O PENSAMENTO LÓGICO MATEMÁTICO NO IMAGINÁRIO DAS HISTÓRIAS INFANTIS: UMA EXPERIÊNCIA NAS QUARTAS SÉRIES DAS SÉRIES INICIAIS
Débora Ferreira Marques
Monografia apresentada ao Curso de Especialização em Psicopedagogia da Universidade Católica de Pelotas, como requisito parcial para obtenção do título de especialista em Psicopedagogia.
Orientador:
Prof. João Alberto da Silva.
SUMÁRIO
Histórias não garantem a felicidade nem o sucesso na vida, mas ajudam. Elas são como exemplos, metáforas que ilustram diferentes modos de pensar e ver a realidade e, quanto mais variadas e extraordinárias forem as situações que elas contam, mais se ampliará a gama de abordagens possíveis para os problemas que nos afligem. Um grande acervo de narrativas é como uma boa caixa de ferramentas, na qual sempre temos o instrumento certo para a operação necessária, pois determinados consertos ou instalações só poderão ser realizados se tivermos a broca, o alicate, ou a chave de fenda adequados. Além disso, com essas ferramentas podemos também criar, construir e transformar os objetos e os lugares. Uma mente mais rica possibilita que sejamos flexíveis emocionalmente, capazes de reagir adequadamente a situações difíceis, assim como criar soluções para nossos impasses. Certamente essas qualidades dependem de que tenhamos recebido um suporte adequado na infância, ou seja, uma família que nos ofereceu a proteção e o estímulo necessários para crescer, um nome e uma missão na vida. Porém, independentemente do quanto nossa família tenha nos providenciado um bom acervo emocional, os problemas, as dúvidas e as exigências surgirão, como uma esfinge devoradora que se interpõe no caminho. Bem essa é a hora em que uma boa caixa de histórias é de grande valia. (CORSO, 2006, p.303).
INTRODUÇÃO
Como exigência do curso de Pós-Graduação em Psicopedagogia, realizei uma pesquisa utilizando a literatura infantil como uma sugestão para uma prática pedagógica rotineira, fazendo conexão com a matemática, da pré-escola a 4ª série inicial. Tentando estimular, nas crianças, integrantes da pesquisa, um pensar matemático enriquecedor e desafiador através da interligação com as histórias infantis e proporcionando, concomitantemente, um aprender lúdico e participativo.
Problemas matemáticos são, por definição, dados com linguagem, e as crianças devem representar para si mesmas suas interpretações da linguagem. (KAMII, 2002, p. 166).
Utilizei as histórias infantis no ensino da Matemática, relacionando-as com as demais disciplinas ou temas, explorando, especificamente, a organização dos problemas matemáticos a partir da contagem de histórias infantis, descrevendo o uso das representações gráficas e verbais. Muitos livros didáticos consideram os problemas matemáticos como simples aplicações de habilidades para cálculos. Portanto, ao ser trabalhado adição, veremos, exercícios de reprodução e fixação seguidos por problemas matemáticos envolvendo, neste exemplo, a adição. Ao contrário, neste trabalho, o objetivo principal ao formular, junto com os alunos, problemas matemáticos, teve a intenção de contextualizar os cálculos através da ficção infantil, pois, às vezes, para suportarmos o fardo da vida precisamos sonhar, impossível viver sem um escape.
Integrar literatura nas aulas de matemática representa uma substancial mudança no ensino tradicional da matemática, pois, em atividades deste tipo, os alunos não aprendem primeiro a matemática para depois aplicar na história, mas exploram a matemática e a história ao mesmo tempo. (SMOLE, 1996, p. 2).
Metodologias usadas durante a aula, como a contagem de uma história infantil ou de aspectos da vida cotidiana podem ser usados como uma forma de encorajar os alunos a encontrarem sentido nos problemas matemáticos. A discussão, o questionamento, a crítica e as interferências a respeito do assunto, durante a contagem de histórias, proporcionam crescimento, interação entre as próprias crianças e, entre elas e o professor. É durante o processo de aprendizado, assim realizado, que o aluno terá maiores condições de justificar o seu posicionamento. A literatura infantil ilustra e dá sentido às questões, posteriormente formuladas, atraindo mais a atenção dos alunos, pois são geradas pelo próprio grupo.
Sendo assim, através da conexão entre literatura e matemática, o professor pode criar situações na sala de aula que encoragem os alunos a compreenderem e se familiarizarem mais com a linguagem matemática, estabelecendo ligações cognitivas entre a linguagem materna, conceitos da vida real e a linguagem matemática formal, dando oportunidades para eles escreverem e falarem sobre o vocabulário matemático, além de desenvolverem habilidades de formulação e resolução de problemas enquanto desenvolvem noções e conceitos matemáticos. (SMOLE, 2002, p.3).
Nesse processo, com a história infantil e os problemas dela originados, há uma extensão do “aqui e agora”, do mundo físico e social. A fantasia e a simbologia poderão, junto com a história, fluir nas crianças para além da realidade. Propicia a aquisição de hábitos de leitura, o desenvolvimento da análise crítica e, dependendo do conteúdo da história, facilita a conexão entre a matemática e as outras áreas do conhecimento. Auxiliando o aluno e professor na compreensão e resolução dos problemas matemáticos em sala de aula. Propondo um problema a ser resolvido o professor aguarda o desfecho final, a resposta ou as respostas que irão dar por encerradas as dúvidas e questionamentos anteriores. E a história, com personagens, enredo, espaço, tempo e conflitos ou grandes mudanças na situação inicial, incita à reflexão e, às vezes, até a uma releitura, extrapolando a matemática e embrenhando-se não só na Língua Portuguesa como em todas as outras disciplinas.
Para nortear o trabalho e desenvolver uma pesquisa a respeito do que foi escrito até então, formulei o seguinte questionamento: 1- Como as crianças organizam o cálculo a partir de histórias infantis, de forma mental, escrita ou ambas? E, como questões complementares: 1.a- Nota-se um maior interesse e participação, na realização dos problemas construídos, a partir da história contada? 1.b- Então, é possível utilizá-las na disciplina de matemática?
Quanto ao questionamento principal: como as crianças organizam o cálculo matemático a partir de histórias infantis?
De início, como os cálculos serão relativamente fáceis para a série em questão, creio que serão feitos de forma mental e sem as crianças darem-se conta da incentivação e influência da história contada para os seus raciocínios e acertos. Com o decorrer da execução dos problemas, ao explorar ao máximo a leitura realizada, creio que os alunos dar-se-ão conta da necessidade de relacionar ou até de retornar à leitura da história. Isso deixará bem explícito que há a necessidade de atenção à leitura, da sua contribuição nos elementos que deverão ser usados nas operações envolvidas e do relacionamento com as demais disciplinas. No caso específico da matemática, os cálculos, a partir do aumento das dificuldades na solicitação das respostas, ou seja: várias respostas para chegar à resolução da questão principal e do número de operações envolvidas, irão ser feitos de forma escrita, se necessário. Mesmo que, nas preliminares dos problemas, só o cálculo mental, tenha sido usado, este servirá de base para o resultado final. E, como uma derivação da questão principal, terei, possivelmente, afirmações semelhantes às que se seguem abaixo às questões complementares.
Nota-se um maior interesse e participação, na realização dos problemas construídos, a partir da história contada?
O interesse será maior na proporção da expectativa e satisfação com a contagem da história, pois os alunos apropriar-se-ão do raciocínio matemático quase como uma complementação da história, de forma descompromissada e com o grupo. Usarão as operações solicitadas envolvidas na magia do que foi ouvido e conversado. A resolução dos cálculos deverá ser menos árida, estará contextualizada e desencadeará comentários e aquisição de outros conhecimentos a respeito das demais disciplinas. E, embora tenhamos na literatura de fácil acesso, contadores de histórias para crianças e jovens, de importância mundial como: Andersen, Irmãos Grimm e Monteiro Lobato, entre tantos outros de igual ou maior importância, dependendo do objetivo para o qual suas histórias são utilizadas, suponho que alguns professores não tenham percebido o alcance destas obras para uso na sala de aula, aqui em específico para a matemática. Não é difícil detectar, em histórias infantis, usadas inicialmente ou somente para a diversão das crianças, fatos ou situações que possibilitam a construção e investigação de conceitos matemáticos, como: comparação, seqüenciação, geometria, sistema de medidas, sistema monetário, etc., nas séries iniciais ou de Educação Infantil.
