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MEDICALIZAÇÃO DO FRACASSO ESCOLAR E HIPERATIVIDADE

Maria Angélica Mello Pisetta, Aline da Silva Alves, Lívia Figueiredo Bandarrinha

RESUMO
Pretendemos discutir as múltiplas determinações que concorrem para o aparecimento de sintomas descritos no Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, tais como hiperatividade, agressividade, desatenção, dentre outros. Com isso, pretendemos destacar que a complexidade causal tem sido descartada atualmente tendo em vista a crescente demanda de medicalização e tratamentos de saúde para as crianças diagnosticadas com tais sintomas, tanto pela família quanto pela equipe escolar, quanto por psicólogos. Também pretendemos demarcar a imprecisão do referido transtorno, tendo em vista a fragilidade da definição do conceito de atenção e suas alterações, especialmente na faixa etária em que o diagnóstico da síndrome é mais usual. Como ilustração, exporemos os resultados de levantamento realizado junto ao Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Petrópolis, que procurou apontar a incidência de tais sintomas nos casos de psicoterapia infantil atendidos durante o segundo semestre do ano de 2008. 

INTRODUÇÃO
A aprendizagem e a aquisição de conhecimentos são temas de grande interesse de muitas áreas do saber e encontram nos estudos sobre a infância sua maior abordagem. De modo geral, os modos subjetivos de apropriação de saber e desenvolvimento de habilidades para utilização deste saber resistem a toda tentativa de categorização, demarcando que o particular ainda encontra um lugar privilegiado nesta discussão. De todo modo, as generalizações neste campo são inevitáveis e nos ensinam sobre vários aspectos implicados no ato de aprender e no ato de educar. Também contribuem para darmos contorno epistemológico às dificuldades de aprendizagem e aos modos contemporâneos de observação, categorização, identificação e terapêutica dos mesmos. A amplitude causal envolvida na aprendizagem e em seus impasses tem sido, no entanto, negada atualmente pela crescente patologização do fracasso escolar, que tem na aliança estabelecida historicamente entre a medicina e a educação seu maior motor.
Dessa forma, os avatares envolvidos na relação professor-aluno, as dimensões sócio-culturais de cada lugar, as políticas educacionais e a formação dos professores – dentre outras questões – são subsumidos na perspectiva de um déficit orgânico que justifica uma dificuldade de aprendizagem específica. Esta é uma corrente ideológica ampla, fortemente apoiada pela nosografia psiquiátrica atual, que tem nos códigos de diagnóstico seus maiores expoentes. Os transtornos hipercinéticos recebem atualmente a confluência destas perspectivas e compõem alguns dos quadros mais apontados atualmente, tanto por familiares e professores, quanto por neurologistas e clínicos. Dentre estes transtornos, o mais conhecido – sem sobra de dúvida – é o Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), F90 que tem a seguinte descrição:

Grupo de transtornos caracterizados por início precoce (habitualmente durante os cinco primeiros anos de vida), falta de perseverança nas atividades que exigem um envolvimento cognitivo, e uma tendência a passar de uma atividade a outra sem acabar nenhuma, associadas a uma atividade global desorganizada, incoordenada e excessiva. Os transtornos podem se acompanhar de outras anomalias. As crianças hipercinéticas são freqüentemente imprudentes e impulsivas, sujeitas a acidentes e incorrem em problemas disciplinares mais por infrações não premeditadas de regras que por desafio deliberado. Suas relações com os adultos são freqüentemente marcadas por uma ausência de inibição social, com falta de cautela e reserva normais.
São impopulares com as outras crianças e podem se tornar isoladas socialmente. Estes transtornos se acompanham freqüentemente de um déficit cognitivo e de um retardo específico do desenvolvimento da motricidade e da linguagem. As complicações secundárias incluem um comportamento dissocial e uma perda de auto-estima.

