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INTERVENÇÃO PSICOPEDAGÓGICA NA PRÁTICA DO PROFESSOR DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS

José Paulo de Araujo

Ao insucesso se sobrepõe a necessidade de explicá-lo, e a explicação via de regra se transforma na busca do responsável. Ora se põe a culpa no método de ensino, ora no professor, ora no aluno.

"[…]
Professora: Silêncio, classe ! Entre a fanfarra e o inglês existe uma
grande diferença. Soprar corneta, bater bumbo, isso qualquer selvagem,
qualquer africano, qualquer sambista faz. Falar inglês é elevar-se às
alturas de um povo civilizado. Vocês querem se nivelar pelo mais baixo?
[…]"

(‘Aula
de inglês’, cena da peça A Aurora da Minha Vida, de N. Alves de
Souza, 1982:44)

 

Como
bem sabem os comediógrafos, é na comédia que se apontam as falhas humanas, é
na comédia que se põem a nu os erros que todos fingem não perceber. É lógico
concluir, portanto, que o exagero da fala da professora na cena acima é
intencional, e atinge um tom cômico justamente porque toca um ponto chave, o
qual será neste trabalho enfatizado: o ensino de línguas estrangeiras (LEs) na
escola brasileira sempre foi traspassado por um ideário estranho à natureza do
trabalho pedagógico propriamente dito.

Tal
cena ilustra a postura ideológica alimentada pelos educadores de que o domínio
da língua inglesa é um instrumento de ascensão sócio-econômica. Sob uma
perspectiva diacrônica, percebemos que tal postura não foi a única.
Inicialmente houve a proposta de favorecer o desenvolvimento cognitivo dos
alunos através do ensino das línguas grega e latina; em seguida veio a
proposta de permitir o acesso à produção cultural e artística européia por
meio do ensino do francês; e finalmente, a proposta de dar chance ao aluno
brasileiro de ter acesso à produção científico-tecnológica internacional, o
que seria possível com o ensino do inglês, a lingua franca moderna. Aprender
inglês, segundo o ideário da sociedade brasileira – que é representado na
fala da professora acima – abriria futuras portas profissionais e acadêmicas
para os estudantes de hoje, o que, como a realidade mostra, não é
necessariamente verdade.

Assim
como as posturas ideológicas, também os métodos e abordagens de ensino de línguas
estrangeiras evoluíram em consonância com a transformação dos conceitos de
homem, de mundo e de língua em momentos diversos. Em boa parte das evoluções,
entretanto, um denominador sempre parece ter sido comum: o insucesso da escola
para transformar os alunos em usuários competentes de uma LE. No máximo se
conseguiu – e até hoje normalmente apenas se consegue – que eles
aprendessem algumas estruturas gramaticais e um vocabulário de uso cotidiano, o
que quando muito os habilitava apenas à leitura de seus próprios livros didáticos.

Ao
insucesso se sobrepõe a necessidade de explicá-lo, e a explicação via de
regra se transforma na busca do responsável. Ora se põe a culpa no método de
ensino, ora no professor, ora no aluno. No primeiro caso a solução é
relativamente simples: adota-se um novo método. No segundo caso, treina-se o
professor. Já no terceiro caso parece haver poucas esperanças, pois, além do
senso comum pregar que nem todos nascem com "dom para línguas", há
que se levar em conta que não é raro os alunos serem diagnosticados como
portadores de disfunções e problemas que dificultam, quando não inviabilizam,
o aprendizado escolar de modo geral.

Essa
combinação de fatores – interesses sociopolíticos, senso comum, técnicas
educacionais, expectativas frustradas e diagnósticos incapacitantes –
contribui para tornar a área de LE mais um elo no propalado caos da educação
escolar. Uma vez que a aquisição de LEs não é considerada tão essencial –
pelo menos se comparada à alfabetização e ao desenvolvimento do raciocínio
matemático – a solução mais fácil para romper pelo menos esse elo é
relegar o ensino de LEs a um segundo plano.

