DIREITOS PRECONIZADOS NO CÓDIGO DE ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM PARA A CONQUISTA DA CIDADANIA
Wilson Francisco Correia
Derechas del Código del Ética de los Enfermeros para la Conquista de la Ciudadanía
Resumo
O presente ensaio, inserido no eixo temático Natureza e Organização do Trabalho no Setor Saúde, enfoca o conceito de cidadania em comparação com os direitos estabelecidos no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Segue as regras da pesquisa bibliográfica para a elaboração de revisão bibliográfico-documental e tem por objetivos testar conceitos de cidadania da literatura especializada com os direitos profissiográficos dos enfermeiros e enfermeiras, alertar para o reducionismo que a idéia de cidadania burguesa pode apresentar e evidenciar que a conquista da condição cidadã por meio do exercício profissional aproxima-se de um relevante desafio para o pessoal de Enfermagem. Conclui defendendo a tese de que o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem oferece ferramentas conceituais e instrumentais para que enfermeiros e enfermeiras concebam a natureza de seu trabalho de modo a organizá-lo em vista do respeito aos princípios afetos à arte e aos saberes do cuidar, condição sine qua non para a qualificação da existência pelo desfrute dos bens de uma vida cidadã.
Palavras-chave: Ética, Ética Organizacional, Papel do Profissional de Enfermagem,
Resumen
El actual análisis, insertado en la naturaleza del árbol y la organización temáticas del trabajo en la salud del sector, enfoca el concepto de la ciudadanía en comparación con las derechas establecidas en el código del ética de los profesionales del oficio de enfermera. Sigue las reglas de la investigación bibliográfica para la elaboración bibliográfico-documental de la revisión y las tiene para que los objetivos prueben conceptos de la ciudadanía de la literatura especializada con las derechas de los profissiográficos de las enfermeras y de las enfermeras, de alertar para el reducionismo que la idea de la ciudadanía bourgeois puede presentar y evidenciar que la conquista del ciudadano de la condición por medio del ejercicio profesional está venida cerca de un desafío excelente para el personal del oficio de enfermera. Conclui defendendo a tese de que o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem oferece ferramentas conceituais e instrumentais para que enfermeiros e enfermeiras concebam a natureza de seu trabalho de modo a organizá-lo em vista do respeito aos princípios afetos à arte e aos saberes do cuidar, condição sine el qua no para la calificación de la existencia para ella goza de las mercancías de un ciudadano de la vida ciudadana.
Palabra-llave: Ética, Ética Institucional, Rol de la Enfermara,
Introdução
A temática relativa à natureza e Organização do Trabalho no Setor Saúde, com foco nos direitos estabelecidos no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem como instrumentos para a conquista da cidadania, instiga-nos à realização do presente ensaio de revisão teórico-reflexiva porque é ali que se tornam plausíveis algumas das principais orientações afetas à profissionalidade no campo. Para aproximarmo-nos de seus pressupostos, servimo-nos das ferramentas da pesquisa bibliográfica, a qual possibilita-nos a realização da revisão documental e da literatura pertinentes, visando a traçar um mapa conceitual relativo à inserção na vida cidadã por meio do exercício profissional.
Em face disso, indagamos: como a observância dos direitos inscritos no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem pode contribuir para o alcance do comprometimento profissional e para a inserção na vida cidadã?
Com vistas a responder essa indagação, apresentamos, a seguir, breve contextualização do conceito de cidadania na contemporaneidade, fundamentando-o em autores clássicos da Antigüidade e do Liberalismo. Em seguida, registramos os principais direitos evidenciados no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, seguidos de breve discussão comparativa entre o conceito de cidadania corrente e as aspirações dos profissionais de enfermagem, momento em que faremos menção às nossas conclusões.
Quem é o cidadão?
