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LIMITES PARA OS LIMITES…?

Luiz Carlos Ferreira Drummond

A ideia de confinamento permeia tudo (dentro e fora de casa) e as restrições à liberdade tornam-se um fator concreto: vai desde os muros altos e fechados de uma casa, passando pelas paredes de um apartamento, até os vidros rigorosamente fechados de nossos carros!

I.
INTRODUÇÃO:

"Meu filho quer tudo que vê;
quando vou ao shopping com ele, pede isso e aquilo, quer que lhe compre tudo.
Acabo não resistindo e termino por dar o que ele quer…"

"Minha menina parece insaciável:
pede novas coisas todo o tempo e se não dou reage como se não gostasse
dela…"

"Minha mulher é uma eterna
insatisfeita; nada que eu faça lhe basta… Não sei mais o que fazer para
ela…"

"Meu marido não tem limites
para trabalhar; em compensação, para familia nunca ele tempo…"

"Minha namorada é uma
consumista inveterada; só pensa em comprar, comprar, comprar; dá até medo de
me casar com ela…"

"Meu namorado só pensa
naquilo; quer mais e mais, e mais… parece que só tem sexo na cabeça; nas mãos
dele sinto-me como um objeto…"

"Meu pai é superexigente; não
consigo me entender com ele; prá ele tudo não pode…"

Meu ofício é o do psicanalista
e o tema sobre o qual me pediram para falar – LIMITES – tem como nome uma
palavra que, curiosamente, não faz parte do jargão da psicanálise. Então,
faz-se necessário, em primeiro lugar, que tentemos definir o que queremos dizer
quando pronunciamos essa palavra – limite.

Essa noção – a de limites – tão
conhecida por todos nós (não apenas psicanalistas), vem representando um
importante ponto de controvérsias e de conflitos, não só nas relações entre
pais e filhos, mas também – ousaria dizer – em todas as relações de modo
geral. É claro que entre pais e filhos a questão se torna usualmente mais
contundente talvez em virtude do fato de que nessa posição – de pais –
sintamo-nos como que "obrigados" a colocá-la em prática e com maior
frequência que em outras circunstâncias. Embora possamos pensar que os limites
devessem acontecer aí com certa naturalidade, de fato não é assim que ocorre:
frente a eles, são comuns a dúvida e os tropeços!

Penso que além das dificuldades de se pôr em prática aquilo que aqui tomamos
como uma noção – o limite, a questão intriga e embaraça sobretudo pela
nebulosidade que envolve uma definição dessa coisa. Possivelmente porque a
questão não é simples, implicando uma gama complexa de fatores. Também e
antes de tudo, porque limite mais se pratica do que propriamente se explica…

Frases como essas que acabamos de
citar são comuns a todo instante hoje em dia.

Vemos, com freqüência, pais aflitos e desorientados frente às solicitações
continuadas e inesgotáveis de seus filhos e frente às mais variadas estratégias
que eles usam para obter aquilo que demandam: argumentações por vezes
refinadas, chantagens emocionais e até escândalos vexaminosos em público,
vale tudo para alcançar os seus fins. E entre adultos não é muito diferente:
apenas mudam – por vezes – os meios… Brigas, desentendimentos, mal humor,
vemos isso a todo momento.

Além disto é preciso lembrar que não são só os pais que põem limites aos
filhos. Também os filhos impõem limites aos pais e tornando então necessário
dar conta de lidar com esses momentos.

Queremos e devemos auxiliar tais pessoas na lida com tal tipo de questões; mas
para isso faz-se imprescindível apreender a significação e as origens desses
acontecimentos e, antes de tudo, a significação do que é chamado limite.

Nesta perspectiva há de se
separar inicialmente o que é do campo do sintoma psíquico e o que é da esfera
simplesmente social. Bom lembrar aqui que a linha demarcatória entre os dois
campos nem sempre se revela de fácil distinção. Mas que essa não seja uma
razão para mandarmos todos para um analista ou um psicólogo, evitando falar do
tema num ambiente leigo como esse em que estamos (entenda-se por leigo a conotação
que dou ao fato de não tratar-se aqui de um debate entre "especialistas
psi"). Deliberadamente vou evitar o uso do vocabulário especificamente
psicanalítico lançando unicamente mão de uma ou duas palavras, porque me
pareceram impossíveis de substituir.

