O QUE SERIA INTERESSANTE AO PROFESSOR SABER SOBRE LITERATURA INFANTIL
Anterita Cristina de Sousa Godoy
RESUMO
Para além do discurso acerca do incentivo ao hábito da leitura é imprescindível ao professor do ensino fundamental refletir sobre o conceito de Literatura Infantil e Infanto-Juvenil, bem como acerca da arte de contar história, de ler histórias para poder e sobre o desenvolvimento do interesse pela leitura. Também não deve fugir ao interesse do professor questões acerca da utilização da tradição oral no trabalho com a literatura infantil e infanto juvenil. Para tanto, desenvolveu-se um estudo de cunho bibliográfico que busca apontar o que seria interessante um professor saber sobre a literatura infantil a fim de provocar um exercício de reflexão o conduza mudar ou diferenciar a visão que possui sobre a literatura destinada ao público infanto-juvenil, para que não a descaracterize de seu principal objetivo: o encantamento e o compromisso de solidariedade com a descoberta do mundo.
Palavras chave: literatura infantil; contar histórias, ler histórias, interesse pela leitura
Introdução
Há algum tempo desenvolvi um estudo bibliográfico na intenção de ppontuar o que seria interessante a um professor do ensino fundamental saber acerca da literatura infantil. Esse trabalho ficou um tempo guardado. Hoje, após minha atuação como docente e gestora de cursos de formação de professores, verifiquei o quanto esse material continua atualizado, pois percebia o quanto tais conteúdos eram necessários à atuação docente e, mais que isso, o quanto a literatura ajuda na compreensão do essencialmente humano. Foi então que resolvi compartilha-lo…
Muito se discursa sobre a importância de incentivar o hábito da leitura entre crianças e jovens, principalmente porque prevalece a visão, e o discurso, de que em nosso país pouco se lê, e deste pouco, uma grande parcela não entende ou compreende o que leu. Apoiados neste entendimento, muitos(as) professores(as) vêem no esforço do incentivo à leitura, e na criação/concretização deste hábito, uma “arma” em favor do ensino da língua materna e da educação de um modo geral. Entretanto, é percebido que, em meio a tantos investimentos pedagógicos, o desenvolvimento do gosto e do prazer pela leitura parece ser mais difícil de se firmar como um habitus do que um outro qualquer (como escovar os dentes, por exemplo).
Nossa intenção é procurar refletir sobre o porquê das muitas propostas que objetivam desenvolver o hábito e o prazer pela leitura, em sua maioria, acabam por não surtirem os efeitos desejados e esperados. Procuramos, também, tentar delinear alguns possíveis caminhos que possibilitem o desenvolvimento de propostas diferenciadas que consigam incentivar o hábito pela leitura enquanto instrumento de prazer, criatividade e imaginação (o que pode ser considerado uma ousadia, frente aos estímulos virtuais dos dias atuais).
É preciso, portanto, alertar que se trata de tentar propor algo que provoque, no(a) professor(a), um exercício de reflexão que o conduza mudar ou diferenciar a visão que possui sobre a literatura destinada ao público infanto-juvenil, de forma a não descaracteriza-la de seu principal objetivo, qual seja, o encantamento e o compromisso de solidariedade com a descoberta do mundo (Aguiar, 2.000).
1.Afinal, o que é Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil? Questões divergentes …
Embora haja alguns desentendimentos sobre o conceito, há que se enfatizar, bem como destituir o preconceito, que a Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil seja algo menor que a Literatura “dos adultos”, principalmente porque há uma tendência, neste caso, em valorizar muito mais o atributo “infantil ou infanto-juvenil” que o próprio nome, ou seja, a LITERATURA. Diante deste mecanismo, observamos a tendência em minimizar o nível de exigência em relação à obra, como se o fato de ser preferencialmente dirigida a crianças pudesse justificar o reducionismo de imagens, a pobreza da linguagem e a conseqüente perda de seu valor literário – transformando a literatura infanto-juvenil numa modalidade menor e marginal, pois lhe faltariam os atributos imprescindíveis para que pudesse ser considerada, de fato, Literatura, com maiúscula. (Villardi, 2.000, p.02).
