BAKHTIN E FOUCAULT : CONTRIBUIÇÕES PARA ENTENDER MELHOR A LÍNGUA
Edmilson José de Sá
RESUMO
Este texto é fruto de leituras sobre os mecanismos que envolvem a língua e suas várias manifestações na sociedade. Para tanto, serão analisados os pressupostos teóricos de Bakhtin (2002) e Foucault (2007), que tratam a língua a nível de enunciações e metáforas conceituais, respectivamente. Percebeu-se que, a despeito de linguistas que têm por objetivo mais amplo analisar a língua estrutural ou normativamente, muitos teóricos que não são propriamente estudiosos dessa linha de pesquisa tecem também contribuições, muitas vezes metafóricas, mas com igual relevância para compreender melhor a língua.
PALAVAS-CHAVE: Língua. Fala. Escrita. Metáfora
ABSTRACT
This text is fruit of readings on the mechanisms that involve the language and its manifestations in the society. For this, Bakhtin’s (2002) and Foucault’s (2007) theoretical pressupositions will be analyzed. They treat about the conceptual level of articulations and metaphors, respectively. It was perceived that, the spite of linguists who have for ampler objective to analyze language structurally or normatively, many theoreticians who are not properly studious of this line of research also weave contributions, mainly metaphorical, but with equal relevance to understand language better.
KEYWORDS: Language. Speech. Writing. Metaphor
INTRODUÇÃO
A língua é o meio pelo qual o homem expressa suas ideias, as de sua geração e da comunidade em que vive. Enfim, ela é o retrato de seu povo. Cada falante é usuário e agente modificador da língua, nela imprimindo marcas geradas pelas situações que lhe são impostas.
Conscientes dessa concepção linguística, optou-se por analisar até que ponto a língua é tratada de maneira individualizada, isolada do contexto social ou de maneira interativa. Para tanto, será apresentada uma visão sobre a língua sob os auspícios de Bakhtin (2002) e Foucault (2007), que fazem, a seu modo, críticas ferrenhas ao modo como alguns teóricos veem a língua.
BAKHTIN: CRÍTICAS AO OBJETIVISMO ABSTRATO
Bakhtin (2002) ao conceituar a língua critica o estruturalismo de Saussure (1916), que a trata como um sistema de normas face à realidade, caracterizada pelo objetivismo abstrato, . Para ele, a língua ocorre a partir de situações concretas, oriundas da interação entre falantes de uma dada comunidade e não de maneira individual como Saussure (1995) mostrava décadas antes.
Bakhtin (2002) rejeita a ideia de usar a sincronia para explicar a evolução da língua, pois, ao contrário da diacronia, a língua só seria analisada a partir de um momento histórico. Segundo o teórico, a evolução linguística se refere estabelece normas na língua, que, nessa perspectiva, só se desenvolvem a partir da interferência da ascensão social do falante. Contudo, falantes de uma comunidade que não constitui um grande centro urbano podem, em contrapartida, não seguir a norma culta, por já possuir uma norma padrão em seu ambiente de convivência. É comum, então, em arruados ou vilarejos que possuem escola, igreja, feiras, lugares de aglomeração de pessoas, que não se sigam normas, por desejarem, numa situação espontânea, se apropriarem de uma linguagem menos policiada.
Pensando nisso, Bakhtin (2002) também afirma que a assimilação da língua ocorre quando o sinal, enquanto instrumento técnico, é absolvido pelo signo, o termo decodificado, ou seja, o sentido ocorre quando o signo se associa a fatores externos que dão suporte à interpretação. Isso porque a decodificação de um signo, uma palavra, só adquire, pois, o sentido almejado, quando associada a contextos diversos.
Entra aí a questão da enunciação, ou seja, de atos da fala. O sentido de uma enunciação completa, admite Bakhtin (2002), só ocorre quando essa está associada a outras enunciações, dentro de uma mesmo contexto. Porém, o suíço também afirma que os contextos da língua são frequentemente opostos, já que um mesmo termo pode possuir dois ou mais significados distintos. Daí se tem a variação lexical, na qual uma comunidade pode usar um vocábulo com um sentido e outra o tenha para o mesmo sentido ou para outros. Assim, a compreensão linguística, para Bakhtin (2002), não está associada a normas, mas a contextos de uso de uma forma em particular.
Bakhtin (2002) ainda reforça que as normas de uma língua não servem para explicar fatos linguísticos de sua evolução, visto que, na maioria das vezes, as formas mais recorrentes advêm de processos, ora considerados como estigmatizados. Basta exemplificar a questão da síncope que Coutinho (1978) conceitua como sendo a perda de elementos no meio da palavra. Na evolução de calidu, gerou caldo, como atualmente o termo fósforo, hodiernamente é usado como fosfo ou fosco, e ainda pode ser encontrado fosfru.
