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O CONCEITO DE JOGO NA PSICOLOGIA HISTÓRICO-CULTURAL DE DANIIL ELKONIN E NA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO DE GILLES BROUGÉRE

Rafaela Mezzomo, Álvaro Marcel Palomo Alves

RESUMO: O presente trabalho busca compreender a atividade lúdica, sua história, importância e surgimento a partir de dois autores que estudaram várias concepções de jogo e sua origem. Desta forma o trabalho foi realizado, primeiramente, com o levantamento bibliográfico-conceitual da obra Psicologia do jogo de Elkonin, Jogo e Educação e Brinquedos e Companhia de Brougére. Mais tarde foram realizadas comparações entre estes autores buscando a melhor compreensão de jogo através de aproximações e distanciamentos entre os mesmos.  Elkonin aborda principalmente o jogo protagonizado que melhor representa a origem histórico-cultural do jogo, pois se trata de representação de papéis. Este autor baseado no materialismo histórico-dialético defende que a criança joga de acordo com aquilo que vive em seu cotidiano com os adultos e seus trabalhos, sendo o jogo um mediador entre o que ela gostaria de ser (adulto) e o que é (criança), pois vive em seus jogos aquilo que ela não pode viver na realidade. Brougére também defende a idéia do surgimento social do jogo e acrescenta que a criança adquire consciência de jogar na medida de sua relação com o outro pela linguagem. Este autor enfatiza a relação entre jogo e educação, caráter supérfluo e sério que o jogo apresenta no decorrer de sua história com a humanidade e os jogos educativos. Além disso, Brougére fala do brinquedo e das representações que os seres humanos têm deles, fala da mídia como muito influente nos jogos infantis, sendo a televisão um mediador entre o jogo da criança e ela própria.

PALAVRAS-CHAVE: Jogo, cultura, teoria histórico-cultural, educação.

INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca compreender a atividade lúdica, sua história, importância e surgimento a partir de dois autores que estudaram várias concepções de jogo e sua origem. A pesquisa a seguir é bibliográfica e dividida em três momentos: levantamento bilbliográfico-conceitual da obra de Elkonin, levantamento bilbliográfico-conceitual da obra de Brougère e por último a comparação entre as duas teorias, gerando aproximações e distanciamentos entre os autores. A primeira parte da pesquisa foi baseada na obra “Psicologia do Jogo” de Elkonin (1998) este autor, baseado no materialismo histórico dialético se preocupou em estudar as concepções de vários autores que estudaram o jogo e apresentou nesta obra as principais teorias formuladas, tais como de Petróvski, Schiller,  Spencer, Wundt, Groos e Buytendijk. Estes autores discutiram o caráter instintivo do jogo, isto é, nascemos já dispostos a jogar, como algo inato o que seria semelhante aos animais. Elkonin na sua concepção histórica dialética não exclui o caráter instintivo do jogo, mas afirma ser errônea uma abordagem tão naturalista do jogo da criança e do homem propriamente dito, pois para ele o jogo é uma atividade em que se reconstroem as relações sociais, a criança joga a partir daquilo que vive na cultura a qual está inserida, observando os adultos em suas atividades cotidianas representam em seus jogos a vida adulta, atividades que ainda não realizam na infância, surgindo assim o jogo protagonizado.
O jogo protagonizado constitui as atividades que envolvem uma situação imaginária, por meio das quais as crianças sentem desejo de representar algum papel, de ser algo como, por exemplo, brincar de ser mãe, ser vendedora etc. e tem origem a partir de uma relação genética com a formação das ações com os objetos na primeira infância, sendo essas ações realizadas sob imediata direção dos adultos. Para estudar o jogo protagonizado uma das tarefas essenciais é esclarecer as premissas psicológicas em que se baseia a adoção de papel pela criança e o desenvolvimento do conteúdo do papel interpretado no jogo por ela. Sendo assim esta forma de jogo desenvolve-se dependentemente do contexto histórico-cultural o qual a criança está inserida, e também está diretamente relacionado às interações sociais da criança com os adultos que são mediadores de suas ações, a criança representa aquilo que ela observa no seu dia- a-dia e ao representar as relações entre as pessoas em seus papéis, o que ocorre com crianças mais velhas, as crianças não se apercebem disso e, ao efetuarem o jogo das relações não as notam. Este tipo de jogo surge entre a discrepância daquilo que a criança gostaria de ser (adulto) do que ela pode ser (criança), assim representa no jogo os papéis do adulto de seu interesse. É possível encontrar mediadores nos jogos infantis, mas que mediadores são esses?  Entre o mundo infantil e o mundo adulto é o jogo, principalmente o jogo protagonizado.
Elkonin apresentou em seu livro “Psicologia do Jogo” a concepção instintiva que alguns autores, principalmente as de Groos e Buytendijk que falam da origem do jogo como algo inato aos seres humanos. Groos com a teoria do exercício, baseada no reconhecimento do instinto do jogo, define suas idéias em teses, sendo algumas delas o jogo como impulso que os animais têm para o jogo juntamente com outras peculiaridades inatas da natureza orgânica, nas crianças a ânsia impulsiva de atividade se manifesta com força no período de crescimento; durante a infância há a preparação para o mundo adulto, aquisição das adaptações necessárias à vida, então se a função principal da infância é o desenvolvimento dessas adaptações, é no jogo que as crianças apreendem a desenvolvê-las.
Para Buytendijk quando o jogo se torna exercício preparatório como afirma Groos deixa de ser jogo, as formas instintivas de atividades e também os mecanismos nervosos amadurecem independentemente do exercício, do treinamento. Buytendijk, influenciado pelas idéias de Freud dos impulsos, acredita que o jogo é expressão dos impulsos que caracterizam a infância. Elkonin critica esse caráter tão naturalista de jogo e para analisar o surgimento, desenvolvimento e declínio do jogo se baseia na tese metodológica de Marx e do materialismo histórico-dialético e ainda relaciona o surgimento do jogo protagonizado com o momento em que a divisão social do trabalho afasta a criança do processo de produção.
O materialismo histórico-dialético considera o trabalho uma atividade fundamental na vida dos seres humanos, pois é por ele que a sociedade se organiza e para Elkonin o social é toda relação humana mediada pelo trabalho. Voltando na história da humanidade, na época primitiva, podemos perceber que foram se construindo relações de trabalho entre homens e mulheres. Estas a partir da divisão do trabalho foram permitidas exercerem papéis de responsáveis pela morada, pelos filhos, enquanto os homens saíam para caçar, ficou determinado então que as mulheres trabalhassem no lar, e os homens fora de casa. Nos tempos atuais essas relações mudaram, observamos hoje o aumento do número de mulheres exercendo profissões que até um tempo atrás eram permitidas apenas aos homens. A partir disso vale lembrar que dentro daquele contexto primitivo, as meninas brincavam principalmente de boneca, observavam suas mães alimentando os filhos, dando banho entre outros cuidados e faziam o mesmo com suas bonecas, já os meninos baseavam seus jogos e brincadeiras imitando os homens, seus jogos eram constituídos por conteúdos de guerra, caça, pesca entre outras. Na perspectiva de Groos já citado aqui, para fazer uma comparação, acreditava que a menina estava treinando para quando chegar a idade adulta já estar preparada para exercer o papel materno e os meninos se preparavam para as funções ditas masculinas, caçar, pescar etc. Para Elkonin porém, as crianças visualizavam os adultos em sua atividade e com isto criavam seus jogos, é possível incluir aqui os instrumentos, ferramentas de trabalho usados pelos adultos que as crianças por meio de outros objetos também inventavam formas de jogo, sempre pelas observações de seus cuidadores.
Sob influência de Vygotsky que apontava os desafios no estudo do jogo pelo enfoque marxista, Elkonin acrescenta em seus estudos sobre o jogo a imitação como outra regra fundamental juntamente com a imaginação, pois sem imaginação não há jogo. Desta forma a imitação entra como central e diretamente ligada a uma situação fictícia.  A imitação aparece nos jogos protagonizados descritos por Elkoni, pois nada mais é que a representação de papéis, crianças que observam os adultos em suas atividades diárias com imaginação rica que a infância possui, recria em seus jogos o que seus pais, tios, adultos enfim realizam e que as crianças gostariam de realizar. Sendo assim o trabalho e a divisão do mundo adulto e mundo infantil é bastante focada na obra de Elkonin.
Nas obras de Gilles Brougére “Jogo e Educação” (1998) e “Brinquedos e Companhia” (2004) é enfatizada a educação e a relação que o jogo e ainda o brinquedo tem com a sociedade, cultura e relacionamentos entre pais e filhos. Na primeira obra citada Brougére trata da origem do jogo como linguagem, estuda o que é chamado jogo em determinada sociedade e quando é que as pessoas fazem referência à palavra jogo, o que seria jogo na fala de adultos e crianças em determinada cultura e sociedade, portanto reconhece que a noção de jogo, como conjunto de linguagem, está associada a um contexto social e a utilização da palavra jogo funciona como um fato da sociedade. Sendo assim Brougére afirma que “Nossa noção de jogo não vem da língua particular de uma ciência, mas de um uso cotidiano” (BROUGÉRE, 1998, p. 16). Para complementar o escrito acima, Brougére aponta que a criança adquire consciência de jogar a partir da sua aprendizagem lingüística no contato com o outro desde o seu nascimento, isto é se dá num contexto social e cultural. Afirma que o jogo consiste em uma imitação ou simulação de uma parte do real, funciona como um modelo que nos permite compreender o real a partir do jogo, já que este é uma simulação ou imitação daquele.