Pautados em tais visões, e apoiados em Villardi (2.000), encontramos algumas posturas, em relação ao livro escrito para crianças e adolescentes, que apregoam:
a)que este deva ser simplificado em todas as suas esferas, visto que se destina a uma faixa etária cuja compreensão é inferior à do adulto;
b)que devem possuir restrições temáticas, pois existem assuntos que não são de crianças ou adolescentes;
c)que a linguagem deva ser direta e objetiva para suportar uma única leitura (a do professor?).
Não é difícil encontrar livros infantis que impossibilitam uma leitura mais aprofundada, os quais além possuírem conteúdos pobres (em termos de expressão e experiências) apresenta-se recheados de sentidos preconceituosos e falsamente moralizantes. É preciso considerar que a criança ou o adolescente pode não ter o mesmo nível de compreensão e complexidade que um adulto possui, entretanto, não será por conta disso que iremos subestimar sua inteligência e capacidade de leitura e compreensão.
É preciso que haja a preocupação, por parte dos professores, de selecionarem bons textos literários e bons livros, capazes de interessar às crianças, e porque não, aos adultos também. As crianças e adolescentes sentem prazer e gostam do que é belo e prazeroso e, um bom livro e uma boa leitura, são capazes de conduzi-los ao mundo do imaginário. Aquele mundo do qual nós os adultos destituímos de nossas vidas, abandonando ao léu como se não nos fosse permitido continuar a viver os prazeres da “Terra do Nunca”.
A questão da Literatura Infanto-juvenil constitui-se, portanto, num tipo especial de literatura que necessita buscar caminhos para a criação de uma linguagem tão específica, tão própria, tão particular, que será capaz de atingir não só a crianças e adolescentes, mas a todos os adultos que, apesar dos percalços da vida, conservam, na maturidade, um rasgo de criança no olhar (Villardi, 2.000, p. 03).
Desta forma, faz-se necessário ver a literatura oferecida para as crianças “algo além de ‘livrinhos infantis’” mas como “literatura múltipla, enriquecedora, geradora de sentidos” (Idem). Destacamos, mais uma vez que o adjunto INFANTIL ou INFANTO-JUVENIL trazido por este tipo especial de literatura define, tão somente, a distinção da obra e, portanto, não pode e não deve interferir na qualidade do literário do texto (cf. Lajolo e Zilberman, 1999).
É preciso expor que estamos considerando, com Aguiar (2.000), a escola como “o principal veio de democratização da leitura, no país, ao lado das poucas bibliotecas de bairro e de municípios e de heróicos programas de incentivo à leitura” (p.01). Assumindo a escola como o espaço privilegiado para o trabalho com a literatura infanto-juvenil cabe-nos, portanto, questionar a natureza do trabalho de incentivo à leitura, desenvolvido pelos professores e o resultado alcançado por estes, principalmente em longo prazo. Levantamos este questionamento porque apesar de existir muitos projetos elaborados e executados para incentivar ou criar o hábito da leitura no âmbito do ensino fundamental, ainda encontramos jovens no ensino médio e até universitário que não desenvolveram esta habilidade e apresentam sérias dificuldades no desenvolvimento da leitura e da compreensão/interpretação da mesma.
Talvez a maneira como procedemos ao desenvolvimento dos projetos de incentivo à leitura acabam por impor tal situação (a de ler) contribuindo para a realização de uma tarefa destituída de prazer, imaginação e criatividade. Aguiar (2.000) afirma que a Literatura Infanto-Juvenil vive, hoje, uma grave descaracterização imposta pela tendência da “didatização” que se caracteriza pelo “jeitinho de domesticá-la, evitar desconfortos, transgressões e subversões e de torna-la maçante, ressecada, simples instrumento curricular” (p.01).
Tal posicionamento apenas contribui para a formação de não-leitores, visto que ao invés de estimular a leitura pelo prazer, o que contribui para a formação de pessoas mais conscientes diante do mundo e, através das “viagens” e reflexões literárias permitem às crianças e jovens construírem-se como pessoas, inclusive enfrentando seus conflitos e problemas, disfarça-a, enganando o público leitor (neste caso crianças e adolescentes) pelo viés da seleção, dita pedagógica (mas, ideológica), que provoca um estreitamento de temas e uma instrumentalização das obras literárias.
