LINGUAGEM E INTERAÇÂO: UM OLHAR ANALÍTICO NA SALA DE AULA COM FOCO NA TROCA COMUNICATIVA DO PROFESSOR COM SEUS ALUNOS
Solange Gomes da Fonseca
Meu interesse sobre a “linguagem”, sempre esteve, diretamente, ligado a atuação na minha profissão de educadora, e na troca de interação que há entre o professor e seus alunos numa sala de aula de língua portuguesa. Esse interesse, também se aplica à interação comunicativa do professor com seus alunos na sala de aula, e levando sempre em consideração a classe social dos alunos e a formação do professor em um cenário de trocas de interações com os usos lingüísticos empregados na língua materna.
O texto está, diretamente, ligado à minha caminhada profissional que inclui participação em diferentes níveis de ensino: num primeiro momento da minha formação academica como professora na Educação Infantil, depois como professora no ensino Fundamental e Medio, sendo que esse percurso profissional sempre exigiu de mim, um período de adaptação ao novo e, aos desafios que tive que enfrentar na minha trajetória academica. Sempre com um ‘olhar’ direcionado ao ensino/aprendizagem que tive que compartilhar com meus alunos, para que no futuro eles pudessem desenvolver seus próprios conhecimentos.
Minha vida profissional foi interrompida por valores familiares, porém, transferida ao acompanhamento educacional de meus filhos. Sempre muito participativa ao cronograma apresentado pelas escolas, e na maioria das vezes, interagindo, diretamente no ensino/aprendizagem que a escola oferecia em diversas regiões brasileiras (Sul, Sudeste e Nordeste) por onde passei, devido a varias transferências estaduais vivenciadas ao longo desses anos.
Em relação a essa interação aqui destacada, através da linguagem exercida na sala de aula, a social-discursiva, é a que passa a ser importante nesse texto, pois sua definição, é de um cenário de uso mais amplo como, por exemplo, a linguagem da sala de aula e a forma como tais cenários interagem com os usos lingüísticos. Portanto, há um distanciamento com os tópicos de interesse mais tradicionais da pragmática, como: a dêixis, a referência, a anáfora e os atos de fala, que estabelecem um recorte de análise muito mais restrito, no âmbito da sentença e de seu contexto imediato. De fato, a interação lingüística com os alunos implica numa abordagem interdisciplinar da linguagem, utilizando ferramentas da análise da conversação, da etnometodologia, da sociologia, etc.
Vários são os exemplos de linguagem e de interação apresentada pelo professor numa sala de aula de língua portuguesa para com seus alunos. Tentaremos mostrar, brevemente, que a idéia de que as palavras tenham seus valores semânticos fixos, que ultrapassam as situações de discurso, vão ao respeito das diversificações lingüísticas que são trazidas à sala de aulas pelos alunos de diferentes lugares e de diversos grupos socioculturais que convivem no seu cotidiano.
Essas diversificações lingüísticas que ocasionam o problema da variação das línguas vêm despertando a curiosidade de vários estudiosos do idioma.
Havendo assim, diversas causas que contribuem para a diversificação lingüística que são apresentadas como: os condicionamentos socioeconômicos, os geopolíticos, enfim, causas essas chamadas lingüística externa que interferem, indiscutivelmente, na lingüística interna, a ponto de duas pessoas nao falarem, exatamente da mesma maneira, a mesma lingua materna.
É importante observar, também, que ao lado de toda essa diversificação há uma tendencia para manter-se as normas lingüísticas, que é o conjunto de hábitos lingüísticos coletivos, como a todos os elementos de um grupo e que ganham força de convenções tácitas, leis, admitidas pela maioria e conservadas, através das gerações com características prescritas. Sendo muito importante destacar aqui o papel do professor na sala de aula, diante desse emaranhado de conceitos.
É função do professor de lingua portuguesa levar seus alunos a adquirir, como se fosse uma segunda lingua, a competência no uso das formas lingüísticas da norma socialmente prestigiada, a guisa de um acréscimo aos usos lingüísticos regionais e coloquiais que já dominam.
O objetivo do texto não é propor que se “aprenda a norma culta em vez do português que você fala”, e sim “aprenda a norma culta alem do português que você fala” e, utilize uma ou outra segundo as circunstancias.
Em função dessas diferenças culturais e regionais e das discrepâncias de objetivos, professor e aluno não conseguem se entender, mutuamente, sobre o sentido dos termos regionais usados no Nordeste e os usados no Sul e Sudeste.
