EDUCAR PARA A VIDA: RELATO DE UMA ENTIDADE QUE ABRIGA CRIANÇAS EM SITUAÇÃO DE VULNERABILIDADE
Rubiana B. Santa Bárbara
RESUMO
O presente estudo foi elaborado como o objetivo de refletir à aprendizagem das crianças que freqüentam uma escola de contraturno por meio de avaliação psicopedagógica. Estabelecimento este, denominado aqui, de Lar Amor, que tem por finalidade acolher as crianças que estão em situação de vulnerabilidade. A instituição aqui apresentada está centrada em conteúdos pedagógicos que visam mais a humanização, a cidadania, a sociabilidade. A queixa veio por parte da assistente social de que as crianças que frequentam a entidade possuem dificuldades de aprendizagem e que este fator impede, na maioria das vezes, o objetivo do lar que é o de quebrar o ciclo da miséria e dar condições às crianças que ali passam de aprender uma profissão e conseqüentemente um emprego. Ao final da pesquisa constatou-se que os alunos não tinham suporte da instituição quando apresentavam dificuldades de aprendizagem, no quesito leitura e escrita. A pesquisa mostra que é possível os professores unirem os trabalhos artesanais com a escrita e a leitura contribuindo para o desenvolvimento destas habilidades.
Palavras-chave: Aprendizagem, contraturno, Avaliação psicopedagógica.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho utilizou-se de instrumentos para a realização do Diagnóstico: a entrevista, a observação e a pesquisa documental. A entrevista teve por objetivo colher informações que possam fornecer dados para a elaboração do trabalho, através do contato com uma ou mais pessoas. Esta foi feita com a Assistente Social, Professores, Merendeiras e Serventes que cederam algumas informações a respeito da instituição.
A observação feita pelo método de investigação em que o pesquisador procura integrar-se, neste caso, na instituição estudada, participando das atividades por determinado período, como se fosse um de seus membros, de modo a captar com maior riqueza de detalhes a vida do grupo avaliado bem como toda a estrutura física do local. Com relação à pesquisa documental, foi colocada a disposição, foi analisada dentro da instituição, porém não foi permitida a reprodução bem como sua exposição.
Educar, mas o que significa? Segundo o autor GILES (1983, p. 27) “Educar é alcançar a pessoa naquilo que lhe é mais específico, no seu ser-humano, isto é, na sua intelectualidade, na sua afetividade, nos seus hábitos, para levá-la à realização de um ideal”. A educação vem da comunidade, vem desde que o filho nasce. A família deve ensinar o que é a vida, deve ensinar a ter dignidade, de lutar pelas coisas que acredita, de ser solidário. Aprender a fazer contas, a ler, também é importantíssimo para o futuro de uma criança, é a partir dessa aprendizagem que dependerá seu futuro profissional. Por isso, o professor deve manter-se atualizado sobre as novas metodologias de ensino e desenvolver práticas pedagógicas mais eficientes, são alguns dos principais desafios da profissão de educador.
A atualização e a produção de novas práticas de ensino só surgem de uma reflexão partilhada entre os colegas. A escola tem que organizar momentos interdisciplinares de trabalho que não caiam no vazio curricular, mas que promovam uma integração dos conteúdos de várias matérias.
A escola deve ser integradora, deve fazer parte da sociedade, que saiba lidar com as diferenças e que principalmente faça seu aluno a respeitar também, deve construir valores, como a tolerância, a solidariedade à humanização. Uma escola que integra e acolhe, desenvolve competências e construir conhecimentos, experiências e crítica social, formando cidadãos.
Tanto a escola quanto à família devem transmitir com eficiência os valores, e normas da sociedade. Não basta que a escola ensine o significado do termo cidadania, sem que práticas cidadãs tenham sido vivenciadas, ajustadas na troca, no saber ouvir e se posicionar criticamente. Integrar, essa é a palavra, integrar à vivência escolar a aspectos da realidade de cada aluno. Neste sentido, é necessário que o professor conheça seus alunos e os novos padrões culturais dos jovens, articulando-os aos seus desenhos curriculares.