Nosso tempo é verdadeiramente
curto em relação com a complexidade e o interesse do tema, mas que isso não
nos impeça de tentar nos posicionar aqui, ainda que seja marcando alguns pontos
que posso considerar fundamentais.

A questão do limite poderia ser enfocada abrangendo também mais aspectos do
que farei aqui, mas isso tornaria minha exposição muito extensa. Elegi, pois,
alguns elementos a meus olhos mais fundamentais, por razões de ordem prática.
Este deve, portanto, ser considerado um "pré-texto" através do qual
pretendo nos instigar – a todos – para debater a questão.

Frente a isso, gostaria de destacar genericamente três vertentes que se entrelaçam
no tratamento da questão, tentando mostrar o tema de uma forma enxuta e, quem
sabe simples, sem contudo, extrair dele toda essa complexidade que envolve:

  • A primeira, socio-cultural, que diz respeito
    ao contexto em que nós vivemos, ou seja, nosso ambiente social.
  • A segunda, subjetivo-estrutural, que diz
    respeito ao próprio modo de funcionamento psíquico do ser humano, aos
    elementos constituintes de nossa estrutura psíquica pessoal.
  • A terceira, intersubjetiva, que diz respeito a
    certas características que marcam as relações de convivência que se
    desenvolvem através da linguagem.

II. A
VERTENTE SOCIO-CULTURAL:

Ao tocar em aspectos sociais é
necessário que eu delimite um pouco a fatia da população de que vou
predominantemente falar. Vou ater-me principalmente às questões entre pais e
filhos pertencentes às classes sociais média até alta e vivendo em centros
urbanos. Tais pessoas inserem-se num contexto social e familiar do qual não
podem, em geral, escapar e ao qual reagem através de condutas diversas.

Nossas crianças de hoje,
relativamente àquelas de outros tempos, estão cada vez mais confinadas às
suas casas (que cada vez mais, por opção ou força das circunstâncias, têm a
forma de apartamentos), cada vez mais em contato com os recursos da mídia
(televisão, computadores com internet) e cada vez mais privadas de um tipo de
contato lúdico com os pais que, em contrapartida e por razões diversas,
dedicam cada vez mais tempo ao trabalho. Lembro ainda que ficam todos – pais e
filhos – submetidos a constantes tensões (como a de um trânsito cada dia mais
complicado, por ex.) e preocupações de naturezas várias (como aquela contra a
violência urbana, por ex.).

A ideia de confinamento permeia tudo (dentro e fora de casa) e as restrições
à liberdade tornam-se um fator concreto: vai desde os muros altos e fechados de
uma casa, passando pelas paredes de um apartamento, até os vidros rigorosamente
fechados de nossos carros!

A rua, antes lugar privilegiado de ampliação de contatos com o mundo torna-se
ameaça cada vez maior e muitas vezes é substituída ou mostrada através de
uma telinha…

De outro lado, só para enfocar um aspecto, uma dona de casa tinha, noutros
tempos, com certa facilidade, uma, ou duas, ou três, até quatro pessoas que a
ajudavam nos afazeres domésticos. Essa facilidade acabou; ou tornou-se um luxo
de poucos… E até, disso, a mulher trabalha fora. Em consequência, exige-se
inúmeras vezes da criança que mantenham "uma certa ordem em casa",
ordem que vai – conforme os casos – do razoável ao exagerado. Em suma: a casa
deve ser mantida arrumada, porque a mamãe não tem tempo a perder… Perdem
muitas vezes as crianças que devem tolher seus movimentos naturais de expansão,
tudo em nome da organização. Um cachorrinho ou outro animalzinho (que tanto
bem fazem às crianças) em casa, isso, então nem pensar!

