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CONCEPÇÕES DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM DO ESTUDANTE UNIVERSITÁRIO:…
Luiz Gustavo Lima Freire
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contribuições de um estudo de caso
Resumo: Esse estudo pretende descrever e compreender as concepções de dificuldades de aprendizagem de um estudante universitário brasileiro à luz de algumas definições teóricas. As suas respostas foram sujeitas a uma análise de conteúdo. Os resultados indicaram a presença de concepções de dificuldades de aprendizagem relacionadas a aspectos hereditários, auto-regulatórios, motivacionais, sociais, relacionadas aos métodos de ensino, material didático e gestão do tempo.
Palavras-chave: Concepções, Dificuldades de aprendizagem, Estudantes Universitários.
Summary: This study intends to characterize students’ conceptions of difficulties of learning, and perceive until what point the meet theoretical definitions. Answers given to direct questioning have been subjected to content analysis. Preliminary results show that those conceptions are related to individual, self-regulatory, motivacional, hereditary and social, thar must be connected to educational methods, didactic material and time management.
Word-key: Conceptions, difficulties of learning, students university.
INTRODUÇÃO
Adotaremos como dificuldade de aprendizagem qualquer obstáculo, impedimento ou limitação, seja de natureza pessoal (características cognitivas, afetivas e interpessoais) ou contextual (a universidade, a família e a sociedade), de grau tão elevado que impeça a progressão das aprendizagens, que se realizam dentro ou fora das instituições; mas não só e principalmente, como desafios que podem estimulá-las ou melhorá-las.
Aprender é uma tarefa que muitas vezes pode ser difícil, que requer envolvimento e persistência e é exatamente por isso que é prazerosa. O que importa é que o aluno perceba que pode superar as suas dificuldades, que saiba que possui capacidades para isso e que sinta que pode contar com a ajuda do professor, dos colegas e dos pais (Pozo, 2002; Silva e Sá, 1997; Sternberg e Grigorenko, 2003).
As concepções se referem ao significado que as pessoas atribuem a um fenômeno ou a forma como as pessoas o representam (Duarte, 2002). Elas “(…) são muito importantes porque não só determinam o comportamento dos indivíduos, predispondo-os para a ação, mas também orientam o pensamento, representando a realidade e influenciando vários processos cognitivos, como a memória, a compreensão, a dedução, a indução, a representação e a resolução de problemas” (Brown 1994, in Rendeiro 2005:8). Assim, subjacente à forma como os alunos se confrontam com as suas dificuldades para aprender, está a forma como as representam.
Não se possa estabelecer uma relação direta de causa e efeito entre as concepções de dificuldades de aprendizagem e os seus processos e produtos (a forma como elas se manifestam e como repercutem), porque outras variáveis, como por exemplo: as concepções dos professores, o tipo de ensino, a motivação dos alunos, etc; interagem entre si impedindo uma relação linear; apesar disso, esse conhecimento é fundamental para as formas de se relacionar reflexivamente e para poder controlar (fazer o melhor uso) das dificuldades encontradas para aprender.
É indispensável que as decisões relativas ao ensino se baseiem num conhecimento da forma como os estudantes se confrontam com a aprendizagem. Esse conhecimento é a “chave” para a intervenção que pode ser realizada ao nível do aconselhamento educacional e para que os próprios estudantes compreendam e melhorem suas aprendizagens (Duarte, 2002).
Uma forma de ajudar os alunos a alcançarem melhores resultados e a aprenderem melhor é descobrir e intervir sobre o que eles pensam a cerca do fenômeno da aprendizagem. Dito de outra forma, como é que o experimentam (Lima Freire, 2006).
Partimos pois, do pressuposto de que a compreensão das concepções acerca das dificuldades de aprendizagens apresentadas pelos próprios alunos pode se constituir numa ferramenta ao serviço das formas para superá-las.
O paradigma adotado nesse estudo denomina-se fenomenográfia. Essa palavra possui duas raízes: Fenômeno, que significa tudo quanto é percebido pelos sentidos ou pela consciência e grafia, que se refere à representação ou esquema. O objetivo dessa teoria é compreender os fenômenos a partir do ponto de vista de quem os vivencia. Ela toma as concepções, não propriamente como construções individuais porque são altamente influenciadas pelos aspectos contextuais, mas antes, como idéias mais ou menos estáveis que pré-dispõem o aluno para a ação (Marton e Säljö, 1976).