A escola da atualidade necessita ser mais flexível, ser inteira e representar a vida. Nossas escolas baseiam-se inteiramente em torno da noção de disciplina e comportamento. Muitas vezes, a escola prima por resultados quantitativos, e deixa de ser de qualidade perdendo a oportunidade de entender como se chega aos resultados.
Estamos num mundo onde transmitir conhecimento não basta, é necessário contribuir efetivamente para a formação de pessoas em harmonia consigo próprias, criativas, bem informadas, cidadãs, que busquem a estabilidade emocional, a relação com o seu próprio interior e com o mundo. É fundamental ensinar aos alunos como criar suas próprias oportunidades, seus próprios caminhos. “Essa tarefa da escola já amplia o conceito educar e faz que ele ultrapasse a simples função de transmitir conhecimentos, pois assume outra feição: a de capacitar a pessoa para que possa assumir um papel ativo e responsável dentro da coletividade” (GILES, 1983, p. 27).
O emprego, tradicional, de carteira assinada, está desaparecendo em todo o mundo. A iniciativa, a perseverança, a criatividade, a liderança e a cooperação devem ser inseridas na escola. É preciso fazer, ir atrás, ser o autor da própria transformação. A formação e o desenvolvimento do indivíduo, o seu acesso à essência humana, se encontra na realização mediata de um trabalho educacional imerso nas condições de vida que se alcança no conjunto de todas as relações, produtos, ações, idéias, etc. sociais de seu período histórico.
REALIZAÇÃO DO ESTUDO
O Lar Amor foi fundado em 04 de outubro de 1959. Iniciou suas atividades em 10 de maio de 1963. Os dez primeiros anos foram de instabilidade, o que se confirma com a troca de oito administrações. Em 14 de março de 1973, o Lar Amor foi confiado às religiosas que têm como carisma específico o atendimento de crianças e adolescentes bem como suas famílias. Nos seus primeiros anos a escola funcionou como regime de internato. As famílias carentes que não tinham possibilidades de ficar com seus filhos podiam deixá-los no Lar. Porém, com o decorrer dos anos o pensamento do Lar era de que a criança pudesse crescer em ambiente familiar para que os pais sentissem essa responsabilidade sobre seus filhos.
Atualmente o Lar funciona como contraturno de escola, as crianças freqüentam a escola regular e em outro período vão para o Lar, tirando-os da vulnerabilidade das ruas e principalmente fazendo com que a família participe da formação do filho. A instituição está localizada em um residencial de classe média. É uma Associação Não Governamental sem fins lucrativos. Por ética profissional, não foi-nos permitido mencionar a cidade. O sistema de ensino é voltado para a pedagogia do amor, a missão é baseada na Pedagogia de um educador da juventude no século XIX, que optou pela pedagogia do amor e tem como lema “É preciso educar o coração”.
O Lar Amor tem um espaço amplo, não foi obtido o tamanho exato do local, mas existem duas áreas, um campo com gramado para futebol, uma quadra para jogos de salão, vôlei, basquete e outras atividades poliesportivas. A instituição dispõe de todo material necessário para as atividades esportivas. Existem áreas com jardins e bancos de praça. Possui uma cozinha bem equipada acoplado a ela existe uma mini padaria onde são feitos bolos, pães e bolachas para as crianças, existe também próximo a este local um refeitório para os professores. A alimentação é comprada pela própria entidade com o dinheiro angariado dos projetos, com churrascos, doações e pelas parcerias feitas. A entidade possui sua própria horta. Os alunos dos dois turnos almoçam no local. Pela manhã e à tarde os alunos também recebem o café, é interessante ressaltar que em dias festivos o cardápio é especial. O refeitório conta com um espaço muito bom e ventilado, sendo que este mesmo espaço é utilizado para a apresentação de teatros, pois conta com um palco equipado para tal função.
As salas são divididas por atividades, sala de arte com sucata, teatro, bijuterias. Existe uma biblioteca, sala de artes com pinturas e bordados em tela, sala de artes com biscuit e madeira e outra com artes de meias de seda. Entre essas salas há nove murais com desenhos de flores e bonecas.
