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CRIANÇAS E ADOLESCENTES: AS VÍTIMAS DE MAUS-TRATOS E NEGLIGÊNCIA PRECOCE

Mônica Nardy Marzagão

CHILDREN AND TEENAGER: THE VICTIMS OF ILL–TREATMENT AND PREMATURE NEGLIGENCE

Resumo
O artigo tem a intenção de compreender o motivo e o evento das modalidades de maus-tratos e da negligência precoce, percebidas como práticas que têm por conseqüência a geração de graves prejuízos físicos e psíquicos em crianças e adolescentes. A vitimização conforma-se como procedimento de agressão relativos à omissão dos responsáveis pela criança ou adolescente, em atender-lhes às necessidades basilares, com vistas a uma formação saudável, pelo caso de tratar-se de um indivíduo em fase peculiar de desenvolvimento.

Palavras-Chave: Criança e Adolescente; Maus-Tratos; Negligência Precoce

Abstract
This article has the intention of understand the motive and the event of mobsters of ill-treatment and premature negligence, perceived how practice that have for consequence the graves generation physical and psychical damages in children and teenager. Victimize adjust oneself how actions aggression relative at the omission of the responsible for children and teenager, in attend them the basal necessities, with view the one healthy formation, for it is about treat an individual in special state of development.

Key Words: Children and Teenager; Ill-Treatment; Premature Negligence

Considerações iniciais
Este artigo tem como escopo compreender a razões e a ocorrência de modalidades de maus-tratos e da negligência precoce, no contexto da sociedade brasileira, entendidas como práticas que têm como efeito provocar graves prejuízos físicos e psíquicos em crianças e adolescentes. Configuram-se como procedimentos de agressão atinentes à omissão do responsável ou dos responsáveis pela criança ou adolescente, em atender-lhes às necessidades básicas, com vistas a um desenvolvimento sadio, pelo fato de tratar-se de um ser em formação. 

A primeira ponderação a ser feita, antes da abordagem propriamente dita do tema, refere-se às bases conjunturais da sociedade brasileira, marcada por grandes contradições e grandes desigualdades sociais e econômicas. Em face disso, grassam em amplos contextos dos segmentos sociais, atingidos pela pobreza e pela miserabilidade, a desinformação e a incultura generalizadas, fatores determinantes para a definição de práticas relativas à higiene, à alimentação, ao cuidado com o corpo, à sexualidade e à própria valorização da vida como um todo. Como decorrência dessa realidade, não são raras as circunstâncias em que os maus-tratos e atos de negligência, contra crianças e adolescentes, manifestem-se com toda intensidade e mais freqüentemente nos meios mais pobres, constituindo-se, muitas vezes, em padrão referencial e preocupante para toda a sociedade.

Essas considerações iniciais permitem dimensionar a análise e as categorias aqui utilizadas, sem que se perca de vista o caráter histórico-social dessa realidade, sendo que a mesma deve conferir substância à compreensão pretendida. Convém ressaltar que as concepções e definições para maus-tratos contra a criança e o adolescente variam de acordo com visões culturais e históricas. Nessa perspectiva, ainda, são estabelecidos os cuidados com os direitos e o cumprimento de regras sociais relacionados a ela e os modelos explicativos usados para maus-tratos. Assim, os maus-tratos e a negligência contra a criança e o adolescente podem ser verificados pela omissão (negligência), pela supressão ou transgressão de seus direitos, definidos por convenções legais ou por normas culturais.

O conceito de negligência precoce – uma categoria de maus-tratos –objeto intrínseco desta análise, é aquele que se refere ao ”ato de omissão do responsável pela criança ou adolescente em prover as necessidades básicas para o seu desenvolvimento (ABRAPIA, 1997)”.

A identificação dessas práticas, em meio à sociedade brasileira, é tarefa complexa devido as já aludidas dificuldades sócio-econômicas da população, o que permite o questionamento sobre a existência ou não da intencionalidade nessas práticas, uma vez que inúmeros segmentos da realidade brasileira vivem em condição de pobreza ou miséria absoluta e padecem de desinformação.