O objectivo da fenomenografia é conhecer a variabilidade das concepções sobre os fenômenos nas consciências; é possível perceber claramente a diferença entre a realidade e a realidade percebida. As diferentes formas para compreender os fenômenos não são individuais, embora existam modos distintos de experienciar e apreender o mundo, portanto, as categorias descritivas são finitas e limitadas, apesar de constituírem um sistema aberto a mudanças (Marton, 1981)
As dificuldades de aprendizagem podem ser e tem sido definidas de várias formas. De uma maneira em geral não há um consenso entre os vários teóricos que se debruçam sobre a área, embora haja uma certa tendência para considerá-las de uma forma patológica.
A integração das várias definições é uma condição indispensável para uma compreensão mais alargada, capaz de promover a prevenção e a intervenção neste domínio, haja vista que a maioria dos autores realça um aspecto em detrimento do outro, sendo sempre muito geral ou muito específico.
Além disso, acreditamos que o conhecimento da forma como os alunos, atores dos seus processos, representam ou experimentam esse fenômeno, deve ser impreterivelmente incluído nos debate conceituais.
Obviamente que essa não é uma tarefa fácil, mas imprescindível. Collins (1992) sugere que exista uma cooperação entre os ambientes e os professores interessados em melhorar o ensino. Enquanto os práticos poderiam ajudar a traduzir a teoria na prática, tornando-a baseada na investigação, os investigadores poderiam relacionar melhor a sua atividade com a prática.
Correia (1998) afirma que é importante analisar as definições de dificuldades de aprendizagem tendo em conta a literatura para que tenhamos uma imagem precisa, entretanto, alerta também para a necessidade de exercitar uma certa prudência, a fim de não considerar perniciosamente todo problema acadêmico, uma dificuldade de aprendizagem.
A finalidade desse estudo é compreender as concepções de dificuldades de aprendizagem de um estudante universitário, utilizando as definições propostas por alguns teóricos, entre eles, Kirk, (1962); King, (1968); Lopes da Silva e Sá, (1997); Pozo, (2002); Sternberg e Grigorenko, (2003). Possui ainda o objetivo de contribuir para a funcionalidade de tais definições, incluindo em seus debates as concepções pessoais apresentadas por um aluno acerca dessa matéria.
A escolha do tema se deve a constatação de que existem raros estudos sobre as dificuldades de aprendizagem em estudantes universitários e a possibilidade de incluí-lo num estudo maior (dissertação de mestrado) que pretenderá descrever e compreender as concepções de aprendizagem de um grupo de estudantes universitários brasileiros.
Método
O sujeito desse estudo foi um estudante universitário brasileiro, do sexo feminino, com 21 anos de idade, que no ano de 2006 freqüentava o quinto semestre do curso de Administração de Empresas de uma universidade situada na cidade do Rio De Janeiro – Brasil.
Os dados foram obtidos através de uma entrevista semi-estruturada, composta de duas etapas. A primeira incluía informações de identificação e a segunda buscava dados relativos as concepções de dificuldades de aprendizagem, concernentes à dimensão referencial (o que é uma dificuldade de aprendizagem no contexto universitário?), processual (como os estudantes universitários costumam superaras as suas dificuldades de aprendizagem?) e do ponto de vista contextual (quais são os aspectos da universidade que estimulam as dificuldades de aprendizagem e pelo contrário, os que apóiam os alunos a superá-las).
Pediu-se que as respostas dadas fossem sempre generalizadas, ou seja, o que se pretendia era que o entrevistado respondesse o que pensava sobre as dificuldades de aprendizagem em geral e não o que pensava sobre as suas próprias dificuldades de aprendizagem.
As respostas foram transcritas e depois analisadas de acordo com os pressupostos da Análise de Conteúdo indicados por Bardin (1997).
A análise de conteúdo é “um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos, sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens” (idem: 42).
