EU NÃO SOU SUA MÃE! QUANDO OS PAPÉIS MÃE/PROFESSORA CONFUNDEM-SE NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Milena Cristina Aragão
Resumo
Este artigo discute as repercussões existentes quando o papel de professor e o papel e mãe confundem-se na prática docente. Para tanto parte de uma intervenção realizada numa Escola Municipal de Petrópolis/RJ com 10 professoras de educação infantil e séries iniciais. O trabalho foi realizado a partir da aplicação de técnicas de dinâmica de grupos, visando mapear conceitos e do psicodrama, tendo como pano de fundo a problemática dos limites. O trabalho grupal denunciou o equívoco de papéis representados dentro e fora da sala de aula, com discursos impregnados de estereótipos. Como conclusão pôde-se proporcionar reflexão crítica, problematizar o que está “naturalizado”, denunciar contradições, enfim, auxiliar o grupo a pensar e encontrar alternativas de ação para situações vividas no contexto escolar.
Palavras chaves: papel, atuações docente, cultura, crenças.
Abstract
This paper discusses the impact when teacher and parent´s role is mixed in the teaching practice. The study was development in a Municipal School of Petrópolis / RJ with ten teachers of kindergarten and initial grades. The methodology used was the application of group dynamic and psychodrama techniques. The work group denounced the ambiguity of roles represented inside and outside the classroom, with speeches impregnated of stereotypes. In conclusion, the study could provide critical reflection about what is accept as a natural behavior, denounce contradictions and finally, help the group to think and find alternatives of action for situations lived in the school context.
Key words: role, performances teaching, culture, beliefs.
Introdução
Ao assistir a uma peça de teatro, observa-se que há pessoas representando um personagem ou papel. Este personagem ganha vida através de um roteiro, onde se desenrolam situações que definem a fala e as ações de cada ator.
Traçando um paralelo com a vida real, o ser humano, assim como um ator, interpreta papéis, os quais são redigidos de acordo com as relações sócio-culturais construídas ao longo de sua vida. Os papéis, então, são formas de funcionamento do sujeito em relação ao meio em que vive. Diante disto, o indivíduo pode assumir papel de filho, quando em companhia de seu pai; de mãe, quando em contato com seus filhos ou de funcionário, quando em seu ambiente profissional; todos aprendidos na infância, através da observação e imitação, a priori, de seus entes mais próximos, continuando ao longo de sua existência, na medida em que intensificam suas relações sociais. (Moreno, 1999)
Neste sentido, do mesmo modo que o papel desempenhado por cada indivíduo é influenciado pela cultura na qual está inserido, o processo de construção do papel docente também sofre influências sócios-culturais, uma vez que, quando este ser social freqüenta o magistério, leva consigo expectativas, crenças e representações construídas ao longo de sua história de vida sobre o que é ser professor e como ensinar. Concepções estas, adquiridas de forma não reflexiva, escapando a crítica e convertendo-se em um verdadeiro obstáculo à sua formação profissional. (Parrenoud,1993, ANDALÓ, 1995)
A confusão entre os papéis profissional x pessoal acompanha a prática docente com mais intensidade quando se trata do universo feminino, especificamente no que tange a educação infantil e séries iniciais.