Literatura não é matéria didática. É outra coisa. E, como outra coisa, deve ter um tratamento diferenciado. E, diferenciado também é o papel que se pode pedir que se cumpra. Literatura não pode ser distorcida em ponto de aula, em dever de casa nem em matéria de prova, ou vira obrigação; quando nós buscamos sensibilizar o desejo. Matéria curricular transmite informações objetivas sobre o mundo, ensina coisas que se precisa saber para viver no mundo. Já a literatura não ensina, pelo menos não coisas específicas, objetivas, de entendimento comum; quando muito às vezes, o contato com ela transmite um gosto pela vida, pelas pessoas e pelo mundo, uma curiosidade, uma querença de saber e de conquistar. Mas sempre algo primordialmente singular, individual, subjetivo. (Aguiar, 2.000, p. 02).
Isto posto, é preciso que nós educadores(as)/professores(as) estejamos abertos para (re)considerar a concepção que temos acerca do conceito de LITERATURA INFANTIL ou INFANTO-JUVENIL a fim de que possam avaliar o trabalho que desenvolvemos juntos aos nossos alunos. Ou seja, é preciso verificar se o trabalho de incentivo à leitura que desenvolvemos (ou pretendemos desenvolver) não se apresenta à criança com uma roupagem impositiva e chata, descaracterizando a magia e a beleza que as obras literárias trazem consigo. Lembremos que “Literatura não tem temas, nem parâmetros, muito menos inerentes e exclusivistas – tem um sentido: seduzir seu público, intriga-lo, fundir-se à sua vida” (Aguiar, 2.000, p. 02).
2. O interesse pela Literatura
Assumindo a característica de ser um país onde pouco se lê e pouco se escreve sabemos, de antemão, que aqui muito se conta. Os “causos” constituem-se em um costume típico de nosso folclore, principalmente, quanto mais adentrarmos ao interior brasileiro. Se não se conseguiu instituir o hábito de ler, há muito consideramos a “arte de contar” dos brasileiros de uma cultura invejável e de uma imaginação inigualável.
Assim, estamos tomando por base a questão do conto popular e do resgate das raízes da literatura, no intuito de oferecer ao professor, para que esse ofereça aos seus alunos, “a possibilidade de assimilar um conhecimento que já faz parte do patrimônio cultural da humanidade”(Machado, 1994, p.09) e que, portanto, é peça fundamental da sua história.
A questão da valorização da literatura oral torna-se imprescindível para, além de proporcionar o conhecimento das raízes de nosso povo, fazendo com que tenhamos e preservemos nossa memória histórico-cultural, constitui-se em fonte natural de construção da Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil.
Desta forma, tentaremos distinguir, para efeitos didáticos, a questão da arte de contar histórias e de ler histórias, com o objetivo de procurar dar uma outra visão e um outro direcionamento, do já existente, sobre o como desenvolver o hábito da leitura, da fala e da escrita, em nossos alunos.
a) A arte de contar histórias.
O primeiro contato da criança com a literatura, normalmente, dá-se através do ato de ouvir as histórias contadas pela sua mãe. Muitas são as recomendações acerca do benefício do ato de contar histórias às crianças desde pequena: que as acalma, que as torna atentas, que incentiva sua imaginação e que cultiva a vivência das fantasias, garantindo a realização do exercício primordial de pensar.
Uma criança sem fantasia tem pouco conteúdo para desenvolver brincadeiras e, provavelmente, na alfabetização sentirá dificuldades em desenvolver raciocínios lógicos e criar histórias, como também entende-las.
O hábito adulto de contar histórias também é mais um aliado à fantasia, pois, ouvindo-as, as crianças entram em contato com um outro mundo e guardam essas experiências em seu interior, em forma de imagens, as quais serão utilizadas na hora da brincadeira (Braga, s/d, p. 35).