Por vezes entramos em algumas casas que de tão organizadas e arrumadas que são,
parecem nem mostrar sinais de vida… E que sinais são esses que se encontra
ali?

E as escolas?

As escolas (nisso não vai
nenhuma possível generalização), que acolhem as crianças em boa parte do
dia, dada a competitividade sem limites própria de nossos tempos, convertem-se
em "pré-vestibulares" precoces, visando o sucesso futuro. Sucesso…
Palavra ambígua essa aí… O que é, verdadeiramente, o sucesso?

O que acontece então às nossas
crianças?

Vão responder, obviamente, de maneira "adaptada" àquilo que acontece
em torno. Quero com isso dizer que, pelo menos a princípio, a criança que vive
pedindo não está necessariamente inadequada e não deve ser considerada como
apresentando uma patologia qualquer. Simplesmente ela se revela como produto de
seu meio (social-familiar) e revela, como numa denúncia, características
importantes que podem estar-nos passando desapercebidas no corre-corre do nosso
dia-a-dia.

Ela retrata assim, à sua maneira infantil, o momento histórico-cultural em que
vivemos, momento em que se valoriza o ser humano predominantemente em função
daquilo que pode adquirir sob a forma de bens materiais, aquilo que tem: posse
de objetos, adornos para o corpo, condições e local de moradia, veículos que
são usados pela família, etc. Ela está impregnada das mensagens da mídia que
destacam que a realização afetivo-sexual (aspiração primária de todo ser
humano) das pessoas está rigorosamente submetida à conquista de riquezas
materiais (vejam, por ex., os temas abordados em publicidade).

Além disso, há também a ilusão de que se pode receber tudo pronto: nossas
crianças (e podemos incluir aí muitos adultos, igualmente) desconhecem em
ampla extensão os processos. As coisas devem vir rápido e prontas! Acontece
que a realização pessoal é algo que não se dá dessa forma. Cada um terá, a
seu modo próprio, que construir sua realização. Ponto a ponto, passo a passo,
tijolo por tijolo… E não há outro modo.

Nossa criança vive, no cotidiano
de sua vida, sua vaidade e suas rivalidades com colegas a partir daquilo que
materialmente possui: o melhor e mais moderno brinquedo, o tênis mais chique, o
estojo mais transado e assim por diante… Quando a coisa é, a seus olhos, de
maior valor, a expressão usada pelos mais velhos (adolescentes) vem nos dizer
exatamente: "é show!". E show é mostra, é exibição, não importa
em que língua venha.

O que temos que ver com cuidado é até que ponto nós adultos participamos
ativamente desse processo quando e se pensamos, ainda que disfarçadamente
(porque disfarçamos muito isso), desta mesma forma e agimos sob o mesmo princípio…

Afinal, se pais representam a valorização pessoal através deste parâmetro
distorcido, porque os filhos iriam – naturalmente – ver o mundo de outro modo?

Vejam como os shopping-centers tornaram-se, de um tempo para cá, em áreas
prioritárias de lazer em detrimento dos programas culturais, contatos com a
natureza e, fundamentalmente, o lazer doméstico – como o brincar, o contar estórias,
o conversar. Pensar em programas sociais para crianças, ou mesmo contar-lhes
estórias, soa, em certos meios, como algo bastante "careta".

Envolvidos pelo espírito social que concede valor ao indivíduo por aquilo que
ele tem – ainda que disfarçadamente, repito – muitos pais passam a viver sua própria
vaidade e sua própria segurança afetiva em relação aos filhos, através
daquilo que oferecem. Aí, não- dar pode ser algo de natureza perigosa. Quantos
pais não cedem aos caprichos dos filhos por temor à suas reações? Ou por
culpa de estar-lhes dando afetivamente pouco?

Que os pais se reflitam através
dos filhos e vice-versa, nisso nada há de tão extraordinário. O excesso, esse
é que vai contar: as dificuldades intransponíveis em dar limites aos nossos
filhos refletem uma questão problemática. Primeiramente dos pais em relação
a si mesmos. E em conseqüência, em relação aos filhos.