Isso gera uma interação problemática, como os exemplos abaixo:
-na região Sul e Sudeste, a palavra é: “aipim”, já no Nordeste pronuncia-se “macaxeira” ou “mandioca”;
-o baiano não pronúncia “ ketchup” e sim : Quetechape”;
– as vogais são pronunciadas pelos baianos em tom aberto.
Esses exemplos são para mostrar que podemos trabalhar na sala de aula sobre a visão da linguagem social, através das variações lingüísticas dos falantes da língua materna. E, se o professor tiver competência e habilidade, enriquecerá sua aula dentro de um contexto da linguagem e da interação; respeitando as variações de línguas diatópicas (regional, de acordo com o lugar) e diastráticas (nível socioeconômico do falante).
Esses exemplos acima, de linguagem e interaçao numa sala de aula de lingua portuguesa, acaba por leva o professor e seus alunos ha um conflito de interpretação.
Bakhtin (1992) salienta que quem ouve um discurso adota para com ele uma atitude “responsiva ativa”, ou seja: concorda, discorda, completa, adapta, executa, mesmo que em grau muito variável. E quem fala, por outro lado, não diz apenas palavras num mercado de simples troca de informações, pelo contrário, as palavras representam, na troca efetiva, pedidos, súplicas, ameaças, interrogações, manifestações de carinho, apreço, solidariedade, ou seja, o discurso tem a materialidade de seu elo histórico. Dizer e escutar palavras, assim, é só uma pequena parte do que se pode entender por comunicação.
Bakhtin (1992) considera que a verdadeira substância da língua é constituída pelo fenômeno social da interação verbal: realidade fundamental da língua, realizada através da comunicação, ou seja, parece haver um consenso em torno da concepção pragmática de língua/linguagem. Nessa perspectiva, através da linguagem, o indivíduo age, atua sobre o outro, realiza ações com diferentes objetivos.
Então, refletir sobre o ensino/ aprendizagem passa a ser pré-requisito básico para compreender e desenvolver as atividades de ensino da língua materna, numa perspectiva interacional. Uma concepção pragmática de língua / linguagem e uma concepção interacionista de aprendizagem estão, diretamente, associada à pragmática social e a competência interacional em sala de aula.
A aula em si é uma interação. A movimentação do professor pode, no entanto, ser um fator para promover com mais ou menos freqüência esta interação.
A interação passa a ser não só um meio de ensinar/aprender, mas também um objeto de aprendizagem e, portanto, um objeto de reflexão metalingüístico.
O professor preocupado em promover interações construtivas do ponto de vista da aprendizagem e do ponto de vista da interação valoriza as intervenções do aluno e sempre as solicitam. Sem a possibilidade de participação efetiva do aluno, não há possibilidade de criação em sala de aula. Se a fala é um recurso especial para que o aluno marque sua presença em sala de aula, é preciso também que ele seja “ouvido”. Propõe-se, então, ao professor a quebra dessa rigidez e que o mesmo deixe o aluno falar. O que irá enriquecer as trocas comunicativas na sala de aula é propor ao professor que permita que haja trocas de interações, através da linguagem para que aconteça uma comunicação interacionista. Em outras palavras, diríamos que o professor, na maioria das vezes, levado, inconscientemente, pelos próprios valores que o envolvem, poderia abrir mão do “autoritarismo” que a hierarquia lhe outorgou; poderia, no mínimo, permitir que a linguagem do espaço escolar se tornasse polêmica, pela aceitação de vozes discordantes, e a partir daí, promover um trabalho, através do qual ele e seus alunos cresçam como indivíduos.
A falta de respeito com que é tratada a variedade lingüística de um grande setor social impõe aos alunos o silêncio. Sem participar das discussões e das argumentações, não há uso efetivo da linguagem no contexto da sala de aula. E, como podem os alunos participar se são levados a envergonhar-se de sua variedade lingüística.
A questão de como se dá à relação entre o ser humano, a sociedade, a formação da consciência e de qual é o papel da linguagem nesse processo é rediscutida por Fiorin.
Fiorin (2000, p. 35), afirma que “o homem é produto de relações sociais ativas e inteligentes” e a consciência é formada pelo conjunto dos discursos interiorizados pelo indivíduo ao longo da vida. Assim, o autor explica que, como materialização da consciência e instrumento de comunicação, a linguagem constitui um fator social, ou seja, que sofre determinações sociais.