As respostas foram segmentadas por unidades temáticas (Flores 1994). Dessa forma, todo segmento que abordasse as dimensões referidas acima, foi considerada uma unidade a categorizar, ou seja, partindo dos modelos teóricos dos autores citados nesse estudo, analisamos as concepções de dificuldades de aprendizagem, “filtrando” os dados com base em categorias para a dimensão referencial, processual e contextual. Houve, entretanto, a possibilidade do surgimento de categorias não aludidas pelas definições a priori consideradas, em outras palavras, tratou-se de um sistema aberto.
Os excertos da entrevista são representativos dessas categorias e foram utilizados para exemplificar, compreender e incentivar uma reflexão a respeito dos modelos teóricos.
Esperamos que esse estudo possa contribuir para o alargamento da compreensão das dificuldades de aprendizagem, especialmente as apresentadas pelos alunos do nível superior.
Se as coisas são inatingíveis…ora!
Não é motivo para não querê-las…
Quês tristes os caminhos, se não fora
A mágica presença das estrelas!
Mario Quintana
DEFINIÇÕES DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Já em 1943 Piaget postulava a educação de crianças e jovens com necessidades educativas especiais, quer estas se reportassem a deficiências (mentais ou físicas) quer a problemas comportamentais. O autor considerava que as metodologias propostas para os alunos ditos normais poderiam servir para todos desde que respeitados os seus interesses, níveis e ritmos de desenvolvimento operatório (Morgado, 2005).
Para apoiar os alunos, do ponto de vista psicológico, acadêmico, social, etc, os professores deveriam possuir uma formação psicopedagógica, acrescida de uma preparação médico-social, permanecendo enquadrados numa perspectiva pedagógica dita «curativa» e funcional (idem).
Em 1951, Piaget afirma que igualmente importantes seria o papel da família e a sua relação com a escola, à qual deveria, em alguns casos, sobretudo de distúrbios comportamentais, se reeducar, porque muitas vezes, seria ela mesma a maior responsável por esses problemas (idem).
No início da década de 60 surge um movimento nos EUA, direcionado por pais e por diversos profissionais interessados pela área das dificuldades de aprendizagem, que pretendeu sensibilizar e pressionar as instituições educativas para a criação de formas específicas de apoio aos alunos com distúrbios de aprendizagem (Rebelo e colaboradores, 1995).
Influenciado por essa conjuntura, Kirk (1962, in Correia 1998: 96), o primeiro a utilizar o termo dificuldade de aprendizagem, designou-a como “um atraso, desordem ou imaturidade num ou mais processos da linguagem falada, da leitura, da ortografia, da caligrafia ou da aritmética, resultantes de uma possível disfunção cerebral e / ou distúrbios de comportamento e não dependentes de uma deficiência mental, de uma privação sensorial, de uma privação cultural ou de um conjunto de fatores pedagógicos”.
Os nomes utilizados nessa definição “atraso, desordem, imaturidade” sugerem que as dificuldades de aprendizagem não são normais, e que os alunos podem ser divididos entre os que têm e os que não têm dificuldades de aprendizagem, mas principalmente, que aqueles que as possuem necessariamente são inferiores aos que não possuem.
Segundo Sternberg e Grigorenko (2003) virtualmente todo mundo tem uma dificuldade de aprendizagem em alguma área; todas as pessoas têm um padrão de aptidões (múltiplas) e dificuldades, mas a sociedade decidirá rotular aqueles que não possuem proficiência naquelas habilidades que ela valoriza. O processo de rotulação não é arbitrário, mas se pode pensar em muitos processos diferentes, com resultados conseqüentemente também distintos.
Na verdade, as dificuldades de aprendizagem são necessárias, por isso, todos os alunos não só possuem, como devem sentir que têm dificuldades, pelo menos se aceitarmos a lógica construtivista que admite: “(…) para resolver um problema inteligentemente, o aluno deve encará-lo como um problema próprio, ou seja, deve ser encarado como um obstáculo que obstrui a sua progressão para o objectivo” (Von Glaserfeld, 1995, in Rosário e Almeida 2005:143).