A experiência histórica dos “caboclos” e sertanejos nos comprova que o hábito de contar e ouvir histórias não se constitui em atividade essencialmente infantil, muito antes fez e faz parte do mundo dos adultos.
O conto é a forma primitiva da arte de dizer, que é a literatura. Sua origem se perde no tempo. Ninguém poderá determinar a origem dos contos (…) Nem acreditamos que ele tenha apenas uma origem única, como ponto de partida. Certamente nasceu, concomitantemente, em diferentes lugares, uma vez que é produto do homem, surgindo onde quer que ele estivesse em comunidade, e não privilégio de um determinado grupo primitivo. (Carvalho, 1989, 54-5).
Durante a Idade Média as histórias eram divulgadas pelos “contadores de histórias”, sabe-se que estes percorriam longas distancias para realizar suas apresentações, que, por sua vez, sofriam muitas influências visto que dependia da sensibilidade do narrador no momento da recitação. Por conta disso, é possível afirmar quea composição oral sempre foi caracterizada como um texto de muitas vozes, de muitos autores. O próprio ouvinte, no momento da escuta, já elabora seu modo de interpretar o que ouve, tornando-se também um possível criador. ( Machado, 1994, p.21).
Ao contar uma história nos é permitido a possibilidade de introduzir modificações, seja no estilo seja no enredo, e assim fazemos com os contos infantis quando mudamos as histórias de local, invertemos o papel principal ou atualizamos o enredo para torna-lo mais próximo da nossa realidade. A esta possibilidade denominado procedimento paródico.
Mesmo se constituindo em uma das mais antigas ações humanas, o ato de contar histórias convive normalmente em/com nosso tempo tecnológico, aliás, podemos até dizer que muitos dos avanços tecnológicos contribuíram para enriquecer a arte de contar histórias, pois apresentam inúmeras possibilidades de ilustrá-las e de ouvi-las fornecendo estímulos (visuais e auditivos) que nos permitem penetrar, mais facilmente, no mundo da imaginação e, em algumas vezes, participar do mundo virtual.
Apesar disto, é preciso considerar que contar uma história ou dramatiza-la requer a estratégia de “colocar em cada palavra ou frase uma expressão particular, carregando-a de sentido”, isto porque “o sentido de uma história depende muito do modo como ela é contada” (Machado, 1994, p. 21-2).
Desta forma, nossa preocupação no papel de narrador, deve estar voltada para a situação em que ela se apresenta, assim é preciso considerar qual a ênfase dada, se ao episódio ou ao personagem (permitir-lhe a fala nos ajuda a conhece-lo melhor). Também se torna imprescindível preocupar-se com o entendimento e a memorização dos ouvintes, para tanto, é preciso rechear as histórias com expressões, dramaticidade e encantamento da voz e dos gestos (as mãos apresentam-se como grandes recursos), fato que se constitui em um aprendizado constante, que requer muito treino por parte do “contador”.
Lembremos que, ao contar uma história reproduzimos a fala de outras pessoas (os personagens) com a nossa própria voz, tal situação exige que carreguemos as frases de sentidos e expressões. Assim, há a necessidade de tomarmos muito cuidado com os recursos fáticos, ou seja, com expressões que não possuem um sentido próprio, mas que fazem parte da fala como forma de manter viva uma conversa. Estes recursos constituem os famosos: né?, aí, ta!, percebe?, entendeu?, certo?, então …
As crianças, ao iniciarem-se na arte de contar histórias utilizam-se muito destes recursos fáticos e, tal fato, não deve ser abordado de forma a corrigi-la por isso. O importante nesta fase é incentivar a criança a falar, é valorizar a fala, a história contada e recontada pela criança. Entretanto, entre os adolescentes, nosso procedimento deve ser um pouco diferente. Percebemos que o uso dos recursos fáticos é uma constante no vocabulário juvenil, portanto, nosso papel é cobrar e insistir na mudança deste hábito lingüístico, ou seja, trabalhar para substituir o uso indiscriminado destes recursos, que provoca um discurso destituído de conteúdo, pelo uso de uma linguagem rica em argumentos críticos, coerentes e coesos.