Negligência
Pode-se considerar a negligência como uma subcategoria do conceito de maus–tratos e configura-se como qualquer forma de descuido com a alimentação e higiene e/ou falta de apoio psicológico e emocional para com crianças e adolescentes vitimados. Considerando a gravidade das conseqüências, para coibir essa prática, de maneira geral, o Estado, através de legislação específica – o ECA – prevê a garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, punindo na forma da lei qualquer atentado à integridade dos mesmos, quer por ação, quer por omissão, conforme consta no artigo 5° do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente.

“Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, maus-tratos, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.

Outras entidades da sociedade civil também se mobilizam e participam de estudos visando discutir e alertar para as conseqüências da prática da negligência. O Claves – Centro Latino-Americano de Estudos de Maus-tratos e Saúde define, assim, a negligência:

“[…] privar a criança de algo de que ela necessita, quando isso é essencial ao seu desenvolvimento sadio. Pode significar omissão em termos de cuidados básicos como: privação de medicamentos, alimentos, ausência de proteção contra inclemência do meio (frio / calor)” (ASSIS, 1994).

A negligência configura-se, sucintamente, na ação de omissão praticada por pais ou responsáveis quando estes falham em termos de alimentar, de vestir adequadamente seus filhos e quando tal falha não é o resultado de condições de vida além do seu controle. Ela pode apresentar-se como moderada ou severa e é entendida, moral e juridicamente, como uma modalidade de agressão, onde o agressor é passivo e ela acontece justamente pela falta de ação. Por essa razão é tida, muitas vezes, como menos importante.  Mães ou pais negligentes são culpados mais pela omissão do que por ação deliberada de maus-tratos. Trata-se, portanto, de uma modalidade de procedimento não explícita que, muitas vezes, não se evidencia à primeira vista.

Entre as práticas de negligência, em nossa sociedade, o abandono tem sido considerado a forma mais extremada ou o próprio sinônimo da mesma, face à incapacidade de muitos de se responsabilizarem material ou psicologicamente pela criança ou o adolescente.

“Caracteriza-se como abandono a ausência do responsável pela criança ou adolescente. Considera-se abandono parcial a ausência temporária dos pais expondo-a a situações de risco. Entende-se por abandono total o afastamento do grupo familiar, ficando as crianças sem habitação, desamparadas, expostas a várias formas de perigo” (CLAVES – Centro Latino-Americano de Estudos de Maus-tratos e Saúde).

Nos casos concretos, em que ocorre a negligência extrema, ou severa para com os filhos, observa-se como fator de evidência o seguinte: os alimentos nunca são providenciados, não há rotinas na habitação e para as crianças, não há roupas limpas, o ambiente físico é muito sujo com lixo espalhado por todos os lados, as crianças são muitas vezes deixadas sós por diversos dias, chegando a falecer em conseqüência de acidentes domésticos ou inanição. A literatura registra como agravante, nesses casos, a presença, entre os pais infratores, de um consumo elevado de drogas, de álcool e a presença significativa de desordens severas de personalidade.

Segundo dados do Ministério da Saúde, maus-tratos e acidentes provocados por negligência constituem o primeiro fator mais importante de mortalidade no Brasil, na faixa etária entre 5 a 19 anos (59%). As agressões ocupam o primeiro lugar nas estatísticas, sendo responsáveis por 40% do total de óbitos. A maioria dos estudos aponta para o fato de que grande parte dos casos de maus-tratos ocorre dentro do ambiente doméstico, sendo os mais comuns às agressões físicas e psicológicas, o abuso sexual e a negligência.

A ocorrência de maus-tratos quando não leva à morte, pode trazer conseqüências a médio e a longo prazos, capaz de causar danos ao desenvolvimento físico e mental, tais como a hiper-agressividade, reduzido envolvimento com o mundo externo, distúrbios de sono, sentimentos de infelicidade e pânico, comportamento auto-destrutivo e depressivo.

Segundo Eliane de Souza (2003), presidente da Sociedade Mineira de Pediatria: “Sabe-se, hoje, que a criança agredida, se não for tratada corretamente para diminuir as cicatrizes psico-emocionais, poderá se tornar também uma agressora na idade adulta”.