A mulher foi ideologicamente concebida para o universo doméstico. Desde pequena era criada para casar e ter filhos, sendo a maternidade a única forma possível de realização feminina e, caminhando na mesma linha de pensamento apresentava-se a capacidade de ensinar. Na década de 1950, quando a inserção feminina no mercado de trabalho ainda era considerada um mito, lecionar era a saída para as mulheres que desejavam se dedicar a outras atividades, sem precisar abandonar o lar e os filhos, já que era possível trabalhar somente meio período, recebendo um salário razoável e ainda ter tempo para cuidar da vida pessoal. Dentro deste cenário, o magistério era visto como a extensão do lar, ou seja, como um desdobramento de uma atividade naturalmente praticada, um prolongamento de educar os filhos, numa feliz combinação entre professora competente e dona de casa amorosa. O magistério seria então um espaço onde a mulher colocaria em prática dons que socialmente acreditava-se ser inato e indispensáveis para o exercício docente: a paciência, o cuidado, a sensibilidade, o educar. (DINIZ, 2001; MARCONATO, 2002)
A concepção social que promove a associação do papel professora/mãe gera conflitos prejudiciais a sua prática docente, na medida em que converte sua atuação numa mescla de maternagem e educação, onde conteúdos escolares são adicionados sem maiores reflexões sobre os objetivos de sua inserção, bem como sua continuidade no processo de educação das crianças em diferentes momentos do desenvolvimento infantil. Esta confusão de papéis desperta nas professoras um sentimento de ambigüidade em relação ao aluno, variando entre o ódio e amor, uma vez que, ao olhá-lo como professora, percebe que este não corresponde ao ideal de estudante, educado e disciplinado e, ao observá-lo como mãe, sente que o mesmo deve ser protegido, formando, assim, uma relação de dependência. (GONÇALVEZ, 1996; ZANELLA, 1999; DINIZ, 2001)
Partindo desta realidade, o trabalho realizado junto as professoras de educação infantil e séries iniciais de uma escola municipal de Petrópolis/RJ objetivou, através de práticas de dinâmica de grupos e psicodrama, conscientizá-las sobre sua práxis profissional, problematizando-a e promovendo reflexões sobre os fatores que a determinam, sua função social, o efeito de suas ações e possibilidades de mudanças, a fim de contribuir para a melhoria de sua prática pedagógica.
Metodologia
PARTICIPANTES:
O grupo era composto por dez professoras, todas com mais de cinco anos de experiência em educação infantil e séries iniciais, as quais exerciam suas funções em uma escola pública de Petrópolis, cidade serrana do Rio de Janeiro.
INSTRUMENTOS:
Foi utilizado como instrumento de coleta de dados a técnica da dinâmica de grupos e do psicodrama, objetivando mobilizar o corpo docente a uma reflexão crítica a respeito da atuação profissional do professor frente a uma determinada temática. Considerando que o psicodrama dramatiza para desdramatizar, supõe-se que, com as encenações, a repetitividade dos papéis possa ser esvaziada, ensejando transformações. Desse modo, emergindo da particularidade, transformando-se em sujeitos de suas ações, os agentes educativos estariam prontos a envolverem-se com sua tarefa, passando, em conseqüência, a realizá-la de maneira mais eficiente e competente (ANDALÓ, 1995)
PROCEDIMENTO:
Antes de iniciar a atividade grupal, foram realizadas visitações a escola no período de uma semana, com o propósito de observar e entender a realidade das professoras em seu cotidiano. Após este período, a direção escolar disponibilizou horário e local para que as atividades pudessem ser iniciadas.
O desenvolvimento do trabalho apresentou dois momentos importantes: roda de conversa e dramatização. Na construção do primeiro momento foi aberto um espaço para diálogo onde as professoras deveriam responder à pergunta: “O que é ser professor para você?”. No segundo momento foi utilizado o método psicodramático, através do jogo de papéis, onde lhes foi colocada a possibilidade de desempenhar um papel e atuar da maneira como cada uma acreditava ser a melhor forma de proceder diante da situação apresentada.
Utilizando-se da problemática dos limites, foi proposta para o grupo uma cena, construída pelas participantes, visando trabalhar possíveis papéis presentes na questão da educação infantil. As professoras foram divididas em dois grupos. Um grupo ficou com o papel de professora e o outro também com o papel de professora. Os papéis ficaram em segredo, uma vez que um grupo não poderia saber o papel do outro, sendo colocado apenas que o grupo “A” poderia estar representando um papel igual ou diferente do grupo “B” e vice-versa. Cada grupo representaria uma cena onde haveria um conflito entre alunos, exigindo limites, o qual seria dado de acordo com o papel que cada grupo recebeu. Por fim, tanto o grupo “A” quanto o grupo “B”, utilizando-se de seus conhecimentos e de suas observações, deveriam descobrir qual o papel que o outro grupo desempenhou.
A sugestão para que ambos os grupos representassem o mesmo papel teve como base as visitas á escola, as quais explicitaram anteriormente a confusão de papéis. Desta forma, a representação de papéis similares proporcionaria as docentes observar umas as outras, como um espelho e assim, despertar para a reflexão crítica a cerca de sua prática.