As atividades não devem ser muito difíceis para não desestimularem os alunos, mas também não podem ser muito fáceis para não se tornarem tediosas, devem antes, ser organizadas de tal modo que o aluno sinta uma certa tensão benéfica que estimule o seu desejo de aprender (Tavares e Alarcão, 2002).
Além do mais, existem dificuldades de aprendizagem em outras áreas além das referidas nessa definição, nomeadamente na área afetiva, interpessoal e contextual. Exemplos delas são: um nível de ansiedade elevado a quando da realização de um teste, falta de motivação para aprender, não possuir métodos de estudo, não saber gerir o tempo, etc (Silva e Sá 1997).
As dificuldades de aprendizagem são resultantes de múltiplos fatores e não apenas “de uma possível disfunção cerebral, e / ou distúrbios de comportamento”. Esses aspectos, sem dúvida podem favorecer o surgimento de dificuldades de aprendizagem, mas não são os únicos responsáveis por elas; especialmente se considerarmos os alunos universitários.
Como afirmam Almeida e Soares (2004) a transição e a adaptação à universidade, especificamente quando dizem respeito aos novos ritmos e estratégias de aprendizagem; pode beneficiar o desenvolvimento de padrões de relacionamento pessoal mais maduros, o desenvolvimento de um sentido de identidade, o desenvolvimento da identidade vocacional; mas também a manifestação de dificuldades de aprendizagem.
As dificuldades de aprendizagem na maioria dos casos não são o resultado “de uma deficiência mental” ou “de uma privação sensorial”, apesar de poderem coexistir com elas. Dificuldade de aprendizagem não é doença. E mesmo admitindo que as suas causas podem ser parcialmente biológicas, “(…) esta origem não tem nada a ver como o facto dos sintomas das dificuldades de aprendizagem serem ou não modificáveis” (Sternberg e Grigorenko, 2003: 19), ou seja, se os alunos com esse tipo de necessidade forem satisfatoriamente estimulados poderão aprender muito além do que as suas limitações ou os “pré-conceitos” poderiam sugerir.
Embora não possamos atribuir as dificuldades de aprendizagem exclusivamente a “privação cultural” e ao “conjunto de fatores pedagógicos”, esses aspectos podem favorecê-las. Os métodos de ensino, as atividades, os recursos didáticos e o contexto físico das universidades podem pelo contrário apoiar os alunos a superá-las.
Estudos sugerem que a participação em atividades extracurriculares pode trazer muitos benefícios para a realização acadêmica, incluindo o desenvolvimento cognitivo (Fior e Mercuri, 2004).
Por outro lado, alguns autores afirmam que os espaços físicos (salas de aula, serviços, arquitetura, etc) afetam o comportamento e o desempenho dos alunos. Por exemplo: a alta densidade de alunos na sala de aula pode fazer baixar os níveis de atenção e de processamento da informação (Krantz e Risley, 1972 in Almeida e Soares, 2004) e aumentar as taxas de comportamento ansioso (Weinstein, 1979 in Almeida e Soares, 2004). De acordo com isso as dificuldades de aprendizagem dos alunos universitários poderiam também ser explicadas pela falta de atenção e nível de ansiedade elevado em função dos espaços geográficos.
DEFINIÇÃO OFICIAL
Em 1975, para estabelecer parâmetros para o diagnóstico e tratamento, o Congresso Americano pediu ao então técnico do Departamento de Saúde, Educação e Serviços Sociais dos Estados Unidos da América (EUA), Frank King (in Correia, 1998), que preparasse regulamentos que definissem legalmente as dificuldades de aprendizagem. Essa definição é utilizada oficialmente até hoje. A primeira parte é a seguinte: “Dificuldades de aprendizagem específica significa uma perturbação num ou mais dos processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou utilização da linguagem falada ou escrita, que pode manifestar-se por uma aptidão imperfeita de escutar, pensar, ler, escrever, soletrar ou fazer cálculos matemáticos. O termo inclui condições como deficiências perceptivas, lesões cerebrais, disfunção cerebral mínima, dislexia e afasia de desenvolvimento. O termo não engloba as crianças que têm problemas de aprendizagem resultantes principalmente de deficiências visuais, auditivas ou motoras, de deficiência mental, de perturbação emocional ou de desvantagens ambientais, culturais ou econômicas” (p. 98).