Ainda tratando da evolução proposta por Bakhtin (2002) e retornando ao objetivismo abstrato, o autor afirma que ele rejeita atos enunciativos como sendo individuais, já que estes seriam de natureza social, ou seja, só ocorreriam a partir da interação.
Deste modo, a língua, para ele, é externa à consciência individual e esta não está orientada para identificação de elementos enunciativos concretos, mas para a apreciação de sua nova realidade contextual.
FOUCAULT E SUAS METÁFORAS SOBRE A LÍNGUA
Convém, neste momento, aludir às contribuições de Foucault (2007) a cerca das metáforas encontradas no livro A Palavra e as Coisas, que também podem ser usadas em relação ao estudo da linguagem e suas várias acepções.
Ao descrever o quadro Las Meninas, implicitamente, o autor oferece uma reflexão acerca da heterogeneidade linguística. De início, Foucault (2007) descreve os personagens encontrados no quadro. Há um pintor que ele caracteriza como visível e expectadores, como invisíveis. Poder-se-ia, então, haver uma referência à escrita, visível e dotada de regras gráficas e alteráveis, e à fala, invisível aos olhos do ser humano, mas não menos dotada de normas que, pelo continuum, podem até interferir na escrita, como, de fato, o fazem.
O autor afirma que, no quadro, o pintor olha para uma tela meio de lado, como se tivesse restrições. Na língua falada, há restrições quando à sua normatividade, o que seria justificado pela existência de variações em todos os âmbitos.
Há no quadro uma linha de invisibilidade que envolve uma rede de trocas, caracterizadas por Foucault (2007) como evasivas, confusas. Na língua, a variabilidade causa, muitas vezes, dissabores aos ouvintes, mas com justificativas linguísticas e extralinguísticas que a evolução pode explicar.
Ao olhar para o lado de fora do quadro, como se aguardasse modelos e expectadores que apreciassem sua obra, o pintor em Las Meninas parece querer adeptos à fala espontânea e talvez um certo respeito às diferenças causadas pelas variações que ela proporciona, já que estas constituem um reflexo da comunidade de fala.
Focault (2007, pág 6) metaforicamente apregoa à língua um “jogo de metamorfoses”, por conta das multifaces que ela possui seja na fonologia, na sintaxe, na semântica e na pragmática.
Uma referência à evolução da língua pode ser encontrada quando Foucault (2007) se refere a uma inviabilidade que envolve diferenças situadas e que ainda podem retornar, tal como ocorre na perspectiva linguística.
Ao afirmar que o que é olha e o que é olhado permutam no quadro, Foucaut (2007) parece tratar da interação exigida para a compreensão linguística. Isso é ratificado por Bakhtin (2002), que diz que essa não serve para orientar elementos enunciativos concretos, mas para a apreciação de sua nova realidade contextual, ou seja, para que as variações que a língua permite ao falante atribuí-la devem ser aceitas pela sociedade.
A luz no quadro envolve personagens e modelos, ou seja, um processo que envolve a comunidade e sua norma padrão, não necessariamente aquela estereotipicamente chamada de “culta” por Antunes (2006).
Diante do exposto, a linguagem, segundo o próprio Foucault (2007), tem relação infinita com a pintura, sugerindo ao expectador inúmeras interpretações oriundas de sua heterogeneidade.
CONCLUÍNDO…
É preciso ficar claro que a língua é heterogênea, não podendo, portanto, ser analisada desvinculada do seu contexto ideológico, mas também, não se pode tirar o mérito dos estruturalistas que preconizam as normas. Não se pode tratar a preferência pela normatividade da língua de maneira preconceituosa, como se as pessoas que falassem de maneira diferente estivessem cometendo um erro absurdo. Conforme a perspectiva foucaultiana, a língua é um “jogo de metamorfoses”, está sempre evoluindo e não se pode analisá-la isoladamente. Assim, tanto a teoria estruturalista, quanto a teoria da interação social estão aí para serem analisadas individual ou contrastivamente. Todas elas com o mesmo objetivo: conhecer melhor a sociedade e suas manifestações concretas, das quais a língua também faz parte.
REFERÊNCIAS…
BAKHTIN, M. (Voloshinov, V.N.-1929). Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, Hucitec, 1992.
COUTINHO, Ismael de Lima. Gramática Histórica. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1978.
FOUCAULT, M. As palavras e as coisas. Tradução de Salma Tannus Muchail. 8. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Saussure, F. Curso de linguística geral. São Paulo: Cultrix. (Originalmente publicado em 1916). 1995.
Publicado em 02/05/2010 10:41:00
Edmilson José de Sá – Mestre em Lingüística pela UFPE, professor de Português e Inglês em escola pública e professor de Literatura Língua Inglesa e Norte-Americana e Prática de Ensino no Centro de Ensino Superior de Arcoverde, em Pernambuco.
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