Resultados e Discussão
Com relação ao primeiro momento, o qual constou da pergunta “O que é ser professora para você?”, as respostas giraram em torno das seguintes afirmações:
“É educação, doação, ser um pouco mãe, um pouco professora…” (E, professora 2ª série turno vespertino);
“É doação. Fazer a diferença, aprendizado…” (S. professora 1ª série turno vespertino e Classe de Alfabetização, turno matutino);
“É emoção, é sentir raiva e carinho ao mesmo tempo, pena e sensação de não ter o que fazer…” (C. profª 2ª série turno matutino);
“É vocação, doação completa, aprendizado, imprevisibilidade, nunca sabemos o que pode acontecer, cada dia é um dia diferente…” (V. prof 4ª série turno matutino);
“É desafio, resolver juntos os problemas, ser um pouco mãe, um pouco professora, um pouco amiga… é tudo junto…” (R. profª 4ª série turno vespertino e infantil 2 turno matutino);
“Ser professora é ser a base da sociedade, mas ao mesmo tempo é ser desvalorizada, é ser de tudo, é se doar completamente ao trabalho…”(M. prof infantil 3, turno matutino e 3ª série turno vespertino);
“É assustador, a gente chega para dar aula e pensa que vai encontrar uma turma certinha, comportada, acha que vamos falar e eles ouvir e aí não é nada disso…a gente pega uma turma indisciplinada, agressiva, que xinga a gente e a gente não sabe o que fazer, se sente pena ou raiva…”(C. prof 3ª série turno matutino).
“Acho que ser professora é ser um pouco de tudo, um pouco de mãe, de tia, de amiga, de madrasta…é dar carinho, cuidar”. ( L. prof 1ª série turno matutino e infantil 2 turno vespertino);
“Concordo com minhas colegas, é questão de vocação, de doação, ser um pouco de tudo.” (F. prof infantil 3 turno vespertino) .
“Não é fácil ser professora, mas é muito gostoso, precisa ter muito amor, gostar mesmo, ter dom de cuidar, de ensinar, eu gosto muito…” (G. profª da Classe de Alfabetização, turno vespertino)
Após as respostas à primeira pergunta, não houve discussão, pois poderia influenciar o desempenho dos participantes na segunda etapa.
No segundo momento, o grande grupo foi divido em dois subgrupos onde cada um deveria dramatizar uma cena com crianças em conflito onde exigisse limites. Foi pedido que não utilizassem títulos como mãe, professora, tia, etc. ao se referirem ao adulto responsável pelo limite.
O grupo “A” ficou com a incumbência de representar o papel do professor. Após alguns minutos de discussão intragrupo, as participantes dramatizaram uma cena onde duas meninas de quatro anos reclamavam que dois meninos de cinco anos haviam inventado um apelido para elas. Na cena, as quatro crianças brigavam muito. A participante investida do papel de professora mostrou muita ansiedade para lidar com a situação, tentou argumentar, mas as “crianças” (papel das outras participantes) não paravam de reclamar. Com isso, aparentemente sem paciência, orientou as crianças ofendidas a inventarem um apelido para os amiguinhos pois, assim, eles parariam com a implicância ou, no máximo, ficariam em pé de igualdade. Um trecho do diálogo será exposto para melhor entendimento:
“Ó, esses chatos estão chamando a gente de Chiquinha!” ( Fala das “crianças”, em meio a muita gritaria e confusão).
“Parem de brigar!! Que coisa feia! Menino não xinga menina! E quer saber, ele te chamou de Chiquinha? Então chama ele de seu Madruga que tá resolvido!Não quero mais saber de briga!”
O grupo “B” também ficou com a incumbência de representar o papel de professor (lembrando que um não sabia sobre o papel do outro). Este grupo dramatizou uma cena onde dois meninos de sete anos reclamavam que outros dois meninos de nove anos haviam batido neles, a orientação era para que as “crianças” reclamassem a ponto de tirar o adulto do sério. A postura do adulto responsável pelo limite foi a de colocar de castigo aquelas crianças que bateram, com base no depoimento da agredida, sem dar às “agressoras” o direito de fala:
“Olha, cansei de ouvir essa gritaria, não me interessa o que vocês têm a dizer, bater não pode e pronto! Ainda mais que vocês são maiores, que vergonha, que coisa feia!!Eu devia botar vocês de castigo!”