Comparativamente com a definição proposta em 1962, houve um certo progresso. A palavra “específica” sugere que as dificuldades de aprendizagem não se manifestam em geral, mas num domínio particular. Esse aspecto pode ser considerado uma melhoria, pois, como afirmam Sternberg e Grigorenko (2003) “(…) todas as aptidões e dificuldades são em maior ou menor grau, específicas” (p. 17).
O fato de uma pessoa possuir dificuldades de aprendizagem na área da leitura, não quer necessariamente dizer, que ela possua também dificuldades na área da escrita, do raciocínio matemático, das relações interpessoais etc.
A ausência da palavra “atraso” que remete a retardamento também pode ser considerada um avanço, mas a palavra “perturbação” ainda realça um caráter eminentemente patológico.
Não há dúvidas de que as dificuldades de aprendizagem podem estar relacionadas aos “processos psicológicos básicos envolvidos na compreensão ou utilização da linguagem falada ou escrita”, entretanto, se considerarmos que os alunos do nível superior também possuem dificuldades de aprendizagem e que se atingiram esse nível, supostamente não apresentaram dificuldades tão intensas nessas áreas que tenham sido capazes de impedi-los de chegar onde estão, talvez seja mas acertado, atribuir suas dificuldades principalmente a problemas relacionados aos processos psicológicos superiores. O que de modo algum quer dizer que eventualmente não possuam dificuldade desse tipo.
Segundo Zenorine e Santos (2004) as dificuldades de aprendizagem dos alunos do nível superior estão relacionadas à gestão do tempo e aos métodos de estudo (tempo insuficiente de estudo, falta de planejamento das atividades escolares e estudo às vésperas dos testes); a má utilização de estratégias cognitivas (o uso dos mesmos métodos de estudo para as várias disciplinas, incapacidade para auto-avaliar a compreensão da matéria, não resolução de dúvidas, dificuldade em relacionar informações e fazer inferências) e a ausência de estratégias de motivação (falta de persistência na realização das tarefas e falta de interesse pela aprendizagem).
Na definição oficial, a palavra imperfeita, mais uma vez destaca a forma patológica de encarar as dificuldades de aprendizagem porque remete a palavra defeito. “As aptidões e as dificuldades de aprendizagem não residem totalmente no indivíduo e nem totalmente na sociedade. Em vez disso, baseada em muitos fatores a serem discutidos, a sociedade seleciona algumas pessoas – e não seleciona outras – para rotular como tendo dificuldades de aprendizagem” (Sternberg e Grigorenko, 2003: 16).
O próprio julgamento realizado para afirmar que uma aptidão é “imperfeita” é mediado por padrões sociais que não são rígidos e estanques, mas flexíveis e progressivos. As dificuldades de aprendizagem se estabelecem como resultado de um processo dialético entre os fatores internos e externos.
É suposto que “uma aptidão imperfeita de escutar, pensar, ler, escrever, soletrar ou fazer cálculos matemáticos” pode gerar dificuldades de aprendizagem. Porém a inclusão da palavra pensar nessa definição torna-a muito genérica. A capacidade para pensar, refletir e raciocinar é um aspecto indispensável e indissociável da aprendizagem, mas se relaciona com a própria consciência de si mesmo.
A substituição do termo disfunção cerebral por disfunção cerebral mínima e a inclusão de “deficiências perceptivas, lesões cerebrais, dislexia e afasia de desenvolvimento”, pode ser considerada uma tentativa de especificar as causas e minimizar o aspecto patológico da definição de 1962, mas infelizmente, ainda não bem sucedida.
Como consta na definição de 1962, a oficial não “engloba sujeitos que têm problemas de aprendizagem resultantes principalmente de deficiências visuais, auditivas ou motoras, de deficiência mental, de perturbação emocional ou de desvantagens ambientais, culturais ou econômicas”. Será justo excluir as pessoas que possuem dificuldades de aprendizagem resultantes principalmente de deficiência mental ou desvantagens econômicas, bem como resultantes também dessas outras deficiências?
