêutica, e verificar as necessidades emergências de um Terapeuta Ocupacional nesta Comunidade.

QUADRO 14 Percepção do residente sobre como a Terapia Ocupacional poderia contribuir atuando na Comunidade Terapêutica
P1: Você falando o que eu preciso escutar né, e não o que eu quero. Trazer a mensagem, a palavra positiva pra mim. (…) trazendo o que eu preciso escutar, porque o meu remédio mesmo ele entra pelo ouvido, meu remédio é de graça, eu não preciso comprar ele graças a Deus, meu remédio entra pelo ouvido. Eu vou ter que conviver com esta doença pelo resto da minha vida. E nada é mais importante do que a gente tá sentado aqui conversando. Eu chego pra um companheiro meu, através de partilha, vocês aí de fora, aí com seu trabalho, você está nos ajudando, ajudando porque tem alguém se importando com a gente, tem alguém querendo estudar, estudar como é que a Dependência Química aí, como é que, como é que funciona, funciona desse jeito aí. Primeira coisa pra funcionar na vida da pessoa ela tem que admitir mesmo, tem que abrir mesmo o coração pra Deus, eu perdi pras drogas e pro álcool, eu perdi mesmo, eu perdi.
P2: Bom, minha cabeça não está muito boa de entender, mas vamos. Eu acho que a terapeuta ajuda muito aqui dentro (…) ajuda bastante no trabalho, pois muitas pessoas, como você, às vezes ta desanimado a trabalhar, aí a terapeuta chega, passa uma palavra, ai a gente anima na hora a trabalhar, no mesmo momento (…) que nem você falou o negócio do fantoche aí, eu não pensei, estou aqui tantos dias e não pensei. Eu gostaria de ter muitos materiais de desenho, gostaria de ter uma quadra pra jogar bola, gostaria de ter recursos não só pra mim, mas para os meus companheiros, exemplo xadrez, dama, baralho, mas não tem material. O baralho pode ser feito com cartolina, o xadrez com papelão, a dama pode ser feita com tampinha de garrafa, certo? È só ter esses matérias. Que nem eu gosto de desenhar, não só como eu, tem outro companheiro aqui que também desenha. (…) mas podia ter material para os desenhos, porque isso é terapêutico, isso ajuda muito na recuperação. Às vezes eu to pensando em droga, eu vou desenhar, passa na hora a vontade de usar droga, na hora, coisa de um minuto (…). Se tiver o material, a gente cria o recurso (…) se tiver uma bola nova, porque a gente ta sem bola, a gente pode ter o recurso de arrumar uma bola, mas agora no momento está apertado com obra, entendeu? A Comunidade não esta em condições. Se pudesse ter uma quadra, uma horta toda florida lá, e, ter divertimento (…). Olha, o desenho é, ajuda muito na recuperação, quando eu estou desenhando eu saio desta Comunidade, só no meu pensamento, eu saio daqui, eu vou num outro mundo, desenhando, é inexplicável isso, inexplicável, eu vou em outro lugar da face da Terra desenhando, eu viajo pelo mundo desenhando, quando eu desenho, eu esqueço de tudo, tudo, parece que eu flutuo assim oh ( expressão de relaxamento), o tempo pára assim, e eu fico só desenhando, parece que eu não sinto nada, eu paro no tempo desenhando, é muito bom isso.(…) Eu desenhava desde criança(…) as vezes eu tava triste com as brigas dentro de casa e eu só sabia desenhar, eu tinha que desenhar, não tinha outra coisa, eu tava enjoado de algum brinquedo , a coisa que me deu prazer foi o desenho, pra esquecer, esquecer  sofrimento, dor, humilhação, com o desenho. Agora se eu parar de desenhar, eu acho que eu entro em depressão (…) por isso eu não posso parar, porque é muito bom, é gratificante!
P3: Numa outra que eu passei tinha Terapeuta Ocupacional. É, botando nossa mente pra funcionar novamente, mostrado que as pessoas são capazes de fazer coisas que nem ela mesma sabe, você, você botando a mente em ordem, você volta a sanidade, através dessa terapia de vocês, eu já fiz artesanato, esses negócio tudo eu já tive nas outras clínicas, teve muita coisa que eu nem achava que era capaz de fazer e foi aonde que me botava pra cima. Então é onde que eu posso fazer aquelas feira ripe aquele monte de cordãozinho? Aonde que a pessoa é capaz de fazer um negócio daquele? Então essas descobertas que vão levantar a auto-estima de cada um. E botando a mente pra funcionar novamente, dá um estimulo né. Depois sempre tinha uma reunião (…) também teve uma vez que a gente fez um negócio com o corpo, vocês também fazem isso? È legal pra caramba (risos).
P4: Conversar com a gente ia ser bom também né, nem todo dia a gente acorda bem, tem, tem algumas pessoas que não conversa com a gente, tem hora que agente precisa de conversar. (…) Conversando na hora que é preciso, ajudando na hora que a gente tiver com o sentimento, porque a gente tem hora que o sentimento da gente ta lá em baixo né, e sempre tem um aí pra, pra, porque tem gente pra ajudar, mas sempre tem gente pra atrapalhar, pra tirar a gente de propósito.
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