Partindo
do referencial da Psicopedagogia, área de estudos que se volta para a investigação
do sujeito que aprende, este trabalho tem o objetivo de discutir de que forma se
configuram tais fatores e de sugerir, pelo menos para um deles – a formação
do professor –, uma proposta de como caminhar para fora do caos. Será adotada
aqui a perspectiva de que o professor é, também ele, um sujeito que aprende ao
mesmo tempo que ensina. Esta aprendizagem do docente, a propósito, deve ser
percebida como um processo contínuo, que se inicia ainda durante sua formação
na Licenciatura e persiste durante toda sua vida profissional.

OS
PARADIGMAS NO ENSINO DE LEs

E
A TRANSFORMAÇÃO DO PAPEL DO PROFESSOR

 

"[…]
[na primeira metade do século XX] As questões educacionais eram
discutidas por intelectuais, artistas e homens públicos sem nenhuma
especialização em ensino. […]"

(Revista
Época, 1º de fevereiro, 1999 – "O orgulho está de volta",
p. 59 – acréscimo do pesquisador)

 

Como
bem relata o fragmento que abre esta seção, é recente em nosso país o
pensamento sobre a educação a partir de seus próprios referenciais e por seus
próprios profissionais. Mais comum anteriormente era que as políticas
educacionais fossem determinadas de fora para dentro, ou seja, desde setores da
sociedade não diretamente vinculados ao ensino para dentro da escola. Em outras
palavras, sob o ponto de vista histórico, o professor se submetia aos desígnios
de interesses sociopolíticos de membros eminentes da sociedade.

O
ponto relevante parece ser a constatação de que o poder do professor sobre sua
profissão sempre foi relativizado: ao mesmo tempo que lhe é dada autonomia
para fazer algumas escolhas relativas à forma de conduzir a disciplina em suas
turmas, não lhe é permitido avaliar criticamente as medidas educacionais que
determinarão seu trabalho pedagógico. Estas medidas ainda hoje, como na
primeira metade do século, são impostas ao professor, só que agora pelas
autoridades acadêmicas e da própria educação. A história da evolução dos
métodos e abordagens de ensino de LEs ilustra bem esta situação de
desautorização do fazer docente.

Uma
das abordagens mais conhecidas na história do ensino formal de LEs denomina-se
Gramática-Tradução, e, como sugere o próprio nome, sua proposta era o ensino
da gramática da LE com o propósito de habilitar os alunos para a tradução de
textos. Aplicada desde o século XIX ao ensino das línguas clássicas, esta
abordagem alcançou o século XX e foi empregada também no ensino das línguas
modernas. É pouco provável que alguém que tenha freqüentado os bancos
escolares até a década de 70 (e mesmo até a de 80) não tenha sido submetido
a esta abordagem.

A
característica essencial da Gramática-Tradução é a ausência de uma
fundamentação teórica que a sustente. O professor dentro desta abordagem
teria o papel de Transmissor do Conhecimento. Sua função seria garantir a
passagem do conhecimento da língua para o aluno e avaliar a assimilação do
mesmo. A ausência de uma fundamentação teórica dificulta uma análise científica
da abordagem, assim como também impede uma ação docente crítica e
comprometida com a qualidade.

Em
meados do século XX, a necessidade de formar soldados habilitados a se
comunicar face a face com estrangeiros durante a 2ª guerra, aliada à crítica
aos resultados obtidos nos métodos de ensino de LEs tais como o Gramática-Tradução
e outros, levaram os educadores a buscar a criação de métodos mais eficazes.

Posteriormente
os estudos do psicólogo comportamentalista B.F. Skinner acenaram com a
possibilidade da criação de um método científico para o ensino. O trabalho
de Skinner trouxe a proposta de um ensino programado e de uma tecnologia
educativa que atenderiam aos anseios de um mundo que se tornava cada vez mais
tecnicista e complexo. Pela primeira vez o ensino poderia ser encarado como ciência
e seus resultados poderiam ser pré-determinados.

A
evolução da lingüística estruturalista, com sua proposta de análise de
corpus da língua oral, foi outra influência científica que, aliada à
psicologia comportamentalista, auxiliou na criação de um método denominado
Audiolingual. Neste método, o ensino de LEs equivaleria à formação de hábitos
lingüísticos nos alunos, por meio da associação de estímulos e respostas
condicionadas através de reforços positivos. Haveria controle total do ensino
pelo professor, o qual seria responsável pela apresentação de pequenas
"doses" da língua-alvo para treinamento intensivo. Foi tal a fé no
caráter científico do método que ele proliferou e ainda hoje encontra
adeptos.