A decorrência das afirmações de Fiorin, apresentadas neste texto, de que o falante forma sua consciência pelos discursos que assimila e passa a verbalizar essa consciência, através da linguagem, é de reconhecer que esse falante é, na verdade, um “suporte das formações discursivas” e, portanto, ideológicas e sociais. A linguagem carrega consigo, em cada signo, uma dada ideologia, um dado valor social.
Segundo Alckmin, as variedades lingüísticas podem ser descritas, sobretudo, a partir dos parâmetros já citados: variações geográficas (diatópicas) e variações sociais (diastráticas). As variações geográficas são facilmente observadas entre os falantes de diferentes regiões do Brasil.
As variações sociais, por sua vez, têm a ver com a identidade e a organização sociocultural da comunidade do falante e pode relacionar-se com os fatores: idade, sexo, classe social e situação ou contexto social (Alckmin, 2001, p. 34-35).
O objetivo principal do texto é considerar como pontos cruciais as seguintes perguntas:
– os falantes da variedade não-padrão da língua têm alguma consciência das diferenças lingüísticas existentes?
-a consciência da diversidade lingüística pode influenciar no processo de ensino/aprendizagem da língua?
Bem, na prática o que vamos observar sao alunos que necessitam reformular suas falas, adequando-as a situações e locais.
Os falantes são corrigidos como se a língua que falam e escrevem não fosse a mesma língua portuguesa de todos os brasileiros, mesmo quando expressam corretamente, formas sintáticas, semânticas e lexicais que são normas do meio social em que vivem.
A conseqüência dessa violência lingüística se expressa, geralmente, na criação de sentimentos, de incompetência e insegurança lingüística por parte desses alunos. Em última instância, essa contradição manifesta-se na rejeição do aprendizado da língua portuguesa culta, que resulta em altas taxas de fracasso escolar (Bagno, 1999, p. 74).
Para concluir o texto, o que buscamos é a caracterização da linguagem e interação na sala de aula de lingua portuguesa com um foco na comunicação social-discursiva entre o professor e seus alunos.
Este texto não sugere opções metodológicas para a comunicação, através da linguagem e interaçao na sala de aula, mas tem um olhar analítico de cunho comunicativo interacionista, resultante em reflexões a respeito da comunicação do professor na sala aula de lingua portuguesa.
O perfil do professor comunicador surge, nesse contexto, como uma alternativa para uma ação didática de entendimentos, visto que lança a discussão e a reflexão a partir do conhecimento que acarreta a comunicação e, o respeito pelas variações lingüísticas trazidas para o interior da sala de aula pelos seus alunos.
A intenção que norteia o texto é explorar as várias oportunidades, nas quais o professor na sala de aula pode lançar mão, através de uma comunicação interacionista, e assim formar usuários da língua portuguesa, além de competentes, indivíduos mais reflexivos, responsáveis, ativos e cooperativos; minimizando, assim a evasão escolar e o fracasso escolar que ainda, hoje, são grandes colaboradores para que a educação em nosso país se encontre em degraus baixos dentro do parâmetro mundial.
REFERENCIAS
ALCKMIN, Tânia. Sociolingüística -parte I. In: Mussali, Fernando; Bentes, Ana Cristina. Introdução e fronteiras lingüística: domínios. 2 ed. São Paulo, Cortez, 2001-p.21-48.
BAGNO, Marcos. Preconceitos lingüísticos: o que é, como se faz. 4 ed. São Paulo: Edições Loyola, 1999.
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 7 ed. São Paulo: Hucitec, 1992.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. 7 ed. São Paulo: Atica, 2000. Série Princípios.
JAKOBSON, Roman. Lingüística e Comunicação. São Paulo. Ed.Cultrix, 1970.
ROSSI, Nelson. A realidade lingüística Brasileira: o mito da unidade e sua manipulação. Revista do Instituto Brasileiro. São Paulo, 1980.
Publicado em 19/05/2010 14:49:00
Solange Gomes da Fonseca – Graduada em Portugues/Literatura pela Universidade SUAM no Rio de Janeiro, ano 1979. Especialista em Linguagem pela Faculdase Internacional de Curitiba, ano de 2004, e membro do grupo de pesquisa Linguagem e Cultura da UFPR.
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