F90.0 Distúrbios da atividade e da atenção
•Síndrome de déficit da atenção com hiperatividade
•Transtorno de déficit da atenção com hiperatividade
•Transtorno de hiperatividade e déficit da atenção ( CID 10/OMS.,1993,  p.256 )
 

DISCUSSÃO
Segundo Escudeiro, no artigo A medicalização da infância: um mercado em expansão, o que ocorre atualmente é um exagero neste tipo de diagnóstico e critérios de inclusão diagnóstica são pouco específicos, e acabam por catalogar comportamentos humanos “numa entidade nosológica estanque”, não levando em consideração fatores psicossociais e ambientais. A autora diz:

“A amostra de diversas pesquisas que adotam o modelo médico do fenômeno, aponta fatores como depressão materna, alcoolismo, nervosismo” como indicadores genéticos de predisposição ao TDAH e não como fatores psicossociais que afetam o equilíbrio emocional e cognitivo das crianças. Fatores que evidenciam desarmonias na vida de relação e que comprometem a qualidade do processo socializante em seus diversos matizes. Nesta situação, diagnosticá-la como tendo um transtorno mental (TDAH) é dizer que todo seu comportamento é resultado de um cérebro que não funciona como deveria, eliminando toda e qualquer influência ambiental em seu modo de ser e agir no mundo”.

TDAH e a Medicalização
De acordo com Escudeiro, atualmente nos Estados Unidos cerca meio milhão de milhões de crianças são diagnosticas com TDAH e tratadas com psicoestimulantes, mais de 2 milhões de prescrições de Ritalina são feitas todo o ano. No Brasil estamos indo pelo mesmo caminho. O TDAH infantil é visto como uma doença orgânica que precisa ser medicada.
Escudeiro afirma que as indústrias farmacêuticas que fabricam tais medicações têm uma grande responsabilidade na exarcebação do diagnóstico, pois estas são as que mais lucram com o diagnóstico e por isso financiam as pesquisas e o esclarecimento da doença à população.
Jerusalinsky, no artigo Diagnóstico de Déficit de Atenção, o que pode dizer a Psicanálise?, defende que tais pesquisas feitas pelos laboratórios só mostram um lado da moeda: aquele que lhes interessam, só apresentando os aspectos positivos da pesquisa, como por exemplo, que o uso da Ritalina após 14 meses apresenta 56% de eficácia. Porém, o que não é dito é que se 56% tiveram eficácia 44% não tiveram, e que em 38% das crianças o tratamento com o uso isolado do medicamento não teve efeito.

TDAH e o Fracasso Escolar.
O modelo médico do TDAH associa o transtorno ao fracasso escolar. Goldstein, no artigo Compreensão, Avaliação e Atuação: Uma Visão Geral sobre o TDAH, afirma que na idade escolar, crianças com TDAH apresentam uma maior probabilidade de repetência, evasão escolar, baixo rendimento acadêmico e dificuldades emocionais e de relacionamento social. O médico supõe que os sintomas do TDAH tornam as crianças vulneráveis ao fracasso nas duas áreas, que ele considera como as mais importantes para um bom desenvolvimento – a escola e o relacionamento com os colegas.
O que acontece é o que o modelo médico, como o mencionado acima, chegou às escolas e foi adotado por profissionais como pedagogos, professores, psicólogos e fonoaudiólogos, segundo Zucolotto. A autora, no artigo O Médico Higienista na Escola: As Origens Históricas da Medicalização do Fracasso Escolar aponta que, dentre as várias explicações para o fracasso escolar, as que mais predominam são aquelas que atribuem uma patologia às crianças que não aprendem ou não respondem às expectativas da escola. A autora afirma:

“Medicalizar o fracasso escolar é interpretar o desempenho escolar do aluno que contraria aquilo que a instituição espera dele em termos de comportamento ou de rendimento como sintoma de uma doença localizada no indivíduo, cujas causas devem ser diagnosticadas”.

Para exemplificar a predominância do discurso médico nas escolas, no que diz respeito às dificuldades de aprendizagem, realizamos um levantamento de dados no Serviço de Psicologia Aplicada da Universidade Católica de Petrópolis, que recebe a demanda de tratamento para crianças, adolescentes e adultos de vários setores da cidade de Petrópolis. Para este serviço ocorrem pedidos de tratamento de escolas públicas e privadas, médicos particulares de todas as especialidades, serviços comunitários e de ONGS em geral e também demandas próprias de moradores da cidade. Desta feita, recebemos pacientes com ou sem encaminhamento formal. Como objeto de estudos selecionamos as primeiras entrevistas realizadas com crianças e seus familiares pelos estudantes de Psicologia dos últimos dois períodos, estagiários da clínica, visando identificar o percentual de crianças que nos foram encaminhadas com sintomas indicados como signos do TDAH – tais como hiperatividade, agressividade, desatenção, dentre outros – ainda que a identificação nominal do mesmo não tenha sido apresentada, bem como de onde vieram os encaminhamentos para solicitação de atendimento.