A
fundamentação psicológica comportamentalista possuía uma característica de
rigidez e controle que dispensava a criatividade e a auto-expressão do aluno
(Rojas e Corral, 1991), além de não valorizar o aspecto emocional de sua relação
com o professor. Tudo isto tornou o trabalho docente uma atividade técnica,
quase mecânica e definitivamente acrítica. Na verdade, bastaria um usuário ou
falante proficiente da LE para atuar como implementador do método, o qual,
portanto, efetivamente instituiu o papel do Professor Técnico.

Contrariamente
à expectativa dos audiolingualistas, e principalmente na Europa, percebeu-se a
impossibilidade de transformar alunos em usuários competentes de uma LE apenas
através de estímulos, respostas e reforços cientificamente controlados. No máximo,
os alunos deste método alcançavam um grande conhecimento da estrutura
gramatical e do léxico da língua-alvo, mas não eram competentes para utilizar
de modo adequado este conhecimento na comunicação com os falantes nativos da
LE.

Mais
uma vez o insucesso impulsionou a mudança, a qual foi favorecida pelos estudos
da sociolingüística, um ramo da lingüística que concebe a língua como sendo
um sistema de regras socialmente adquiridas e postas a serviço de propósitos
comunicativos em situações de uso reais. Esta concepção da língua em uso,
permeada pelas intenções dos usuários e pelas normas culturais de seus
grupos, contribuiu para a criação de uma abordagem denominada Comunicativa.

O
grande salto da Abordagem Comunicativa foi qualitativo, pois permitiu uma mudança
de foco: do ensino para a aprendizagem, ou, em outras palavras, do professor e
do método para o aluno, pois o ensino passaria a ser orientado para as futuras
necessidades comunicativas deste aluno em contextos reais de uso da LE.

Segundo
os proponentes da Abordagem Comunicativa, o aluno adquire a LE a partir da atuação
em contextos criados para estimular a comunicação autêntica, ou seja, onde
tenha que interagir com outros para obter algo, para resolver um
"problema", quer seja encontrar uma loja, quer seja dar instruções
para o uso de um aparelho eletrodoméstico.

Que
não se entenda que o ensino comunicativo se restrinja à comunicação oral
face a face. Também há comunicação em contextos nos quais o uso da língua
seja mediado pelo texto. É, inclusive, a partir da abordagem Comunicativa que
se originam os atuais cursos com propósitos instrumentais, como os de leitura,
que se tornaram uma importante orientação no ensino de LEs nas escolas públicas
brasileiras.

O
ensino Comunicativo, tornou o fazer docente mais complexo, pois atribuiu ao
professor uma série de papéis: Colaborador, Facilitador, Incentivador e
Avaliador do processo de aprendizagem. O professor seria aquele que
estabeleceria todas as bases pedagógicas do ensino, a partir das necessidades
que o aluno apresentasse para a aprendizagem e posterior uso da LE.

Este
breve panorama parece sugerir que as direções no ensino de LEs, como na educação
de modo geral, deixaram de ser ditadas por leigos e passaram para as mãos de
especialistas técnicos. Aparentemente, uma vez assumida uma postura técnico-científica,
seria mais fácil avaliar a qualidade e os resultados do trabalho pedagógico
desenvolvido, pois um ensino com bases teóricas explícitas e objetivos
delineados teria mais chances de ser bem sucedido ou, se necessário, aperfeiçoado.

 

A
evolução do ensino de LEs em direção a abordagens mais científicas daria
então ao professor uma atribuição técnica, uma vez que – para utilizar uma
metáfora científica – ele desempenharia o papel de um cientista que põe em
prática um experimento em seu laboratório – a sala de aula. Assim, ao
estabelecer os objetivos do ensino e da aprendizagem, ao fazer os ensaios práticos
com atividades e técnicas pedagógicas, ao avaliar os resultados e ao efetuar
as mudanças metodológicas necessárias ao sucesso do experimento, o professor
seguiria uma abordagem puramente científica. É isso o que se espera do
professor na Abordagem Comunicativa.

