A LENDA DO FAROL: OS SETE SABERES DE UM EDUCADOR
Dirceu Moreira
“Jamais haveria evolução se o Verbo se manifestasse proferindo sempre as mesmas palavras”. Professor Henrique José de Souza. (Salvador 1883-1963). O educador como porta voz do conhecimento deverá estar atento para não cair na mesmice, pois, o mesmo conteúdo de hoje, talvez tenha que ser dado de forma diferente noutra ocasião. Podemos chamar a isso de educação continuada e inovadora.
A busca pelo conhecimento, sempre foi e será a única forma do ser humano sair da prisão do apedeutismo, que tanto o torna dependente e manipulado por aqueles, que possuindo tal conhecimento se esquecem da lei que o rege, Lei essa que não permite jamais que este conhecimento seja segregado de muitos em detrimento de uma minoria. O preço disto será inexoravelmente caro, pois se constitui em um crime de lesa humanidade e ofende ao próprio Criador que o disponibiliza a todos indistintamente a fim de que não aconteça o que disse o grande baiano Rui Barbosa “Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência”. Para que isto não aconteça esperamos que se profetize as palavras de outro baiano que foi Castro Alves: “Bendito, bendito é aquele que semeia livros, livros a mão cheia e manda o povo pensar; o livro caindo na alma, é germe que faz a palma, é chuva que faz o mar”. Eu complemento dizendo que livros, são os faróis do conhecimento iluminando as mentes e os corações dos homens como benção divina.
Para falar deste mal apedêutico, que acomete uma grande parcela de pessoas incientes desta humanidade, contarei o fato através de uma lenda criada especialmente para este caso.
Certa vez, no interior do sertão baiano, vivia um destes ermitões habitando o alto de uma pequena montanha e, todas as noites, punha-se a observar e contar estrelas. Ele ouvira dizer pela boca de um sábio que vivia não muito distante dali, que as estrelas poderiam lhe revelar grandes segredos da vida e enrique-SER seus conhecimentos, tesouro este que o ermitão agarrava com unhas e dentes a qualquer pedaço de papel que contivesse uma escrita. Seguindo as palavras daquele mestre, ele grudou seu olhar para o céu todas às noites e, somente depois de muito tempo de perseverança, subindo e descendo a montanha durante anos seguidos, se deu a primeira revelação de um conhecimento.
Foi um momento mágico, pois de uma pequenina estrela perdida na imensidão do cosmo se dirigiu um facho de luz e, como um farol iluminou e projetou algumas escritas na pedra à sua frente onde ele pode ler: esta é a pedra do conhecimento ligado a arte de transformar o mais insano e vil metal em ouro, utilizados pelos antigos alquimistas. Tome muito cuidado porque nada disto acontecerá sem a sua transformação interior, porque todos estes conhecimentos somente serão sabedoria depois de tê-los colocados em prático, caso contrário não passará de um livro cujas paginas foram arrancadas.
Passaram se muitas luas para que o ermitão pudesse vivenciar e iniciar sua jornada interior e como peregrino vagou por muitos caminhos. De retorno ao alto da montanha contemplou novamente o céu, sendo que a segunda estrela escolhida também exigiu dele muito tempo de reflexão, mas foi quando se distraiu com todas aquelas possibilidades de miríades de estrelas, que o fato se repetiu. O farol ilumina novamente a pedra na qual costumar sentar-se. Então ele pode ler: esta é a segunda pedra que traz o conhecimento sobre todas as artes que inspiraram os grandes seres a iluminarem este planeta através da música, pintura, canto, poesia, literatura e nas artes em geral. Seja cauteloso para não deturpar sua essência, principalmente se o caminho da primeira estrela não tiver sido percorrido com êxito: autotransformação. A magia da arte se voltará contra você. Nunca é demais avisar o que os grandes mestres sempre recomendaram: olhos e ouvidos alertas, porque a lei de polaridade espreita por todos os lados, porque tudo tem seu oposto. Todo ser humano leva em si imanente a tendência e a força para transformar-se em algo superior, jamais se esqueça desta lei de evolução, para que não desqualifique as pessoas. A quem encontrares pelo caminho cumprimente-os dizendo NAMASTÊ: O Deus que habita em mim, saúda o Deus que habita em você. Eis ai síntese dos relacionamentos.