Foi percebido a partir da análise das falas dos respondentes, a importância e a falta da atividade terapêutica na vida destas pessoas que se encontram internadas para desintoxicação. Isto pode ser observado na fala do respondente P1 ao se referir à importância do desenho em sua vida, de acordo com ele o desenho é usado principalmente em momentos de sofrimento, onde ele tem o potencial de trazer alívio ou fuga da dor, “o desenho é, ajuda muito na recuperação, quando eu estou desenhando eu saio desta Comunidade, só no meu pensamento”. Considerando o desenho como instrumento terapêutico, esta fala demonstra como o desenho é capaz de proporcionar a expressão dos sentimentos e catarse para este sujeito, o entrevistado P3 ao responder, lembra de outra clínica que esteve internado para desintoxicação e que havia Terapeuta Ocupacional, relembra as atividades que fazia e da melhora da auto-estima obtida por meio destas, se refere também a capacidade que a atividade terapêutica tem em reorganizar aspectos psicossociais do sujeito, de refletir, resgatar e criar valores de vida.
Os residentes também fazem referência à falta de recursos da Comunidade, mostrando desejo por mais opções de lazer e entretenimento, como quadra de esportes, jogos de cartas e bola de futebol. Também mostraram o desejo em ter uma Terapeuta Ocupacional na Comunidade, uma pessoa que fosse preparada para atender ás suas necessidades emocionais, que estivesse apta a fazer uma escuta terapêutica, oferecer dinâmicas que lhes proporcionassem um momento de relaxamento e catarse, um lugar onde eles pudessem se expressar e receber atendimento individual e em grupo, de acordo com suas necessidades individuais. Por meio da pesquisa foi percebida a necessidade de acontecimentos que quebrem o padrão repetitivo impregnado nesta instituição, uma vez que o ato de drogar-se é um ato compulsório e repetitivo.
Durante a entrevista foi questionado aos residentes entrevistados o que significava para eles estarem internados para a desintoxicação, obtendo como resposta o que se segue no quadro 15:

QUADRO 15 Percepção dos residentes sobre o significado da internação para desintoxicação
P1: Ela é muito importante né. Num dia ter perdido aí meus valores todinhos (pausa) (…), pode colocar aí pra mim que eu acho aí que ela é tudo, é tudo aqui nessa recuperação nossa, ela é tudo, ela é tudo, (…), aqui o programa ele é inteiro, ele é certo, ele é válido, pra pessoa que quer né, e a desintoxicação, desintoxicação vem com o período, ela vem com o tempo (pausa), a gente chega aqui bem debilitado mesmo, espiritualmente, chega debilitado fisicamente, aqui com tempo (…).
P2: Para mim é reformular a minha vida, começar tudo de novo, começar tudo de novo, e não pensar mais no passado, só no presente e futuro (…).
P3: Significa o primeiro passo de um longo processo que eu vou passar, aqui é apenas o primeiro passo.
P4: (pausa longa) é, é difícil (pausa). Pra mim o significado deu ta aqui é, é, é parar de usar, pra mim ter uma vida melhor e saudável. Porque lá fora eu não tava tendo essa vida, tava só usando, usando pra viver e vivendo pra usar.
P5: Tudo, tudo né, eu preciso. Eu tenho uma família lá, então eu preciso fazer esse tratamento aqui pra mim poder sair limpo, e poder cuidar dela lá fora, e se eu tivesse do jeito que eu tava lá fora não ia dar pra fazer nada disso (…),
P6: Significa ué, chegar lá fora e ser outra pessoa né. Igual, eu tava numa vida de cão lá, agora eu quero melhorar ne, ser outra pessoa.
P7: Ah, eu acho que eu to aqui, to aprendendo com os meus amigos, to rezando, orando pra Deus, to pedindo pra me tirar dessa pra mim poder ver meu filho (…).
P8: Bom, é, pra mim é uma extrema importância tá aqui né. Porque aqui é a única forma que eu descobri que eu posso ficar livre das drogas, só que não vou ficar livre pra sempre (…) eu vou está tendo sempre que praticar (…), todos os meios que aqui são passados pra nós, pra mim poder me manter limpo, saber conviver novamente com a sociedade e deixar de fazer uso de drogas, de entorpecentes né, pra mim poder ser uma pessoa normal, feliz, alegre (…) Significado aqui pra mim tá sendo de extrema importância mesmo, muito mesmo.(…) Aí eu decidi vim, graças a Deus ta dando tudo certo, to muito feliz mesmo.
P9: Uai, significa que quando eu tava naquele mundão lá fora, o negócio a uma hora dessas, eu Já tava deitado, rasgado d’água, bêbado mesmo né. Então, hoje não! Pra mim é ótimo, porque agora eu penso o seguinte, eu vou chegar lá fora, cuidar de arrumar outra namorada (…).
Fonte: Pesquisa de campo. FAMINAS, maio de 2009.

Dentre as perguntas esta foi a que mais mobilizou aos entrevistados na hora de responder, uma vez que sem exceção todos pararam para refletir, isto pode ser notado pelas pausas apresentadas no texto, como se fosse a primeira vez que estivessem pensando nessa questão, todos se mostraram sensibilizados diante do questionamento sobre o que significava para eles estarem internados para desintoxicação.
Durante o trabalho faço referências a significado, significante e significação. È interessante ressaltar que a maioria dos respondentes tentou de alguma forma atribuir um significado para a internação, uma representação mental, até muitas vezes supervalorizando a internação, para isso usaram adjetivos, qualidades, usaram uma forma simbólica de expressar o significado da internação. Assim como nos relatos mostrados, “é reformular a minha vida”, “o primeiro passo”, “Tudo”, “ser outra pessoa”, “ótimo”. Porém, o respondente P4, a essa questão, ele usa o significante para responder, ao invés do significado. Ele diz “Pra mim o significado deu ta aqui é, é, é parar de usar”, o que é uma realidade, ele usa o que há de concreto no signo lingüístico. Como dito anteriormente de acordo com Frankl (2001), ele pode esta passando por um processo de vazio existencial, o que, de acordo com análise da enunciação se confirmaria agora, pois neste processo que ele se encontra, realmente não há sentido a internação, por isso ele não consegue atribuir um significado para a internação, porque pra ele, no momento, não tem.
Foi percebido a partir da análise da enunciação, que as respostas supervalorizavam a internação como grande responsável pela recuperação, sendo referida a Comunidade como um lugar que os acolhesse num momento ruim de suas vidas. As respostas expressam aceitação, e esta é mostrada por meio do discurso acerca de uma vida, socialmente aceita após saírem dali, e um intenso desejo de reconstrução.
Nenhum dos respondentes disse diretamente o que significava a internação para desintoxicação para eles, até mesmo pelo comprometimento da doença e pelas dificuldades cognitivas destas pessoas é realmente difícil ter esta percepção, do que se trata o significado, o significante da internação. Então, para responder a esta questão, eles foram desenvolvendo uma espécie de narrativa na linha do tempo, seguindo um elo temporal, falando de suas vivencias, suas dificuldades, perdas, sofrimentos, pesares, esperanças, todas as situações limites pelas quais passaram, fazendo uma construção de significados. De acordo com Frankl (1991), o sentido de uma pessoa, coisa ou situação, não pode ser dado, tem que ser encontrado pela própria pessoa, então, ao trazer esta narrativa, nesta linha temporal, recuperando toda a historicidade desses sujeitos, estas pessoas permitem que o pesquisador, ao fazer a análise da enunciação, possa inferir sobre qual seria o significado da internação para estes sujeitos, qual o impacto disso em suas vidas, qual o significado dessa “viagem com a droga”. A partir disso, o significado da internação, pode ser percebido nestas respostas como um elo temporal, nelas são encontradas referencias ao passado, presente e futuro, algumas evocações são expressas de forma emocionada e permeada de culpa, mostrando o passado como algo ruim , angustiante, cheio de  aflições e sobressaltos, já o presente é vivenciado dentro da Comunidade, sendo visto como o espaço onde foram acolhidos, simbolizando a aceitação das perdas e do sofrimento, mas com esperança. Isso fica tácito no discurso do respondente P3 ao dizer que a internação é só “o primeiro passo” de uma longa caminhada, e enfim o futuro, sendo sonhado e desejado na expectativa de uma história de vida melhor.
As percepções relacionadas á internação para o tratamento de desintoxicação, refletem motivação, prontidão e a conformação em participar do processo de mudança. Em Frankl (1991), sempre e em toda parte a pessoa está colocada diante da decisão de transformar a sua atual situação de sofrimento numa realização de valores, mas isso vai depender da atitude que tomar, pois a vida está repleta de oportunidades para dotá-las de sentido, sempre em todas as circunstancias, pois a vida possui significados infinitos.