Esta obra relaciona o jogo à educação, pois através do interesse demonstrado pelas crianças em atividades lúdicas permite o pedagogo atraí-las dando caráter lúdico às atividades escolares, auxiliando na aprendizagem destas crianças que não se dão conta de que estão aprendendo e sim jogando. Isto ocorre pelo fato de a criança não ser capaz de projetar no futuro o interesse que os estudos, a aprendizagem da leitura e da escrita representa para ela, por isso o uso de jogos educativos é bastante significativo na educação das crianças. Relativo a jogos educativos Brougére em “Brinquedos e Companhia” vai ainda mais além apontando que o jogo educativo tem sua especificidade centrada na relação pais e filhos, sendo que este tipo de jogo permite aos pais brincarem com seus filhos conservando o seu papel de adultos, graças às regras do jogo, às imagens figurativas, aos algarismos, enfim todos os elementos que podem ser explorados e decodificados para os filhos.

Nesta segunda obra de 2004 são focados os brinquedos, material utilizado pelas crianças para realizarem seus jogos, fabricados de acordo com determinada época histórica, social e cultural. Ao falar sobre isso Brougére trata dos acontecimentos nos quais os brinquedos são mais procurados, Natal e data de aniversário, reafirma muito bem a relação da cultura da humanidade com os jogos e brincadeiras das crianças. Surge ainda a televisão e a mídia como influentes na escolha dos brinquedos e também dos jogos das crianças. Muitas delas representam papéis que assistem na TV, brincam que são a Xuxa, Angélica entre outros personagens. Também é pela mídia que surgem os interesses em determinados brinquedos, Brougére cita a Barbie, que aparece em propagandas como um personagem real, realizando atividades reais como patinar, andar, o que atrai um grande número de meninas. Os brinquedos de guerra também são citados GI Joe é exemplo como um dos mais queridos por meninos, pois é o herói que luta contra o crime de terroristas incentivado pela cultura norte-americana.
Elkonin afirmou, o jogo sendo mediador entre mundo adulto e mundo infantil, Brougére acrescentou a televisão como mediadora entre o jogo da criança e ela mesma. Pelo que foi escrito interessa nesse estudo trazer semelhanças e diferenças entre estes dois autores franceses para melhor compreender o jogo, o que as crianças fazem na maior parte do seu tempo.

METODOLOGIA
Corpus
Este estudo foi realizado a partir da leitura de três obras: “Psicologia do Jogo” de Daniil B. Elkonin, “Jogo e Educação” e “Brinquedos e Companhia” de Gilles Brougére.