Conta-se que tempos depois o ermitão produziu muitas obras de artes e, só depois de um tanto de luas retornou ao seu lugar de origem. No seu terceiro encontro no alto da montanha chovia muito, mas ali ele permaneceu e, só no terceiro dia consecutivo se deu a projeção do farol de luz trazendo-lhe outra tônica do conhecimento.
Preste atenção, esta é sua terceira revelação: para que as duas anteriores sejam vivenciadas por ti, será preciso que atue no mundo de forma ética, com estética e politicamente correto. Nesta altura dos acontecimentos, o ermitão começou a perceber que a cada passo as coisas ficariam mais difíceis, porém para enrique-Ser, era preciso ter a riqueza não só do ouro, mas também do saber SER. O tempo passa depressa e a quarta revelação lhes veio de súbito, quando menos esperava e ao descer a montanha observou novamente o clarão. Votou e assim foi registrado: existe uma lei da sublime mecânica celeste que se projeta em todas as coisas e o homem a denomina de ciências exatas. E ela tem inspirado nos seres humanos grandes possibilidades de descobertas e impulsionará o progresso material. Antes que possa retornar ao seu refugio, nada tente fazer, sem antes compreender o que lhe ensinará a 5ª estrela: trago-lhe o dom acumulado ao longo de gerações contida na literatura e através de livros dos mais diferentes conhecimentos pelo tempo afora. Procure ler muito para que possas cumprir o que lhe trouxe a 4ª estrela, e tudo que produzires o faça com ética e com estética da sublime arte do bem viver, assim estarás transformando a si mesmo alquimicamente.
Foram tantas as luas que se passaram, que nem mesmo o relógio do sol poderia registrar o desaparecimento do ermitão e, nem muito menos o que ele fez em sua caminhada pelo mundo. Num lindo dia, daqueles onde o verde cobria todo semi-árido baiano, o alto da montanha estava ainda mais linda para recebê-lo. Ao cair da noite pode vislumbrar que havia cinco estrelas cintilantes que se destacavam no céu. Ali sentado recebe sua sexta revelação e uma estrela projeta novamente aquele farol de luz esplendoroso, naquele instante ele pode ler a seguinte mensagem: sou a essência que lhe trago o dom de aprenderes a pensar e com isso poderá novamente se re-ligar ao Criador: eu sou a filosofia e a theogonia, teosofia que dá ao homem as possibilidades de acessar sua consciência superior, conhecer o céu e a terra e seus mistérios (cosmogeneses e antropogenese). Com isso poderá mergulhar para dentro de si e tornar-se mais criativo. Junto comigo trago minha irmã, ela é a 7ª estrela que lhe revela a arte da cura por um ramo do conhecimento ainda pouco praticado pelos homens a medicina teurgica (palavra de origem grega que significa Obra, magia Divina). O ermitão ficou completamente em êxtase, no entanto percebeu que todo seu aprendizado não fazia sentido algum isoladamente. Sua visão ainda era fragmentada com um monte de disciplinas que ainda não se conectavam, não interagiam umas com as outras. Novamente, a presença de Cronos o deus do tempo, fez com que um único dia na vida do ermitão fosse uma eternidade e o atormentasse tanto que este retorna à montanha e põe se a pedir incessantemente que as estrelas lhes dessem a chave do conhecimento secreto para resolver tal armadilha. Neste dia de tanto suplicar e, a suplica de um sertanejo tem o poder de uma medicina teurgica e, esta sua persistência o torna jus ao seu pedido, caso semelhante ao que acontecera a Esculápio de Epidauro, que renasceu das cinzas.
Eis a revelação provinda da 8ª estrela: eu sou o poder sintetizador, unificador e de integração entre todos as revelações que recebeste das sete estrelas. Para que possa enrique-SER, ou seja, aplicar o conhecimento recebido, deverás vivenciar a metáfora: um por todos e todos por um, não a luta pelo poder, mas a luta pelo dever. Daqui para frente a jornada é sua e lembre-se sempre: a quem muito for dado, muito lhe será cobrado.