Encerrando-se as encenações, os grupos manifestaram-se da seguinte forma:
Grupo A: formado por 05 professoras. Acreditaram que o papel que o adulto do grupo B estava representando era o de Mãe: “Parece uma mãe colocando limite”.
Grupo B: formado por 05 professoras. Alegaram que o papel representado pelo adulto do grupo A também era o de Mãe: “E agora? A gente também acha que o de vocês foram de mãe”.
Ambos os grupos mostraram-se surpresos com o resultado: o grupo “A” havia representado o papel de professora e o grupo “B” o mesmo papel que o A. Após a surpresa, alegaram ser aquela uma situação tão comum e, ao mesmo tempo, tantas são as crianças reclamando, que elas não refletiram, apenas agiram rapidamente para conterem o conflito. Disseram:
“Não dá tempo, é muita criança e somos poucas, então temos que falar a primeira coisa que vem na cabeça”, (integrante do grupo A);
“Olhando de fora, nem parecia professora mesmo (risos)”. (integrante do grupo B);
“Às vezes a gente já nem sabe quem é, se é mãe dessas crianças, se é professora, se é avó, pai…é muita coisa na nossa cabeça e a gente não tem suporte nenhum e isso não é nada bom para a educação da criança” ( professora integrante do grupo B).
Ao final do trabalho abrimos para debate, fazendo uma reflexão crítica sobre cada ato, aliando teorias pedagógicas a espaços de “desabafo”, onde os participantes puderam expressar suas angústias, ansiedades e dúvidas, fortalecendo sua práxis. Espaços como estes, de discussão e expressão de sentimentos, contribuem para que as emoções tomem conta cada vez menos da atuação do profissional, uma vez que agem como uma “válvula de escape”, amenizando, assim, a “confusão” de papéis.
Um ponto levantado no debate foi sobre os objetivos pedagógicos, expresso nos questionamentos: o que eu quero que meu aluno aprenda? A dialogar? A revidar? A vingar-se? A ser autoritário? A ser submisso? Que modelo de comportamento estamos mostrando para esta criança? Espero que ela imite esta minha atitude ao falar com os colegas? É realmente o que desejo ensinar?
À medida que a discussão transcorria, o objetivo do encontro ia sendo pontuado, mobilizando-as para a importância de refletir sobre a própria prática pedagógica e, para isso, de buscar fundamentação teórica que lhes daria segurança para arcar com o papel do professor. Espaços de “desabafo” mediados por um profissional especializado também foram colocados como uma forma de lidar com a realidade vivida.
Através destas pontuações, o grupo argumentou que percebeu como a cultura influencia sua prática:
“Pois é… percebi que fiz como faço com meus filhos em casa…” (professora que representava o “papel de professora”, integrante do grupo B).
“Pois é..é complicado isso…eu vejo que essas crianças são tão carentes e ninguém defende elas, ninguém olha por elas… essas crianças não tem carinho em casa…eu fico com pena e acabo tratando como se fossem um pouco minhas filhas também, aí acabo fazendo como faço na minha casa…” ( Integrante do grupo B),
“No meio disso tudo, a gente acaba se perdendo, já nem sabe mais o que é, o que ensinar, o que falar ou não falar…parece que a gente vai se deixando levar por todo esse turbilhão e no final das contas acabamos repetindo nossas crenças… (silencio) o jeito que eu falei aqui, na encenação, é igual eu falo com meus filhos…” ( integrante do grupo A)
Traçando um paralelo destas colocações com as respostas dadas pelas participantes quando questionas sobre o que é ser professora, observa-se que as educadoras correspondem, através de palavras e atos, o ideal modelo de professor, o qual está presente tanto na sociedade, quanto na própria formação deste profissional. Um tipo de professor identificado com a mãe.