Machado (1994) apresenta 06 princípios fundamentais na arte de contar histórias, são eles:
1.usar um tom de voz audível por todos;
2.pronunciar com clareza as palavras e frases
3.usar entonação expressiva, respeitando a “pontuação” da fala, quer dizer, pausas, entoações diferentes, ritmo;
4.usar a voz dramaticamente, escolhendo o tom de acordo com o episódio;
5.realizar a mímica e os gestos de acordo com o sentido que quer transmitir
6.usar os recursos fáticos de modo expressivo, sem atrapalhar o fluxo da narrativa. (p. 26)
Podemos dizer que estes princípios podem, ou devem, servir de critérios para qualquer tipo de exercitação oral, a fim de que possa ser adequado e melhorado, dependendo do tipo de ouvintes, adaptando-se ao estilo de narrar do “contador”. O mais importante, no entanto, deve ser a preocupação em fazer com que cada história fique gravada na mente de cada ouvinte, para que possa, além de fazer perpetuar esta arte, alimentar seu mundo imaginário.
Assim como contar histórias, ler também é uma arte: arte de imaginar e entrar no mundo fictício, sentir, viver e compreender o que se passa nas linhas e nas ilustrações dos livros de literatura.
Entretanto, o ato de aprender a ler costuma centrar-se em duas perspectivas, que segundo Villardi e Silveira (2.000) seriam as seguintes:
1ª) o trabalho docente acontece sobre atividades orais, no qual o aluno é colocado diante do tema, e não do texto, e a partir deste desenvolve outras atividades;
2ª) o trabalho decente acontece através de um processo de avaliação (ortodoxo) centrado no enredo do livro e que passam pelo “julgamento” dos personagens, a partir daí procura-se saber se o aluno leu o texto, e não como ele leu.
Em paralelo, o desenvolvimento da escrita se dá, também, a partir destes enfoques, passando pela solicitação de alteração, pelo aluno, do texto original e visando uma produção cuja ênfase é dada pela ortografia e gramática (normatização da Língua Portuguesa).
O que podemos notar é que a visão do professor é a prevalecente, fato que não impulsiona o pensamento crítico do aluno, visto que neste tipo de trabalho vemos um processo que converge à visão e ao entendimento de todos para a visão que o professor construiu sobre o texto ou a história. Um trabalho assim realizado em nada desperta no aluno o gosto pela leitura ou pela escrita, contribuindo muito pouco para o desenvolvimento efetivo da linguagem, na medida em que rotula a diferença com o erro, além de desprezar o prazer da leitura enquanto prazer da descoberta. Além disso, todo esse trabalho se reveste de um caráter nefasto de cobranças, que não permite que o aluno veja o livro como instrumento de prazer ao menos não no “livro” que é pedido pela escola. (Villardi e Silveira, 2.000, p.01).
As propostas educacionais atuais cobram da escola a consolidação de um leitor efetivo, ou seja, aquele que enquanto lê, seja capaz de:
a)formular perguntas, mantendo-se atendo no diálogo com o texto;
b)selecionar o que lhe é de interesse;
c)complementar as informações ausentes;
d)antecipar fatos, criticar o conteúdo e reformular suas hipóteses;
e)estabelecer conexões entre os novos e os conhecimentos que já possui;
f)transformar e reconstruir textos lidos;
g)atribuir, ao autor, intenções.
Desta forma é preciso que os professores-educadores estejam atentos ao desenvolvimento da leitura, enquanto um processo de construção de significados a partir de um texto, para que haja oportunidade de interação entre os elementos textuais e o conhecimento prévio do leitor.
É preciso ter em mente que: a linguagem que o aluno possui, seu conhecimento de mundo e seus propósitos ao ler constituem-se em alguns dos fatores que interferem no desenvolvimento da leitura, portanto, é imprescindível que o/a professor(a) tenha conhecimento do seu alunado para que se possa oferecer-lhe livros literários que, ao menos, sejam de seu interesse. O que já se constitui em um bom começo para o desenvolvimento de um projeto que vise, verdadeiramente, desenvolver o hábito e o gosto pela leitura.
d)Como desenvolver o interesse pela Leitura
As críticas feitas ao trabalho tradicional desenvolvido pelas escolas, no intuito de desenvolver o gosto e o interesse pela leitura, apontam que muito pouco se faz para alcançar tal objetivo porque rotulam o erro, desprezam o prazer de ler enquanto prazer de descobrir e reveste-se de um caráter de cobranças, fato que não permite sequer o desenvolvimento efetivo da linguagem.