Procedimentos
A pesquisa é bibliográfica e dividida em três momentos: levantamento bilbliográfico-conceitual da obra de Elkonin, levantamento bilbliográfico-conceitual da obra de Brougère e por último a comparação entre as duas teorias, gerando aproximações e distanciamentos entre os autores. Primeiramente realizou-se a leitura e estudo da obra “Psicologia do jogo”, sendo o estudo realizado através de discussões com o orientador.  Em seguida foi realizado um estudo mais detalhado de Brougére para que a última parte da pesquisa fosse concluída, a percepção de aproximações e distanciamentos entre os dois autores franceses. Será realizado um levantamento das categorias cultura, jogo e atividade lúdica a partir dos seguintes passos:
a) pré-leitura do material seguida de uma leitura seletiva, reflexiva e interpretativa.
b) estabelecer os fundamentos epistemológicos dos autores e suas filiações teórico-metodológicas, com atenção às referências feitas a outras obras.
c) descrever como os autores retratam a relação entre as categorias jogo e cultura;
d) de posse das análises, comparar os autores, procurando verificar possíveis aproximações e distanciamentos quanto a forma de compreenderem a gênese e desenvolvimento dos conceitos jogo, cultura e atividade lúdica. 

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A discussão dos resultados será feita a partir de duas categorias: a) conceito de cultura para Elkonin e Brougére; e b) a criança sendo determinada socialmente; nas quais buscamos aproximações e distanciamentos entre os dois autores como proposta dessa pesquisa.       
Como já apontado anteriormente Elkonin tem forte influência marxista e seu conceito de cultura está diretamente ligado ao trabalho. Este autor se preocupou em estudar a origem do jogo protagonizado e aponta que o jogo surge posteriormente ao trabalho humano, sendo aquele uma conseqüência deste. Desta forma o jogo obedece a uma construção social, pois seu surgimento se dá na medida em que foram ocorrendo as divisões de trabalho que afastaram a criança do processo de produção. Para estudar o jogo infantil Elkonin (1998) com seus fundamentos epistemológicos realizou um trabalho coletivo que resume-se em várias teses: (1) avançou a hipótese sobre a origem histórica da forma de jogo típica do pré-escolar contemporâneo e demonstrou em teoria que o jogo de papéis é de origem social e, por conseqüência, o seu fundo também é social; (2) explicou as condições de aparecimento dessa forma de jogo na ontogenia e demonstrou que, no final da idade pré-escolar, o jogo não surge de maneira espontânea, mas devido à educação; (3) sublinhou a unidade fundamental do jogo, explicou a sua estrutura psicológica interna e analisou o seu desenvolvimento e divisão; (4) esclareceu que no jogo da idade pré-escolar influem, sobretudo, o âmbito das atividades humanas e as relações entre as pessoas, e que o seu conteúdo fundamental é o homem – a atividade do homem e as relações entre os adultos -, em virtude do que o jogo é uma forma de orientar nas missões e motivações da atividade humana; (5) demonstrou que a técnica do jogo, a transposição das significações, a abreviação e a síntese das ações lúdicas constituem a condição mais importante para que a criança penetre no âmbito das relações sociais e as modele de forma peculiar na atividade lúdica às relações reais que as crianças estabelecem no jogo e praticam em suas ações coletivas; (6) revelou as funções do jogo no desenvolvimento psíquico dos pré-escolares (ELKONIN, 1998, p.8).
Elkonin (1998) defende que o trabalho é o mediador de todas as relações humanas, é pelo trabalho que a sociedade se organiza e determina os papéis de cada um em determinada cultura e sociedade. Sendo assim para desvendar o surgimento do jogo protagonizado na história é importante considerar o jogo em sua fase de imitação e reprodução das atividades sociais desenvolvidas pelos adultos as quais a criança observa e se interessa. O jogo protagonizado é caracterizado pelas atividades dos adultos representadas na brincadeira da criança, desse modo é fixa a idéia de Elkonin que o jogo depende da cultura a qual a criança está inserida e deve responder a uma demanda da sociedade da qual a criança chega a ser um membro ativo, fazendo com que o jogo se torne um mediador entre o que a criança gostaria de ser, adulto, e aquilo o que realmente pode ser criança. Isso pode ser visualizado no cotidiano de quem convive com crianças nos dias atuais, a criança pode representar em seus jogos os papéis que seus pais ou outras pessoas, como professores, tios entre outros adquirem na realidade, em suas profissões. Assim como um exemplo de uma criança que brinca de ser professora, ela age da forma como observa o adulto atuando como professor e que ela, no papel de aluno, gostaria de ser. Na brincadeira ela tem o saber e pode ensinar outras crianças, já na realidade ela é quem aprende. Pode-se pensar então, partindo desse exemplo, que para um professor um dia intenso de trabalho cheio de aulas, alunos para controlar, e muitos assuntos para estudar se torna cansativo, já para uma criança que brinca intensamente o dia todo, o jogo não é cansativo, por se tratar de uma atividade divertida a qual ela pode controlar através de seu imaginário e fantasia, ligado é claro, com a sua cultura. Então concluindo a idéia de Elkonin a brincadeira na infância deve ser aprendida dentro de um contexto cultural específico, sendo a produção infantil um fenômeno histórico-cultural, o que também caracteriza a forte influência da Psicologia Histórico-Cultural na obra desse autor.
Quando nascemos quem nos apresenta o mundo são nossos cuidadores, os adultos, estes da mesma forma são quem apresentam os brinquedos às crianças e as ensina a manejá-los, aqui já é possível perceber uma ligação entre Elkonin (1998) e Brougére (1998), pois este afirma que nem sempre a criança vai fazer uso dos brinquedos apresentados pelos adultos da forma que estes esperam que elas façam pelo fato de que para Brougère manipular brinquedos se trata de manipular símbolos, onde também são nítidas as características da infância, a imaginação e a fantasia, pois, para as crianças, papel pode se transformar em dinheiro, terra em comida e ao brincar de boneca, ao mesmo tempo em que as meninas se tornam mães, também são professoras e amigas. No caso dos meninos, um simples jardim se transforma em um campo de guerra, onde fazem uso de bonecos apresentados pelos adultos.
A partir do parágrafo anterior é possível apresentar o conceito de cultura para Brougére, que ressalta a cultura lúdica, esta varia conforme o contexto histórico-cultural em que a criança está inserida e a define como sendo:
(…) uma estrutura complexa e hierarquizada, constituída (essa lista está longe de ser exaustiva) de brincadeiras conhecidas e disponíveis, de costumes lúdicos, de brincadeiras geracionais (próprias a uma geração específica). Essa cultura inclui ainda, um ambiente composto de objetos, particularmente de brinquedos (…) (BROUGÈRE, 1995:50).