Conta-se que depois de muito tempo, o ermitão casou-se e teve oito filhos e os batizou com o nome dos sete ramos do conhecimento da árvore da vida que lhe fora revelado. Tornou-se um grande pensador e hoje caminha pelo mundo, ensinando seu método de aprendizagem denominado de “o farol do conhecimento”, ensinando que todos os saberes são analógicos. Embora de conteúdos diferentes encontramos nos saberes semelhanças, inclusive contendo o bem, o bom e o belo para ser integrado de forma eclética e, sincreticamente aplicado no dia-a-dia de cada um. Sem dúvida alguma, trata-se de uma visão sistêmica, integral e holística onde as múltiplas disciplinas qualquer que seja ela se interagem de forma multidisciplinar, inter e transdisciplinar. O farol do conhecimento é móvel e como tal gira 360 graus, iluminando a escuridão provocada pela ignorância, insciência, apedeutismo que tanto atrasa o desenvolvimento do ser humano. A educação é o farol do conhecimento, de potencial que vai além do farol de Alexandria cuja iluminação atingia mais de 50 km. A educação não tem fronteira, ela é a fonte de toda Criação e, os limites a ela imposta é produto da ganância dos homens para dominar os povos. Este conhecimento é incorruptível e volta sempre ao seio dos homens, como o fez Prometeu ao entregar as chamas deste fogo aos homens (este prometeu e cumpriu). A educação é o farol do conhecimento, os educadores suas cores e luzes e as sete estrelas são suas múltiplas disciplinas. Cada escola possui um farol do conhecimento réplica perfeita daquele contido nas estrelas. Todas as escolas possuem a mesma essência e nenhum educador pode arrogar o direito de dizer que a sua, ou seu método é melhor do que o outro e sim compartilhar suas experiências e qualificar o que os outros estão fazendo. Assim como o ermitão era também conhecido como Glorioso o mesmo significado para o nome Euclides, todos educadores são gloriosos e suas ferramentas são os diversos ramos do conhecimento, verdadeiras cunhas capazes de erguer, remover e transformar os maiores pesos da ignorância do ser humano. Educação, família e sociedade é uma tríade perfeita à medida que cada uma delas cumpra seu verdadeiro papel. Que a família o faça através do amor, a escola pela inteligência e a sociedade pelo trabalho. Amor sem sabedoria cria protecionismo sem os devidos limites. São Mestres e pais bonzinhos, não justos. A inteligência sem amor torna o homem distante e frio nos seus relacionamentos, mas também amor e sabedoria sem o trabalho a ação não gera absolutamente nada e, é como um livro fechado e trancado numa biblioteca. A escola, família e sociedade constituem o palco da vida onde se desenrolam os saberes sintetizados pelas revelações das estrelas e, nas suas inter-relações é que se dá a harmonia tão desejada de todos os educadores para que a educação não seja mais o bode expiatório de toda sociedade, porque nosso pais é como disse Jorge Amado: Eu sou muito otimista, muito.” O Brasil é um país com uma força enorme. Nós somos um continente, meu amor. Nós não somos um paisinho, nós somos um continente, com um povo extraordinário Antonio Conselheiro disse por volta de 1900: “Há de chover uma grande chuva de estrelas e aí será o fim do mundo”. Primeira tradução: é o fim, a morte pela transformação do ser humano através das estrelas do conhecimento citados na lenda tendo à frente a educação como farol a iluminar o grande espetáculo da criação Divina, mas também pode ser o aviso há tempos, anunciado pelos grandes sábios. Ou mudamos pelo amor, ou pela dor, mas mudamos.
Por isso termino esta lenda que é muito mais real que possa parecer com a seguinte frase:
“Atualmente não se pode aceitar mais o distanciamento entre a escola e a família. Ambas deverão ser parceiras na construção do cidadão planetário, atuando em co-responsabilidade”. Prof. Rosimere dos Anjos Ferreira
“Esta lenda é uma homenagem a todos os educados baianos e a todos educadores brasileiros que com dignidade fazem da educação seu principal baluarte.” O sertanejo é antes de tudo um forte, disse Euclides da Cunha. Os educadores além de fortes, são também persistentes e sábios para que possam transformar pequenas estrelas em grandes sóis.
Publicado em 21/10/2008 10:20:00
Dirceu Moreira – Psicólogo, psicoterapeuta, palestrantes, 10 livros publicados –
Finalista do Premio Educador do ano-2006
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