Uma das propostas metodológicas para o desenvolvimento do processo de linguagem, através do estímulo pela leitura e escrita, é apresentada Villardi e Silveira (2.000, p. 01) e centra-se em três princípios básicos: o caráter lúdico, a interatividade e o método indutivo.
Para as autoras acima citadas é preciso, inicialmente, quebrar a idéia de que um trabalho literário deve ser revestido da obrigação de ler para desenvolver um trabalho avaliativo e mostrar aos alunos a importância de ler para si próprio, pelo simples prazer de conhecer um pouco mais ou de passar algumas horas em companhia de histórias que fazem nossa imaginação alçar vôos. Ao mesmo tempo, também é preciso enfatizar que, durante o desenvolvimento de uma leitura, não há como não interagir com o autor, ou seja, esta tarefa de “conversar” com o texto e com o autor do texto constitui-se em um aprendizado que deve, necessariamente, ser desenvolvido na e pela escola. Tal posicionamento, diante do texto, contribuirá para a construção das hipóteses do leitor sobre o pensamento do autor, às quais muitas vezes são demonstradas nas entrelinhas do texto, o que ajudará no exercício de procurar, sempre, compreender o processo de raciocínio desenvolvido por aquele que construiu o texto.
Em relação específica ao trabalho que desenvolvem com a leitura, Villardi e Silveira (2.000), destacam:
No âmbito da leitura, centramo-nos na bidimensionalidade específica do discurso literário. Isso significa que a linguagem literária pressupõe um conteúdo manifesto, ou seja, uma cadeia significante que se evidencia ao leitor, e um conteúdo latente, ou seja, uma cadeia significativa subjacente ao texto. A conseqüência imediata dessa estrutura é o caráter plural do texto, que, portanto, comporta várias leituras, não havendo sentido em privilegiar uma dentre toda as suas leituras possíveis. Assim, todo material foi construído no sentido de permitir ao aluno modelar a sua própria leitura, descartando qualquer possibilidade de que ele viesse a sentir que a sua forma de perceber o texto é inferior à forma como o professor o faz. (Villardi e Silveira, 2.000, p.02 – grifos do autor).
Um dos objetivos do trabalho destas autoras é criar leitores efetivos, para toda a vida, e não leitores de bimestres, somente para atividades escolares. Para nós, professores-educadores, isto significa que o trabalho em sala de aula deve ser desenvolvido de forma a impulsionar, no aluno, o gosto de ler alguma coisa para si próprio e não para o outro, quer esse outro sejam seus pais ou nós mesmos. É preciso deliciar-se no prazer de viajar por dentre e entre as linhas dos livros ou textos, isto porque, também entendemos, com Villardi e Silveira (2.000), que “ler é construir uma concepção de mundo, é ser capaz de compreender, analisando e posicionando-se criticamente frente às informações colhidas, o que permite exercer, de forma mais abrangente e complexa, a própria cidadania”. Portanto entendemos que ler é fundamental.
Para que haja um trabalho produtivo de incentivo à leitura, principalmente junto às crianças da Educação Infantil e Ensino Fundamental (1º e 2º Ciclos) é preciso que algumas condições sejam respeitadas e consideradas como essenciais. Portanto, é preciso dispor de um acervo em sala com livros e outros materiais, como histórias em quadrinhos, revistas, enciclopédias, jornais etc., classificados e organizados com a ajuda das crianças ; organizar momentos de leitura livre nos quais o professor também leia para si. Para as crianças é fundamental ter o professor como um bom modelo. O professor que lê histórias, que tem boa e prazerosa relação com a leitura e gosta verdadeiramente de ler, tem um papel fundamental: o de modelo para as crianças;
?possibilitar às crianças a escolha de suas leituras e o contato com os livros, de forma a que possam manuseá-los, por exemplo, nos momentos de atividades diversificadas;
?possibilitar regularmente às crianças o empréstimo de livros para levarem para cãs. Bons textos podem ter o poder de provocar momentos de leitura em casa, junto com os familiares (MEC/SEF, 1998, p. 144).