Brougére destaca a importância que os brinquedos têm nas brincadeiras das crianças, e para compreendermos essa importância na cultura lúdica é necessário entender também uma característica da cultura propriamente dita, esta é tão variada que permite a seus membros ressignificar os símbolos oferecidos pelo imaginário da cultura em diferentes momentos históricos. Desta forma o brinquedo deve ser avaliado no sentido que a criança atribui a ele enquanto está brincando, ou seja, o que ele representa quando a criança faz uso dele e não tomá-lo isoladamente. Brougére aponta ainda o papel que tem a linguagem, pois a criança joga à medida que adquire linguagem em suas relações sociais, no contato com o outro e se propõe a estudar a origem do jogo como linguagem, em que sentido as pessoas usam a palavra jogo no cotidiano e não em uma linguagem apenas científica.

A relação que o jogo tem com a educação também é bastante focada nas duas obras de Brougére (1998) e (2004) apresentadas neste estudo. A função que os jogos educativos têm na educação das crianças, sendo bastante utilizados por pedagogos, pode ser percebida nos ensinamentos que a escola oferece como português, matemática, história entre outras disciplinas, as crianças aprendem de uma forma prazerosa, por ser o jogo uma atividade conhecida e praticada pela criança. Outro ponto importante a ser destacado nessa pesquisa, é relacionado a mais um aspecto diferenciado entre as teorias de jogo de Elkonin e Brougére, o primeiro se remete principalmente à divisão entre mundo adulto e infantil, e a relação entre adulto criança mediado pelo trabalho, pois o adulto enquanto exerce a atividade séria, a criança constitui o trabalho em seus jogos, tornando atividade além de séria para ela, divertida em que pode ficar horas concentrada sem cansar. Brougére, porém trata principalmente na relação entre pais e filhos, do jogo e do brinquedo impregnados pela cultura e cita alguns exemplos de brinquedos que surgem dentro do contexto histórico, trazendo aspectos vivenciados pela cultura atual em que determinada sociedade se encontra e que os pais apresentam aos filhos desde o momento em que nascem. O mundo cultural, simbólico é ressaltado por Brougère no seu caráter icônico e semiótico, ao contrário de Elkonin, que prefere ressaltar os aspectos instrumentais.