Em outro corredor têm as salas de oficina de música, com um instrutor que inclusive estudou no Lar Amor durante um tempo, aprendeu música e desenho após ter saído de lá e retornou como instrutor do local. Neste mesmo corredor encontra-se a sala de apadrinhamento que tem parceria com outras entidades e as quais fazem comunicação com uma entidade da Alemanha que são pessoas voluntárias de vários tipos de religiões que enviam verbas para a entidade e mantém um relacionamento através de cartas com as crianças. Essas cartas são traduzidas e entregues para os padrinhos na Alemanha que respondem para as crianças e mandam dinheiro, brinquedos, roupas.
Os professores são todos contratados efetivos, não há rotatividade e não há professores substitutos, se um professor precisa faltar, outro toma a posição, as crianças nunca ficam sem atividades.
Os alunos são de classe muito baixa, que vivem em condições precárias, a maioria vivia em semáforos como pedintes, a maioria das famílias atendidas não possuem nenhum grau de instrução. São 27 a 28 alunos por sala. Os professores escolhem as oficinas que as crianças vão fazer. As oficinas são de pintura em tecido e bordado, arte com sucata, teatro, bijuterias, biscuit em madeira, artesanato com meias de seda. Os alunos, fora as atividades normais, podem optar por ter aulas de música, informática ou atividades como dança, teatro, coral, capoeira ou esportes.
A instituição também oferece serviços para a comunidade por meio de projetos tais como: Alfabetização para jovens, adultos e idosos, por meio da informática, aprendizagem do corte e costura para mães das crianças e adolescentes atendidos, e também, senhoras da comunidade, assessoria doméstica, curso de panificação, informática básica para adolescentes acima de 14 anos, jovens e adultos da comunidade em geral, entre outros que aguardam recursos para serem implementados.
Os alunos são freqüentemente avaliados em todos os aspectos. Os que não tiram notas vermelhas no ensino regular são recompensados com passeios em hotel fazenda e outros lazeres, os que tiram notas vermelhas continuam em sala com atividades normais sem nenhum tipo de reforço escolar. É praticamente nula a evasão escolar, pois, as crianças não podem faltar sem justificativas, ela perderia o direito de estar inserida na entidade.
DAS OBSERVAÇÕES
A entidade é pautada nos princípios da educação libertadora e transformadora, através do amor, da acolhida, do respeito às diferenças, da bondade, da doçura, da ternura, da paciência, da familiaridade, do diálogo e da consciência crítica. É a educação do coração que ela visa. A intenção do Lar é refletir, estudar e ir em busca de melhorias na qualidade do serviço que prestam à sociedade. A proposta pedagógica apóia-se no desenvolvimento de uma consciência crítica e cidadã, no desenvolvimento da comunidade interna e externa, na participação e na cooperação das várias esferas do governo, na autonomia, responsabilidade e criatividade como processo e como resultado do projeto.
Os objetivos da instituição são claros, não estão centrados em conteúdos pedagógicos, pois visam mais a humanização, a cidadania, a sociabilidade. Assim, A entidade trabalha os temas transversais indiretamente em sala de aula e também através de palestras. Aproveitam temas de festividades como a Páscoa para trabalhar questões religiosas e discutirem a respeito do racismo, gravidez precoce, drogas, meio ambiente, saúde etc. A escola é voltada para os princípios do catolicismo onde a religião é pregada de forma ecumênica, pois as crianças pertencem a várias religiões.
O trabalho desta instituição é preventivo, pois trabalha com crianças que estão em situação de vulnerabilidade, para elas são proporcionadas às condições de desenvolvimento educativo, humano e cultural, orientando-os na participação e no cumprimento de seus direitos e deveres na vivência da cidadania ativa.
Como muitas crianças vêm de famílias necessitadas, a instituição oferece uma boa alimentação para tentar amenizar essa carência. Em casos de doenças e desnutrição as famílias são procuradas e orientadas.
Os alunos que têm maiores habilidades, por exemplo, em música, informática ou esporte, são direcionados aos cursos. As oficinas de artes manuais não são escolhidas pelos alunos, eles são colocados nos cursos que freqüentam o ano inteiro, sendo rotativo no próximo ano. É interessante ressaltar que o instrutor de música, estudou no Lar Amor, durante um tempo, aprendeu música e desenho, e após ter saído de lá retornou como professor do local.