“É educação, doação, ser um pouco mãe, um pouco professora…” (E, professora 2ª série turno vespertino);
É desafio, resolver juntos os problemas, ser um pouco mãe, um pouco professora, um pouco amiga…é tudo junto…” ( R. profª 4ª série turno vespertino e infantil 2 turno matutino);
“Acho que ser professora é ser um pouco de tudo, um pouco de mãe, de tia, de amiga, de madrasta…é dar carinho, cuidar” ( L. prof 1ª série turno matutino e infantil 2 turno vespertino);
“Ser professora é ser a base da sociedade, mas ao mesmo tempo é ser desvalorizada, é ser de tudo, é se doar completamente ao trabalho…”(M. prof infantil 3, turno matutino e 3ª série turno vespertino);”
Ao ler a resposta de Marta Nair Monteiro, Presidente da Associação das Professoras primárias de Minas Gerais, quando questionada sobre o que é ser professor:
“Ser professor é estar acima de uma simples profissão: é um eterno dar-se, um constante servir com amor, paciência e abnegação. Alicerce da sociedade, insubstituível plasmador de caracteres, é no professor primário que repousa todo o futuro de uma nação” (LOPES, 2001,p. 50)
Observa-se grande semelhança com o discurso das participantes do grupo, no entanto, a colocação de Marta data de 1963.
O conflito entre o papel de professor e o papel de mãe possui raízes históricas profundamente arraigadas e desta forma, acabam sendo difundidas nos cursos de Formação para Professores, como ilustra o pronunciamento do Educador Fernando de Azevedo em 1941, as formandas de uma Escola Normal em Minas Gerais:
“Mas esta alta concepção de vida, quase ascética, feita de generosidade de disciplina e de espírito de sacrifício, é tanto mais necessária quanto é certo que, na carreira que abraçastes, do magistério e de atividades ligadas a educação, o trabalho é pela natureza, freqüentemente obscuro, quase anônimo, feito de grandes dedicações e de pequenas renúncias, e que o heroísmo se desdobra, sem rumor e sem brilho em esforços extraordinariamente fecundos para o individuo e para a nação(…)” (LOPES, 2001, p.49)
Quantas formandas teriam acreditado neste e em tantos outros discursos que procuram incutir na subjetividade da professora um modelo ideal de papel o qual atribui uma responsabilidade que não é somente delas? São discursos que encontram espaço na fala de professoras ainda no séc XXI, denunciando uma cultura que alardeia estereótipos como: a mulher é sensível, a mulher nasceu para cuidar, é mais paciente para ensinar, tem mais jeito com crianças. Esta expectativa social é também pessoal na medida em que a forma como desempenham este papel reflete a maneira como pensam e como agem, mostrando que suas concepções sobre o trabalho docente estão permeadas por crenças e mitos enraizados, levados adiante irrefletidamente, determinando de maneira fundamental sua prática. (Silva, 1999; Lopes, 2001; Diniz, 2001)
Neste sentido, as professoras pesquisadas manifestaram a necessidade de se mobilizarem em torno de seu próprio conhecimento e da sua práxis profissional, conscientizando-se que o conflito de papéis influencia de maneira negativa sua prática pedagógica, uma vez que o limite colocado para as crianças, em ambas as encenações, não contribuiu para a construção da autonomia; o momento não foi aproveitado para trabalhar valores, emoção, potencialidades, mas repetiu padrões os quais as crianças já estavam habituadas a vivenciar, neste caso, os limites colocados pelas professoras não se diferenciaram dos limites colocados por seus pais, que muitas vezes são carregados de punição verbal e injustiças.
Desta forma, os encontros apontaram para a necessidade de buscar alternativas de ação diante dos problemas vividos em sala de aula, sendo essencial que o professor trabalhe constantemente com a idéia de reconstrução e reelaboração dos significados que lhe são transmitidos pelo grupo cultural. Refletir critica e conscientemente a respeito de crenças e papéis sociais, de teorias e práticas pedagógicas e, fundamentalmente, “desabafar” seus medos, angústias, dúvidas e incertezas em grupos de discussão, mediados por profissionais qualificados, serão ferramentas que ajudarão o educador a assumir de forma mais segura e consciente seu papel profissional. ( OLIVEIRA, 1997;ANDALÓ, 1995; DINIZ,2001).
Considerações finais
As professoras pesquisadas representam uma parcela de um campo educacional brasileiro que é eminentemente formado por mulheres. São mulheres que ingressaram na vida docente por diversos motivos, alguns coincidentes, outros nem tanto, contudo são partícipes de uma mesma cultura, sendo constituintes e constituídas por ela. São seres sociais dotadas de emoção, desejos, sonhos e frustrações. Ao mesmo tempo são indivíduos objeto de sua cultura. Foram crianças e aprenderam a desempenhar o papel de pais com seus cuidadores; tornaram-se jovens e aprenderam a sê-lo de acordo com o que seu grupo social colocou como correto; tornaram-se professoras, sofrendo as manifestações e expressões do que a Instituição Formadora incutiu em seu imaginário.