Sem esquecer que as definições são tomadas como parâmetros para a avaliação e o tratamento das dificuldades de aprendizagem pode ser injusto excluir essas pessoas e possivelmente impedi-las de serem apoiadas nas suas dificuldades de aprendizagem de forma orientada e sistemática.
As dificuldades de aprendizagem dos alunos universitários podem ser explicadas, em parte, pelas “desvantagens ambientais, culturais ou econômicas” A falta de atualização de livros, de equipamentos didáticos, de material de consumo e a falta de recursos financeiros por parte dos alunos que previnam o acesso a esses bens, podem favorecer o surgimento de dificuldades de aprendizagem (Pereira, 2004).
Naturalmente que o impacto dessas desvantagens sobre os estudantes não é direto, depende da forma como eles reagem a elas, ou seja, depende da qualidade do esforço em relação a esses recursos.
As dificuldades de aprendizagem normalmente são tratadas como estados internos e não como questões contextuais, mas a verdade é que elas estão relacionadas à questão do tempo histórico, lugar e contexto, além dos fatores externos como a cultura, os valores e a condição financeira.
Embora essas duas definições tenham sido consideradas um progresso, especialmente porque deram relevância a componente educacional, os teóricos (Sternberg e Grigorenko, 2003; Correia, 1991) consideram que elas ainda realçam um caráter abundantemente patológico; que não englobam toda a gama de conhecimentos e que principalmente não são suficientemente operacionalizáveis, ou seja, não permitem uma identificação precisa e um tratamento satisfatório.
Além disso, acreditamos que menos operacionalizáveis ainda, elas são quando pretendemos abordar as dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos adultos e principalmente pelos estudantes universitários.
O seu maior valor pode residir no facto de terem sido historicamente propulsoras de diversas definições subseqüentes. Depois delas, vários outros autores têm se dedicado à tarefa de definir as dificuldades de aprendizagem.
DEFINIÇÕES MAIS ATUAIS DE DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
Pozo (2002) afirma que as dificuldades de aprendizagem se referem a uma diversidade de contextos e de conteúdos. Elas podem se manifestar quando temos dificuldades para adquirir habilidades, para recordar as informações, para compreendê-las, para controlar e mudar nossas emoções, nossos hábitos de conduta e atitudes, tanto em situações escolares como noutras mais informais.
Ainda segundo o autor, os cenários de aprendizagem e instrução não são pensados para os alunos e professores. “Um melhor conhecimento do funcionamento da aprendizagem como processo psicológico pode nos ajudar a compreender melhor, e talvez a superar algumas dessas dificuldades, adaptando as atividades de instrução aos recursos, capacidades e disposições, sempre limitados, tanto de quem aprende, como de quem tem de ensinar, quer dizer, ajudar os outros a aprender” (idem: p. 17).
Lopes da silva e Sá (1997) referem que as dificuldades de aprendizagem podem ser atribuídas a fatores externos como, por exemplo: o método de ensino, o tempo para aprender e o clima desfavorável; a fatores internos como, por exemplo: competências intelectuais, conhecimentos prévios e o nível de ansiedade; mas fundamentalmente, às variáveis de natureza cognitiva e afetiva.
Enfatizando em maior ou em menor grau os aspectos cognitivos, afetivos e contextuais das dificuldades de aprendizagem, tais autores, talvez tenham descurado os aspectos clínicos. As dificuldades de aprendizagem também podem ser atribuídas aos aspectos mais biológicos.
Os alunos com necessidades especiais possuem especificidades, que antes de serem vistas como limitação podem ser vistas como um estímulo para a superação das suas potencialidades. Independentemente de aceitar que eles devem ou não fazer parte das classes “normais”, o certo é que esses alunos devem ser acompanhados por profissionais que tenham competências e habilidades instrumentais específicas, capazes de os apoiar.
Posto isto acreditamos que essas últimas definições são mais esclarecedoras das dificuldades de aprendizagem dos alunos do nível superior e portanto podem ajudar a compreendê-las melhor e a operar sobre elas.