Os professores têm habilidades com artes manuais, música, e procuram ter contato com a informática. Alguns já possuem curso superior e outros estão buscando. Uma vez por mês a instituição oferece aos professores palestras, vídeos e trocas de informações sobre os cursos que participam. Os erros, na maioria das vezes, são aceitos pela pessoa, e discute-se em grupo uma solução. Os alunos são orientados quando erram.
O objetivo principal é a humanização, como já foi explicado, o importante é que essas crianças se tornem cidadãs, se sociabilizem e possam ter a oportunidade de ter uma qualidade melhor de vida para que as famílias quebrem o círculo vicioso da miséria, do desemprego, ou seja, que a criança que passou no Lar possa ter uma profissão melhor para garantir que o seu futuro filho não necessite do atendimento do estabelecimento.
O planejamento é anual e articulado. As mudanças são aceitas pelo grupo sem rejeição, os professores podem opinar e dar idéias sobre as condições de aprendizagem e trocam informações em reuniões semanais e mensais. A escola assina e ganha jornais, livros e revistas. Todos os funcionários em geral, desde a faxineira, o jardineiro, a cozinheira e professores estão comprometidos com a educação. A escola preocupa-se com a formação dos seus funcionários, investindo em cursos e palestras e promovendo grupos de estudos.
A concepção sobre os problemas de aprendizagem, para os educadores, é de ordem social e familiar. Assim, a escola procura sempre orientar os pais diante das necessidades e dificuldades de seus filhos, mas não pode tomar partido do problema. A instituição também coloca a responsabilidade dos problemas de aprendizagem na escola de ensino regular, assim consequentemente, na maioria dos casos, a instituição fica frustrada porque o bom ensinamento que é transmitido para as crianças referente às artes manuais, música, pintura, informática, é perdido em função da má formação na leitura e na escrita.
CONCLUSÃO
Este estudo permitiu constatar que a instituição deveria explorar mais a leitura e a escrita. Apesar de não atuarem como o ensino regular, são também responsáveis pela formação destes indivíduos, são responsáveis em ajudar a detectar os problemas de aprendizagem, afinal se o objetivo maior é quebrar o ciclo da pobreza dessas crianças e dar a elas condições para que tenham um trabalho, elas precisam ter a base na leitura e na escrita. Se os professores unissem os trabalhos manuais com a escrita e a leitura, por exemplo: ao terminarem um colar, ou uma flor feita de meias de seda, um quadro etc., que pedissem ao aluno para escrever um texto sobre aquele trabalho, que fizessem um teatro com os artefatos fabricados por eles. Que pedissem para as crianças pintarem o alfabeto, trabalhassem os números, com certeza estariam contribuindo para o desenvolvimento destas habilidades.
Implantar uma Sala de Leitura, assim como são as oficinas, alegre, colorida e convidativa, fazer dela também uma oficina e não somente uma “biblioteca” fechada, que oportunize muito mais que um espaço de pesquisa, que seja um ambiente acolhedor e motivador, que venha provocar no educando o prazer pelo hábito da leitura.
Poderia ser formado uma parceria com profissionais de outras áreas como um psicopedagogo, um psicólogo, um fonoaudiólogo e com os próprios professores, os quais juntos desenvolvessem meios de aprendizagem mais eficientes e mais contextualizada.
É importante que o Lar Amor não fixe a idéia de que não é sua obrigação fazer “o reforço escolar”, mas que busque caminhos para contribuir com o aprendizado das crianças. É necessário que o educador explore exatamente o que a criança tem dificuldade de fazer na escola: É o reconhecimento das letras? É em falar as palavras? É no prestar atenção? Entre outros como uma situação familiar que pode contribuir para o problema da criança. Quando esse trabalho minucioso é realizado pode ser possível planejar um tipo de programa de treinamento especial que ajude a criança a contornar sua dificuldade.
Referências
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YAEGASHI, S.F.R. O que é Psicopedagogia. Apontamentos / Universidade Estadual de Maringá. – 1 (jan. 1992) – EDUEM, 1998.
WEISS, M. L. L. Psicopedagogia Clínica – uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. Rio de Janeiro. Ed. DP&A, 2003, 10ª ed.
Publicado em 27/02/2009 15:01:00
Rubiana B. Santa Bárbara – Professora formada em Letras Português/Inglês e atualmente curso pós-graduação em psicopedagogia na SOET-Maringá-Pr
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