CLÍNICA ESCOLA DA UCP
Na Clínica Escola da UCP foram atendidas 29 crianças no segundo semestre de 2008, com idades entre 5 a 12 anos, e foram levantados os seguintes dados, a partir de uma análise das fichas de anamnese:
•Das 29 crianças atendidas, 25 foram encaminhadas com queixas (por parte de pais, professores, médicos pediatras, neurologistas ou fonoaudiólogo) de sintomas relacionados ao TDAH:  (hiperatividade, falta de atenção, falta de concentração, dificuldades de aprendizagem, agitação, esquecimento e agressividade).
•Das 29 crianças atendidas, 16 foram encaminhadas por escolas, 13 por médicos, (sendo 5 por ambos) 1 por fonoaudióloga e 3 por busca espontânea da família.
•Das 25 crianças atendidas com indicação de sintomas que compões o quadro de TDAH, 13 tomam medicação.

Crianças atendidas no 2o semestre de 2008: 29

CONCLUSÃO
A higiene escolar tem sido difundida cada vez mais e procura evitar o adoecimento das crianças no âmbito escolar, entretanto, a “patologização” dentro da educação hoje denuncia o insucesso na educação de determinadas crianças. Devido à cultura escolar no país e às questões sócio-culturais destacadas tem sido notável a transferência da responsabilidade de tal insucesso para outros profissionais como psicólogos, neurologistas, psiquiatras, fonoaudiólogos, etc. É chamativa a quantidade de encaminhamentos escolares com diagnóstico já definido como TDAH, ou com a inequívoca referência ao mesmo através da enunciação de sintomas característicos do diagnóstico, como podemos perceber neste levantamento realizado por nós junto à Clínica Escola da UCP.
Os profissionais da educação muitas vezes já chegam ao psicólogo com lista de sintomas e estabelecem diagnósticos e até prognósticos, esteriotipando os alunos, desconhecendo as múltiplas determinações que concorrem para o aparecimento de sintomas descritos no Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, como por exemplo, a baixa qualidade do ensino, o despreparo do educador e principalmente, o relacionamento entre mestre e aluno que é a base para um aprendizado eficaz.  Refletir sobre este conceito médico é imprescindível para que professores decidam encaminhar seus alunos a determinados métodos ou não. Enquanto for um problema orgânico, não é de responsabilidade educacional. Talvez essa seja a forma mais prática e constante de excluir os “alunos-problema”: a dependência dos profissionais da área médica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS
COHEN, R.  A lógica do fracasso escolar. Psicanálise e educação. Rio de Janeiro : Contracapa livraria, 2006.
ESCUDEIRO, M. – A medicalização da infância: um mercado em expansão. In
http://www.psicologia.ufrj.br/nipiac/blog/?p=70.
JERUSALINSKY, A. – Diagnóstico de Déficit de Atenção, o que pode dizer a Psicanálise? In
http://www.appoa.com.br/noticia_detalhe.php?noticiaid=35&PHPSESSID=bbea8b84cbb064f37445c2e5eac26344.
GOLDSTEIN, S. – Compreensão, Avaliação e Atuação: Uma Visão Geral sobre o TDAH.  In:
http://www.hiperatividade.com.br/article.php?sid=14 Consultado em 20/09/2008.
ZUCOLOTO, P. – O Médico Higienista na Escola: As Origens Históricas da Medicalização do Fracasso Escolar. In
http://pepsic.bvs-psi.org.br/pdf/rbcdh/v17n1/13.pdf
COORDENAÇÃO ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAUDE – Classificação de Transtornos Mentais e de Comportamento da CID-10: Descrições Clínicas e Diretrizes Diagnósticas. Tradução: Dorgival Caetano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.

Publicado em 08/04/2009 15:50:00


Maria Angélica Mello Pisetta, Aline da Silva Alves, Lívia Figueiredo BandarrinhaMaria Angélica Mello Pisetta: Doutora e mestre em Psicologia pela UFRJ, professora e supervisora clínica da Universidade Católica de Petrópolis e do Curso de especialização em psicanálise da criança da Santa Casa de Misericórdia/Hospital São Zacharias. Membro correspondente da EBP, seção Rio.  angelicapisetta@yahoo.com.br
Aline da Silva Alves: Estudante de Psicologia do 10º período da Universidade Católica de Petrópolis – UCP alinefercher@ig.com.br
Lívia Figueiredo Bandarrinha: Titulação: Estudante de Psicologia do 10º período da Universidade Católica de Petrópolis lbandarrinha@hotmail.com

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