Portanto é possível entrar agora na discussão da segunda categoria, trazendo exemplos para melhor situar essa análise. Para ambos os autores a criança é determinada socialmente, pois negam uma infância ideal e inata. Elkonin se propõe a explicar essa idéia caracterizando o jogo protagonizado, jogo de papéis sociais, já citado no texto. Segue um exemplo de jogo protagonizado:

Maria de 8 anos de idade e sua irmã de 7 anos, brincam muito de loja. Enquanto Maria faz o papel de vendedora de roupas, sua irmã é a cliente e transformam a sala de sua casa na loja de Maria, usando o sofá como vitrine. A irmã de Maria entra e Maria diz: Oi tudo bem? Posso ajudar? Sua irmã escolhe uma roupa, sendo que as meninas usaram na brincadeira roupas próprias e de sua mãe. A irmã escolhe uma roupa e resolve provar. Gostando da roupa compra, e a partir de outros objetos tomados por suas fantasias fazem dinheiro de papéis de carta. Desta forma a irmã de Maria agradece depois de pagar e vai embora. Em seguida elas mudam os papéis e continuam a brincadeira. Isso tudo elas observaram no trabalho de sua mãe, atendente de loja.

Observando esse exemplo compreendemos as contribuições de Elkonin para o estudo do jogo, este sendo uma representação que a criança faz das atividades que gostaria de exercer, mas ainda não pode, pois fazem parte do mundo adulto. As duas irmãs, enquanto observam o trabalho de sua mãe, a imitam, utilizam suas roupas e de sua mãe para dar um caráter mais real à sua brincadeira. Outro elemento que pode ser observado nesse exemplo, além da imitação é que não existem limites para a imaginação infantil, usam determinados objetos para representar outros que cabem no contexto da brincadeira, os papéis de carta se transformam em dinheiro, a sala da casa é a loja e o sofá, a vitrine. Imitação e imaginação são os principais elementos que aparecem nos jogos protagonizados.

Brougére fala no livro “Brinquedos e Companhia” (2004) que o brinquedo seja qual for e como for, propõe uma imagem exaltante do adulto, cujos traços e atividades fazem dele um personagem pelo qual a criança se interessa. A barbie é colocada como exemplo em sua obra, brinquedo que aparece muito nas brincadeiras das meninas e que representa o desejo da criança destinatária do brinquedo, sendo essa representação uma expressão cultural e social simultaneamente. Para Brougére a Barbie integra três aspectos: a) uma imagem social, b) uma brincadeira e c) uma menina destinatária. Quando não for mais possível esta integração, a Barbie corre o risco de desaparecer das lojas de brinquedos, por outro lado, sua longevidade permite que ela seja reveladora do que é um brinquedo e por isso não corre o risco do desaparecimento. A Barbie contém características de uma mulher adulta, é independente, é bonita e foi feita para ser vestida, pois apresenta uma cintura muito reduzida e desta forma é acompanhada de objetos que constituem o desejo das crianças, roupas da moda, carros e inclusive um namorado, o Ken que nada mais é que um acompanhamento da sensação que é a Barbie.