O nível superior, talvez mais do que qualquer outro, reclama que os alunos sejam capazes de regular as suas aprendizagens de uma forma motivada. “O «bom» estudante deve saber identificar os objectivos da tarefa, resolver problemas, selecionar estratégias e métodos de trabalho adequados, identificar as causas das suas dificuldades e avaliar e corrigir o seu desempenho pessoal” (Lopes da Silva e Sá, 1997:16).
Muitas das dificuldades de aprendizagem dos alunos universitários podem se relacionar à falta de competências e destrezas para o estudo. “Assumindo-se hoje o papel central do estudante no processo de ensino-aprendizagem, afirmação que nos parece com uma particular pertinência e aplicação no Ensino Superior em face da forma como se organizam o ensino e os demais espaços de formação-aprendizagem, importa considerar o fraco grau de autonomia e de auto-regulação que os estudantes apresentam nas suas aprendizagens quando chegam à Universidade” (Almeida e Soares, 2004: 22).
Para compreender as dificuldades de aprendizagem dos estudantes universitários, dois construtos devem ser considerados:
O da auto-regulação da aprendizagem, que pode ser tomado como o grau em que os indivíduos atuam a nível metacognitivo, motivacional e comportamental, sobre os seus próprios métodos e resultados de aprendizagem, na realização das tarefas escolares (Lopes da Silva, 2004).
E a metacognição, que envolve o conhecimento sobre os processos e produtos cognitivos. Trata-se da capacidade do aluno refletir sobre si próprio enquanto aprendente.
A metacognição possui dois significados: a auto-apreciação cognitiva, que se refere às reflexões pessoais sobre os conhecimentos, as capacidades cognitivas, os fatores da tarefa que ocasionam dificuldades cognitivas e as estratégias para realiza-las e a autoconstrução cognitiva ou a metacognição em ação, que significa as reflexões pessoais à cerca da organização e planificação da ação: antes do início da tarefa, nos ajustamentos feitos enquanto se realiza e nas revisões necessárias à verificação dos resultados obtidos (Paris e Winograd 1990, in Lopes da Silva e Sá, 1997).
Dito de outra forma, o conhecimento metacognitivo possibilita a consciência dos processos envolvidos na aprendizagem do próprio aluno. Através do exercício da metacognição o aluno pode se conscientizar e refletir sobre as suas próprias dificuldades de aprendizagem, sobre a melhor forma de superá-las e com quem ou o quê pode contar.
Zenorine e Santos (2004) em um estudo que procurou analisar as implicações da motivação e do uso de estratégias de aprendizagem no desempenho acadêmico dos estudantes universitários, concluíram que existe uma relação significativa entre a utilização de estratégias de aprendizagem cognitivas complexas e metacognitivas e o desempenho acadêmico.
RESULTADOS
A capacidade metacognitiva foi referida pelo sujeito desse estudo quando o objetivo é apreender o conhecimento. Eis o que diz:
“A pessoa saber o que é necessário para aprende (…)”.
A motivação determina a auto-regulação. Para aprender os alunos precisam estar motivados, ou seja, sentir que são capazes, que possuem competências para superar as suas dificuldades; precisam atribuir valor à aprendizagem, sentir que ela é importante, saber que podem contar com os professores, colegas e pais (Sá, 2004).
O aluno motivado não tem menos dificuldades de aprendizagem, mas certamente as supera com mais facilidade e não desiste das tarefas quando elas aparecem. “Os alunos motivados demonstram comportamentos e pensamentos que optimizam a aprendizagem e o desempenho, tais como tomar iniciativa, enfrentar o desafio ou utilizar estratégias de resolução de problemas. Exprimem também afectos positivos face à aprendizagem, como entusiasmo, curiosidade e interesse. Esses são os alunos que farão um percurso escolar mais longo, aprenderão mais e se sentirão melhor consigo mesmos” (Skinner e Belmont, 1993 in Serra Lemos, 2005:193).
“As dificuldades do homem podem ser superadas com a motivação e encorajamento no desafio a ser seguido seja em qual for à área acadêmica que ele estiver proposto a fazer”.
“O principal ponto de partida para lutar contra as dificuldades do aprendizado é saber que sou capaz e que vou conseguir aprender se eu me propor a sentar, ler, ter atenção e me propor a realmente aprender uma determinada matéria ou exercício”.