Na
prática, entretanto, ao professor só é dado o papel de receptor dos métodos
e de executor dos ensaios, não lhe sendo de fato permitido interferir mais
criticamente no processo e reavaliá-lo. As normas e procedimentos são impostos
de cima a partir das autoridades de ensino, respaldadas por "autoridades
acadêmicas". Além disso, há que se reconhecer que a formação em nível
superior (Licenciatura), por motivos que serão discutidos posteriormente, não
costuma formar professores capazes de atender a exigências como as trazidas
pela Abordagem Comunicativa. Esta situação alimenta uma postura que torna os
professores meros reprodutores de fórmulas, pouco críticos e normalmente
incapazes de lidar com as dificuldades dos alunos.

Podemos
concluir, então, que a passagem de papéis, desde o de Transmissor até o de
Colaborador, se deu apenas na teoria do ensino de LEs. Na prática esta passagem
apenas escamoteou um processo gradativo de desautorização do fazer docente, um
processo que como se verá tem conseqüências graves para a qualidade do
ensino. 

DEFORMAÇÃO
DO TRABALHO DOCENTE:

SOCIOLOGIZAÇÃO
E PATOLOGIZAÇÃO DO INSUCESSO

NO
ENSINO DE LEs

 

"[…]
quando fazia uma pesquisa […] em escolas do município do Rio de
Janeiro […], percebi uma série de julgamentos por parte dos
professores em relação aos alunos que me pareciam sintomáticos do
inconsciente/consciente dos docentes de línguas estrangeiras (LEs) das
escolas públicas: desde ‘Coitadinhos, são muito fraquinhos’ até
[…] ‘Eles não aprendem português quanto mais inglês’
[…]"

(Moita
Lopes, mimeo, p.1)

 

Como
se concluiu anteriormente, a evolução das abordagens de ensino de LEs
contribuiu para a desautorização do papel do professor. Embora em teoria a
progressiva evolução científica dos métodos criasse a necessidade de
professores mais técnicos e bem preparados, os cursos de Licenciatura não
estavam – e ainda não estão – preparados para formar profissionais com o
perfil exigido.

As
conseqüências deste conflito são sérias tanto para os professores, que
sentem-se frustrados e imobilizados diante dos insucessos, quanto para os
alunos, que costumam ser "responsabilizados" pelo próprio fracasso,
através de explicações que vão da falta de dom até as carências econômica
e lingüístico-cultural que, trazidas de seu ambiente familiar para a escola,
agiriam como impeditivos ao sucesso escolar (Moita Lopes, mimeo).

Não
raro, graças também a uma mal engendrada associação entre saúde e educação,
se diagnosticam nestes mesmos alunos uma série de problemas, distúrbios ou
deficiências cognitivas e/ou perceptivas que apenas alimentam sua exclusão
social e educacional, causando danos graves a sua auto-imagem (Moyses e Colares,
mimeo).

Ao
aluno, a vítima maior deste processo de exclusão e discriminação, resta
apenas reagir, e muitas vezes da forma mais eloqüente: com agressividade
(Fernandez, 1992). Se fosse naturalmente direcionada, como argumenta a psicanálise,
a agressividade presente nas pulsões dos alunos se dirigiria aos objetos
cogniscitivos, favorecendo sua apreensão. No contexto escolar como o
descrevemos, entretanto, esta agressividade natural é distorcida e dirigida à
figura do professor, que via de regra não consegue compreender seu valor simbólico
de reação ao ambiente repressivo da escola e acaba por compreendê-la no nível
imaginário da agressão pessoal. Não raro esta agressividade mal investida se
converte em violência real.

Este
processo complexo de sociologização e patologização do processo educacional
escolar acaba por criar um contexto que, longe de propor soluções pedagógicas
para as dificuldades encontradas pelos alunos, principalmente das classes
baixas, apenas serve como referendo para justificar o fracasso escolar de modo
geral, e não apenas na área de LEs. E o aluno diagnosticado como deficiente
acaba recebendo do professor menor expectativa de sucesso, o que apenas o exclui
mais profundamente da possibilidade de superar as dificuldades do processo de
aprendizagem em um contexto escolar que já lhe é hostil.

