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CONSIDERAÇÕES SOBRE UM GRUPO “PSI” COM EDUCADORAS DE UM CENTRO DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Ariane de Oliveira Camargo

Resumo
Farei o relato de um estágio profissionalizante em um Centro de Educação Infantil. Este estágio objetivou, entre outras ações, a) auxiliar as educadoras a repensar sua atuação; b) trabalhar conflitos interpessoais entre elas, com a chefia e com os demais funcionários; c) ajudar as educadoras a expor suas dificuldades; e d) construir novas ações psicopedagógicas. Além disso, objetivei propiciar reflexões sobre a identidade profissional e o papel que desenvolviam no CEI. O referencial teórico adotado foi a psicanálise. O estágio atingiu parte dos objetivos propostos, tendo em vista que pude colocar em circulação um discurso que no início do trabalho se resumia às queixas do ambiente de trabalho.

Palavras-chave: Educadoras; Centros de educação infantil; psicanálise

O presente trabalho é decorrente de um estágio profissionalizante, do curso de Psicologia, realizado em um Centro de Educação Infantil (CEI) de uma universidade pública do interior do Paraná. O interesse por esse estágio se deu pela compreensão da importância – evidenciada por mim e confirmada pela literatura científica – de que o desenvolvimento de intervenções psicológicas em Centros de Educação Infantil contribui para melhorar o serviço prestado.
Segundo Oliveira e colaboradoras (1992), o termo creche significa “manjedoura”. Essa instituição originou-se na França, no século XVIII, e tinha por finalidade abrigar e atender, de maneira assistencial, bebês necessitados.
Rizzo (1992) afirma que o aumento do número de fábricas, provocado pela forte industrialização da França, levou à criação das guardeuses d’ enfants. Assim como as creches, a intenção de tais casas era a de retirar das ruas as crianças que ficavam perambulando, famintas, enquanto suas mães estavam trabalhando nas fábricas, em torno de 16 horas diárias. Além disso, as autoridades do Estado visavam com tais casas ocultar da sociedade uma das conseqüências da ação desumana imposta pelo trabalho fabril.
Assim, conforme Haddad (2002), durante muito tempo, a creche serviu a) como meio de combate à pobreza e à mortalidade infantil, b) como lugar de guarda e c) como espaço de orientação das mães, sobre a maneira de educar os filhos e, com isso, evitar que eles morressem ou virassem vagabundos.
No Brasil, a creche desempenhou finalidade semelhante à da França. Mesmo voltada à resolução de problemas vinculados à moral supostamente social, essa instituição buscou cuidar dos filhos cujas mães necessitavam trabalhar e não tinham nem onde nem com quem deixá-los.
Segundo Machado (1997), até 1879, as creches populares atendiam aos filhos de mães trabalhadoras domésticas (escravas). A partir de 1908, elas passaram a prestar atendimento aos filhos das operárias industriais, ocasião em que o processo nascente de industrialização no país começou a modificar o papel da mulher na sociedade.
A partir de 1930, França (1986) afirma que se iniciou no país movimento reivindicatório de defesa à assistência infantil, que envolvia a saúde e a educação. A lei de 1933, elaborada por Fernando Azevedo, possibilitou a criação de pré-escolas, colocando-as na base do sistema escolar e, com isso, inaugurando nova fase de atendimento à infância, pois as poucas creches existentes (fora das indústrias), até a década de 50, “eram de responsabilidade de entidades filantrópicas, laicas e, principalmente, religiosas” (OLIVEIRA, 1988, p. 47). Campos e colaboradoras (1993) afirmam que, nessas instituições recém-criadas, a preocupação educacional era secundária, tendo prioridade a alimentação, a higiene e a segurança física das crianças.
Na década de 70 (séc. XX), houve um ciclo de expansão das creches. Porém, as crianças ali atendidas eram tidas como carentes culturais e, por isso, deveriam aprender atitudes e habilidades que possibilitassem o aprendizado escolar futuro. Para Machado (1997, p. 17), conceber o atendimento dessa forma “significou ocultar as desigualdades sociais existentes, na medida em que as práticas pedagógicas desenvolvidas caracterizaram-se como essencialmente antidemocráticas, já que não possibilitaram às crianças de baixa renda real promoção de seu desenvolvimento em seu contexto”.