CONSIRERAÇÕES FINAIS
O estudo proporcionou uma maior compreensão e reflexão acerca do significado da internação para a pessoa com dependência química, internada para desintoxicação. Os respondentes desenvolveram uma espécie de narrativa na linha do tempo, recuperando toda a sua historicidade, para definir o significado da internação, isto permitiu ao pesquisador, por meio da análise da enunciação, inferir sobre qual o significado da internação para estes sujeitos.
Foi possível conhecer um pouco mais sobre como estas pessoas vivenciavam o processo de internação para desintoxicação, proposto pela Comunidade Terapêutica, como eles lidavam com as responsabilidades, regras e valores propostos pela instituição, apontando entre os relatos, a dificuldade que os residentes tinham na adaptação ao cotidiano pré-estabelecido pela Comunidade Terapêutica.
Em relação à expectativa de uma ideologia de vida sem as drogas, a uniformidade das respostas surpreendeu ao sugerir a ausência de projetos pessoais e futuros e a massificação institucional-religiosa relativas ao momento de retorno à vida social, sem que houvesse uma adequada reanálise em busca por significados pessoais para a existência.
A pesquisa nos permitiu refletir, a cerca do papel da ocupação no processo de recuperação do sujeito, sendo percebido, por meio da fala dos respondentes, a importância e a falta que a atividade terapêutica faz na vida destas pessoas que se encontram internadas para desintoxicação, bem como a necessidade de um Terapeuta Ocupacional para atender ás demandas pessoais dos residentes, e fazer uma análise quanto à atual abordagem laborterapêutica utilizada na instituição.
A dependência química é uma doença complexa e de muitas facetas, com potencial de interferir de forma negativa na vida do sujeito e da sociedade como um todo, comprometendo suas tramas relacionais e as suas capacidades biopsicossociais, considerando as questões paralelas que este assunto encerra. A drogadependência esbarra em questões ligadas a violência urbana, questões legais e perpassa a questão do esfacelamento da estrutura da família. O estudo corrobora para a compreensão do fato de que a dependência química é um grave problema da atualidade, que vem se agravando assustadoramente. A droga é uma serpente na vida destas pessoas, que rasteja sinuosamente em todos os recantos e em toda a geografia das cidades brasileiras, destroçando existências, biografias, grupos familiares e comunidades inteiras.

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Publicado em 07/10/2010 09:46:00


Ana Paula Carneiro Barbosa e Adalberto Romualdo Pereira HenriqueAna Paula Carneiro Barbosa:Terapeuta Ocupacional graduada pela FAMINAS – Faculdade de Minas/ Muriaé MG
Adalberto Romualdo Pereira Henrique: Acadêmico de Terapia Ocupacional pela FAMINAS – Faculdade de Minas/Muriaé MG

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