É recorrente na cultura ocidental a idéia de que o ser humano é um animal político, destinado à vida na cidade. É o sujeito inserido na vida urbana ativa, de maneira a pertencer ao corpo político responsável pela administração do coletivo civilizado (ARISTÓTELES). Entretanto, quem pode ser considerado membro legítimo do grupo político que comanda os destinos da pólis? Efetivamente, à época, apenas o homem livre, de ócio, era considerado cidadão. Mulher, escravo, criança, estrangeiro, trabalhador braçal, não. O próprio Aristóteles entendia a escravidão como algo naturalmente necessário à constituição da sociedade e da vivência dinâmica da sociabilidade. Daí outra indagação: como conciliar a visão teórica e a concretude da vida? Esse parece ser o questionamento posto à apreciação de quem estuda o tema da cidadania, historicamente revisto e reelaborado.
Uma dessas re-elaborações surge durante a Revolução Francesa de 1789 e ganha forma na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, onde se encontra a gênese da noção moderna de cidadania e no qual, segundo Buffa3, o velho senhor feudal cede espaço ao cidadão republicano, em uma operação que consagra a idéia de cidadão como homem livre, igual e, sobretudo, proprietário.
A partir de então, a burguesia cria um paradoxo relativo ao conceito de cidadania: por um lado, expressa a idéia de que ela deve ser universal, para todos; por outro, circunscreve a fruição da condição cidadã ao homem livre, igual, proprietário, não muito diferente daquilo que os gregos antigos experimentaram. E, ao que parece, pelo menos em nível ideológico, o conceito propalado, e do qual ainda se lança mão em nossos dias, é aquele com o significado que a burguesia lhe imprime na primeira acepção, ainda que sua realização continue destinada a quem venha a se inserir ativamente na ordem do ter, posicionamento político-ideológico que nos leva a perguntar: quem é, de fato, o cidadão?
Segundo o filósofo Locke8, por exemplo, o cidadão é o proprietário. Além da propriedade da terra e das criaturas inferiores, o homem é dono absoluto de sua pessoa, de si mesmo, do próprio corpo e do fruto do trabalho que resulta do emprego de suas forças física e mental. É pelo trabalho que ele adquire e exerce a possibilidade de se apropriar dos diferentes tipos de bens, visando elevar-se à condição de proprietário, inclusive por meio do hábito de economizar (CORREIA & CAPUZZO).
Ora, esse raciocínio de Locke é fundamental à consolidação de uma nova noção de propriedade privada, em desenvolvimento desde os começos da ascensão burguesa. Ele consiste no seguinte: se o trabalho possibilita a aquisição da propriedade privada, isso significa que terras e outras posses não são naturalmente dadas às pessoas, como se acreditou ao longo de quase toda a Idade Média. Ele é alcançado mediante a atividade produtiva, notadamente por meio de dinheiro: quem tem com que pagar, compra e consume toda sorte de mercadoria.
Com essa idéia, Locke expressa um raciocínio formal ao modo aristotélico, o qual poderia ser formulado nos seguintes termos: todo homem é proprietário; o trabalhador é homem; logo, o trabalhador é proprietário, pois o trabalhador tem um corpo. Esse raciocínio lógico parece realizar uma operação ideológica perversa, pelo fato de nivelar os proprietários a um mínimo que é indiferente às discrepâncias que podem ser criadas desse ponto de partida em diante e desenvolvidas ao lado do direito de acesso eqüitativo às riquezas socialmente produzidas, mas privadamente possuídas.
Daí a decorrência do seguinte problema: ter um corpo é condição suficiente para alguém ser considerado cidadão? Locke não está interessado em responder essa outra questão. Uma possível resposta colocaria a olhos nus o teor ideológico de seu discurso, sendo que tal lacuna destruiria pela raiz o seu modo de pensar.
Dessa maneira, ele insiste na idéia de que ser proprietário é um atributo universal da humanidade. Assim, ao elevar todo homem à condição de proprietário natural, de si mesmo e do produto do próprio trabalho, o filósofo inglês dá uma centralidade nunca vista ao proprietário, à propriedade, ao domínio do ter.
“O assombroso feito de Locke foi basear o direito de propriedade no direito natural e na lei natural, e depois remover todos os limites da lei natural do direito de propriedade. (…) E essa proposta exige, claramente, o postulado de que os homens têm direito natural à propriedade, um direito que antecede a existência da sociedade e do governo” (MACPHERSON, p. 207-208).