Em virtude desse aspecto, novas propostas pedagógicas foram elaboradas. Na década de 80 (séc. XX), a questão foi incluída nas campanhas dos candidatos a prefeitos e a governadores, culminando na elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases para a educação – LDB (9394/96). Com ela, a creche passou a gozar – pelo menos teoricamente – de novo status, deixando de ser vista como uma organização assistencial e passando a desempenhar papel educativo. “Com essa nova legislação, a educação infantil passa a integrar a educação básica e a pertencer às ações educativas das políticas educacionais definidas pela União, estados e municípios, tendo entre seus princípios a tentativa de integrar as funções de cuidar e educar” (MARIOTTO, 2003, p. 35).
A referida pesquisadora salienta ainda que “todas essas instituições estão atualmente atravessando um momento de intensa transformação interna para poderem se adequar a essas novas diretrizes. Mudanças que alcançam não apenas os aspectos metodológico-curriculares, mas que exigem do profissional que disso se ocupa uma reflexão sobre sua função e sobre o lugar que ocupa nesse sistema institucional” (MARIOTTO, 2003, p. 35).
Dessa forma, Mariotto corrobora a análise feita por Langer (1992), uma década antes, que afirmou que as creches ocupavam lugar não definido no sistema de ensino. Afinal, continuavam reproduzindo o papel da mãe, enquanto ela trabalhava. Tal aspecto, inevitavelmente, produzia dificuldades para o educador reconhecer esse espaço como genuinamente educativo. Por essa razão, vê-se o educador deparar-se a todo o instante com o impasse de “ser ou não ser mãe” dessas crianças. Sobre essa contradição, Rizzo (1984, p. 22) afirma que “a creche existe para exercer pela mãe, embora não assumindo seu lugar, as atividades tipicamente maternais junto ao seu filho, prestando-lhe assistência integral, cuidando da sua segurança física e emocional”.
Apesar dessa não definição, de acordo com Machado (1997), assim como ocorreu em todo o país, na universidade publica em que realizei este trabalho também houve movimentos de reivindicação, que culminaram na criação de uma creche para os filhos dos seus servidores. Assim, lutava-se por um direito da criança em ter um espaço que propiciasse seu desenvolvimento, além de garantir a sua assistência na ausência da mãe. Então, em 1989, o Conselho Administrativo da universidade aprovou o projeto de instalação de uma creche nas suas dependências.
Dados esses aspectos, em 2006, realizei um trabalho de intervenção psicológica que objetivou, entre outras ações, a) auxiliar as educadoras a repensar sua atuação; b) trabalhar conflitos interpessoais entre elas, com a chefia e com os demais funcionários; c) ajudar as educadoras a expor suas dificuldades; e d) construir novas ações psicopedagógicas. Além disso, foi também minha intenção auxiliar as educadoras na reflexão sobre sua identidade profissional e sobre o papel que desenvolviam no CEI.
Adotei como referencial teórico a psicanálise, pois, assim como Kupfer (1997) e Santos (2002), creio que ela pode contribuir para a educação, teorizando uma dada situação, auxiliando na problematização e no questionamento de questões pedagógico-institucionais (fracasso escolar; indisciplina, violência e apatia do corpo docente e do discente).
Kupfer (1997) considera que as mudanças numa dada instituição – como a escolar – se darão pela via da resignificação e pela quebra de estereotipias. Todavia, para que tal processo ocorra, é condição sine qua non que cada professor fale para alguém, julgado por ele uma autoridade. Ao proceder dessa forma, o professor acaba tendo condições de se escutar.