De acordo com o ECA, os profissionais da saúde são obrigados a notificar os maus-tratos cometidos contra crianças e adolescentes. Para que este preceito legal seja cumprido tem havido um trabalho de sensibilização e conscientização dos referidos profissionais, fornecendo-lhes maiores conhecimentos sobre o tipo de atendimento a ser dado às vítimas desses agravos, disponibilizando-lhes o maior número de informações que os capacitem para o diagnóstico e a intervenção. Há necessidade, ainda, de recursos para promover medidas preventivas e o aperfeiçoamento do sistema de informação sobre o perfil de morbimortalidade por maus-tratos. 

Os estudos apontam para o seguinte fato: entre os profissionais da saúde, os pediatras são os que têm um importante papel na prevenção e no atendimento dos casos de maus-tratos, pois participam ativamente do acompanhamento da vida de seus pacientes e podem contribuir para a reorganização familiar, sendo, muitas vezes, referência de apoio e confiança.

Fatores circunstanciais: o abrigo e a adoção
Tendo em vista o grande número de adoções produzidas pelas guerras e convulsões sociais do Leste europeu, nos Estados Unidos e na Europa, discute-se, com profundidade, se a adoção, em si é um fator de risco para o desenvolvimento do adotado, especialmente, no que se refere ao rendimento escolar e o desenvolvimento integral da criança.

Alguns estudos têm sugerido que as possíveis alterações no desenvolvimento de crianças adotadas podem estar vinculadas, juntamente, com as eventuais alterações que sofrem, também, as crianças internas em orfanatos (abrigos). De certa forma, isso é verdadeiro em grande número de casos, partindo-se do pressuposto de que as crianças adotadas passaram, antes, algum tempo em instituições asilares, permanecendo, portanto, mesmo quando adotadas, com sentimentos adquiridos na vivência da instituição.

Além das alterações observadas no desenvolvimento das crianças abrigadas, há ainda outras concernentes às crianças que vivem em seus lares, mas que são vítimas da denominada negligência precoce. Essa modalidade de negligência refere-se aos casos nos quais a mãe pode até estar fisicamente presente, mas é, emocionalmente, distante, não oferecendo à criança o essencial atendimento e cuidados que esta requer.

Negligência Precoce
O termo negligência precoce refere-se à situação onde não há uma interação satisfatória entre mãe e filho durante os primeiros anos de vida, considerada uma fase crítica para a criança. Essa ocorrência caracteriza-se como uma das condições capazes de interferir no desenvolvimento infantil, de forma determinante. Dependendo da dimensão psicológica e neurológica dessa negligência precoce, mesmo que a criança tenha recebido cuidados materiais e físicos adequados, se esse relacionamento for emocionalmente indiferente, os danos causados podem ser permanentes.

A negligência precoce afeta mais algumas crianças que outras porque é muito difícil e subjetivo medir o conteúdo emocional dos relacionamentos entre as diferentes pessoas. Algumas crianças são simplesmente mais suscetíveis à separação e à perda do que outras. As alterações no desenvolvimento de crianças e adolescentes em decorrência da negligência precoce não são apenas devidas à falta de nutrição e/ou higiene, mas, principalmente, devidas à falta de estímulos e contatos emocionais e afetivos.

Entre os casos que podem ser considerados como negligência precoce, o abandono é a forma mais grave pela quebra do vínculo mãe-filho e são vários os estudos sobre os efeitos deletérios disto sobre a criança, relativos ao seu bom desenvolvimento afetivo e neurológico. Trata-se, em tese, de uma situação onde a criança está privada, cronicamente, das necessidades básicas para seu desenvolvimento pleno e normal. Alguns exemplos dos prejuízos provocados por essa carência são a depressão, que consiste na perda gradual de interesse pelo meio, a perda ponderal, os comportamentos estereotipados (tais como balanceios) e, eventualmente, a morte.

Em crianças vitimadas pela negligência precoce extrema há uma sucessão de eventos que ocorre depois de abandonadas, a denominada de Reação de Abandono, também chamada de Reação de Dor e Aflição Prolongada, que é específica das situações nas quais a figura materna é ausente ou a de um cuidador, que tenha com ela, um relacionamento afetivamente adequado.