São mulheres com histórias pessoais que precisam reconhecer em sua trajetória individual, sua configuração profissional. Quem sou? Porque escolhi ser professora? O que é ser professor? O que a cultura preconiza como verdade é minha verdade? O que tem de mim e do outro em meu discurso? Que conflitos vivencio? De onde eles vêm? Questões estas que necessitam ser abordadas como uma maneira da mulher reconhecer-se, compreender-se e atuar frente a sua profissão de uma forma mais completa, identificando fusões e confusões no desempenho de seu papel profissional.
Contudo, tal busca subjetiva necessita vir acompanhada de uma profunda reflexão a cerca de sua postura pedagógica. Não basta amar o que faz se não souber o que fazer. Portanto, leituras a cerca de teorias educacionais seguidas de discussões em grupo traduzem-se em um suporte importante quando pretende-se trabalhar o conflito de papéis.
Tornar-se ciente sobre si, seu grupo social e o trabalho docente são passos importantes para amenizar o conflito existente na função de professor, abrindo portas para um atuação profissional onde a mulher sairia da posição de vítima frente a uma exigência sócio-cultural e passaria a protagonista de sua história, revendo conceitos e questionando certezas e então, de forma sistêmica, moldaria suas ações pautada em escolhas refletidas, pontuando um limite claro: até aqui sou mãe; daqui para frente sou professora.
Sendo assim, através da atividade desenvolvida nesta escola, fica clara a complexidade existente entre a mulher-professora e o trabalho pedagógico. Contudo, mais pesquisas necessitam ser realizadas, em escolas públicas e particulares promovendo futuras discussões a respeito desta temática.
Referências
ANDALÓ, C S. Fala professora!: repensando o aperfeiçoamento docente. Petrópolis: Vozes, 1995.
DINIZ, Margareth. Do que sofrem as mulheres professoras? In: LOPES, Eliane Marta Teixeira (org.). A psicanálise escuta a educação. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica,2001
LOPES, Eliane Marta Teixeira. Da sagrada missão pedagógica. In: LOPES, Eliane Marta Teixeira (org.). A psicanálise escuta a educação. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica,2001
MARCONATO, Neuza. Mulheres professoras: o ser e o fazer na inserção profissional. Florianópolis: Dissertação – Pós Graduação em Engenharia de Produção da UFSC. 2002. Disponível no site:http://teses.eps.ufsc.br/defesa/pdf/8527.pdf
MORENO, J. L. Psicoterapia de grupo de psicodrama: introdução a teoria e a prática. 3 ed. Campinas: Livro Pleno, 1999.
GONÇALVES, Marlene F Carvalho. Se a professora me visse voando ia me por de castigo – a representação da escola feita por alunos de pré-escola da periferia. In: OLIVEIRA, Zilma de Moraes Ramos. Educação Infantil: muitos olhares. São Paulo: Cortez, 1996
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky – Aprendizado e desenvolvimento: Um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997
PARRENOUD,P. Práticas pedagógicas, profissão docente e formação – perspectiva sociológica. Lisboa: Don Quixote, 1993.
SILVA, Rita de Cássia. O professor, seus saberes e suas crenças. In: GUARNIERI, M.R. Aprendendo a ensinar o caminho nada suave da docência. Campinas: Autores Associados, 1999
ZANELLA, Andréa Vieira e CORD, Denise. Tia o Tonico me bateu! Considerações sobre a violência infantil no contexto da creche. Revista Educação, Subjetividade e Poder. Porto Alegre. n.06, v.06, ago/1999.
Publicado em 15/02/2008 10:43:00
Milena Cristina Aragão – Possui graduação em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). Especialização a nível de MBA em Gestão de Pessoas pela Universidade de Caxias do Sul (2007). Atualmente é docente da Escolas Técnicas Profissionalizantes e realiza consultorias em gestão de pessoas para empresas e escolas. Possui habilidade na utilização de técnicas de dinâmicas de grupo, jogos empresariais e pricodrama.
Clique aqui:
Normas para
Publicação de Artigos