Nesse sentido, a minha presença foi fundamental, pois, como disse Kupfer (1997), ao agir como Coordenadora do grupo de educadoras, dirigi os trabalhos, mas não as pessoas. Dessa forma, “cada um deve responsabilizar-se por aquilo que diz, e esta é uma condição para a eficácia da direção dos trabalhos” (KUPFER, 1997, p. 57).
Santos (2002) expõe que essa oferta de um espaço “psi” demonstra a possibilidade de os educadores ampliarem o seu repertório, modificarem certas posturas, re-significarem o seu lugar e o do aluno e também a sua relação com a própria prática profissional.
Assim, Voltolini (2001) sublinha que muitos participantes acabam utilizando esse espaço para se queixarem, entendendo que ali eles serão ouvidos. Mas, se isso sempre acontece, não sobra espaço para uma mudança do queixante frente àquilo que o incomoda. Apesar disso, é só por meio da queixa repetida que ela pode ser mudada. Logo, é proposto ao psicólogo tentar potencializar as possibilidades de mudança, transformando a queixa em uma questão. Ele deve fazer com que, onde há sofrimento, haja questionamento em que o sujeito se implique no que sofre, responsabilizando-se (e não se culpando) por seus atos.
Em termos metodológicos, primeiramente, consultei o CEI, com a finalidade de apresentar o Projeto em pauta e de saber se as educadoras e a direção manifestavam interesse em participar dele. Tendo elas se manifestado favoravelmente, a escolha das integrantes do grupo foi feita pela encarregada de seção da creche, que levou em consideração a afinidade entre as educadoras (demonstrada quando realizavam alguma atividade em grupo). Foram encaminhadas, então, quatro educadoras, que há mais de dez anos trabalham nesse Centro. Os encontros ocorriam uma vez por semana, com duração de, aproximadamente, 1h20, sendo suspensos nas ocasiões em que o Centro organizava alguma atividade especial (“festa junina”, “dia das crianças”, “páscoa”, “dia dos pais” e “dia das mães”). Utilizei como recurso audição de músicas, dinâmicas de grupo, apresentação de filmes, atividades com recortes e colagens, entre outros.
Quanto aos resultados, observei que uma das queixas freqüentes era em relação à carga horária de oito horas diárias, vista, pelas educadoras, como extremamente cansativa. Além disso, afirmaram que a quantidade de funcionários era insuficiente (em torno de 10 educadoras a menos do que o Centro necessitava). Elas próprias também acabavam sobrecarregando umas as outras, já que, quando uma faltava, suas colegas ficavam sozinhas na sala com as crianças. Elas chegaram a relatar que todos os dias, ao acordar, pensavam: “vai ser tudo igual”, “vai ser a mesma rotina”. Como todas trabalhavam há mais de 10 anos lá, acabavam se referindo sempre a um passado julgado melhor, pois, no atual momento, encontravam-se desanimadas.
Informo que todas elas procuraram o emprego do CEI por causa da estabilidade possibilitada pelo serviço público. Entretanto, atualmente, vêem-se repensando se realmente foi gratificante saírem de onde estavam para trabalhar nesse local.
Elas reconheciam, porém, que eram exemplos para as crianças que passam o dia ali e prestam muita atenção ao que elas fazem. Por isso, elas consideravam seu dever ter muita responsabilidade no desenvolvimento das suas atividades. Às vezes, elas agiam de maneira contrária, mas procuravam agir de forma a não demonstrar para as crianças quando estavam bravas, nervosas ou cansadas, condutas determinadas por motivos pessoais ou devido ao relacionamento delas com a instituição.
Em relação às colegas de sala, uma questão sempre recorrente no grupo foi que elas apresentavam atitudes diferentes com as crianças, que se aproveitavam da situação, já que, enquanto uma educadora dizia “sim” e não era brava, a outra dizia “não” e era mais rígida.