Desta forma, consideramos e enfatizamos, mais uma vez, que o processo de desenvolvimento da leitura deva ser um trabalho de significação do texto que supere o mito de que ler é somente extrair informações da escrita (MEC/SEF, 1998, p. 145) e, para tanto, é preciso que o professor esteja atento na seleção e escolha de atividades que, realmente, visem o desenvolvimento da leitura sem que haja um empobrecimento do acesso à literatura (através da oferta de textos supostamente fáceis) e uma rotinização de atividades e textos.
3. Utilizando-se da Tradição Oral
Como nossa discussão gira em torno da questão da LITERATURA INFANTIL, ou INFANTO-JUVENIL, diante da qual estamos tentando destacar a importância do ler-ouvir-falar-escutar-escrever e o resgate da nossa tradição folclórica, importa-nos apresentarmos algumas considerações sobre a questão da narrativa oral, que consideramos essencial no trabalho com as crianças e adolescentes, em função, também do conhecimento histórico-cultural que proporciona.
Ao trabalhar, e enfatizar, o discurso narrativo e o discurso dialogado estamos buscando valorizar a importância da oralidade, da expressão dramática e dos gestos tão enfatizados pelas orientações didáticas, em nível nacional.
Lembremos que pelo discurso narrativo apresentamos uma história e pelo discurso dialogado representamos a fala dos personagens de uma história. Assim, consideramos o texto literário como a representação da voz, pela combinação dos dois tipos de discurso, fato que enfatiza a importância do trabalho com o falar, o ouvir, o ler e o escrever, visto que se constituem em habilidades necessárias no processo de ler e contar histórias. Portanto, uma distinção importante a fazer, refere-se aos três tipos básicos de discurso, quais sejam: direto, utilizado para representar a fala do personagem, indireto, pelo qual se conhece a situação, as ações e reações dos personagens e indireto livre, que apresenta o mundo interior, no qual misturam-se falas, pensamentos, recordações e sensações.
Dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa (1997), para o ensino fundamental, podemos destacar alguns objetivos que condizem com nosso ponto de vista, ou seja, o de estar ressaltando a importância do trabalho com a questão da narração sob a ótica do saber falar e ouvir, além do saber escrever e ler, são eles:
- conhecer e respeitar as diferentes variedades lingüísticas do português falado;
- compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de quem o produz;
- valorizar a leitura como fonte de informação, via de acesso aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição estética, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos em função de diferentes objetivos.(p.41-2)
Do mesmo modo, podemos também destacar do Referencial Curricular para a Educação Infantil (vol. 3, 1998), referente à indicação do trabalho a ser desenvolvido com a Linguagem Oral e Escrita:
a) os OBJETIVOS:
- “interessar-se pela leitura de histórias“ (Crianças de zero a três anos, p. 131)
- “escutar textos lidos, apreciando a leitura feita pelo professor” (Crianças de quatro a seis anos, p.131)
b) os CONTEÚDOS:
?
- “Participação em situações de leitura de diferentes gêneros feita pelos adultos, como contos, poemas, parlendas, trava-línguas etc. ” (Crianças de zero a três anos, p.133).
- “Relato de experiências vividas e narração de fatos em seqüência temporal e causal
- Reconto de histórias conhecidas com aproximação às características da história original no que se refere à descrição de personagens, cenários e objetos, com ou sem ajuda do professor. ” (Crianças de quatro a seis anos – Falar e escutar, p. 137)
- “Participação nas situações em que os adultos lêem textos de diferentes gêneros, como contos, poemas, notícias de jornal, informativos, parlendas, trava-línguas etc.
- Participação em situações que as crianças leiam, ainda que não o façam de maneira convencional.
- Valorização da leitura como fonte de prazer e entretenimento.” (Criança de quatro a seis anos – Práticas de Leitura, p. 140-1).