Reação de Dor e Aflição Prolongadas
Este estado pode manifestar-se por qualquer etapa da seqüência do processo, seja ela o protesto, o desespero ou o desinteresse. As características mais significativas são as seguintes:

1. A criança chora, chama e busca ao progenitor ausente, recusando quaisquer tentativas de consolo por outras pessoas;
2. Retraimento emocional que se manifesta por letargia, expressão facial de tristeza e falta de interesse nas atividades apropriadas para a idade;
3. Desorganização dos horários de comer e dormir;
4. Regressão ou perda de hábitos já adquiridos, como, por exemplo, fazer xixi e/ou coco na roupa (ou cama) (sic), falar como se fosse mais novo;
5. Desinteresse paradoxal, que se manifesta por indiferença às recordações da figura cuidadora (fotografia ou menção do nome), ou mesmo uma espécie de “ouvido seletivo”, que parece não reconhecer essas pessoas;
6. Como comportamento alternativo, a criança pode mostrar-se exatamente ao contrário das características acima; torna-se extremamente sensível a qualquer recordação do(a) cuidador(a), apresentando mal estar agudo diante de qualquer estímulo que lembre da pessoa.
O estabelecimento dos vínculos, no entendimento de Winnicott (1993), é essencial para o desenvolvimento adequado da personalidade.Segundo ele:
“Sem ter alguém dedicado especificamente às suas necessidades, o bebê não consegue estabelecer uma relação eficiente com o mundo externo. Sem alguém para dar-lhe gratificações instintivas e satisfatórias, o bebê não consegue descobrir seu próprio corpo nem desenvolver uma personalidade integrada”.

A intensidade do problema tende a aumentar em crianças abrigadas, ocorrendo o agravante de nem sempre se ter um diagnóstico perfeitamente definido, segundo Laurie Miller:

“Vi um menino que ficou num orfanato russo até os dois anos e meio de idade e depois foi adotado por uma mãe solteira nos Estados Unidos. Cada médico que o atendeu fez um diagnóstico diferente: esquizofrenia, autismo, desordem obssessivo-compulsiva. Cada um continha um pouco de verdade. Meu diagnóstico seria de complexa disfunção comportamental neurofisiológica de criança pós-institucionalizada”.

Alguns psicólogos dão a essas crianças o diagnóstico de Desordem do Vínculo, definindo um grupo de manifestações apresentadas por parte das crianças desses estabelecimentos asilares.

Teoria da Desordem do Vínculo
A Teoria da Desordem do Vínculo ou da Ligação Afetiva diz respeito às questões relativas à necessidade de existência do amor materno para as crianças se desenvolverem bem emocional e cognitivamente. Essa ligação criança-mãe necessita, segundo os teóricos, de continuidade no cuidado afetivo para ser eficaz. Pressupondo-se que o cuidado afetivo contínuo será fornecido principalmente por uma mãe, a questão preocupante incide sobre as relações que ocorrem em um orfanato (abrigo) ou uma creche.

A Teoria da Desordem do Vínculo defende a idéia de que as crianças pequenas vivem confortavelmente dentro de uma hierarquia de vínculos. Talvez a mãe de um bebê seja principal referência, “sua menina dos olhos”, mas um pai afetivo é um segundo colocado, seguido de outros parentes ou de uma funcionária particularmente dedicada. Também, tem sido observado que avós podem ocupar o lugar da mãe, com certa facilidade.

O ato ou omissão de cuidados e atenção para com crianças e adolescentes significa que o fenômeno pode assumir forma ativa (ato) ou passiva (omissão), podendo ser praticado por pais (biológico ou de afinidade), responsáveis legais (tutores, que podem ser inclusive padrinhos, etc.) ou parentes (irmãos, avós, tios, primos, etc.). Demonstra-se assim a gama ampla de possíveis agressores.

Caberia indagar se a ausência do cuidado afetivo seria ou não uma espécie de descontinuidade no processo do vínculo. Há entre os estudiosos da questão um consenso sobre o severo comprometimento nas reações psicológicas e físicas das crianças separadas de seus pais quando muito jovens.