Em
poucos momentos se busca uma visão de conjunto deste caos, uma visão sistêmica
que contemple a análise crítica da proposta oficial de ensino de LEs, do método
ou da abordagem adotada e do contexto social da interação aluno-professor, além,
é claro, da própria formação que este professor recebe. A solução mais
simples é a da crítica pela crítica, com a inevitável busca de responsáveis
e a conseqüente exclusão do aluno.

Esta
análise reforça o argumento anteriormente apresentado de que há sempre um ideário
estranho ao fazer pedagógico que se imiscui na escola – e, poderia-se
acrescentar aqui, com conseqüências nefastas. Desta vez o ideário resulta da
interferência de concepções sociológicas e clínicas. É óbvio que tal
interferência não é aleatória ou casual. Ela é apenas um reflexo das relações
de poder que operam na sociedade em nível macro (Moita Lopes, mimeo).

A
HABILITAÇÃO DO PROFESSOR DE LE: PRESENTE E FUTURO

"[…]
Tornar o professor co-construtor de seu processo de trabalho implica que
ele avalie judiciosamente sua prática a partir da reflexão em cima de
seu trabalho, com base em teoria."

(Libâneo,
1997, p. 173)

 

Segundo
exposto anteriormente, o processo de desautorização do fazer docente na área
de LEs é em parte engendrado pela imposição de métodos ditos científicos,
que submetem o professor às imposições da técnica pedagógica e lhe retiram
o poder de questionar e transformar sua prática de sala de aula. Uma vez
desautorizado, o professor perde sua capacidade de interferir sobre o processo
educativo e se vê reduzido a um mero executor de ações sem significado, o que
contribui, ao lado dos péssimos salários, das condições por vezes insalubres
e da violência social que já invade as escolas, para o rebaixamento de sua
auto-estima.

Outro
aspecto que não pode ser esquecido, e que será priorizado neste trabalho, é a
própria formação que estes professores recebem nos cursos de prática de
ensino durante a Licenciatura. Segundo Vieira-Abrahão (1999) tais cursos
deveriam habilitar os graduandos a exercer a docência, mas sua duração média
de 75 horas é insuficiente se analisada em relação à complexidade das
habilidades lingüísticas e pedagógicas esperadas de um futuro professor de LE.
Conseqüentemente, os cursos acabam por contribuir na formação de
profissionais acríticos que passarão a integrar o quadro já problemático do
ensino de LEs.

Como
bem expõe Libâneo, as propostas neoliberais para a educação brasileira
alimentar um ideário de que o professor "…não precisa ser envolvido com
teorias, com reflexão sobre sua prática, uma vez que seu trabalho requer
sobretudo desempenho técnico…" (1997, p. 165). Para formar um professor
deste tipo, de fato, não é necessário grande investimento de tempo e parece
ser a serviço deste ideário que trabalham as Licenciaturas.

Uma
saída apresentada para esta situação é encontrada na Lei No. 9.394/96, a Lei
de Diretrizes e Bases da Educação, que propõe em seu Artigo 65o o aumento na
duração da prática de ensino para 300 horas. O problema em nossa opinião está
em igualar a melhoria da capacitação para o trabalho docente apenas à
quantidade de tempo investido no processo de formação do professor. É
fundamental não esquecer que também a qualidade da formação deve ser
considerada, principalmente quando se levam em conta as habilidades que o
graduado deverá possuir após o curso, e que são especificadas pela mesma Lei:

 

"[…]Art.
13º Os docentes incumbir-se-ão de:

I-
participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de
ensino;

II-
elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do
estabelecimento de ensino;

III-
zelar pela aprendizagem dos alunos;

IV-
estabelecer estratégias de recuperação para os alunos de menor
rendimento;

V-
ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além de
participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à
avaliação e ao desenvolvimento profissional;

VI-
colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias
e a comunidade; […]"

(Lei
Nº 9394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional)

Uma
formação realmente de qualidade para o profissional da Educação, como para o
de qualquer outra área, demanda um investimento na capacitação teórica do
formando, ou seja, em uma capacitação para que este futuro profissional tenha
possibilidade de compreender a forma como o conhecimento científico é
produzido no seu campo do saber, de avaliar criticamente esta produção de
conhecimento e de atuar segundo a orientação crítica deste conhecimento.