Esse julgamento de Macpherson pode ser melhor compreendido comparando-o às palavras do próprio Locke, cuja filosofia política constitui-se em um dos pilares da ideologia burguesa, fundada no possessivismo, no individualismo ético, na cultura narcísica e na prática consumista as quais redundam na síndrome da aquisição.
Ele afirma:
“Se o homem no estado de natureza é tão livre (…), se é senhor absoluto da sua própria pessoa e posses, igual ao maior e a ninguém sujeito, por que abrirá ele mão dessa liberdade, por que abandonará o seu império e sujeitar-se-á ao domínio e controle de qualquer outro poder? Ao que é óbvio responder que, embora no estado de natureza tenha tal direito, a fruição do mesmo é muito incerta e está constantemente exposta à invasão de terceiros porque, sendo todos reis tanto quanto ele, todo homem igual a ele, na maior parte pouco observadores da eqüidade e da justiça, a fruição da propriedade que possui neste estado é muito insegura, muito arriscada, embora livre, está cheia de temores e perigos constantes; e não é sem razão que procura de boa vontade juntar-se em sociedade com outros que estão já unidos, ou pretendem unir-se, para a mútua conservação da vida, da liberdade e dos bens a que chamo de ‘propriedade'” (LOCKE, 1973, p. 88).
Nessa perspectiva, a propriedade se presta à conservação da vida, da igualdade e da liberdade, valores quase estranhos às pessoas durante o feudalismo. Por essa razão, segundo Hobsbawm, as exigências do homem burguês, expressas na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, funcionou como um manifesto contra a sociedade feudal, fato que não significou a defesa de uma sociedade democrática e igualitária. Se, por um lado os homens nascem livres e iguais, como se pode notar nas palavras de Locke, por outro também são aceitas distinções sociais, com ênfase nas formas de ser proprietário. Segundo a Declaração, a propriedade é um direito natural, sagrado, inalienável e inviolável, o que convinha a uma oligarquia rural, a quem era mais interessante uma monarquia constitucional do que uma república democrática. Por isso o burguês liberal clássico “não era um democrata, mas, sim, um devoto do constitucionalismo, de um Estado secular com liberdades civis e garantias para a empresa privada e de um governo de contribuintes e proprietários” (HOBSBAWM, p. 20).
Subjaz a essa teoria a noção de que ser naturalmente proprietário significa encontrar o ponto de apoio para a idéia de igualdade: se todos são proprietários, então todos são iguais. “Locke está afirmando que existe uma igualdade natural, inata, entre os homens, e isso é o novo nesse momento histórico, é a ruptura com o passado” (BUFFA,p. 17). Antes disso, com exceção da idéia corrente em alguns setores que afirmava a tese de que o homem é filho de Deus, não havia um lastro sobre o qual assentar a igualdade humana. Daí as sociedades divididas em senhor e escravo, ou servo, e em estados, como ocorreu no feudalismo, abertamente justificadas. Em Locke não, essas modalidades de desigualdade passam a ser rechaçadas: os homens não são mais naturalmente desiguais, como desde os gregos se entendia por toda parte.
Nesse novo contexto, pelo fato de haver um atributo comum a todos os homens, que os faz iguais e livres, não deve haver entre eles sujeitos que são senhores e outros que se resignam a papéis e lugares servis. Os proprietários, iguais e livres, exercem essas qualidades por meio do ato de estabelecer contrato. Celebrá-lo não é um ato mecânico, mas a instauração da autonomia, compreendida na noção de que o contrato faz a lei entre as partes. Ora, se alguém o estabelece, então esse alguém é autônomo, pois ele elabora a lei que quer obedecer. Não vale mais a idéia de relações sociais baseadas na heteronomia, seja ela de natureza religiosa, política ou jurídica, até então considerada legítima. Quem pode o maior, pode o menor: se o homem é primeiramente dono de si, como impedi-lo de fazer a lei que ele quer obedecer?