Alguns especialistas consideram que mesmo as creches, especialmente quando não são de boa qualidade, quando acolhem crianças pequenas, após o retorno da mãe ao trabalho alguns meses após o parto, podem configurar-se como fatores de grande risco para o desenvolvimento de Desordens do Vínculo (Vínculo Inseguro). As crianças pequenas que passam muitas horas em creches de baixa qualidade, e/ou que têm um grupo irregular de substitutos maternos, durante seus primeiros anos de vida, parecem incorporar em sua personalidade, essa ausência, como fator fortemente determinante.

Por carência de estimulação, de vínculos afetivos e de atenção emocional, as crianças de abrigos podem ter deficiências cognitivas, deficiências de integração sensorial, dificuldade em processar a linguagem no ritmo em que é falada e, conseqüentemente, prejuízo no processo de aprendizado.

Para Victor Groza (1999), especialistas em adoção, que estudou de mais de 200 famílias norte-americanas que adotaram crianças romenas, cerca de 20% dos adotados eram o que ele chamou de “Crianças Prejudicadas”, ou seja, crianças que foram muito afetadas pela institucionalização em abrigos. Essas crianças continuaram tendo problemas emocionais e de desenvolvimento até quatro anos após sua adoção. O estudo não foi suficientemente longo para acompanhar essas crianças, depois de quatro anos de adotadas.

Perto de 60% dessas crianças, chamadas de “maravilhas feridas” apresentavam um atraso de sociabilidade e de desenvolvimento em relação aos colegas, mas, apesar disso, conseguiram readquirir uma boa adaptação e desenvolvimento em seus lares adotivos. Somente 20% das crianças não demonstraram efeito prejudicial produzido pelos abrigos. Groza (1999) afirma que essas crianças eram “mascotes” na instituição e, por isso, conseguiam fazer com que lhes fosse dispensada mais atenção.

Atento à causa das “Crianças Prejudicadas”, Groza (1999) alerta para o fato de que, ao adotar, é preciso estar preparado para alguém com necessidades especiais, necessidades essas que podem durar uma vida inteira. De qualquer forma, observou que, entre as crianças deixadas em abrigos, aquelas prontamente adotadas foram as que evoluíram muito melhor e rapidamente em relação às outras que ficaram institucionalizadas mais tempo.

Uma das seqüelas da criança institucionalizada diz respeito à graduação ou nível em que estabelece vínculos íntimos com outras pessoas. Alguns, por um padrão de Vínculo Inseguro, costumam ser exageradamente amigáveis com todos que se aproximam, como se tentassem atrair a companhia e de alguém que lhes desse mais segurança, outros, ao contrário, parecem evitar qualquer aproximação mais calorosa, como se tivesse medo da decepção. Essas crianças sentem falta de pessoas particularmente sintonizadas com elas e, apesar disso, podem não produzir, necessariamente, face à ausência, um evidente distúrbio de vínculo.Para outras, a ausência dessa sintonia, pode fazer com que elas oscilem para mais (vínculo inseguro) ou para menos (vínculo embotado).

Segundo John Bowlby (1990), a privação prolongada de cuidados maternos para uma criança muito nova pode causar efeitos de graves conseqüências no caráter, efeitos esses que podem prolongar-se por toda a sua vida futura. E isso tanto se relaciona a crianças abrigadas quanto àquelas que sofrem separações dos pais, ou mesmo, aquelas que, apesar de viverem em seus lares, são negligenciadas.

Bowlby (1990) relata, ainda, que as creches, orfanatos ou outras circunstâncias que mantiveram as mães longe de seus filhos por períodos prolongados, estes demonstraram comportamentos desviantes ao mostrarem-se alegres com certas pessoas e, simultaneamente, rejeitarem sua mãe quando ela aparecia, tal como uma espécie de mecanismo de defesa protetor da angústia de ser novamente abandonado em um próximo momento.

A tentativa bem intencionada de algumas instituições sobre um tipo de tratamento muito carinhoso para com suas crianças é, evidentemente, muito mais desejável que um tratamento frio e distante. Mas, apesar disso, convém lembrar que o vínculo que se estabelece com a criança é monotrópico, ou seja, ocorre sempre e, predominantemente, com uma única pessoa. (BOWLBY, 1990).