Acrescento que meu trabalho foi com quartas séries (crianças de 9 a 11anos) devido ao relato de alguns educadores específicos quanto à dificuldade na resolução dos problemas, provavelmente pelo fato do leitor não saber interpretá-los corretamente até o questionamento final.
E, finalizando os questionamentos propostos: então, é possível utilizá-las na disciplina de matemática?
Creio não só ser possível como essencial para buscarmos uma aprendizagem significativa. É preciso sensibilidade do professor. Conversar com as crianças antes de iniciar o trabalho, após dar oportunidade para que expressem suas opiniões. Às vezes alguns necessitam contar suas vivências semelhantes à história, ou tecer críticas, comentários e expor suas dúvidas quanto ao tema abordado. Esta conversa irá estabelecer uma empatia entre leitor e ouvinte. Será uma preliminar para o objetivo final.
Quanto ao tempo utilizado para a contagem propriamente dita, não mais que 30 minutos, se não, corremos o risco de, por mais interessante que seja na faixa etária em que se encontram, ocorrer dispersão. Em função disso, a Hora-do-Conto para a quarta série era realizada, por mim, em “capítulos semanais”, utilizando capítulos de livros de autores como Ziraldo, Lígia Bojunga, etc., como episódios de uma novela e surtia efeito. Mexia com a curiosidade e, muitas vezes, quando havia o livro no acervo da biblioteca, alguns liam junto com a professora, ou antes, contribuindo com o que já sabiam durante a “Hora-do-Conto”. Complementando, apesar de não ser o caso específico desta pesquisa, só para reforçar o “ser possível”, creio que os conhecimentos adquiridos, reformulados ou reforçados irão interagir de forma interdisciplinar, fazendo com que uma disciplina alavanque o aprendizado de outra e vice-versa. Não ficará restrito à disciplina de matemática, o conhecimento não é compartimentado.
O papel desempenhado pela matemática se aproxima daquele desempenhado pela alfabetização, em sentido amplo, ou seja, o de tornar possível a compreensão de certos aspectos, sobretudo quantitativos, da realidade física e social dos processos lógicos subjacentes a essa compreensão. As mesmas operações presentes na alfabetização em língua materna estão presentes, então, nos primeiros passos rumo ao domínio do número e de sua representação: classificar, seriar, ordenar, fazer correspondências, etc.
Então porque não fazer o processo inverso para aqueles alunos que já dominam o ler e escrever? Usando o que já foi construído os alunos acomodarão o processo de aprendizado das operações matemáticas, vinculadas a um tema, a uma problemática atual ou a uma história infantil.
Segundo Castro (1999) “educação não se despeja goela abaixo”, creio, então, que a contagem das histórias infantis interfere na competência do aluno, sem percebê-lo formalmente, mas com o direcionamento da professora, a construir o conhecimento matemático, como um processo ativo “interdisciplinar,” em que trabalha tanto quanto (intelectualmente) e junto com o professor e colegas. Não há um momento específico para a matemática e outro para a língua portuguesa. A assimilação será progressiva, concomitante com as demais atividades e disciplinas.
I – DESCOBRINDO PROBLEMAS, INVENTANDO HIPÓTESES E CRIANDO JUSTIFICATIVAS
Onde houver um filho criativo, no sentido de ter encontrado soluções para viabilizar sua vida, podemos ter certeza de que ele teve pais suficientemente narrativos. (CORSO, 2006, p.301).
Ao escolher o tema reportei-me à infância e lembrei o quanto as histórias infantis representavam. Certamente, ontem e hoje, uma fonte de prazer, um momento de união com familiares ou pessoas amadas que possibilita o uso da imaginação e da criatividade, bem como, hoje sei, a aquisição da habilidade de raciocínio lógico. Quando as crianças questionam o comportamento dos personagens e imaginam formas de poder livrá-los de situações de risco, estão desenvolvendo o raciocínio, criando hipóteses, alternativas.
Meu tema de pesquisa foi direcionado para a aquisição de uma aprendizagem dialética, construtiva. Teve como objetivo utilizar conhecimentos já adquiridos pelos alunos e por mim e somá-los às informações que surgissem durante o processo de pesquisa, para, conforme nos ensina Piaget, atingir a equilibração. Também quis proporcionar às crianças o experienciar a escolha da história a ser contada, um posterior debate, levantamento de dados numéricos e questionamentos matemáticos, daí decorrentes, assim como uma ilustração que estimulasse a imaginação. E concluir que a literatura infantil contribui para a construção do pensamento matemático das crianças.
Durante três anos consecutivos, trabalhei com a atividade Hora-do-Conto, com crianças entre 5 e 10 anos, rotineiramente, com turmas de 25 a 30 crianças de cada vez, num período de 1 hora por semana. Foi um espaço especialmente preparado para esta atividade, que contou com a colaboração de colegas da Educação Infantil, Currículo e Direção. Como o resultado não pôde ser avaliado estatisticamente, pois esperava a primeira turma do pré completar o “ciclo” de leitura que seria de 6 anos, obtive, entretanto, a satisfação de pais, alunos e colegas professores, assim como da direção da escola. Quanto às crianças houve, segundo relato dos professores e, observação no aumento do empréstimo de livros, um aumento no interesse pela leitura, a disponibilidade e participação ativa no trabalho em tarefas interpretativas, o uso mais rotineiro do dicionário e o crescimento dos alunos no que diz respeito à análise crítica de conteúdos os mais variados possíveis.
Além dos fatores descritos acima, acredito que a inclusão, em sala de aula, da leitura como parte do conteúdo programático, como uma competência a ser desenvolvida, gradualmente, definindo as habilidades que serão trabalhadas com as crianças, deve ser repensada de forma muito concreta nas reuniões pedagógicas. Vejo esse implemento da contagem ou a leitura pelo próprio aluno, não só com a intenção de melhora na leitura e interpretação. Os ganhos ultrapassam a disciplina de português, tanto que os insiro no ambiente matemático, no qual, neste momento como profissional, faço parte.
A leitura, no início, singela e curta, se bem explorada e orientada, transformará, tanto a professora, como o aluno. A visão de mundo abrirá as suas portas ao ouvinte e ao leitor e caberá a eles, criticamente, mudar ou não suas concepções. Mudando ou não, acréscimos serão feitos, reforçando ou transformando, mas sempre acrescentando. E, para a psicopedagogia, que trabalha especificamente com problemas de aprendizagem, a contribuição deste estudo é no sentido de orientar a escola, o professor e a família a respeito da necessidade do acesso da criança ao mundo da fantasia, da imaginação e de novos conhecimentos, formando cidadãos mais críticos, conscientes, reflexivos e futuros leitores. Utilizar este terreno fértil, que mantém a atenção do aluno, para desenvolver e resolver histórias matemáticas, é com o intuito de realização engajada e, possivelmente, com maior desenvoltura e, talvez, dependendo da postura do professor, de forma mais lúdica, levando em consideração que a leitura ou escuta correta, serão decisivas para a futura resolução dos questionamentos sugeridos.