Este mesmo referencial aponta em suas “Orientações Didáticas” que ouvir um texto já é uma boa forma de leitura (1998, p.141), fato que reforça nossa intenção de resgatar os gêneros da tradição oral, isto porque
ter acesso à boa leitura é dispor de uma informação cultural que alimenta a imaginação e desperta o prazer pela leitura. A intenção de fazer com que as crianças, desde cedo, apreciem o momento de sentar para ouvir histórias exige que o professor, como leitor, preocupe-se em lê-la com interesse, criando um ambiente agradável e convidativo à escuta atenta, mobilizando a expectativa das crianças, permitindo que elas olhem o texto e as ilustrações enquanto a história é lida. (Idem 1998, p. 143).
Assim, o desenvolvimento do hábito e do gosto pela leitura de obras de literatura pode se iniciar pelo doce gosto de ouvir histórias, portanto, acreditamos que resgatar a tradição de sentar para ouvir torna-se uma ação essencial no desenvolvimento da prática educativa escolar.
Não basta obrigar a ler, cobrar a leitura, discursar sobre a sua importância, montar uma biblioteca de sala ou escolar, se não se proporciona um momento agradável para mostrar o quanto é gostoso ouvir e ler histórias. Não podemos nos esquecer que ler e ouvir são aprendizagens que necessitam ser trabalhadas, construídas e desenvolvidas.
Algumas considerações
Uma das preocupações maiores, no que se refere ao trato com a Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil diz respeito ao desconhecimento ou à desinformação que alguns professores têm acerca dos assuntos literários de um modo geral. É certo que ler demanda tempo, e tempo é o que há de mais escasso na vida do professor, entretanto, não há como desenvolver o hábito da leitura em crianças e adolescente, se nós, professores, não o temos, ou muitas vezes, nem ao menos nos preparamos ou nos incentivamos para tê-lo, enumerando infinitas justificativas para não ler.
É preciso buscar nos atualizar para o trabalho de ensinar o que quer que seja, inclusive Literatura Infantil, isto porque a todo dia são lançados novos autores, novos livros e surgem novas idéias para trabalhar com a leitura (sem esquecer que este trabalho induz e produz o trabalho com a escrita). Em suma, é preciso ler para conhecer e conhecer para indicar, trabalhar e explorar o conteúdo de forma crítica e produtiva.
Como sugerido no título deste material, a proposta consistiu em destacar alguns pontos que seriam interessantes um(a) professor(a) saber para poder trabalhar com literatura infantil e, julgo que talvez o exposto aqui seja mínimo necessário para isso. Entretanto, é preciso buscar outras tantas formas de explorar um material literário, principalmente, dada à riqueza que este proporciona para o trato com os conteúdos de ensino.
Sordi (1991), por exemplo, aponta alguns tópicos que considera importantes o professor conhecer para o desenvolver seu trabalho com Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil, são eles:
1.Conceito de leitura extraclasse;
2.Diferença entre livro didático e paradidático;
3.Autores que se dedicam à Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil e suas principais obras;
4.Critérios para indicação bibliográfica;
5.Métodos para incentivo à leitura;
6.Posicionamento frente à resistência à leitura extraclasse;
7.Lançamentos, em Literatura Infantil ou Infanto-Juvenil, premiados pela crítica.
Será que estaríamos prontos para responder a algumas questões que envolvem tais tópicos? Então, que tal buscar pesquisar mais, para conhecer mais, para saber mais como trabalhar a leitura, a literatura e os tanto segredos do mundo do “faz de conta” …
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VILLARDI, Raquel. Um convite à reflexão – Literatura infanto-juvenil: ser ou não ser? [on line] Disponível na Internet. URL: http:www.docedeletra.com.br/dl/index.html em 10.maio.2.000
Publicado em 02/05/2010 10:12:00
Anterita Cristina de Sousa Godoy – Doutora e Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba –
conclusão: 1999 / 2005. Especialista em Metodologia do Ensino Superior (1997) e
Graduada em Pedagogia (1988). Coordenadora do Curso de Pedagogia da UNIFIAN de
Pirassununga/SP.
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