Essa capacidade de o indivíduo criar a lei que quer obedecer é básica às relações assalariadas de produção. O tempo é o do trabalhador livre, no sentido de que nada o impede de escolher a quem quer prestar seus serviços, por quem quer ser explorado. Afinal, segundo esse juízo, seu corpo, sua energia, o produto do seu trabalho lhe pertencem. E ele pode fazer o que bem entender desses bens por meio do contrato, como prevêem os códigos de leis.
Em face desses dados, uma análise crítica evidencia que os trabalhadores assalariados, entendidos pela ideologia burguesa como proprietários, livres e iguais, em verdade não o são no plano concreto da vida. Seria absurdo admitir como economicamente iguais o homem que detém os meios de produção e um outro que possui apenas a capacidade de produzir. Por isso, o proprietário privado capitalista, que, em decorrência da atividade produtiva se apropria de lucro, e não de salário, esse tem formas variadas de alcançar a condição cidadã, e o faz plenamente. De outro modo, ao trabalhador é relegada uma cidadania de segunda categoria. Veja porquê!
Na relação assalariada de produção o trabalhador tem unicamente sua força de trabalho. A ferramenta já não lhe pertence, mas ao dono da empresa para o qual trabalha. Também não lhe é própria a visão sobre a totalidade do processo produtivo, uma vez que se tornou trabalhador parcelar, que se especializa em uma função e a executa não inteiramente para si. Esse trabalhador concreto que se revela, na prática cotidiana efetiva, apeado pelas cordas da alienação, da perda de si mesmo em nome do modo material de produção da vida, esse trabalhador pode ser considerado cidadão?
Essas indagações mostram como, sob o capitalismo, as diversas profissões podem se encontrar em descompasso com modos mais elementares de fruir a cidadania, estado que pressupõe a capacidade de agir de modo a ser livre e responsável. Segundo Chauí,
“[Ser responsável é] reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e conseqüências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la, bem como às suas conseqüências, respondendo por elas;
[Ser livre é] ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para autodeterminar-se, dando a si mesmo as regras de conduta” (CHAUÍ, p. 164).
Talvez seja em nome da tentativa de alcançar liberdade e responsabilidade e recusar a ausência da cidadania, negação que a concretiza efetivamente apenas para alguns, que os diversos segmentos profissionais fazem constar de seus códigos de ética aqueles direitos que lhes são elementares. Esse parece ser o caso dos profissionais de Enfermagem em nossa sociedade, os quais podem ser testados com o conceito de cidadania apresentado a seguir.
Segundo Severino, elevar-se à condição cidadã é possível se o sujeito participa ativamente da produção e apropriação de bens materiais, sociais e simbólico-culturais, visando a manutenção do corpo biológico, a própria qualificação como portador de poder e a fruição da cultura como caminho à realização humanizante pela apreensão de informações, conhecimentos e saberes vitais às relações concretas entre homens e mulheres com o mundo e com seus semelhantes. Em outro lugar, Severino expressa esse seu conceito de cidadania da seguinte maneira:
“…é efetivamente cidadão, se pode efetivamente usufruir dos bens materiais necessários para a sustentação da sua existência física, dos bens simbólicos necessários para a sustentação de sua existência subjetiva e dos bens políticos necessários para a sustentação de sua existência social” (SEVERINO, p. 98).
Perguntamos: esse pressuposto tem caracterizado a atuação em Enfermagem, de modo a garantir-nos na afirmação de que entre nós atuam enfermeiros cidadãos? Eles estão participando concretamente da produção e apropriação de bens materiais, culturais e sociais em nossa sociedade?
Dos direitos consagrados no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem
Para cumprir o objetivo de evidenciar os direitos dos profissionais de Enfermagem registrados no respectivo código de ética, apresentamos a seguir todos os artigos do segundo capítulo daquele documento:
“CAPÍTULO II
Dos Direitos
Art. 7º – Recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência legal.
Art. 8º – Ser informado sobre o diagnóstico provisório ou definitivo de todos os clientes que estejam sob sua assistência.
Art. 9º – Recorrer ao Conselho Regional de Enfermagem, quando impedido de cumprir o presente Código e a Lei do Exercício Profissional.