O sucesso dessa boneca se deu no verão de 1959, e é sucesso ainda nos dias atuais. Ela não foi apresentada às mães e sim às crianças, se tornando o símbolo da perda do poder materno sobre a escolha dos brinquedos, e por essa razão as mães não ficaram muito empolgadas com a Barbie. Mas por que as meninas gostam tanto da Barbie? Para Brougère, este interesse ocorre pelo fato de a Barbie produzir um sonho para as meninas, a imagem que manipulam não tem o objetivo de representar fielmente a realidade, mas de encarnar um desejo, pois a criança não está em busca de uma simples representação, mas de um adulto interessante que convida a criança a exercer o seu papel. Surgem, então, as inúmeras funções que a Barbie possui, as empresas criadoras deram conta de criar profissões e variadas atividades para a boneca. Hoje vemos a Barbie veterinária, a bailarina, a fada e outros infinitos papéis que ela pode representar. A criança pode ser o que quiser enquanto Barbie, até uma sereia, e junto com ela, enquanto produtos, aparecem a cauda de sereia, os animais e seus equipamentos para cuidar deles, acessórios que traduzem a Barbie veterinária e a saia que roda enquanto um botão é ligado e toca uma música, caracterizando a Barbie bailarina. O mundo da Barbie não é um mundo verdadeiro, mas um mundo alternativo que permite a criança expressar seu desejo de ser adulto, o que faz o brinquedo de maior adesão entre as meninas.

Brougére não se detém apenas às meninas, mas também aos meninos com o brinquedo “GI Joe”, que não podemos chamar de boneco, pois a empresa que o criou fez o possível para que ele não fosse chamado de boneco, o que poderia afastar a clientela masculina das lojas. Este brinquedo também é uma representação desejável do ser adulto e da mesma forma que a Barbie exerce muitas funções, os meninos enquanto brincam de ser GI Joe, se transformam em assassinos para combater as forças inimigas, podem ser surfistas e até mesmo bombeiros. Este brinquedo também é dependente da cultura, veio com sucesso na época dos atentados ao Wolrd Trade Center, nos Estados unidos, surgindo como o real herói americano. Vimos então com Brougére que os brinquedos dependem da cultura e ele acrescenta a mídia como a fornecedora desse sucesso, a TV surge como mediador entre a brincadeira da criança e seu mundo, ela também representa aquilo que ela observa como sucesso na televisão.

Vale ressaltar ainda outro aspecto semelhante nos dois autores, o jogo não é inato e não se trata de um exercício preparatório para o mundo adulto, não é treinamento, quem acredita que a brincadeira pode determinar o futuro de uma criança? Não significa que a criança que brinca de loja, como no jogo protagonizado, vai trabalhar realmente em uma loja quando crescer, aponta Elkonin, o jogo é uma  representação de papéis e não um treinamento para quando a criança chegar a ser adulto estar preparada para exercer suas funções de adulto. “A brincadeira da criança se desenvolve por intemédio do faz-de-conta, da imitação ou da invenção dos papéis adultos. Mas trata-se sempre de um futuro imaginado no presente, de um porvir lúdico” (BROUGÉRE, 2004, p.94).

Por se tratar de um autor vivo e que produz a partir dos anos de 1980, Brougère pode atualizar seu pensamento na relação “cultura lúdica-globalização”. Mas acreditamos que esta relação vem mais ao encontro das diferentes formas assumidas pelo jogo, fator que não invalida o principal no pensamento de Elkonin: a dialética indivíduo-sociedade e as determinações impostas pela organização social estrutura no meio de produção.
A cultura lúdica produz uma realidade diferente da vida cotidiana, ela é produzida por um duplo movimento, interno e externo. O conjunto de experiências vivenciadas pela criança vai se acumulando, tornando-se sua cultura lúdica. Estas experiências vão determinar o desenvolvimento da criança, conforme demonstram diferentes pesquisas no âmbito da psicologia do desenvolvimento (PIAGET, 1978; ELKONIN, 1998; VYGOTSKY, 1984; LEONTIEV, 1988, BROUGÈRE, 1995).
O mundo que se apresenta à criança é uma criação adulta, esse nos parece ser um traço fundamental na construção de uma cultura lúdica ou infantil. Nas sociedades industriais essa postura assumirá um caráter ideológico voltado para a “criança-consumidora”, com a indústria trabalhando com uma imagem de criança voltada para o mundo adulto (carrinhos, bonecas, armas). Com isso, a noção de tradição é apropriada pela indústria, que modifica apenas a forma de produção do brinquedo, modificando suas representações.
A indústria cultural depende de um veículo para a disseminação de seus produtos, tal veículo deve ter penetração no mundo adulto e infantil, pois são os adultos, atualmente, os responsáveis pela chegada dos produtos às crianças.
O problema com que se deparam os estudiosos da relação criança-mercado-tevê, é saber se a tevê fabrica necessidades ou pseudonecessidades. A resposta a esta questão gera o que Eco (1979), chamou de apocalípticos e integrados – aqueles sujeitos que vêem na tevê uma máquina que gera obsessões consumistas, modelos de vida e alienação cultural – e aqueles que a vêem como uma possibilidade de acesso a mais informação, devendo ser utilizada também com fins educativos.
Ao longo da história, as crianças foram inúmeras vezes depósitos de aspirações por parte dos adultos, mesmo quando estes não a reconheciam como tal. Segundo Merleau-Ponty apud Mrech (2002):
A história ajuda-nos a compreender esse fenômeno de espelhos que intervém entre o adulto e a criança; eles refletem-se como dois espelhos colocados indefinidamente um diante do outro. A criança é o que acreditamos que ela seja, o reflexo do que queremos que ela seja. Só a história pode fazer-nos sentir até que ponto somos os criadores da ‘mentalidade infantil’. Em parte alguma a tomada de consciência é tão difícil quanto quando se trata de nós, e o fenômeno nos escapa quase sempre quando estamos diretamente implicados na situação. Através da história e da etnografia compreendemos a pressão que fazemos pesar sobre as crianças. (MRECH, 2002, p. 156)