II – NA CONSTRUÇÃO DAS HISTÓRIAS MATEMÁTICAS: A INTERAÇÃO COM A FANTASIA
Para compreender mais a respeito da criança, dentro do ambiente escolar e na sua própria família, durante a fase de desenvolvimento em que, comumente, encontra-se na quarta série das séries iniciais, descrevo dados relevantes em Freud e sua teoria psicanalítica, pois sua abordagem é ampla, não se restringindo ao divã. A psicanálise auxilia o psicopedagogo, como referencial teórico, a dar um significado maior ao vínculo e à relação com o indivíduo. O psicopedagogo precisa estar atento para perceber que tipo de metodologia deverá usar com cada cliente e, para isso, a análise do vínculo estabelecido com o professor e com ele próprio oportunizará a detecção, com maior propriedade e facilidade nas necessidades que surgirem, da melhor maneira de trabalhar, a que combinará com as características individuais ou grupais das crianças. Vínculo positivo, linha teórica adequada, efeito terapêutico mais eficiente. Quando Freud escreve que o “Mal estar da civilização” é representado pelos laços sociais, pelo próprio corpo e pelo mundo externo e que a forma mais penosa seria vivenciada nos laços sociais, faz-se necessário retomar os laços sociais estabelecidos na escola e que interfeririam no processo esperado de aprendizagem dita normal. Esses laços podem ser entre colegas, professores, funcionários e/ou direção, que, muitas vezes, não sabem como lidar com aqueles alunos que não se encaixam no padrão proposto pela escola. Então, neste caso, o aluno não se enquadra no processo por falta de maleabilidade da instituição de ensino ou dos profissionais desta instituição. São os laços sociais no mundo externo. As crianças, numa situação ideal e não utópica, não deveriam precisar oprimir o seu desejo de aprender, em função de outras expectativas. Existe uma relação entre o saber e o outro, por isso a busca do saber não pode ser vista sem a co-participação ou co-operação, como fala Piaget. Numa visão Freudiana a aprendizagem não está focada nos conteúdos e sim na relação que se estabelece entre professor e aluno e isso pode ou não favorecer o aprender, independente do conteúdo. Quando escreve “Sobre a psicanálise selvagem” Freud condena a prática, que sob a fachada de psicanálise, identifique-se com um tipo de aconselhamento, uma vez que não é possível um saber sobre o outro. Outra contribuição à psicopedagogia poderia ser compreendida sob o aspecto da ética, pois respeita a palavra do sujeito, a sua singularidade e a verdade de seu discurso, deslocando saber total e completude a uma orientação para sujeitos com desejo, que estão procurando respostas, entre outras formas, pelo processo de escolarização formal. Assim, ao conhecermos um pouco sobre a teoria psicanalítica e sua importância para o desenvolvimento da criança o psicopedagogo terá um respaldo maior para auxiliar com propriedade: alunos, pais e professores. Saber, por exemplo, segundo Freud, que a fase da latência (dos 5 aos 12 anos) é a idade, chamada por ele de “Escolar”, sendo a época do desenvolvimento em que o relacionamento familiar, ultrapassa o território do lar e se expande para os vizinhos e para a escola. Que a socialização é a força propulsora e a auto-estima deriva das realizações e, quando estas não ocorrem, o sentimento será de inferioridade. Estes conhecimentos proporcionarão ao psicopedagogo aumentar seu “raio de visão” sobre uma determinada criança, grupo ou grupos. Quanto mais conhecimentos tivermos, maior a probabilidade de, detectando o problema, encontrar saídas.
É uma fase dinâmica, na qual a criança experimenta uma complexa reorganização das defesas. Bom comportamento, conformidade e educabilidade resultam do equilíbrio entre impulsos e defesas mais elaboradas. É uma organização ativa do ego a serviço das demandas sociais. (…) A criança faz aderência social e fica apta para aprender.
A aquisição do pensamento simbólico, que lida com fantasias latentes e intensas da fase anterior, vai depender da capacidade de abstração, da capacidade de espera e da repressão. A simbologia passiva, ou seja, o uso de personagens de história para expressar os impulsos, inicia a fase. (…) A linguagem não é mais afetivo-motora, e sim composta por conceito verbal. A criança encontra também expressão verbal nos contos, mitos e símbolos concretos. Elabora juízo moral e compreensão das regras ainda com muita rigidez e com rejeição de informações externas.
Aumenta a coordenação, a atenção, a focalização, a consideração pelos outros, a regulação e o tempo de latência das respostas. A criança, progressivamente, passa a desenvolver tempo para a elaboração de uma resposta. Assim suas respostas não são imediatas, mas pensadas e elaboradas de forma própria, esquivando-se do imediatismo dos treinamentos e da obrigação de saber tudo. Há possibilidade de tolerar a ignorância temporária. Isso possibilita as importantes consolidações motoras, cognitivas e sociais, as quais fazem com que as crianças não questionem, mas busque satisfazer sua curiosidade por meio do uso dos seus próprios sistemas, ainda que de forma incipiente. (ROTTA, 2006, p.405-406).
A ciência em sua construção nunca retorna a uma teoria anterior. Exemplo: uma vez que a humanidade aceitou a teoria heliocêntrica ela não poderia voltar para a geocêntrica. Da mesma forma uma vez que as crianças tornaram-se conservadoras sólidas, elas não podem voltar a não-conservação. Há, eventuais, regressões, quando as crianças estão em processo de construção de suas lógicas, mas uma vez que as operações lógicas são solidamente “agrupadas” (de 7,8 anos a 11,12 anos), estágio operacional concreto de Piaget, os conservadores não voltam mais para a não-conservação.
Em resumo, pode-se dizer que as operações lógico-matemáticas próprias deste estágio partem dos objetos, tentando reuní-los em classes, ordená-los, multiplicá-los, etc., mas não se ocupam do objeto na sua organização interna. Já as operações espaciais têm como limite superior o objeto contínuo (a figura, o plano) enquanto objeto contínuo, decompondo-o em partes que podem voltar a ligar-se, de maneiras diversas. (GOULART, 2005, p.67).
Socialmente as crianças já conseguem, gradativamente, colocarem-se na situação do outro, argumentar e tentar convencê-lo com suas justificativas. É na troca com seus iguais que as crianças vão estabelecendo autonomia. Elas são capazes de construir a matemática através de debate e do conflito sócio-cognitivo. Começa a compreensão da mentira como um dizer, intencionalmente, algo que não é verdade. Aqui há uma maturação, portanto no nível social também, para freqüentar a escola. Conseguem realizar diferenças numéricas e a relação numérica que está ligada à inversão da multiplicação (divisão) e à inversão da adição (subtração), passa a entender, após os 7, 8 anos, as propriedades: comutativa e associativa da adição.
No ensino da matemática se as crianças constroem seus próprios conhecimentos através de debate e pensamento crítico não haverá necessidade de revisões repetidas (fixações) no início de cada ano escolar (período chamado de sondagem). No construtivismo de Piaget, as crianças organizam seu conhecimento lógico-matemático ao invés de recebê-lo. A cooperação entre elas não é, simplesmente, para o benefício mútuo, mas para a crítica e o controle mútuo, porque as crianças obrigam-se a descentralizarem-se e reconstruírem uma lógica, já de mais alto nível, por um processo de abstração. Haverá, então, um progresso do trabalho solitário para o colaborativo (grupos). Como conseqüência: cooperação e respeito mútuo. Algumas crianças farão com maior facilidade cálculos mentais, outras sentirão a necessidade de fazê-los, também ou unicamente, por escrito. O cálculo mental (“conta de cabeça”) deve ser estimulado, nunca imposto, pelo professor. Da mesma forma o problema que o originou. Ele deve ser encarado como um desafio e não como uma situação desagradável, difícil de ser resolvida, deve inclusive ter um caráter lúdico que envolva o aluno, o desafie, de acordo com sua capacidade de raciocínio.
Crianças acostumadas a confiar apenas em resultados encontrados com a utilização de algoritmos (aprendidos) nas aulas, às vezes, passam até a não confiar mais na própria capacidade de raciocinar, demonstrando insegurança no momento de resolver os problemas. (TOLEDO, 1997, p.98).
A atividade proposta, então, deverá ter como objetivos: estimular autonomia, o raciocínio e a capacidade de argumentar, análise crítica e a criatividade. Segundo Rodare (1982), “A função criativa da imaginação pertence ao homem comum, ao cientista, ao técnico; é essencial para descobertas científicas, bem como para o nascimento da obra de arte; é realmente condição necessária da vida cotidiana…”
Ao psicopedagogo cabe, segundo Pain (1995), “Devolver à criança o anseio por saber, pois em algum lugar ela perdeu”. E ao professor sabedor dessas etapas evolutivas pelas quais passam seus alunos, provavelmente sendo orientado por um psicopedagogo, caberá a tarefa de aproveitá-las em seu próprio benefício e promover o conhecimento em prol de uma aprendizagem significativa. Seguindo esta linha de raciocínio os alunos irão discutir as estratégias que usaram, conforme forem avançando as etapas para chegarem a um resultado e o professor, atento e respeitoso ao valorizar este processo, oportunizará situações desafiadoras de aprendizagem. O aluno desenvolverá autonomia no seu modo de pensar. No caso dos cálculos utilizados nos problemas: primeiro um trabalho com material concreto, segundo estimular o cálculo mental e terceiro a representação informal. Sempre comunicando aos alunos os resultados obtidos. A escrita, propriamente dita, da adição, subtração, divisão ou multiplicação, será por último. Desta forma a representação formal terá significado.
Sem dúvida, o sucesso de um trabalho baseado na resolução de problemas depende do professor. Cabe a ele preparar os alunos para as atividades, estar alerta para as situações novas que possam surgir no dia-a-dia da escola, conhecer os interesses dos estudantes, saber diagnosticar o nível de conhecimento e as habilidades de seus alunos (para nunca propor problemas muito acima ou abaixo deste nível), além, é claro, de envolver-se com as questões propostas.