Art. 10 – Participar de movimentos reivindicatórios por melhores condições de assistência, de trabalho e remuneração.
Art. 11 – Suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições mínimas para o exercício profissional, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente sua decisão ao Conselho Regional de Enfermagem.
Parágrafo único – Ao cliente sob sua responsabilidade, deve ser garantida a continuidade da assistência de Enfermagem.
Art. 12 – Receber salários ou honorários pelo seu trabalho que deverá corresponder, no mínimo, ao fixado por legislação específica.
Art. 13 – Associar-se, exercer cargos e participar das atividades de entidades de classe.
Art. 14 – Atualizar seus conhecimentos técnicos, científicos e culturais.
Art. 15 – Apoiar as iniciativas que visem ao aprimoramento profissional, cultural e a defesa dos legítimos interesses de classe” (CONFEN).
A análise dos artigos acima mostra que o 7 refere-se à competência legal, a qual o profissional de Enfermagem deve reivindicar como decorrência de seu domínio teórico, prático e ético, adquirido ao longo dos processos de formação pelos quais passou. O artigo 8 refere-se ao direito à informação sobre o diagnóstico para realizar a intervenção profissional de maneira consciente e responsável. No 9 aparece o direito de recorrer ao Conselho da classe. O 10 apresenta a participação como direito em vista da necessidade de alcançar para si e para os pares melhores condições de trabalho, qualidade de vida e dignidade profissional. O artigo 11 prevê a suspensão das atividades profissionais quando o profissional de Enfermagem deparar com condições adversas ao saudável exercício profissional. O 12 registra o direito de receber salários e honorários. No 13 está registrado o direito de associar-se e de exercer cargos na associação de classe a que pertença. O 14 ressalta o direito à atualização de conhecimentos técnicos, científicos e culturais. Por fim o artigo 15, que registra o direito de apoiar iniciativas visando ao aprimoramento profissional, cultural, bem como a defesa de legítimos interesses de classe.
Trata-se de um conjunto de direitos sustentados nos seguintes princípios: 7: domínio do saber e do saber-fazer; 8: direito ao conhecimento do estado do paciente a quem presta serviços de cuidado; 9: direito de valer-se da entidade de classe para firmar seus direitos; 10: direito à inserção no corpo político da classe; 11: direito de abster-se de atuar caso as condições de trabalho não sejam apropriadas; 12: direito de obter contrapartidas em termos de salários e honorários pelos serviços prestados; 13: direito de sentir-se portador de poder, com voz e voto, nas entidades representativas da categoria; 14: direito de manter-se técnica, científica e culturalmente atualizado; 15: direito de tomar o partido das iniciativas, programas e atividades que defendam o aprimoramento profissional, cultural e os interesses da totalidade dos profissionais de Enfermagem.
Não é pouca coisa. Valendo-se desses direitos e desses princípios, os profissionais de Enfermagem podem, sim, conduzir programas e atividades que concorram para a efetivação de um estilo profissiográfico que se configure nos contextos de uma vida profissional e pessoal de matiz cidadã. Nesse sentido, vale a iniciativa particular no local de trabalho, o qual deve pautar-se pelo favorecimento da observância do conceito de cidadania, mas, sobretudo, valem as iniciativas coletivas, pois a atuação conjunta em busca de objetivos comuns pode salvaguardar não apenas interesses, mas, principalmente, um modo ético-cidadão de ser-estar profissional.
