Uncategorized

Artigo Entrid 1076

Para imprimir este artigo sem cortes clique no ícone da
impressora >>>

 

 

REFLEXÕES SOBRE A METODOLOGIA DO ENSINO DE GEOGRAFIA: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA OS PROFESSORES-GEÓGRAFOS DO ENSINO BÁSICO

Márcio Balbino Cavalcante

A discussão sobre a metodologia de ensino, hoje, assume novas formas em vista da compreensão que se tem da relação conteúdo-forma no cotidiano da sala de aula e do entendimento do que instrumentaliza o professor.
Nesse sentido é preciso advertir que as metodologias não são meras formas neutras nas quais se depositam conteúdos. Os conteúdos em suas especificidades pedem coerência nas suas formas de produção/transmissão/produção. As metodologias são evidentemente formuladas mediante concepção de homem, de mundo e de educação e, portanto, veiculam teoria.
É, então, que podemos afirmar que a metodologia não deve ser vista como mero instrumento que leva ao conhecimento, mas sim, como conhecimento que é instrumento do professor no seu cotidiano. Instrumento de quê?
No caso da Geografia é um instrumento na construção da compreensão da produção/organização do espaço geográfico, junto aos alunos, com vistas, a partir do entendimento das mediações espaciais, estudar a sociedade. Para fazê-los se entenderem como determinados e determinantes do/no espaço, os professores precisam também se comprometer como determinados/determinantes no espaço social e, particularmente, no espaço da escola.
O método é algo ligado, de modo inextricável, à epistemologia, sendo impossível separar metodologia da teoria do conhecimento. Portanto quando nos referimos à metodologia do ensino de geografia precisamos posicionar de que Geografia estamos falando. Se estamos falando de uma Geografia que têm seus estatutos epistemológicos ainda fundados na concepção denominada hoje de tradicional nos círculos geográficos, que ainda vemos ensinada em muitos lugares, por muitos professores e presente num grande número de livros didáticos, não causa nenhum espanto se a metodologia desenvolvida por estes professores estiver calcada na pura e simples descrição dos fenômenos físicos e humanos. Neste sentido, é fundamental para a compreensão da questão do método/metodologia de Geografia o entendimento/leitura/relação com a epistemologia da Geografia.
Mas se a Geografia Tradicional, saber fragmentado e de discurso pedagógico enciclopédico (Lacoste, 1989), no rigor de sua epistemologia e no desenvolvimento de suas metodologias tem se mantido acrítica e a histórica, ainda é muito recorrente nas escolas de ensino fundamental e médio, não se diferencia em quase nada de sua origem no século XIX. Rocha (1996, p.178), afirma ser mais do que urgente a compreensão e crítica desse processo a fim de superá-lo.
É importante também pautar nessa discussão a Geografia que se ensina e que, pelo menos em tese, rompeu com a Geografia Tradicional. A Geografia gestada a partir do movimento epistemológico, teórico-metodológico e político de ruptura realizado na Geografia brasileira nos anos 70 e 80. O movimento de Renovação e que teve  como principais atores/interlocutores professores de 1º e 2º graus, estudantes e professores universitários, e que teve na Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) um dos mais importantes veículos de difusão potencializou a chamada Geografia Crítica. Será que o rompimento que se deu com a Geografia Tradicional chegou de fato às escolas de ensino fundamental e médio? Será que a Geografia Crítica consolidou possibilidades metodológicas de ensino capazes de propor a construção coletiva do conhecimento? Essas são perguntas de respostas difíceis. Mas a constatação dos problemas já é um bom começo.
“A Geografia é uma dessas coisas chatas que inventaram para ser a palmatória intelectual das crianças”. Este fragmento do texto “Das coisas sem serventia uma delas é a geografia” de Sousa Neto (1996, p.5), talvez indique o caminho da primeira constatação a ser efetuada. Que Geografia está sendo ensinada? E de que forma está se dando? A primeira pergunta remete-se à epistemologia da Geografia e a segunda à metodologia, par inseparável.
A Geografia era uma espécie de remédio ruim, considerava as crianças como folhas em branco, recipientes vazios, objetos nos quais se devia gravar as coisas que eram verdades. Assim as crianças só podiam memorizar o que viam, mas não aprendiam a pensar o espaço geográfico imediatamente vivido e relacioná-los à outros espaços geográficos. Essa prática educativa se apresentava dissociada da realidade, negando o aluno, fazendo com que ele não se visse, não se reconhecesse. A escola e a Geografia ensinam, assim, um espaço que não é o do aluno. Prática essa presente e reforçada pelos livros didáticos (com suas orientações cosmopolitas) e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que prenhes de fragilidades teóricas, parecem caminhar ao encontro de um velho passado, que nas palavras de Pereira (1999, p. 46) “objetivam fixar normas sobre o ensino de Geografia”.
Desse modo os conceitos geográficos já vinham prontos, eram coisas definidas, acabadas. Logo não havia diálogo porque se pagava um certo imposto conceitual aos livros didáticos – as crianças não sabiam, nem eram capazes de criar, nada – o que era certo estava nos livros para ser memorizado.
Por muito tempo esse tipo de Geografia impediu ou deseducou as pessoas para a prática da cidadania. O homem era visto/entendido como mais um elemento da paisagem para ser descrito. A forma ganha mais importância do que o homem, a forma mais importante que o processo; a aparência constituída que se descreve sem importar sua essência. Como afirma Moreira (1987,p.23) “a opacidade sensorial implica, então, grave consequência gnoseológica: discurso do imediato, a Geografia é uma ciência sem trânsito entre a paisagem (aparência) e o seu próprio âmago (essência).
Então, se nossa intenção for, como professores de Geografia, a de ajudar a formar cidadãos, é preciso que as crianças aprendam a pensar seus espaços geográficos desde cedo. Para isso é fundamental entrar em contato com as experiências sociais tecidas no seu fazer cotidiano. Tentando considerar como é que meninos e meninas vêem as coisas onde suas vidas são vividas, como se relacionam com os grupos sociais nos locais por onde circulam, quais são as representações sociais que tem desses lugares. Enfim, considerar a realidade em que as crianças estão inseridas, levando em conta as informações que já possuem e as experiências vivenciadas.
Contextualizar o ensino de Geografia é perceber o mundo, considerar o saber que retrata a realidade e entender a educação como forma de intervenção no mundo, comprometida com a condição de educador e com a realidade social dos alunos.
E assim, muito mais do que respostas que não levam a lugar nenhum, é aconselhável um diálogo acerca dos conceitos. Esta, nos parece, é a melhor maneira: partir do universo conceitual das crianças, do senso comum (que é o nível de compreensão inicial das crianças) para construir, junto com elas, os conceitos científicos. O conhecimento disciplinar deve ser dinâmico para poder gerar novos conhecimentos. Para reforçar a importância da construção conceitual estabelecemos um diálogo com Callai (1999) que nos ensina que:

“ao construir conceitos, o aluno realmente aprende, por exemplo, a entender um mapa, a compreender o relevo, o que é região, nação, município. Ao conhecer, analisar e buscar explicações para compreender a realidade que está sendo vivenciada no seu cotidiano, ao extrapolar para outras informações e ao exercitar a crítica sobre essa realidade, ele poderá abstrair essa realidade concreta, ir teorizando sobre ela e ir construindo o seu conhecimento. Ao construir conceitos, o aluno aprende e não fica apenas na memorização”.

A construção de conceitos é, assim, uma habilidade fundamental para a vida cotidiana, uma vez que possibilita às pessoas organizar a realidade, estabelecer classes de objeto, trocar experiências com o outro, construir conhecimento.
Os instrumentos conceituais são importantes porque ajudam as pessoas a caracterizar o real, a classificá-lo, a fazer generalizações. “Os conceitos são importantes mediadores da relação das pessoas com a realidade; ele nos liberta da escravidão do particular” (Coll, 1997 apud Callai, 1999).
A idéia é partir do concreto, daquilo que está à mão, diante dos olhos – aquilo que pode ser sentido – para construir então abstrações que nos façam entender melhor o mundo por nós percebido na instância do concreto. Dessa forma, aprender a pensar o espaço, construir e difundir uma outra representação do mundo e perceber e compreender as estratégias de organização do espaço, estabelecendo relações existentes entre os alunos, o espaço que ocupam, as condições de vida, saúde, escolaridade e entendendo o homem como um ser social que constrói seus conhecimentos através de suas experiências de vida. No dizer de Cavalcanti (1998, p.88),

“seja como ciência, seja como matéria de ensino, a Geografia desenvolveu uma linguagem, um corpo conceitual que acabou por contituir-se numa linguagem geográfica. Esta linguagem está permeada por conceitos que são requisitos para a análise dos fenômenos do ponto de vista geográfico”.