Muitos professores, mesmo reconhecendo o valor deste tipo de atividade, não se encorajam a realizá-la simplesmente por não terem experimentado essas situações em seu tempo de estudante. Mas a experiência só vem com a prática! À medida que for trabalhando e trocando experiências com seus colegas, o professor conseguirá propor perguntas que ajudem os alunos a desenvolver o raciocínio e criar situações cada vez mais interessantes. (TOLEDO, 1997, p. 86).
Apesar de aperfeiçoarem-se somente no estágio das operações formais (11, 12 anos) as crianças no estágio operacional já podem ser capazes de fazer uma reflexão sobre normas e regras sem aceitá-las como absolutas e imutáveis. O intercâmbio de pensamentos e a co-operação entre os elementos de um grupo ou entre os grupos entre si em sala de aula incentiva os alunos a agruparem suas operações em um todo coerente. Piaget usou o termo: “co-operação”, com o hífen, significando “realizar junto”, que para ele significava trabalhar junto, trocando pontos de vista e negociando soluções em caso de discordância. A discussão e o pensamento crítico estimulam a formação da lógica, já que as pessoas não podem comunicar-se umas com as outras, qualitativamente falando, se seus pensamentos são incoerentes e inconsistentes. As crianças lêem de forma diferente fatos da realidade, isto porque cada criança interpreta o que é observável assimilando ao conhecimento que ela já trás de uma determinada situação. Em outras palavras, um fato é sempre uma construção individual da criança. A memória é, portanto, uma reconstrução anterior. Assim, a aprendizagem também vai passando por incorporações, quando há a interação com o meio, sendo importantes: as necessidades, os interesses imediatos. É um eterno construir, reconstruir e reinterpretar o que já foi apreendido (o saber).
“Como um instrumento mais ligado ao diagnóstico psicopedagógico, a revisão dos trabalhos de aula é um instrumento que nos ajuda a completar a observação, já que permite analisar as realizações do aluno, assim como os materiais que usa.
Um dos objetivos básicos é ver como são as produções das crianças, o tipo de trabalho realizado, seus erros freqüentes, etc. para podermos formar uma idéia mais clara de suas possíveis dificuldades e de suas estratégias usadas. (…) Assim, é necessário comparar os trabalhos com o resto do grupo-aula, constatando se as diferenças são ou não significativas.”. ( BASSEDAS, 1976, p.79).
A atitude pedagógica, de desenvolver trabalhos, usando as competências já exercitadas, isto é, revisando os conteúdos matemáticos, só será válida se tiver como finalidade: reformular a estratégia de trabalho, com o intuito de, se existiam reais dificuldades, saná-las. O professor utiliza o problema como um desafio, onde o aluno irá utilizar como instrumento o que já sabe e, inclusive, o que ainda não sabe. Os entraves do processo educativo podem ser conseqüência da metodologia usada ou ausência da mesma. Convém lembrar, com igual ênfase, a participação da família em todo este processo. Psicopedagogo e professor são peças chaves na resolução de problemas de aprendizagem, sem desconsiderar que a família faz parte ativa e determinante. A experiência e os estudos esclarecem que quando a criança chega à escola, as vivências infantis já interagiram e continuarão atuando junto com o legado genético. Percebe-se então que, como qualquer fenômeno psicológico, a aprendizagem deverá ser compreendida a partir de um desenvolvimento multifatorial (fatores biológicos e psicossociais).
A congruência entre a família e a escola e as regularidades sociais desta mesma escola são de grande impacto na interação e na aprendizagem. O envolvimento e a influência dos iguais são também potentes reguladores da competência acadêmica.
A resolução da crise da latência está ligada com o desenvolvimento de uma relação com o mundo externo, com uma consciência maior de alto regulação, recompensa e competência social, emocional e cognitiva. (ROTTA, 2006, p. 446).
Após comparações realizadas (entre os grupos de alunos e turmas) e diferenças constatadas, cabe ao psicopedagogo passar a orientação ao professor. Demonstrar que as chamadas atividades de enriquecimento ou comumente de incentivação ajudam a criança na integração, como no caso deste trabalho, da história com outras práticas educativas. A interdisciplinariedade, em geral, estimula o levantamento de questões e dúvidas fora do que havia sido planejado pelo professor e de sua aprendizagem, inclusive, daqueles conteúdos que não têm o pleno domínio, mas no decorrer do processo, constrói.
Nós, integrantes dos serviços psicopedagógicos temos consciência do esforço que representa para o professor encaixar dentro da sua dinâmica de trabalho a sistematização requerida pelo trabalho psicopedagógico; por isso, consideramos que se deve esclarecer ao máximo os motivos desta estruturação e as características do segmento e procurar com eles os seus instrumentos, horários e condições para realizá-lo da forma mais organizada possível. (BASSEDAS, 1986, p.102).
Como o professor, geralmente, “ensina como aprendeu” e os cursos normais e de terceiro grau, raramente, se propõe a reelaborar e compartilhar, posteriormente com os seus próprios alunos, esta reconstrução, é revivido, na situação dos profissionais da educação, o que foi dito como verdade. A rigidez do professor em não aceitar formas diferenciadas para chegar a um mesmo resultado, como se só existisse uma maneira de fazer cálculos, pode ser devido ao que foi escrito na frase acima e poderá inibir o aluno a dar continuidade à atividade que está realizando. Faz-se necessário, além de embasamento teórico, que o professor respeite as diferenças e ritmos de raciocínio. Mesmo reconhecendo a quase inviabilidade, da maioria dos profissionais desta área, de um trabalho individualizado, devido ao enorme número de alunos por turma, excesso de carga horária a ser cumprida nas séries iniciais e mais a quantidade de trabalhos extra-classe, se não houver condições humanas para a individualização, podem ser organizados grupos por afinidade, amenizando o problema. O professor não precisa, necessariamente, ser um especialista em várias áreas de conhecimento afins, mas deve conhecer os elementos relevantes para a construção de sua prática diária, na disciplina de matemática. Permitir que o aluno elabore seu próprio conhecimento. Não sendo um processo solitário, mas na interação com “seus iguais”. Assessorá-los no levantamento de hipóteses, nas tentativas de resoluções e favorecê-los a “socializarem” suas idéias, na discussão com o grupo.
Intersubjetividade é a capacidade de compreender que o outro possui uma mente diferente da nossa e com ele se pode compartilhar pensamentos a partir de uma codificação prévia. (ROTTA, 2006, p. 440).
A história funciona como um desencadeador de criatividade, como incentivadora, inspirando as crianças a desenvolverem atividades espontâneas, com a orientação do professor. Os Contos de Fadas, para dar início a um trabalho matemático poderão ser questionados. Inúmeros autores, entre eles, Constance Kamii, consideram mais compreensível ater-se a fatos do cotidiano. Que os procedimentos informais desenvolvidos, pelas crianças, fora da sala de aula, devem ser integrados à matemática da escola para haver real aprendizagem. Partindo do mesmo pressuposto as crianças são motivadas a resolver os problemas que interfiram diretamente em suas vidas.
E as histórias infantis, em específico os Contos de Fadas, não fazem parte da vida das crianças? Segundo Corso (2006), “A paixão pela fantasia começa muito cedo, não existe fantasia sem ela, e a infância se alimenta da ficção, portanto não existe infância sem ficção. (…) Afinal, uma vida se faz de histórias – a que vivemos, as que contamos, e as que nos contam.” Além de fazerem parte da aprendizagem não só matemática como interdisciplinar, participam da formação moral das crianças (fábulas), incentivam a importância da experiência, ajudam na construção da realidade, na internalização de regras, fazem metáforas com o crescimento e o renascimento. E, apesar da mente ser uma só, a criatividade pode desenvolver-se em muitas direções: na matemática, na poesia, na música, na política, etc.. De acordo com Rodari (1982), ao citar Vygotski, “Germes da imaginação criativa manifestam-se nas brincadeiras dos animais, assim, manifestam-se ainda mais na vida infantil.”
Que fique bem claro, então, que defender a importância do recurso à fantasia e à ficção não implica supor que as crianças devem crescer em ambiente de histórias pobres, de um maniqueísmo barato e finais felizes a qualquer preço. Certamente não estamos fazendo nenhum tipo de libelo às vantagens da alienação e do bovarismo. Defendemos a importância da ficção por crer que a capacidade de criar e questionar se nutre da mesma fonte que a de devanear. Parcos recursos imaginários redundam somente em pobreza de espírito e numa civilidade bovina. (CORSO, 2006, p.305).