Considerando esses elementos, o quadro conceitual e dos direito do profissional de Enfermagem permite-nos a visualização daquilo pelo que e em nome do que ele é convidado a atuar:
O conceito de Cidadania e os Direitos dos Profissionais de Enfermagem
Mapa Conceitual
Quadro Conceitual 1: Conceito e Direitos
Como nosso quadro evidencia, relacionados ao usufruto de bens materiais aparecem os artigos 7 (direito de atuar observando competência profissional), 11 (direito de suspender atividades profissionais em situações e condições adversas), 12 (direito a contrapartidas em termos de salários e honorários) e 15 (direito de buscar aprimoramento profissional), todos referentes a uma esfera mais ampla que é a da manutenção da vida, da existência objetiva. Associados ao usufruto de bens simbólicos, notamos os artigos 8 (direito à informação sobre o diagnóstico), o 14 (direito à atualização de conhecimento técnicos, científicos e culturais) e o 15 (direito de buscar o aprimoramento cultural), os quais se situam na esfera da inserção ativa no mundo cultural para o cultivo da subjetividade. Os artigos que se conectam ao usufruto dos bens políticos são o 9 (direito de recorrer ao Conselho de classe), o 10 (direito de participação), o 13 (direito de associação e de exercício de cargos de classe) e o 15 (direito de defender os interesses legítimos próprios e dos pares), os que se circunscrevem no âmbito da esfera da participação efetiva nos processos de exercício do poder.
Se na prática esses direitos ainda não ganharam visibilidade, é minimamente recomendável que seja realizada a sua mobilização por meio de canais de comunicação da classe. Tomar conhecimento conscientizado do que representa esse elenco de direitos pode fazer diferença entre uma prática profissional livre e responsável, e uma outra, marcada pelo descompromisso com a cidadania particular e alheia.
Breve debate e Conclusão
Como é possível notar, se confrontarmos o conceito de cidadania proposto por Severino e os artigos do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem que tratam dos direitos desses profissionais, notamos que está à disposição de enfermeiros e enfermeiras um recurso crucial para que qualifiquem apropriadamente a organização de seu trabalho fundado em direitos, os quais podem possibilitar o incremento da vida cidadã. Essa organização do trabalho, que pode se estender às atividades de planejamento, execução, coordenação e avaliação da prestação do cuidado em Enfermagem, parece-nos requerer coerência entre consciência sobre o que seja cidadania e imperativos dos direitos consagrados no Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Sem essa articulação, como falar de serviços em Enfermagem caracterizados pela qualidade? Como pensar o enfermeiro cidadão?
A ressalva a fazer é que cidadania não precisa, necessariamente, implicar a idéia de consumir. Ela pode conectar-se à tese do enfermeiro orgânico, inserido no seu meio, no seu entorno humano e social. Ademais, cidadão não é o que se iguala ao mero cliente, àquele que simplesmente consome. O cidadão, em nossa visão, é aquele que participa realmente da produção dos bens materiais, culturais e sociais de modo a respeitar a vida, a sentir-se portador de poder e a empregar o patrimônio cultural para realizar-se como pessoa e profissional, de modo a bem servir a comunidade humana de que faz parte. Verificadas essas características, então podemos falar em cidadania no plano da vida coletiva, social, ainda que sua gênese seja a ocupação profissional. Fora desse norteamento, mais uma vez surgem as dificuldades de se conceber a idéia de enfermeiro cidadão.
As mudanças no mundo do trabalho, por exemplo, advindas da agilidade dessas transformações, refletem-se no campo da Enfermagem, afetando, por conseqüência, a formação profissional do enfermeiro e o seu exercício profissional. A despeito dessas vicissitudes, cumpre lembrar que, para o enfermeiro ser considerado promotor de ações de saúde na sociedade, sua formação precisa consolidar-se ancorada em projetos políticos-pedagógicos amplamente discutidos e acordados no consenso dos diferentes atores protagonistas do respectivo processo e demais interessados. De igual modo, o exercício profissional deve embasar-se em princípios que primem pela criação de condições de humanização e realização do sujeito profissional.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) oferece às escolas as bases filosóficas, conceituais, políticas e metodológicas para nortear a elaboração dos projetos pedagógicos como o referido acima. Visa a que os profissionais egressos, com base nas novas diretrizes curriculares específicas, possam vir a ser críticos, reflexivos, dinâmicos, ativos, diante das demandas do mundo do trabalho, aptos a aprender a aprender sozinhos e coletivamente e a assumir os direitos de liberdade e cidadania, compreendendo as tendências do mundo atual e as necessidades de desenvolvimento do pais (BRASIL, 1996). Se, contudo, na prática, desde a formação inicial os profissionais de Enfermagem não contam com programas educativos assim delineados, urge, então, que questionemos esse estado de coisas e que façamos intervenções no sentido de exigirmos coerência com o dispositivo legal.