A dificuldade extrema de barrar uma criança em certas ações pode bem refletir
o desejo infantil dos pais de nunca ter que se defrontar com o limite, de não
viver frustrações, de não poder também mostrar-se em falta, eles mesmos, ou
de confrontar-se com essa. Em suma, um desejo velado de onipotência, de poder
tudo sem nunca passar por cortes.

E sem faltas, sem cortes, mergulha-se perigosamente no mundo do capricho, da
vontade absolutizada e imperiosa, afastando-se insidiosamente do Desejo,
essencial à realização de todo ser humano.

Com cortes, com nãos, perde-se muito em caprichos supérfluos, mas ganha-se em
Desejo e em humanização.

III. A
VERTENTE ESTRUTURAL-SUBJETIVA:

Desejo…

A criança, nossas crianças, estão mais próximas que nós adultos de nossa
configuração estrutural pessoal mais genuína. Podem crer.

A criança "pidona" –
essa incômoda – está ali a nos lembrar também que o Desejo humano não se
satisfaz jamais. Realiza-se através de uma escrita de vida, daquele rastro que
cada ser humano deixa no mundo ao passar, mas nunca se satisfaz totalmente!

É uma ilusão pensar que satisfazer todos os pedidos de uma criança fará com
que ela se contente. Não. Uma vez atendido um, ela cria imediatamente outro e
mais outro, e mais outro, infindavelmente… Ela tem que relançar seu Desejo:
isso é estrutural; não tem e não deve ter fim. Embora feitos através de
solicitações concretas, de ordem no mais das vezes material, seus pedidos e
reinvindicações revelam anseios profundamente importantes. O que não
significa que devem ser sempre atendidos. Nem por medo, nem tampouco por culpa.
O atendimento indiscriminado só pode gerar angústia. Mas há de se saber dizer
não: porque não deve tratar-se de um não-absoluto, de um "não…e ponto
final!"

Façamos aqui um parêntesis de
interesse.

Para a psicanálise o Desejo
constitui o elemento mais fundamental do ser humano. Ou seja, o ser humano é um
ser de Desejo.

Já salientamos que as crianças tantas vezes buscam alguma "coisa"
através de pedidos.

E esses pedidos podem ser de três ordens:

  • Da ordem da necessidade – essa, visa um
    determinado objeto e ao alcançá-lo, satisfaz-se plenamente nele.
  • Da ordem da demanda – que é uma exigência
    formada e dirigida a outrem; embora incida também sobre um objeto, esse não
    é aí, em absoluto, essencial: essa exigência, articulada através da
    linguagem, é sempre, em seu horizonte, uma exigência de amor. Por preferência,
    amor garantido e pleno.
  • Por último, da ordem do Desejo – esse
    movimento que surge do afastamento entre a necessidade e a demanda, sendo,
    portanto, irredutível a ambas; irredutível à necessidade já que não se
    satisfaz com nenhum objeto real e irredutível à demanda porque se impõe
    à revelia do outro, embora exigindo o absoluto reconhecimento por ele (pelo
    outro). Penso mesmo que o maior direito que diz respeito a um ser humano é
    ter reconhecida pelos outros e também depois, por si mesmo, sua condição
    de poder desejar. Aqui – no campo do Desejo – reside o que nos distingue
    radicalmente uns dos outros, o que nos confere a nossa singularidade.

IV. A
VERTENTE INTERSUBJETIVA:

As frustrações – decorrência
natural do não – agem desde muito cedo como uma espécie de
"mediador" entre a criança e o mundo circundante. Impor limites à
criança é uma ação que contribui para seu desenvolvimento. Mas isso não
pode ser de qualquer jeito.

Através das frustrações impostas ao imediatismo dos caprichos humanos somos
obrigados a aprender esperar e somos lançados na busca de outras formas de
satisfação, formas que serão desenvolvidas através e dentro do nosso mundo
cultural-simbólico: a criança vai do simples brincar ao brincar-compartilhado
e deste vai ao universo cultural.