Desta forma, outras histórias, ou fatos cotidianos, não são descartados. Eles somam-se aos Contos de Fadas, mas não os inviabilizam. E, como acréscimo, estaremos estimulando a leitura, além da aplicabilidade na matemática. O desenvolvimento do raciocínio matemático deve estar desvinculado do estereótipo de técnica e eficiência e incorporar atitudes como criatividade e imaginação. Extrapolando o tema de estudo e a série escolhida, pulando várias séries e chegando ao ensino médio e, após, ao segundo grau, como fazer com que os alunos compreendam e não esqueçam fórmulas, se não souberem qual a sua origem. E para saberem “de onde apareceram”, criatividade, imaginação e um raciocínio lógico serão os facilitadores do retorno as origens da equação, confirmando-a ou reformulando-a. A memorização faz-se necessária, mas se estiver só ela desprovida de contextualização e compreensão falhará, ao primeiro obstáculo. A criatividade desenvolvida desde nossa mais tenra idade fará a diferença.
Tenhamos em mente que não se pode esconder o que há de melhor. A meditação, a instrução, todas as análises de sonhos, todo o conhecimento dos verdes campos divinos não têm nenhum valor se forem guardados para a própria pessoa ou para uma dúzia de escolhidos. (…) Deixe pegadas fundas porque você pode fazer isso. Tenha a coragem e a paciência da mulher na história do urso da meia lua, que aprende a ver além da ilusão. Não se distraia queimando fósforos e fantasias como a pequena menina dos fósforos. Não desista até encontrar a família à qual pertence como o Patinho feio, perdoe tanto quanto puder, esqueça um pouco e crie muito. O que você faz hoje influencia seus descendentes no futuro. (ESTÉS, 1997, p.566).
III – ITENS NORTEADORES DA PESQUISA
3.1 DELINEAMENTO DA PESQUISA:
A prática do projeto de pesquisa foi realizada de forma empírica, pois se direcionou, basicamente, para ações concretas, após uma busca para detectar quais as maiores dificuldades das turmas de quartas séries.
Numa conversa informal com as professoras foi relatado que os problemas matemáticos estavam sendo, possivelmente, mal interpretados, pois alguns alunos não conseguiam, através da leitura, detectar qual ou quais operações mentais ou escritas deveriam ser realizadas para chegarem à resposta final. E, se por acaso, realizavam cálculos sem vinculação com os problemas solicitados pela professora, na maioria das vezes, conseguiam chegar à resposta final do cálculo feito, mas não a resposta correta ao problema formulado. Grande número de alunos parece ter maior dificuldade no “dar sentido” ou “achar o sentido” ao questionamento feito do que, propriamente, no cálculo. Havendo, também, não de forma tão evidente, dificuldades nas quatro operações. Surgiu então a idéia de relacionar os problemas a uma história infantil.
Em um primeiro contato foi realizada uma conversa com as crianças, junto da professora titular, questionando se gostariam de tentar fazer um trabalho diferente com problemas matemáticos. Antes foi conversado com a coordenação pedagógica da escola a respeito do incentivo, do interesse a ser despertado antes do conteúdo propriamente dito e da minha intenção de trabalho. Após a aceitação, evidente curiosidade das crianças e a disponibilidade das professoras em cederem suas turmas, comecei a selecionar histórias infantis que, a meu ver, se adequassem às turmas. A aceitação do Conto de Fadas “A Bela e a Fera”, mesmo já sendo conhecida, foi decisiva para o início do trabalho.
Cada conto de fadas é um espelho mágico que reflete alguns aspectos do nosso mundo interior, e dos passos necessários para evoluirmos da imaturidade para a maturidade. Para os que mergulham naquilo que os contos de fadas têm a comunicar, estes se tornam lagos profundos e calmos, que, de início, parecem refletir nossa própria imagem, mas logo descobrimos, sobre a superfície, os turbilhões de nossa alma – sua profundidade e os meios de obtermos paz dentro nós mesmos e em relação ao mundo, o que recompensa nossas lutas. (BETTELHEIM, 2006, p.348).
Independente de prováveis motivos emocionais inconscientes, referentes à faixa etária em que se encontram, que podem tê-los influenciado na escolha da história, influenciaram, também, as enormes gravuras, de onde poderíamos retirar vários dados para, após, formularmos os problemas matemáticos. Inicialmente os alunos mostraram-se um pouco preocupados, curiosos com relação aos problemas, pois eu lhes havia dito que seriam “diferentes” dos habituais.
A partir da contagem do Conto de Fadas “A Bela e a Fera”, realizada em um encontro no início da aula por mais ou menos 60 minutos, divididos em: a contagem propriamente dita, os comentários das crianças e levantamento de dados, comecei a estabelecer a finalidade da atividade: montar pequenas histórias matemáticas, junto com as crianças, sem fugir à temática da história, direcionando os exercícios.
“A Bela e a Fera” restou como representante de uma vasta linhagem de contos em que o amor precisa transcender as aparências animalescas para acontecer. O relato desse conto de fadas não foi colhido da tradição popular pelos irmãos Grimm, nem por Perrault, celebrizou-se na mão de duas damas francesas que produziram as mais populares versões da história em meados do século XVIII. Existem narrativas similares de moças entregues a noivos animais em todas as culturas, mas a mais célebre é esta de Geanne-Marie Leprince de Beaumont (em 1756). Essa versão é a mais parecida com as narrativas tradicionais dos contos de fadas. (CORSO, 2006, p.134).
No segundo encontro: a tentativa ou resolução dos problemas em grupo e, no quadro de giz, com a devida explicação. Para isso foi feita observação de como procediam ao efetuar os cálculos e quais as dúvidas no desenvolvimento dos mesmos.
3.2 AMOSTRA:
A aplicação da pesquisa foi com uma amostra de quatro turmas de quartas séries iniciais, cada uma com uma média de 30 alunos, entre 9 e 11 anos, idade média 10 anos, de classe média baixa e, em sua maioria, do sexo feminino. Quanto aos participantes foi realizado um estudo transversal, sendo utilizada a faixa etária característica da quarta série inicial. O espaço físico eram amplas salas de aula, com os alunos dispostos bem próximos a mim, num semicírculo, de forma que me ouvissem, acompanhando a entonação dada e vissem com facilidade as gravuras, quando lhes eram mostradas. Isto devido ao pensamento de que a linguagem escrita ou visual é o embasamento do conhecimento. E a ilustração no início é o fator que mais chama a atenção. Entretanto, conforme o desenvolvimento da história e o interesse da criança pelo enredo, o texto começa a preponderar.
Foram formados grupos de no máximo cinco elementos, para fornecerem os dados, com o intuito de formularmos os problemas de acordo com a história lida e sua posterior resolução, proporcionando um ambiente interativo onde as dúvidas transformaram-se, em sua grande maioria, em certezas, com o auxílio dos colegas. Este procedimento foi realizado com apenas duas das quatro turmas, escolhidas de forma aleatória (pela numeração da sala: turmas 41 e 42). As outras duas (turmas 43 e 44) não tiveram a contagem da história no início do trabalho. Receberam os mesmos cálculos, mas sem a incentivação introdutória da história, para que a pesquisa experimental tivesse a hipótese inicial e os subproblemas observados e avaliados, através das diferenças que ocorreram durante a execução do projeto.
3.3 INSTRUMENTOS:
Foram basicamente: os problemas montados pelos alunos e direcionados por mim, conversas informais, na hora do café, com as professoras das quartas séries e o Conto de Fadas “A Bela e a Fera” (em anexos).
Talvez pudéssemos pensar então que a criança, ao assimilar os aspectos da história do livro, constrói noções que lhe permitem de alguma maneira ordenar e estabelecer a ligação entre os fatos da história. Nesse sentido, torna-se importante lembrar que nenhum comportamento nem mesmo quando é novo para o indivíduo constitui um início absoluto. Está sempre apoiado em esquemas anteriores, ou seja, a criança alcançará maior sucesso na assimilação da história no momento em que os personagens e/ou os fatos tiverem um significado para ela. Isto só a criança pode determinar e revelar pela força com que reage emocionalmente àquilo que um conto evoca na sua mente consciente e inconsciente. (PINHEIRO, 1999, p.81-82).
3.4 OBJETIVO GERAL:
Como foi realizada uma pesquisa prática, o objetivo foi buscar o conhecimento da relação entre as histórias infantis e a matemática, quanto aos cálculos realizados, isto é, de forma mental quanto ao resultado provável, de forma escrita ou de ambas as formas, com posturas metodológicas diferentes nas turmas. Para estas respostas fiz uma intervenção, mudando a forma como as professoras estavam trabalhando os conteúdos em questão, nos problemas matemáticos. Se a história infantil contribui no entendimento e na resolução, correta ou com maior habilidade, nas questões, com cálculos mentais ou escritos, vale a pena a professora começar a agir de forma diferente, mais desafiadora, mais participativa e interdisciplinar.