Callai (1999), destaca que as representações sociais dos alunos são importante recurso na formação dos conceitos, porque expressam o conhecimento cotidiano do aluno, ou seja, o que ele conhece e que já é compartilhado socialmente, ajudam na superação do relativismo e do subjetivismo no ensino.
Essa idéia implica em se preocupar menos com os conteúdos e suas quantidades e mais com a qualidade da construção do pensamento geográfico das crianças, imaginando que se as crianças são capazes de aprender a se situar e se orientar onde quer que estejam, fazem isso à medida que aprendem a observar, descrever, construir explicações e relacionar lugares, pessoas e fenômenos.
Conteúdos, conceitos, objetivos remetem inevitavelmente à discussão acerca do currículo, a construção de um currículo em uma abordagem democrática onde a produção do conhecimento pode e deve fazer-se rigorosa, porém solidária e fundamentalmente comprometida com os valores legítimos da sociedade brasileira. Currículo consiste numa realidade histórica específica que expressa um modo particular de relação entre os homens. Currículo, não é, como muitas vezes fomos levados à pensar, coisa estática e imutável, realizado apenas como desdobramento de programas e normas pré-estabelecidas. Currículo é também expressão de movimento, diferença, controvérsia, luta, história, processo, relação. A construção do currículo deve pautar-se pelo resgate da cultura de que o aluno é portador. Nesse sentido, compreender que o saber geográfico da sala de aula é diferente do saber geográfico científico. Na sala de aula gesta-se um novo, um outro. Metodologicamente implica em ver os estudantes como construtores do conhecimento, responsáveis pela elaboração de um saber novo e, portanto, autores e não somente atores.
Entendemos ser o ponto de partida a prática social de alunos e professores enquanto indivíduos histórica e socialmente situados, onde, a partir de atividades desafiadoras de amplo questionamento sobre o conteúdo em foco para compreensão do fenômeno, podemos construir o conhecimento numa perspectiva coletiva, crítica e que tenha incluído os agentes como autores de produção do saber. A partir daí, obter informações e estabelecer relações necessárias ao entendimento dessa realidade numa dimensão de totalidade (conceito fundamental para apreensão do espaço geográfico), e elaboradar uma nova forma de entendimento das práticas sociais, da reelaboração, da recontextualização lógica que funda o conhecimento escolar.
Retornamos a discussão que inicia este texto, as metodologias não são formas nas quais se depositam conteúdos, são conhecimentos que instrumentalizam o professor, e é nesta perspectiva que visualizamos a proposição.
Concluímos a argumentação acerca da metodologia do ensino de Geografia afirmando uma das prerrogativas do ensino da ciência geográfica a partir das palavras de Freire (1998, p.29) “o ato de estudar implica sempre o de ler, mesmo que neste não se esgote. De ler o mundo, de ler a palavra e assim ler a leitura do mundo anteriormente feita”.

BIBLIOGRAFIA

CALLAI, Helena Copetti. A Geografia no Ensino Médio. Revista Terra Livre. n.14. Associação dos Geógrafos Brasileiros: São Paulo, 1999.
CASTELLAR, Sônia Maria Vanzella. A Formação de professores e o Ensino de Geografia. Revista Terra Livre. N.14. Associação dos Geógrafos Brasileiros: São Paulo, 1999.
CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia, Escola e Construção do Conhecimento. Campinas: Editora Papirus, 1998.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho & Água, 1998. 
KAERCHER, Nestor André. Desafios e utopias do ensino de Geografia. 2ªed. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 1998.
LACOSTE, Yves. A Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Editora Papirus, 1989.
MOREIRA, Ruy. O discurso do avesso – para a crítica da geografia que se ensina.Rio de Janeiro: Dois Pontos Editora, 1987.
ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a Formação do Geógrafo-Educador. Revista Terra Livre. N.11-12. Associação dos Geógrafos Brasileiros: São Paulo, 1996.

Publicado em 09/09/2008 15:47:00


Márcio Balbino Cavalcante – Professor e Consultor na área de Educação e de Meio Ambiente. É graduado em
Geografia – UEPB; Pós-graduado  em Ciências Ambientais – FIP/PB;
Coordenador de Projetos Educacionais da Secretaria Municipal de Educação do
município de Passa e Fica – RN. Professor de Geografia e Ciências na Escola
Estadual Sen. João Câmara, Passa e Fica – RN.

Dê sua opinião:





Clique aqui:
Normas para
Publicação de Artigos