Os pais precisam perceber que têm algo de muito mais precioso do que objetos de
natureza material para oferecer a seus filhos. Para além de um "tome para
que me ame", de um "tome e me conceda perdão", ou mesmo um
"tome, mas não me chateie", é necessário não se apressar em dar
(especialmente em dar-tudo – o que, aliás, é impossível, mesmo que se
queira), para que além desse não que na verdade se reparte entre os dois lados
(criança e pais), para além dessa frustração decorrente, esses pedidos e
essas condutas exigentes possam ser adiadas e ou decifradas afim de que se possa
encontrar outra forma mais frutífera de ofertar à criança uma oportunidade de
crescimento real. A presença real dos pais – atendendo ou frustrando – não se
substitui jamais por coisas materiais.

Se é problemático colocar limites, mais é não fazê-lo!

Muitos pais podem se perguntar se
não estão – eles próprios – esquecidos de suas capacidades inventivas,
esquecidos do grande prazer que a criação proporciona. E, por vezes,
esquecidos mesmo que seus filhos representam, eles próprios, uma nova criação
que um dia lançaram no mundo. Há de se cuidar disso, visto que só assim
estaremos efetivamente contribuindo para a constituição de novos sujeitos e
também de indivíduos por sua vez mais inventivos e cada vez menos aprisionados
nas falsas fórmulas de felicidade com que a sociedade tenta nos subornar a cada
instante!

É especialmente aqui – no plano
das relações intersubjetivas – que a questão do limite se revela com contundência
e em sua maior complexidade. Quando as necessidades de um conflitam com as
necessidades de outro; quando as demandas de um conflitam com as demandas de
outro; quando o Desejo de um se choca com o Desejo de outro.

Aqui é importante lembrar que esse problema não se situa apenas com relação
a pedidos. Antes, temos que considerar a fundamental questão do lugar que,
inconscientemente, os pais designam para seus filhos, porque sempre e
inevitavelmente, em nossas fantasias, designamos para nossos filhos um lugar
emocionalmente significativo para nós. É aí, penso (por tratar-se de algo
pertencente ao campo do inconsciente), que quando há problemas, a Psicanálise
pode ser um fundamental instrumento de saída para os impasses.

Eu disse há pouco que o limite,
o não, com todas as frustrações decorrentes, são inevitáveis e ao mesmo
tempo indispensáveis à conquista da possível liberdade humana.

Pois liberdade não se traduz em ter-tudo ou em poder-tudo, mas justamente ao
contrário, a liberdade está em ser capaz de inventar aonde algo falta…

Disse também que o limite, o não,
devem ter seu lugar assegurado; têm que ser praticados: mas que não pode ser
de qualquer jeito.

O não-absoluto, por exemplo, aquele "não-e-ponto-final", tem um caráter
bem obstrutivo. Aí só resta ao limitado posicionar-se frente a ele como
impotente ou buscar um caminho marginal para buscar a sua realização.

Penso também que deveríamos pensar numa nova estética para as reações
frente às exigências de nossas crianças.

Chega de mães se descabelando diante de birras dos filhos; ou se dizendo
"arrasadas!" por não saber como lidar com eles. As mulheres precisam
mostrar ao mundo que são capazes de inventar outros modos de sair dessas situações
que não sejam aqueles de tipo histérico.

Chega de pais funcionando como omissos "bananas" ou como durões imbatíveis.
Os homens também precisam mostrar ao mundo que sabem inventar outras respostas
que não sejam aquelas de natureza tão obssessiva.

Faz-se necessário, então, que
nos perguntemos, ao praticá-lo: de onde vem tal ou qual limite?

E podemos alertar que em geral o limite se vincula a um "sistema de princípios"
ou a um "código de valores".

Como tal, representa sempre a perspectiva do ideal de alguém: de uma pessoa, de
uma família ou de um grupo social qualquer. Tais "princípios" ou
"valores" vão configurando, explícita ou veladamente, o
"sistema legal" vigente ali: é uma "lei" ou conjunto de
"leis" que vão tomando forma assim. Freqüentemente, uma forma
bastante arbitrária que servirá a "bons costumes", "boa educação",
"bom comportamento", mas também a conveniências (inclusive sintomáticas),
a comodidades ou à realização de outrem. Quando não se encontra ali,
simplesmente, a chamada "lei-do-mais-forte", que é própria do mundo
bárbaro!