Apenas
um profissional de educação que compreenda como se faz ciência em sua área
de atuação pode tornar-se crítico e mais capacitado para dialogar com as
"autoridades" acadêmicas e educacionais, que durante tanto tempo o
submeteram passivamente à mudança dos paradigmas de ensino. Esta capacitação
teórica – ou competência aplicada, nos dizeres de Almeida Filho (1994) –
seria fundamental para restaurar a autoridade profissional do professor de LEs,
assim como a de qualquer professor de qualquer outra disciplina do currículo
escolar.

No
trecho que abre esta seção, Libâneo afirma que o resgate profissional do
professor – o processo de torná-lo "co-contrutor" de sua prática
– depende de avaliação judiciosa e de reflexão sobre seu trabalho. Avaliação
e reflexão baseadas em teoria. Em poucas palavras ele parecer estar recuperando
a metáfora do professor-cientista utilizada anteriormente neste trabalho. Em
resumo, há que se formar um professor que seja capaz de investigar e criticar
sua própria atuação em sala de aula e de sugerir mudanças necessárias,
sempre com base em um conhecimento teórico relevante. Esta formação, ainda
segundo Libâneo (1997, p. 170) não deveria se restringir apenas à formação
em Licenciatura, mas deveria contemplar também aqueles profissionais que já se
encontram no mercado de trabalho e que já se encontram submersos no caos
educacional abordado anteriormente.

A
proposta que será apresentada a seguir destina-se à "autorização"
(ou capacitação) tanto do licenciando, que deverá ser preparado para atuar em
diálogo constante com os produtores do conhecimento científico da academia,
quanto do professor em serviço, o qual, pelos motivos já discutidos aqui, não
teve uma formação que contemplasse a possibilidade de realizar tal diálogo em
prática.

 

UMA
PROPOSTA PARA A CAPACITAÇÃO CRÍTICA DOS PROFESSORES DE LE: OS DIÁRIOS DE
AULA

"
‘Modelos mentais’ são pressupostos profundamente arraigados,
generalizações ou mesmo imagens que influenciam nossa forma de ver o
mundo e de agir. Muitas vezes, não estamos conscientes de nossos
modelos mentais ou de seus efeitos sobre o nosso comportamento
[…]"

(Senge,
1998, p. 42)

 

Esta
citação do professor Peter Senge será essencial para o pensamento sobre uma
pedagogia para a formação do professor de LEs do futuro. Não é difícil
perceber em seu conceito de ‘modelos mentais’ uma afinidade com o conceito
de ‘ideário’ empregado anteriormente. Ainda que Senge trabalhe no universo
empresarial, é o tema da aprendizagem contínua que ele aborda, e é este o
tema que a formação do profissional de ensino deve priorizar. Um professor
continuamente comprometido com sua capacitação teórica e crítica é o que
exigirá o futuro, e é o que exige já hoje o ensino de LEs.

O
professor que não tem consciência de seus modelos mentais é o mesmo professor
acrítico que se torna submisso à mudança de paradigmas engendrada pela
academia e pelas autoridades de ensino. E é também aquele que tem visto sua
profissão se degradar por críticas da sociedade e por péssimos salários e
condições de trabalho.

O
mesmo Senge declara também que:

 

"O
trabalho com modelos mentais começa por virar o espelho para dentro;
aprender a desenterrar nossas imagens internas do mundo, a levá-las à
superfície e mantê-las sob rigorosa análise. Inclui também a
capacidade de realizar conversas ricas em aprendizados, que equilibrem
indagação e argumentação, em que as pessoas exponham de forma eficaz
seus próprios pensamentos e estejam abertas à influência dos
outros."