CONCLUSÕES
Com essa pesquisa foi possível concluir que o jogo é uma atividade mais complexa do que imaginado no senso comum, não é tarefa simples estudar sua origem e o seu papel fundamental na vida de uma criança, o que ele representa. Muitos autores se propuseram a estudá-lo, conforme pesquisa realizada por Elkonin (1998) e muitos desafios foram encontrados em tal processo. Uma avaliação das teorias de Daniil B. Elkonin e Gilles Brougére foi fundamental para buscar uma compreensão do jogo, e apesar de muitos aspectos serem parecidos entre eles, como o jogo sendo social e cultural, caracterizando a preocupação epistemológoca de ambos, enquanto Elkonin se refere mais especificamente ao trabalho, que divide o mundo adulto do mundo infantil e aos instrumentos utilizados pela criança, Brougére se remete  ao uso da linguagem e dos símbolos culturais que exercem influência nos jogos infantis,  o que tornou a pesquisa completa, por dar visão dos múltiplos elementos que constituem os jogos e  as brincadeiras infantis.
Vale lembrar então que essa pesquisa suscitou o interesse de estudar mais detalhadamente a relação entre os meios de comunicação em massa, como exemplo a televisão, e o jogo e ainda realizar um paralelo entre jogo e globalização. Interessa ainda para pesquisas posteriores realizar pesquisas empíricas acerca da constituição do jogo, para enriquecer os conhecimentos sobre o tema.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ELKONIN, D. Psicologia do Jogo. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
BROUGÈRE, G. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
BROUGÉRE, G. Brinquedos e Companhia. São Paulo: Cortez, 2004
ECO, U. Apocalípticos e integrados. São Paulo: Perspectiva, 1979.
LEONTIEV, A. Princípios Psicológicos da Brincadeira Pré-Escolar. Em: Desenvolvimento, Linguagem e Aprendizagem. São Paulo: Ícone,1988.
MRECH, L. M. Além do sentido e do significado: a concepção psicanalítica do brincar. Em: KISHIMOTO, T. M. (org). Teorias do brincar. São Paulo: Pioneira, 2002.
PIAGET, J. A Formação do símbolo na criança: jogo, sonho, imitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
VYGOTSKY, L. S. O Desenvolvimento Psicológico na Infância. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

Publicado em 27/05/2009 11:12:00


Rafaela Mezzomo, Álvaro Marcel Palomo AlvesRafaela Mezzomo: Acadêmica do curso de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Bolsista voluntária de Iniciação Científica.
Álvaro Marcel Palomo Alves: Professor Assistente da Universidade Estadual do Centro-Oeste. Psicólogo, Mestre em Psicologia da Infância e da Adolescência pela Universidade Federal do Paraná.

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