3.5 OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
Foram dois os objetivos específicos relativos aos subproblemas, decorrentes do tema da pesquisa: detectar se houve o interesse e a participação ao realizarem a tarefa proposta, após ouvirem a história infantil. Este interesse foi comparado com o do outro grupo. E, como conseqüência, o segundo objetivo foi avaliar se foi possível ou não as histórias infantis auxiliarem na interpretação, entendimento e resolução dos problemas matemáticos.
3.6 INSTRUMENTO DE COLETA DE DADOS:
Os problemas formulados pelos grupos das duas primeiras turmas forneceram os cálculos, daí decorrentes, os quais foram o instrumento utilizado para coleta de dados. E, para fins comparativos, nas outras duas turmas (43 e 44), a coleta foi efetuada sem a prévia contextualização feita pelo Conto de Fadas, somente foi fornecido a operação a ser realizada. No caso dos problemas criados com as crianças, já tinham sido reorganizados e corrigidos por mim. Os dados da pesquisa foram coletados anotando o número de grupos, em cada turma, que conseguiram raciocinar de forma correta e realizar o cálculo mental ou por escrito. Foi recolhida uma folha com as respostas de cada grupo. Mesmo sem ter acertado de forma integral, se, ao serem dadas dicas, o grupo se dava conta e conseguia desenvolver os cálculos, o resultado final, foi considerado como acerto. O roteiro final embora esboçado por mim estava aberto a mudanças, se fossem necessárias, pois, segundo Rodari (1982), “para mudar a sociedade, são necessários homens criativos que saibam usar sua imaginação, desenvolvamos a criatividade de todos para mudar o mundo”.
A observação foi realizada no ambiente normal de trabalho das crianças, sem mudanças na estrutura simples do ambiente, pois o trabalho em grupo e em semicírculo é realizado, rotineiramente, nas mais variadas situações. Foi feito um semicírculo para a contagem de histórias o que, pela proximidade, proporcionou maior participação e inferências sobre o tema (clima, lugar, tamanho do castelo, quantidade de comida, falta de energia elétrica, tamanho do jardim e termos desconhecidos).
Por isso mesmo o mais importante do relatório da Pesquisa-Confronto é justamente a confissão das dificuldades e contradições encontradas, de etapa em etapa, para tornar verdadeiro o trabalho. “Observação Participante”, “Auto-senso”, “Pesquisa Popular”, “Pesquisa dos Trabalhadores”, “Pesquisa- Confronto”… o leitor atento deve ter percebido que de escrito para escrito mudam os nomes daquilo que na verdade procede de origens práticas e preocupações muito próximas e parece apontar apara o mesmo horizonte. Esta deve ser apenas uma indicação de como tudo que foi escrito aqui é novo ainda e está muito longe de ter sido devido. Aliás, é preciso perguntar se, entre seus autores e praticantes, alguém deseja de fato “definir” alguma idéia ou tornar consagrada alguma prática de trabalho popular através dos instrumentos da ciência social. (BRANDÃO, 1981, p. 15).
Outras versões foram lembradas pelas crianças, em função disso fiz o relato, para situá-las historicamente, a respeito da primeira versão, escrita por uma senhora francesa, Jeanne-Marie Leprince Beaumont, em 1757, cujo falecimento foi em 1780. Sendo que, em suas histórias, Madame Jeanne preocupava-se com a essência do ser humano, desejando que os jovens e crianças pensassem, refletissem e falassem a respeito de seus defeitos para poder corrigí-los. E que outras versões sucederam-se, mas que esta, provavelmente, fosse a primeira. Esta conversa com as crianças serviu para reforçar que o processo de aprendizagem não é segmentado, não deveria haver um momento específico para a matemática e outro para a literatura por exemplo.
Todos os dias nos jornais, nas revistas, na televisão e em outras situações comuns à vida das pessoas, usa-se uma linguagem mista. Parece mesmo que é a escola que se encarrega de estabelecer um distanciamento entre essas duas formas de linguagem de tal modo que cria uma barreira quase que intransponível entre elas. Nos parece que a literatura infantil pode ser um dos recursos a ser utilizado pelo professor para diminuir tal distanciamento. (SMOLE, 1996, p.3-4).
Quando, na Educação Infantil, exploramos espaços grandes e pequenos, ou seja os espaços e os objetos que rodeiam as crianças, dizemos que trabalhamos motricidade ampla, esquema corporal, mas podemos incluir geometria, embora de uma forma rudimentar. Da mesma forma, assim como usamos um código que deverá ser “decifrado” ao ser feita a leitura na língua portuguesa, usamos processo mental semelhante para entendermos a numeração e, mais tarde, as operações.
IV – ANÁLISE DOS DADOS
4.1 COMPORTAMENTO DOS GRUPOS PERANTE A PESQUISA:
Esta mudança de postura exige também que busquemos outras fontes, além do livro didático, que propiciem ao aluno a aquisição de novos conhecimentos ou habilidades e, neste trabalho, tentamos mostrar que a literatura infantil explorada via a metodologia da resolução de problemas é um recurso rico para ser usado com esta finalidade.
A literatura, seja poesia, histórias, fábulas ou contos, é facilmente acessível e proporciona contextos que trazem múltiplas possibilidades de exploração que vão desde a formulação de questões por parte dos alunos, até desenvolvimento de múltiplas estratégias de resolução das questões colocadas.
Esta conexão da matemática com a literatura infantil propicia um momento para aprender novos conceitos ou utilizar os já aprendidos. (SMOLE, 1996, p.7).
Em geral as turmas 41 e 42 (primeiro grupo) comportaram-se de forma engajada e solicitando que houvesse, a cada visita realizada, mais um retorno para trabalharmos o assunto. Empenharam-se em achar as respostas e espantaram-se com o fato de, na maioria das vezes no decorrer das resoluções, não precisarem “armar” ou “fazer de pé” todos os cálculos para a resposta final que o problema propunha. Os erros cometidos foram corrigidos sem receio de errar de novo. Inclusive, várias vezes, foi solicitado para mim que mostrasse de novo as gravuras do livro, a fim de conferirem a veracidade dos dados colocados nas histórias matemáticas. Foi sugerido também marcarmos uma sessão no áudio-visual para juntos vermos o filme do Conto de Fadas escolhido.
Constatei que na pesquisa realizada com o segundo grupo, ao comparar atitudes como interesse, curiosidade e participação, houve uma considerável diferença. Aqueles que participaram da leitura do Conto de Fadas (primeiro grupo) interagiram durante todo o processo, até resolvermos todos os questionamentos. O interesse manteve-se.
Penso que os elementos figurativos em jogo na percepção ou na representação apresentam um papel importante na construção das operações lógicas, uma vez que fornecem uma sinalização ou representação dos dados sob os quais se apóia o raciocínio. (PINHEIRO, 2003, p.86).
Os demais, apesar de manterem-se mais quietos e comportados, o que para alguns professores indicaria uma maior atenção e, conseqüentemente, maior aprendizado, não pareceram estar muito satisfeitos com o trabalho, pois não esperavam uma aula “normal”. Inclusive fizeram descaso dos cálculos e perguntaram se eu queria ver o tempo que demorariam ao fazê-los. Os que ouviram o Conto de Fadas tinham que exercer o raciocínio lógico e correto para chegarem aos cálculos e, creio que por isso, por mais fáceis que fossem as operações envolvidas, havia o processo anterior, o de saber o porquê daquele exercício. Esse sentido é que, provavelmente, tenha sido a fonte principal de feedback. Creio eu tenha sido a via de direcionamento, usando a história como instrumento, para que as crianças encontrassem sentido naquele fazer. E o encontrar sentido é que tornou a atividade desafiadora. No início o retorno era cansativo, depois de vencidas as primeiras etapas, houve o incentivo para novos raciocínios. Houve o cuidado e policiamento de minha parte ao não dizer que uma resposta estava incorreta, mas sim que tínhamos que procurar no texto o caminho que devíamos seguir, pois achava que não era bem aquilo que havia sido solicitado ao elaborarmos os questionamentos. Em geral havia expectativa quanto ao trabalho e, no caso do grupo daqueles que não fizeram “nada de diferente”, houve, provavelmente, frustração, pois a proposta foi a simples resolução dos cálculos advindos dos problemas organizados pelo primeiro grupo, nos quais eles não estavam inseridos como participantes e nem haviam ouvido, por meu intermédio o Conto de Fadas. Já no trabalho anterior foi feita a tentativa, a meu ver com sucesso, de matematizar a situação do Conto de Fadas ajudando na percepção dos questionamentos feitos, resolvendo-os.