Houve reclamações também em relação aos estagiários de todas as áreas, que eram muitos e, segundo elas, levavam as crianças a se confundirem. Mas a queixa principal era em relação às bolsistas do curso de Pedagogia. Segundo o relato das educadoras, tais estudantes não sabiam “trabalhar direito”. Por isso, tinham que ensiná-las acerca do quê e como deveriam ser feitas as atividades pedagógicas de maneira adequada. Além disso, segundo elas, essas estagiárias falavam para os colegas, para os professores e para os amigos como as educadoras agiam com as crianças, sem se preocuparem em contextualizar as condutas apresentadas por elas. Afinal, quando tais comportamentos eram vistos em si mesmos, as próprias educadoras tinham consciência da possibilidade de se levar à produção de conclusões equivocadas.
A falta de comunicação no CEI também foi um problema apontado pelas educadoras. No início do ano, elas relataram que a chefia só se comunicava com elas por intermédio de “papel”. Assim, ela – a chefe – não conversava com elas, nem as atendia e tampouco as entendia. Com a mudança de direção, elas esperavam da nova chefia apoio e ajuda para que pudessem resolver os problemas cotidianos do CEI.
Por causa dessa mudança, nesse momento, a nossa intervenção direcionou-se para o trabalho das expectativas delas em relação ao que estava acontecendo, pois essas expectativas eram muitas e positivas. Contudo, por conflitos surgidos na relação com a nova chefe, as educadoras novamente se frustraram e voltaram a se sentir inseguras e desamparadas. Esse fator foi discutido exaustivamente nas reuniões, até que elas pudessem dar tempo para as “feridas cicatrizarem” e, assim, pensarem em soluções para o ocorrido.
Outra questão trabalhada foi a definição do papel das educadoras em relação às crianças. Como apontei na literatura, também no CEI de Londrina as educadoras não sabiam se deveriam se comportar de maneira semelhante a da mãe da criança ou como uma professora, nos moldes tradicionais.
Observei também algumas discordâncias entre as educadoras, sobretudo quando uma das integrantes faltava. Elas começavam a manifestar discordância em relação a certas condutas da faltante. Apesar de a Coordenadora estimular a resolução dos conflitos entre elas ali no grupo, para que não ficasse somente na “fofoca”, como elas mesmas colocavam, nenhuma das participantes concordou em trabalhar tais conteúdos.
Todavia, notei que, principalmente depois do problema que tiveram que enfrentar – a nova Chefe do CEI – e, para isso, foram obrigadas a se unirem, acabaram deixando um pouco de lado as diferenças como fator impedidor da ação coletiva, ou seja, uma começou a cuidar mais da outra.
Concluí os seguintes aspectos: a) a intervenção atingiu parte dos objetivos propostos. Apesar de ainda ficarem se queixando, as educadoras empregaram o espaço para desabafar, relaxar, “sair da rotina”, além de terem conhecido as colegas de trabalho a partir de outras perspectivas e terem discutido algumas diferenças existentes entre elas. Tais aspectos possibilitaram, assim, colocar em circulação um discurso que produzia apenas a repetição e iniciou o processo de “oxigenação” das relações, pelo menos entre elas; b) caso o trabalho tenha continuidade, acredito que seria interessante o aprofundamento das questões atinentes ao relacionamento interpessoal; c) o referido trabalho possibilitou-me aprender um pouco sobre um tipo de prática psicológica que o psicólogo escolar pode desenvolver em instituições educativas; d) a meu ver, o mais importante foi notar que o trabalho “psi” foi benéfico, apesar de ter sido realizado com um pequeno grupo de profissionais. As educadoras tiveram à disposição uma Coordenadora e um espaço apropriado para exporem seus conflitos, escutarem a si mesmas, escutarem as colegas e reverem suas posições.
Isso não significa a inexistência de entraves durante a consecução da intervenção, sobremaneira de ordem institucional. Sugiro, dessa forma, que, para os próximos estágios, sejam feitas análises institucionais e, se possível, um trabalho junto com a direção do CEI, visto que, quando desenvolvido só com as educadoras – apesar de importante –, acaba sendo limitado por questões institucionais.

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Publicado em 03/10/2010 09:35:00


Ariane de Oliveira Camargo – Psicóloga; especialista em psicanálise; mestranda pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP), Faculdade de Ciências e Letras de Assis.

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