Contra crianças e adolescentes, a negligência significa que, em nossa sociedade são vítimas potenciais, todos os menores de 18 anos (idade legal da maioridade), sejam eles crianças (até mais ou menos 12 anos) ou adolescentes (de 12 até 18 anos). Rejeita-se assim a idéia – ainda vigente entre certos profissionais da área da Saúde – de que as vítimas seriam apenas crianças menores de um ano (graças a Síndrome da Criança Espancada).

Neste sentido, as diferentes formas de maus-tratos contra crianças e adolescentes configuram um claro abuso do poder/dever de proteção familiar de que infância e adolescência necessitam para desenvolver-se.

Uma outra prática recorrente é a da “coisificação da infância”, isto é, uma atitude de negação do direito que as crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Isto significa o reconhecimento de que o fenômeno de maus-tratos constitui uma relação interpessoal, assimétrica, hierárquica de poder, implicando num pólo da dominação (pólo adulto) e, no outro objetalização, coisificação, submissão dos desígnios e desejos do outro (pólo criança/adolescente)“ (AZEVEDO e GUERRA, 1995).

A negligência no Abrigo
O Abrigo tem sido considerado o recurso extremo de amparo e de guarda provisória de crianças e adolescentes em face da fragilização dos vínculos familiares. Alguns conceitos explicitam o significado institucional do abrigo nesta concepção mais atual, segundo o ECA:

Abrigo – destina-se a atender crianças e adolescentes, que pela extrema fragilização dos vínculos familiares, necessitam desta proteção, pois não têm onde morar e não podem viver com seus pais, nem podem contar com um tutor ou guardião que por eles se responsabilizem até que a situação familiar seja fortalecida e se evite sua estruturação na rua, ou quando já estruturados se propõem a uma mudança de vida. Enfim, deve-se constituir num espaço de acolhimento saudável, de proteção e guarda provisória da criança e do adolescente. O programa deve estar voltado para a reinserção familiar (família biológica ou substituta) e para a construção de autonomia e independência (CARO, 1998, p. 23).

O ECA, em seu art. 92, aqui transcrito integralmente, prescreve alguns princípios norteadores para as entidades que desenvolvem programas de abrigo, com vistas à preservação da integridade física e emocional dos abrigados:

Art. 92. As entidades que desenvolvam programas de abrigo deverão adotar os seguintes princípios:
I – preservação dos vínculos familiares;
II – integração em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem;
III – atendimento personalizado e em pequenos grupos;
IV – desenvolvimento de atividades em regime de co-educação;
V – não-desmembramento de grupo de irmãos;
VI – evitar, sempre que possível, a transferência para outras entidades de crianças e adolescentes abrigados;
VII – participação na vida da comunidade local;
VIII – preparação gradativa para o desligamento;
IX – participação de pessoas da comunidade no processo educativo.
Parágrafo único. O dirigente de entidade de abrigo é equiparado ao guardião, para todos os efeitos de direito.

Além do provimento do ECA, que expressa a concepção doutrinária mais atual acerca da proteção integral da criança e do adolescente, outros princípios devem ser observados por entidades que desenvolvem programas de abrigo, considerando que cada realidade é única no que tange à especificidade local, regional e institucional.

O abrigo, como medida específica de proteção e não sócio-educativa (para adolescentes infratores), tem caráter “tuitivo”, isto é, defesa e proteção de forma pedagógica, sem caráter corretivo e punitivo para os mesmos. A preservação dos vínculos familiares é uma característica considerada essencial de proteção que se deve dar a crianças e adolescentes, entre eles encontra-se o direito de receber visita de seus familiares, como está inscrito na Constituição Federal e nos artigos 19 a 24 do ECA: Manter contato do abrigado com sua família natural evitando-se a dissociação afetiva (TAVARES, 1998, p.81).

Não sendo possível o retorno da criança e do adolescente para a convivência da família biológica, deve-se envidar esforços para colocá-los em família substituta (ELIAS, 1994). O ECA, ainda, preconiza que o atendimento em abrigo seja personalizado, em decorrência da necessidade de afeto. A criança não pode ser um número na multidão:Se for inevitável que seja abrigado, deve sê-lo em condições que se assemelhem a um ambiente familiar, para que seu desenvolvimento não seja somente físico, mas também psicológico (ELIAS, 1994, p. 68).