4.2 SITUAÇÕES INUSITADAS:
Percebi, que apesar de haver inúmeros cálculos que poderiam, para a faixa etária escolhida e adiantamento da série, serem resolvidos tranqüilamente, a necessidade ou o costume de “quererem” colocar por escrito o desenvolvimento da conta, isto é, a conta “armada”, como se o cálculo mental não tivesse o mesmo valor, no caso do primeiro grupo.
Os termos adição, subtração, multiplicação e divisão, raramente são usados. Referem-se às operações relatando para mim ou para o grupo que vão “fazer uma conta de mais, de menos, de vezes ou de dividir”, em ambos os grupos. Não desconhecem a nomenclatura referente à operação que vão desenvolver, mas não costumam usá-la.
No primeiro grupo foi constatada dificuldade em sozinhos, chegarem à pergunta final, em juntar todos os itens resolvidos para o desenlace, a operação definitiva para a resolução. Entretanto, se chamados a atenção sobre isso e refeita a leitura prontamente, conseguiam construir a finalização do problema, com e sem a minha ajuda.
Os alunos questionavam:“para quê?” E eu respondia que a finalidade da formulação da resposta final, à pergunta anteriormente formulada na história matemática, é a de que o trabalho realizado por eles, ao ser lido por outra criança ou por outra pessoa qualquer, venha a ser compreendido plenamente e, também, que, para redigirmos, somos impelidos a reler o que nos foi solicitado e, assim, ainda temos mais uma chance de acharmos o nosso erro, se houver. Mesmo assim ao formularmos corretamente as respostas completas, queriam “tirar a prova” retornando às ilustrações do livro. O retornar ao livro era divertido, até apareciam outras questões, mas o reler o questionamento final era permeado de algumas reclamações. Notei a falta do hábito de leitura, a “preguiça” para formular uma resposta final que contemplasse o último questionamento, necessitam de incentivo, para irem além da história, estabelecendo as ligações causais que os levaram ao término do trabalho.
É nesse sentido que podemos pensar que a história guardada dentro de um livro por si só não é suficiente para que a criança a reconte, nem tampouco a leitura desta mesma história pelo adulto o será, pois para conseguir recontar uma história o que está em jogo são justamente os aspectos operativos do pensamento da criança, ou seja, as ligações temporais, causais e lógicas, que unem os acontecimentos da história e fazem da narrativa um todo coerente, e não cópia da história enquanto repetição e memorização. (PINHEIRO, 2006, p.86-87).
Percebo que o conhecimento é, para eles, fragmentado e, por isso, as crianças têm dificuldade de estabelecer conexões. Não exercitam esta habilidade, não estão acostumadas. O “porquê sim e o porquê não” são amplamente usados, o difícil, mas não impossível, é, mesmo compreendendo, justificar verbalmente ou de forma escrita o processo de raciocínio que fizeram para chegar à resposta.
Ter de justificar o próprio raciocínio é benéfico até para uma criança que produziu uma resposta correta, porque quando temos que explicar nosso próprio pensamento, nós pensamos não apenas sobre nosso próprio pensamento, mas também em como o ouvinte está entendendo o que estamos dizendo.
É importante que a professora seja sempre diplomática e apoiadora, não importa o quanto a criança possa ser ilógica. Crianças que se sentem respeitadas e apoiadas são mais confiantes com relação a sua capacidade de raciocinar do que aquelas que se sentem na defensiva. A confiança das crianças é muito importante porque quanto mais confiantes elas são, mais elas tomam a iniciativa de pensar. E quanto mais elas pensam, mais elas desenvolvem a sua lógica. (KAMII, 2002, p.152).
No segundo grupo, em cada sala de aula (43 e 44), o trabalho foi rápido e sem particularidades. Não houve troca de idéias, nem perguntas relativas a outras disciplinas, pois a metodologia de trabalho, não proporcionou o ir além do proposto. Simples resolução dos cálculos apresentados, a maioria de forma mental e, depois, registrado. Percebi a pressa em terminarem o trabalho, inclusive porque, uma das turmas, teria recreação depois.
No primeiro grupo, em um dos encontros, combinamos com a professora de trocarmos a recreação para o outro dia e terminarmos o nosso trabalho, fato aceito, com reclamações pontuais, segundo a professora, isto é alunos “reclamões” como ela, carinhosamente, os chamou. E o trabalho seguiu de forma participativa, sendo concluído, sem retornarmos ao assunto.
V- O DESAFIO DE CONCILIAR TEORIA E PRÁTICA
Segundo Fernandez (1990), ao comentar sobre o olhar e a escuta pedagógica, no caso da anamnese, ela escreve, com muita propriedade, algo que se estende a todo e qualquer saber com o qual o psicopedagogo venha a trabalhar. Transcrevo na íntegra pela sua relevância para o trabalho realizado.
Nas anamneses, observava-se uma necessidade e urgência de obter dados que atuavam como obstrução para a possibilidade de situar numa atitude analítica anti-discurso. Esta urgência para obter dados somente pode ser entendida ante o desejo de encobrir a angústia que provoca a espera necessária.
Os dados, somente, nunca remetem ao saber. Pelo contrário, costumam ocultá-lo. Este filtra-se pelos resquícios do discurso lógico e pelos lapsos. De outra forma, chegaremos ao saber, nós e o paciente, mais pelo desdobramento de uma cena, do que pela cronologia dos dados.
Sobre os dados evolutivos, é mais importante perguntar “como” do que “quando”.
Para poder esclarecer como se entrelaçam as significações que conformam a modalidade de aprendizagem, para precisar as ancoragens etiológicas de possíveis patologias, quer dizer, para a compreensão psicopedagógica, o perguntar quando aprendeu a caminhar, por exemplo, geralmente é desnecessário, enquanto que o relato dos pais sobre como se deu essa aprendizagem costuma ter um valor paradigmático. (FERNANDEZ, 1990, p.125).
Seguindo esta linha de raciocínio e transpondo-a para a pesquisa o ”como”, isto é, o pensar “através do desdobramento de uma cena” (a história), foi mais significativo do que dados soltos, no tempo e no espaço, como no grupo em que não foi oferecida uma “ancoragem”.
Noto que, para a aprendizagem, no caso, da matemática e, mais específico ainda, dos cálculos envolvidos nos problemas formulados, faz-se necessário que os alunos tomem parte no processo de aquisição do conhecimento. É um processo, que pode usar dados hipotéticos, até mesmo fantasiosos, desde que haja envolvimento, motivação. Os cálculos, independentemente de serem realizados de forma mental e/ou escrita, serão realizados de forma mais elaborada, questionadora. E, possivelmente, em outras situações, já não mais por mim proporcionadas, mas pelos mesmos professores que souberam detectar o problema e foram humildes e inteligentes o suficiente para colocarem que precisavam de ajuda, haverá a possibilidade de transferência e aplicação dos conhecimentos adquiridos.
Outra função que temos em relação aos alunos com dificuldades é a de oferecer ao professor a possibilidade de dividir a angústia e a responsabilidade que sente diante de determinados alunos com problemas. O fato de poder falar sobre isso, de saber que outro profissional está buscando e apresentando soluções com ele é importante e, em certos casos, indispensável para continuar o trabalho diário, enfrentando o seu grupo e esses alunos. Em conseqüência, o psicopedagogo precisa contribuir com uma visão diferente, precisa ampliar o campo de observação em relação àquele aluno e precisa ajudar a elaborar respostas pertinentes. (BASSEDAS, 1996, p.40).
Foi preservado o direito dos alunos de terem idéias próprias, expressá-las nos exercícios e responsabilizarem-se pelo que haviam sugerido. E esse conhecimento não emerge somente em situações concretas, mas também hipotéticas. Deve haver isto sim, sempre um referencial, referente à situação real ou à imaginação da criança, o Conto de Fadas. Foi um trabalho interdisciplinar, por competências e com a utilização de um projeto, com o intuito de vencer problemas que o grupo vem enfrentando e de realizar aprendizagens contextualizadoras e interacionadas. Sem deixar de lado a capacidade e o direito de sonhar. Os cálculos contextualizados foram mais incrementadores de dúvidas, divagações, interligações com demais disciplinas e a utilidade dos dados levantados foi na formulação das histórias matemáticas que, por terem sido geradoras da problemática, mantiveram as crianças mais dinâmicas, felizes e interessadas, em geral.