(Senge,
1998, p. 42)

Fazer
o licenciando em LEs ou o professor já formado "virar o espelho para
dentro" é uma tarefa bastante complexa. Afinal, tomar consciência dos
modelos mentais ou dos ideários que subjazem à sua prática e mesmo ao seu
discurso não é o mesmo que levá-lo a declarar o que pensa sobre si mesmo
enquanto profissional e sobre sua ação docente. É uma tarefa que deve contar
com o apoio de uma equipe interdisciplinar que envolva:

  1. lingüistas
    aplicados, uma vez que a tarefa certamente envolverá questões de uso da
    linguagem;

  2. psicopedagogos,
    uma vez que o professor também precisa ser considerado um sujeito que
    aprende, quando reavalia seus modelos e busca sua modificação;

  3. professores
    de prática de ensino, psicólogos, coordenadores acadêmicos, diretores de
    escola, e outros profissionais mais diretamente envolvidos e mais presentes
    no universo de formação e atuação do professor.

O
ponto central defendido na proposta que se fará aqui é que o espelho sobre o
qual os modelos mentais dos professores serão projetados para uma "reflexão"
crítica seja a própria linguagem, o próprio discurso do professor.

Uma
forma possível para auxiliar o professor a desvelar seus próprios modelos
mentais e a criticá-los é o uso das notas de observação de campo, aqui
denominadas ‘diários de aula’. As notas de campo são instrumentos bastante
comuns na pesquisa educacional de cunho interpretativista, tais como a
pesquisa-ação (Enright, 1981; Lüdke e André, 1996), e foram tomadas de empréstimo
da pesquisa antropológica e sociológica. Neste instrumento o
professor-pesquisador registra o que observa do andamento de suas aulas, das reações
dos alunos e das suas próprias e do contexto escolar mais amplo que possa a ter
repercussão direta ou indireta sobre seu fazer pedagógico.

O
diário de aula deve ser redigido individualmente pelo próprio professor a
partir de uma reflexão a posteriori sobre os eventos ocorridos durante cada
aula ou cada semana. O próprio processo de redigir o diário leva à rememoração
de eventos aparentemente insignificantes que podem facilitar a avaliação de métodos
e posturas do professor. Eis alguns aspectos que devem ser levados em conta para
o trabalho com diários de aula:

  1. O
    professor deve ter um caderno ou fichário onde fará os registros, a fim de
    que tenha acesso fácil aos textos após os registros;

  2. O
    diário de uma aula deve ser redigido no máximo 24 horas após a realização
    da aula. Pode ser conveniente, caso o professor não possa escrever o diário
    neste prazo, fazer anotações rápidas sob a forma de tópicos, a fim de
    garantir que eventos específicos ocorridos nas aulas não sejam esquecidos;

  3. O
    diário não precisa seguir uma estrutura pré-determinada. Uma forma
    simples de fazer os registros, entretanto, é seguir a seqüência dos
    eventos realizados na aula relatada atribuindo-se um tópico a cada evento:
    ‘a entrada dos alunos’, ‘a chamada’, ‘a correção dos exercícios’,
    ‘explicação da matéria’, ‘leitura e discussão’ etc.;

  4. O
    professor dever registrar não somente aspectos objetivos tais como a seqüência
    cronológica das atividades e dos eventos, mas também, e prioritariamente,
    as atitudes, emoções e a frustração ou o entusiasmo próprio ou dos
    alunos durante as aulas;

  5. Reações
    como a raiva, o medo, a insatisfação e a alegria devem ser registradas na
    íntegra, sem censuras prévias ou posteriores, mesmo que o professor não
    seja capaz de compreendê-las em suas causas e efeitos;

  6. A
    redação do diário também pode ser um momento propício para o professor
    levantar hipóteses sobre sua prática ou sobre a forma como os alunos
    respondem a ela. Pode ser o momento para o professor constatar a carência
    de alguma informação teórica que fundamente uma mudança que deseje
    experimentar durante as aulas. E pode também ser uma forma de planejar as
    etapas de estruturação de tal mudança;

  7. A
    cada semana é conveniente reler os diários registrados e procurar a ocorrência
    de fatos que se repetem nas aulas com alguma implicação para o aprendizado
    dos alunos. Tais fatos podem ser destacados no texto em vermelho. Por
    exemplo, o professor pode verificar que os alunos se mostram extremamente
    motivados para discutir questões trazidas pelo professor, porém não
    demonstram interesse em ler textos;

  8. A
    cada período maior, quer seja semanal, mensal ou maior, o professor deve
    reler os diários registrados, deve refletir sobre as questões mais
    importantes e as experiências feitas e seus resultados;

