 |
QUE FALTA FAZ A EDUCAÇÃO: “MEMÓRIAS DE UM APRENDIZ DE PEDREIRO”
Gabriel Henrique Mondoni Moreira
|
Você provavelmente deve a estar a se perguntar… O que haveria de tão interessante na vida de um pedreiro? Eles trabalham, suam, comem, dão cantadas extravagantes, suam, pedem para “a chefia” ver por outro ângulo o muro torto, suam e finalmente recebem o seu salário mínimo, tão suado para assim poderem pagar despesas e para comprar alguns cigarros Derby.
Pois se engana aquele que pensa dessa forma, ser pedreiro não é apenas uma profissão. É um exercício de cidadania, afinal de contas… Se nós não fazemos o trabalho, quem o fará?
Conto essas verdades para o mundo, que despreza esses trabalhadores que tanto são descriminados pelos seus hábitos vulgares em relação a certos parentes, como a sua irmã, a sua namorada e nem mesmo poupada, a sua mãe. Pois é pura hipocrisia contestar aos que fazem o trabalho que você nunca faria…
Mais uma vez pergunto:
Se nós, pedreiros, não fazemos o trabalho. Quem o fará?
Meu nome é Hierro Miguelito de La Rosa Aceves. Mexicano de nascença, brasileiro de profissão. Aqui me chamam apenas de Earl.
Meu pai era pedreiro, embora tivéssemos uma vida precária, sempre tentara me dar o melhor para meus estudos. Aos nove anos eu pensava na minha futura profissão e nunca mudei de idéia.
-Quero ser pedreiro!- disse ao meu pai, quando havia chegado no portão da casa.
Naquela época existia um meio fácil de se educar uma criança. Simples como tirar um cinto da fivela. Mas eu queria, e me mantinha firme sobre minha decisão. Sempre quando ele voltava do trabalho e encostava-se àquele portão eu dizia “Quero ser pedreiro”, ele já começava a apelar para as “havaianas de pau”, daí em diante já não tinha coragem e quando ele encostava-se ao portão, gritava de longe e saia a correr. “Quando for pedreiro, eu desentorto aquele muro que se fez na casa do Zé”.
Meu pai finalmente cedera, ainda se sentia inconformado pela minha escolha. De tantas opções, acabei escolhendo o que meu pai considerava um fardo na vida. Não via a profissão dessa maneira, gostava daquele cheiro de areia misturada ao cimento, gostava daquela marmita que não sei como sempre acabava caindo cal no meio, o suor sobre a laje… Sim, um legitimo pedreiro!
Passei a freqüentar a construção que meu pai trabalhava no momento. Sentia-me realizado, no começo não deixavam eu ajudar, apenas assistir. O trabalho árduo deixa os homens com fome. Assim como o Brasil não pode viver sem divida externa, o pedreiro não pode viver sem sua “marmitex”. Não foi apenas o que descobri, esses “homens benfeitores da civilização” não podem viver sem dar pelo menos uma cantada a qualquer aspecto feminino que cruze aquela rua.
Aprendi rápido, na primeira que passou logo ouvi:
“Nossa! Não sabia que boneca andava”.
Não ficou só por essa, outras como: “Aposto um beijo que você me dá um fora” ou “O que esse bombom ta fazendo fora da caixa?”, algumas que me fez perder a inocência da infância: “Tanta carne e eu ‘cumeno’ feijão!”.
Com o tempo peguei o jeito e até hoje ouço a cantada que eu mesmo criei: “Você é o ovo da minha marmita!”. Romântico, não?
Voltemos à história…
Os anos se passaram e cresci, não mais o “pequeno pentelho” e sim o bom camarada, Earl.
Para a vida de um pedreiro ser completa você precisa ser um artista. Se a arte não for para obra que pelo menos seja na explicação para o patrão.
-Um momentinho, Seu… Seu…
-Earl!
-Earl?
-É Earl… Meu nome não é omonatopeía… Pode me chamar de Seu Earl se preferir!
-Ta certo… Seu Earl…
-Sim?
-Sabe? Não entendo muito de obras… Mas… Não acha que esse muro da frente não ta torto?
-Olha aqui Doutô, é tudo uma questão de prespectiva!
-Perspectiva?
-Isso! Já parou para pensar que talvez o muro não esteja torto?
-Como não?
-E sim que a casa esteja torta!
-Ora… Por favor,… Seu… Seu…
-Earl!
-Esta querendo me dizer que a casa é torta?
-Em relação ao muro… Claro!
-Então o muro esta torto!
-Doutô, pare de se preocupar eu dou um jeito na sua casa torta… Vai lhe custar uns…
-Uns?
-Um ou dois… Aumentos!
-Espere! Ainda me cobra um aumento por um serviço desses?
-Olha Douto, o muro é uma questão…
-Não só o muro, o que seria esse piso na ponta da parede?
-É que tava faltando tijolo, usei um pouco de argamassa e usei esse piso para não dizer que o trabalho ta mal feito…
Fora o suficiente para o Patrão ter um ataque, por pouco não me mandou embora. Fui salvo graças a celebre frase que ajuda qualquer pedreiro em situação critica:
“Doutô, vô fazê um remendo aqui cô doutô nem vai percebê!”.
O sonho de todo pedreiro brasileiro e terminar a sua obra. Basta conferir, dê uma volta por seu bairro e responda… Todas as casas e prédios estão terminados?
Um pedreiro pode optar em tirar a sorte em outra obra ou tentar achar sempre um novo problema na casa. Claro! Nada que uns dois meses de obra que não resolva!
-Doutô?
-Sim?
-Sabe a casa torta?
-Sei… Que tem ela?
-Ou eu entorto o muro, ou eu desentorto tod…
Tive de tentar a sorte em outro lugar, sempre existe uma obra inacabada para “se arranjar”.
Publicado em 07/10/2008 14:56:00
Gabriel Henrique Mondoni Moreira – 16 anos-2ª Ano ETEC-Júlio de Mesquita-Sto.André-SP
Clique aqui:
Normas para
Publicação de Artigos