Sempre que se conta um conto de fadas, a noite vem. Não importa o lugar, não importa a hora, não importa a estação do ano, o fato de uma história estar sendo contada faz com que um céu estrelado e uma lua branca entrem sorrateiros pelo beiral e fiquem pairando acima da cabeça dos ouvintes. Às vezes, ao final de um conto, o aposento enche-se de amanhecer; outras vezes um fragmento de estrela fica para trás, ou ainda uma faixa de luz rasga o céu tempestuoso. E não importa o que tenha ficado para trás, é com esta dádiva que devemos trabalhar: é ela que devemos usar para criar alma. (ESTÉS, 1997, p.567).
Ao notar que, em duas quartas séries (41 e 42), houve o esperado, isto é, a possibilidade do uso do Conto de Fadas na matemática, o interesse do aluno, significativamente maior e com raciocínios mais complexos, e o uso dos cálculos mentais, concomitantes ou não com os escritos, apesar do “treino” da forma escrita estar quase que solidificada ( devido aos três anos anteriores de aprendizagem formal ), minha imaginação foi um pouco além. Se criatividade, inventabilidade, capacidade de devanear e o pensar logicamente tiveram uma séria e produtiva contribuição, através do mergulho em um Conto de Fadas, metaforicamente falando. Se, desde a Educação Infantil fosse utilizada esta estratégia pelos professores,com uma considerável probabilidade, o impacto positivo seria maior, tornar-se-ia um alicerce para as séries anteriores.
Alavancado com a pesquisa, pude perceber o quão se faz importante o professor ter conhecimentos básicos a respeito do processo evolutivo pelo qual passa seu aluno, entendendo melhor e de forma menos angustiante possível problemas que de outra forma seriam considerados fracassos, do aluno ou do professor.
As outras duas turmas (43 e 44) participaram sem que fosse notado algum diferencial de uma aula “normal”, isto é, a aula com a qual elas estão rotineiramente acostumadas, sem as histórias infantis fazerem parte do contexto. Somente o fato da frustração por não terem ouvido a história que já sabiam ter sido contada nas outras turmas. Acharam os cálculos fáceis, fizeram rapidamente, sem terem como atribuírem significado aos exercícios propostos, esquecendo algumas contas, principalmente as “continhas” que somavam para dar a resposta final. Ou era porque não tinha sentido e, portanto sem interesse em saber o resultado, ou referente a ser uma tarefa repetitiva. Até a divisão nas classes: unidade, dezena e centena foi feita de forma mais apressada, descuidada. Foi como se estivéssemos fixando algo “sem ter o porquê e nem para quê”. Ficou solto sem sentido e por isso enfadonho. Enquanto, no primeiro grupo, houve mais encontros em função do assunto fluir para outras disciplinas e de conversarmos mais a respeito do que era achado como resposta nos problemas, no segundo grupo nada disso aconteceu, portanto um encontro foi mais que suficiente.
Nosso trabalho é fruto de profissionalismo. Ensinar crianças a ler, calcular, pensar, desenvolver suas inteligências, suas habilidades, fazê-las crescer como cidadãs livres e com capacidade de sonhar… sonhar nossos sonhos através de nossa ação como educadores, é uma tarefa que exige muita dedicação, muito aprendizado, muita força de vontade. (ALAM, 2007, p.76).
APÊNDICE A
Conto de Fadas
A Bela e a Fera
(Resumo da história contada pelas crianças)
Devido a necessidades econômicas do pai da Bela, o mesmo dirigiu-se à cidade para vender algumas mercadorias e chegou ao castelo onde morava a Fera. Entrou e, não encontrando ninguém, alimentou-se e acabou dormindo. Na manhã seguinte, ao acordar, quando estava indo embora do castelo, arrancou uma rosa do jardim a fim de levar para sua filha. A Fera, já acordada, descobriu o acontecido, ficou enraivecida com a atitude do mercador e exigiu a presença de Bela em seu castelo. Bela acabou oferecendo-se para ficar sob o domínio da Fera para que seu pai fosse libertado. A Fera era uma criatura grotesca, muito rica, mas demonstrava ter um grande coração. Possuía um vasto acervo bibliográfico, do qual eram retirados livros, todas as noites, para ambos lerem juntos. A Fera apaixona-se por Bela. Com o passar do tempo, Bela esquece a aparência animalesca da Fera e por ele, também, apaixona-se, ignorando que na verdade ele é um belo príncipe, que foi enfeitiçado. Esse feitiço desfaz-se quando Bela ausenta-se para visitar o pai doente e, ao retornar ao castelo, fica comovida com a saudade e tristeza que a Fera havia sentido durante sua ausência. Ao dizer que gostava da Fera, mesmo ela sendo feia, o feitiço é quebrado.
APÊNDICE B
HISTÓRIAS MATEMÁTICAS
Da história “A Bela e a Fera”, 1ª versão (1756) de Madame Jeanne-Marie Leprince Beaumont, que se passa, provavelmente no inverno, em um país distante, pois vimos neve nas gravuras e lareiras em todos os aposentos, queremos saber:
1 – Quanto a Fera irá gastar, ao todo, se em uma refeição os cozinheiros usaram:
a) 50 pães vendidos pelo padeiro da aldeia a R$1,00 cada;
b) 10 frangos, cada um custando R$5,00 e entregues pelo criador de galinhas;
c) 12 pés de alface plantados por uma senhora que mora ao lado do castelo e que custa, cada dúzia R$3,00;
d) 10kg de arroz plantados pela mesma senhora do alface e vendido a R$1,00 o kg;
e) 10kg de uva, sendo que cada kg o vendedor ambulante cobra R$4,00;
f) 6 abacaxis, sendo que a dúzia é R$10,00;
g) 18 maçãs, sendo que a dúzia custa R$12,00;
h) 6 pêras, sendo que meia dúzia custa R$8,00 e
i) 5 litros de vinho se um garrafão, com 15 litros, custa R$21,00.
Vamos calcular, passo a passo, o valor total de uma refeição feita no Castelo da Fera?
Quanto, então, a Fera irá gastar para comprar todos os ingredientes usados em uma única refeição?
2 – Quantas rosas, na primavera passada, floresceram no jardim da Fera até que começasse o verão, se:
a) doze dúzias são amarelas;
b) dez dúzias e meia são cor de rosa;
c) vinte e quatro dezenas e meia são brancas e
d) duas centenas são alaranjadas.
Agora, vamos fazer o cálculo total das rosas que abriram suas pétalas, no jardim da Fera, na primavera passada?
3 – Quantas velas os empregados da Fera usam:
a) Ao anoitecer, durante uma única noite, se em cada castiçal cabem 3 velas e existem 45 castiçais no castelo?
b) E em uma semana, se uma vela dura uma noite?
c) E em um mês?
4 – E, para finalizar, quantos anos têm hoje o Conto de Fadas “A Bela e a Fera”, fazendo o cálculo a partir da versão de Madame Jeanne-Marie?
Este cálculo foi feito no quadro por alunos que dispuseram-se e foi gerador de muita conversa e surpresa quando ao tempo. Eles já haviam me entregue as folhinhas e apareceu esta dúvida a partir de uma pergunta que fiz para eles.
APÊNDICE C
Carta de aceitação do trabalho pelos professores.
Observação: Por motivo de sigilo as cartas de aceite encontram-se com a coordenadora do curso e integrantes da banca examinadora
APÊNDICE D
ANEXO A
Xerox dos problemas e dos cálculos realizados pelas quatro turmas.
Observação: Por motivo de sigilo os trabalhos realizados pelos grupos de crianças, por conterem as turmas e as iniciais dos nomes dos integrantes, encontram-se, também, com a coordenadora do curso e integrantes da banca examinadora.
VI – REFERÊNCIAS
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27.SMOLE, Kátia Cristina Stocco et al. Era uma vez na matemática: uma conexão com a literatura infantil. 3.ed. São Paulo: IME-USP, 1996.
28.TOLEDO, Marília; TOLEDO, Mauro. Didática de Matemática: como dois e dois – construção da matemática. São Paulo: FDT, 1997.
29.WEISS, Maria Lúcia Lemme. Psicopedagogia Clínica: uma visão diagnóstica dos problemas de aprendizagem escolar. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006.
Publicado em 05/06/2008 16:16:00
Débora Ferreira Marques – Educadora
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