Outro ponto a merecer destaque é a questão colocada pelo liberalismo na sociedade capitalista, quase sempre ancorada em uma concepção antropológica individualista e egoísta, dada a centralização do indivíduo proprietário, à qual condiciona e reduz a experiência da cidadania. Como a natureza do trabalho no setor de Enfermagem requer o estudo, a compreensão e o exercício dos saberes do cuidar, essa ocupação profissional pressupõe agudo senso de solidariedade, cooperação, senso de coletividade e responsabilidade para com os outros. Descartados esses compromissos éticos, parece-nos fragilizarem-se os princípios da autonomia e da dignidade da pessoa humana, bem como os da benemerência, justiça ou eqüidade e o de abster-se de prejudicar o próximo, muitas vezes tidos como coisas de somenos por aqueles que não atentam para a urgência da articulação entre direitos e busca de cidadania, dimensão particular e perspectiva coletiva da manutenção da vida, da saúde e dos cuidados nas ocorrências de doenças.
Aristotelicamente falando, cidadão é o que vive na cidade, em meio a outros seres humanos. Enfermeiro cidadão é, antes de tudo, o citadino, o qual tem no exercício profissional o eixo de construção de seu comprometimento com a condição cidadã. Em uma sociedade cujo sistema econômico se robustece graças às relações assalariadas de produção e em que os bens materiais são cada vez mais concentrados em poder de poucos; em uma sociedade em que prevalece a cultura de massas, muitas vezes pobremente consubstanciada pelos imperativos da produção de mercadoria com fins lucrativos, competivivos e acumulucionistas; em uma sociedade em que a política foi privatizada e fagocitada pela economia, em uma sociedade com essas características, realmente tudo parece ser um entrave à consecução da cidadania. Trata-se de uma questão de luta, e não de privilégio.
Uma questão para a classe dos profissionais da Enfermagem? Sim, um verdadeiro desafio? Parece-nos, mas por que não tentar?
Referências Bibliográficas
1. ARISTÓTELES. Política. Trad. M. da G. Kury. 3. ed. Brasília: Editora da UnB, 1997.
2. BRASIL. Lei n. 9394, de 20 de dezembro 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 23 dez. 1996. Seção 1, p. 27.
3. BUFFA, E. Educação e cidadania burguesas. In: BUFFA, E., ARROYO, M. & NOSELLA, P. Educação e cidadania: quem educa o cidadão? 7. ed. São Paulo: Cortez, 1999.
4. CHAUÍ, M. Filosofia. São Paulo: Moderna, 2002.
5. CONFEN (Conselho Federal de Enfermagem). Resolução CONFEN-240/2000. Aprova o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem e dá outras providências. Rio de Janeiro: CONFEN, 2000.
6. CORREIA, W & CAPUZZO, C. Ideologia liberal e movimentos sociais: quem é o cidadão? Revista Anhangüera, n. 5, n. 1., jan.-dez. 2004, p. 45-65.
7. HOBSBAWM, H. J. A revolução francesa. Trad. M. T. L. Teixeira & M. Ponchel. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
8. LOCKE, J. Carta acerca da tolerância. Trad. A. Aiex. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
9. MACPHERSON, C. B. A teórica política do individualismo possessivo: de Hobbes a Locke. Trad. N. Dantas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
10. SEVERINO, A. J. A escola e a construção da cidadania. Sociedade Civil & Educação. 6. CBE. Campinas: Papirus/Cedes; São Paulo: Anped, 1992, p. 09-14.
11. SEVERINO, A. J. Escola: espaço de construção da cidadania. São Paulo: F.D.E., 1994.
Publicado em 18/04/2008 16:25:00
Wilson Francisco Correia – Professor Universitário, Licenciado Pleno em Filosofia pela UCG (1989-1992), Especialista em Psicopedagogia pela UFG (1994-1996), Mestre em Educação pela UFU (2000-2002), Doutorando em Educação na UNICAMP, Campinas, SP, Brasil. wilfc2002@yahoo.com.br
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