Não é que eu seja apologista de um mundo construído anarquicamente,
absolutamente sem lei. Não. Seria uma pseudo-liberdade; outra forma de
arbitrariedade.

Mas o que quero aqui recordar é que é à Moral que se referem as leis. O
Desejo se refere à Ética. Moral e Ética podem ser distinguidas. A ética nos
transcende como indivíduos. Coloca-se acima de todos nós e deveria nos reger a
todos. A moral, ao contrário, é criação do indivíduo, seja ela pessoal,
familiar ou social e, como tal, freqüentemente suspeita. Porque será
facilmente calcada numa série de etiquetas ideológicas.

Etiqueta e ética são coisas que
devem ser também distinguidas.

Etiqueta, como disse antes, serve
a modelos de "bom comportamento", de "boa educação", de
"bons costumes"; tudo aquilo que pode, com facilidade, ser submetido
ao capricho, à força, à conveniência e a comodidade de alguns; ou de muitos.

Ética, do grego, significa sabedoria da ação e se refere – não a bens – mas
à representação do Bem (com B maiúscula). Na visão da Psicanálise o Bem é
sempre ligado à condição do desejar.

Então é preciso que os sistemas
morais se submetam a preceitos éticos afim de não se perderem em
arbitrariedades ideológicas.

Talvez seja frustrante ouvir isto, mas não se pode ensinar como colocar
adequadamente os limites: isto não se ensina; se transmite – em nossa própria
postura e sempre na dependência de nossa própria condição subjetiva.

Porque limite não significa meramente apor um não qualquer a uma conduta
qualquer. Esse não tem que ter uma função e sua função essencial é a de
dar forma de gente a quem está sendo barrado nesse ato.

O limite não tem função meramente obstrutiva: antes, configura uma espécie
de borda, borda como aquilo que faz balizamento, que barra certas direções,
mas que aponta outras saídas possível, circunscrevendo certas direções.

O limites devem apontar, no seu conjunto, para "um dar forma"; dar
forma ao vir-a-ser do sujeito na via do seu Desejo.

V.
PARA TERMINAR…

Lamentavelmente, para muitos, não
há definição preestabelecida para o ser pai, ser educador, como para ser
psicanalista.

São definições impossíveis, dado que cada relação é plena de
singularidade e não admite padrões pré-concebidos.

Mas nossas funções são eventualmente necessárias. Eventualmente porque ninguém
é pai ou mãe o tempo todo, nem educador o tempo todo e muito menos
psicanalista todo o tempo.

Então só nos resta inventar e saber aproveitar as contingências favoráveis
da vida para, sem entrar em desespero, tornar essas coisas possíveis:
psicanalisar, educar, ser pais e criar nossos filhos..

Publicado em 01/01/2000


Luiz Carlos Ferreira Drummond – Graduado em Medicina, pela UFMG, em Belo Horizonte, em 1965.
Iniciou sua formação psicanalítica em 1967 no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, onde foi Coordenador da Comissão de Ensino, Coordenador da Comissão Científica, Vice-Presidente e Presidente e onde ministrou seminários a candidatos ao exercício da psicanálise, de 1971 até seu desligamento em 1981.
Em 1982 fundou o Seminário da Prática Psicanalítica (belo Horizonte) onde continuou se dedicando, até a presente data , ao ensino e transmissão da psicanálise.
Havendo feito residência em Psiquiatria nos Hospitais Galba Velloso e Raul Soares (em Belo Horizonte), fundou, em 1974, o Centro Psicoterapêutico, onde dirigiu o Hospital Dia desde sua fundação até 1984.
Desde 1970 dedica-se à clínica psicanalítica com crianças, adolescentes e adultos.
É autor de vários artigos publicados em revistas de psicanálise

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