Os estudiosos ponderam sobre a necessidade de serem desenvolvidas atividades pedagógicas de co-participação em pequenos grupos, a fim de que nenhuma criança seja excluída. No que tange à questão dos vínculos familiares, entendem que os irmãos devem permanecer juntos e, se colocados em família substituta, preferencialmente, que seja na mesma, para que sejam evitados danos psicológicos maiores.

Apesar de o abrigo ser medida provisória e excepcional (art. 101 – § Único – ECA), quando houver absoluta necessidade de permanência de crianças e adolescentes neste tipo de entidade, estes devem permanecer abrigados em um mesmo local, porque, ao criarem raízes, adaptar-se-ão mais facilmente à situação, evitando-se, assim, maiores traumas psicológicos. Os abrigados devem interagir socialmente com a comunidade em que vivem, razão pela qual são enviados à escola pública, não mais recebendo educação nas instituições que os abrigam. A participação na vida da comunidade dar-se-á com a freqüência à escola pública, bem como a locais de cultura e de lazer, consagrados nos arts. 53 a 59 do Estatuto (ELIAS, 1994, p. 68).

O ideal é que seja muito breve a permanência de uma criança em abrigo e ela deve ser constantemente preparada para o desligamento, para a vida em família e, se for adolescente, para uma profissão. O trabalho voluntário de pessoas da comunidade tem sido estimulado dentro de entidades, como meio para ampliar o relacionamento do abrigado com a comunidade. É desejável que pessoas da comunidade participem, como voluntárias, no processo educativo do abrigado, em obediência às determinações legais (ELIAS, 1994, p. 68).

É interessante observar que o parágrafo único, do art. 92 do ECA equipara, para fins legais, o dirigente de abrigo a guardião. Essa medida tem sido considerada acertada, porque o torna ainda mais responsável pela criança e pelo adolescente abrigados.

Considerações finais
Os estudos sobre a ocorrência de abuso, vitimização física, sexual e psicológica e a negligência praticados contra crianças e adolescentes, têm levado em consideração alguns fatores: psicológicos, sócio-econômicos, culturais, as possíveis características patológicas do pai-mãe e filho. Além disso, apontam como determinante o histórico familiar dos pais, articulado com o contexto situacional de sua realidade concreta. A história de uma família é composta pelas vivências acumuladas dos pais, que antes de gerarem os filhos, estiveram envolvidos nas relações de sua própria família, como membros de um contexto social, onde adquiriram suas experiências de socialização, que poderão transmitir aos seus filhos, existindo assim a possibilidade da reprodução sempre dos mesmos valores sociais.

Tudo isso mostra que, conforme a abordagem sócio-psico-interacionista, o psicológico é condicionado pelo social, produzindo-se também, historicamente. Outros fatores também podem facilitar a situação de maus-tratos, como “stress” (desajuste, maus-tratos, desemprego, isolamento, excesso de filhos, ameaças à autoridade, valores, criança indesejada ou problemática) e situações precipitantes (ausência de mãe, rebeldia da criança), hoje bastante presentes na vida em sociedade, sobretudo naquelas em que os problemas essenciais da vida coletiva ainda estão por solucionar.  Há que se pensar em ações políticas eficazes que erradiquem, ou pelo menos minimize as situações extremas que determinam a vitimização.

Outros Conceitos Utilizados
VITIMIZAÇÃO (Psicológica): “É uma forma de micro-poder e ocorre sem distinção de credo, classe social, etnia; não se restringe ao lar, mas tem nele sua origem”. (Azevedo e Guerra)

CRIANÇAS VITIMADAS (Psicológico): “São aquelas que são violentadas pela estrutura da sociedade, ou seja, por um macro-poder, marcado pela dominação de classes e por profundas desigualdades na distribuição da riqueza social” (Azevedo e Guerra).

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Publicado em 20/03/2008 14:38:00


Mônica Nardy Marzagão – Professora Mestra em Educação e Doutoranda em Infância e Estatuto da
Criança e do Adolescente, Pedagoga, Psicopedagoga, Consultora de Educação, Terapeuta de Crianças e Adolescentes e Practitioner PNL.

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