  9. Em
    contextos nos quais o professor sinta confiança e tenha apoio por parte de
    coordenadores pedagógicos e diretores, ele pode trazer à discussão suas dúvidas
    e conclusões obtidas a partir das reflexões contidas nos diários. Por
    outro lado, devido ao caráter íntimo das informações registradas nos diários,
    não se recomenda que o professor os exiba aos outros membros da equipe
    interdisciplinar;

  10. O
    mais importante é que o professor veja os diários como um registro
    processual, e não os avalie apenas como uma série de imagens estanques e
    isoladas. Esta visão do processo em desenvolvimento servirá como
    instrumento para desvelar as mudanças que possam ocorrer durante o período
    de registro dos diários.

 

Acima
de tudo é fundamental que os profissionais das áreas de suporte (psicólogos,
pedagogos, psicopedagogos e lingüistas aplicados) tenham a humildade de
perceber que o local do fazer docente é do professor, e que este fazer possui
características tão científicas quanto os deles mesmos. A função dos outros
membros da equipe interdisciplinar deve ser a de dar ao professor o suporte
necessário à organização – ou à reorganização – de sua prática.

Assim,
por exemplo, em contextos nos quais o professor esteja enfrentando problemas de
indisciplina ou agressão, seria relevante que o psicólogo ou o psicopedagogo
escolar fornecesse suporte para que o professor descobrisse de que forma sua
relação com os alunos pode estar alimentando um mal investimento pulsional.
Deveria ser evitada a busca de culpados, a patologização do aluno ou do
professor, afinal o aluno não se torna agressivo por si; ele investe a
agressividade sobre sua relação com o professor e deveria ser sobre esta relação
o foco do suporte psicológico ou psicopedagógico.

Um
aspecto que deve ser ressaltado é a necessidade de que os membros da equipe
interdisciplinar não tentem doutrinar, ou muito menos convencer os professores
a adotar uma determinada teoria ou metodologia de ação de modo acrítico. É
necessário, sem dúvida, dar ao professor a oportunidade de conhecer qualquer
paradigma teórico que possa ser relevante a sua prática, mas também deve-se
dar a ele a possibilidade de dialogar criticamente com tal paradigma.

Em
resumo, é este o momento de permitir ao professor de LEs resgatar a sua
autoridade, a qual foi perdida no curso da história pela influência de fatores
diversos e substituída por ideários ou modelos mentais que se alimentam de uma
postura de passividade acrítica. O cuidado que se deve ter, portanto, é de não
deixar que o fazer docente se submeta aos fazeres de outros profissionais
atualmente envolvidos direta ou indiretamente com o contexto escolar.

Concluindo,
deve-se ressaltar a necessidade de permitir o surgimento de um pensamento e de
uma prática que dêem conta de uma contínua análise sistêmica do processo
educativo. Uma análise que leve em consideração a proposta educacional da
escola, as diretrizes da LDB, a orientação do sistema educacional local para o
ensino de LEs, a formação do professor na Licenciatura, a relação
professor-aluno e o comprometimento deste professor com seu processo de
auto-avaliação e aprendizado contínuos.

 

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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mudança nos currículos de formação de professores de línguas. Unicamp,
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VIEIRA-ABRAHÃO, Maria Helena. Repensando o curso de letras: habilitação em
língua estrangeira. [Online] Disponível em http://atlas.upcel.tche.br/~alab/
Arquivo: le.htm, /1999/.

Publicado em 01/01/2000


José Paulo de Araujo – Mestre em Lingüística Aplicada
Especialista em Psicopedagogia Bacharel em Letras (português-inglês) – UFRJ
Mestre em Lingüística Aplicada – UFRJ
Pós-graduando em Psicopedagogia – Universidade Candido Mendes
Membro da ABPp
Membro da ALAB (Associação de Lingüística Aplicada do Brasil)
Professor Substituto da Faculdade de Letras (UFRJ) – de agosto de 1993 a dezembro de 1993
Professor Assistente da Faculdade de Letras (UFRJ) – de setembro de 1996 a fevereiro de 1997
Bolsista do CNPq – de julho de l 994 a fevereiro de 1995

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