“Mas uma vez nos deparamos na vontade de aprender do individuo, se ele realmente não tiver interessado em aprender sobre uma determinada matéria ele jamais poderá contar com as armas que estão disponíveis, os professores, monitores, novelas, livros, telejornais etc, pois ele mesmo bloqueia a sua mente ao aprendizado, mesmo tendo ferramentas disponíveis ele não fará uso delas, pois não demonstra nenhum interesse em determinado assunto”.
As universidades podem favorecer apoio as dificuldades de aprendizagem, quando estimulam a capacidade metacognitiva do aluno, quando valorizam as suas competências, fazem-no acreditar que é o responsável pelo seu desempenho; quando estabelecem metas realistas e adequadas as suas potencialidades, valorizam os seus progressos em direção as suas metas e quando incentivam a construção de significados pessoais.
“A universidade acaba motivando e ajudando o aluno quando ela não se limita a parte geográfica de quatro paredes, quando elas acabam mostrando que o conhecimento sobre um determinado assunto é importante porque você utilizará ele para ajudar pessoas, ajudar a você”.
As variáveis comportamentais se referem à execução dos procedimentos. No nível superior as dificuldades de aprendizagem podem se manifestar nesse domínio pela ausência de métodos e estratégias para organizar o meio ambiente; pedir ajuda aos colegas, pais e professores e controlar o tempo das tarefas.
Estudos têm demonstrado que a planificação e gestão do tempo desempenham um papel importante na ação auto-regulada. Os alunos que apresentam melhores resultados acadêmicos distribuem o tempo proporcionalmente às características, dificuldade e importância das tarefas, investem horas suficientes para a realização das mesmas e eliminam elementos distraidores que poderiam perturbá-los (Lopes da Silva, 2004).
As universidades podem contribuir para a superação das dificuldades de aprendizagem relacionadas a esse domínio se desenvolverem preventivamente competências de gestão do tempo a partir da organização de programas extracurriculares ou se incluírem no currículo tais objetivos, com a conveniente formação dos professores.
“(…) resta executar no futuro, mais é uma certa acomodação pra deixar tudo pra depois e ela vai perceber que é tarde demais”.
A formação universitária reclama prioritariamente tarefas cognitivas mais complexas. Infelizmente muitas vezes, reclama muito mais do que promove espaços que as desenvolvam. A verdade é que o estudante do nível superior deve possuir habilidades cognitivas que lhe permitam compreender, categorizar, inferir, deduzir, resolver problemas heurística e criativamente (Rosário e Almeida, 2005). O que necessariamente não quer dizer que os alunos não possam sentir dificuldades nessas áreas, principalmente se considerarmos que muitos dos estudantes do nível superior não tiveram uma educação de qualidade no nível secundário.
“(…) Quando você lê às vezes você tem uma dificuldade de entender (…)”.
Entre as componentes ambientais que influenciam o surgimento de dificuldades de aprendizagem, se destacam os métodos de ensino e os materiais educacionais.
Em relação aos professores, Almeida e Soares (2004: 22) afirmam: “A par da sua qualificação científica interessa atender as suas competências pedagógicas e relacionais, o que não tem sido tão freqüentemente cuidado no Ensino Superior”. Essas competências refletem-se nos métodos de ensino.
A forma como o professor conduz uma aula, pode sem dúvida estimular os alunos a superarem as suas dificuldades, como também pode favorecê-las. O professor pode ensinar estratégias de aprendizagem, incentivando a autonomia e a motivação para aprender.
Pode “ensinar os alunos a conhecerem-se melhor enquanto «aprendentes», a identificarem as suas dificuldades e competências no momento de aprender, para poderem antecipar e compensar as suas lacunas e carências durante a aprendizagem, conseguirem ajustar as suas expectativas de êxito aos resultados obtidos e adaptarem as actividades e exercícios apresentados as suas próprias características, ou seja, ajuda-los a construir a sua própria identidade cognitiva” (Monereo, 1995 in Veiga Simão, 2002:286).
Para atingir esse objectivo o professor deve estimular a reflexão, a discussão, promover a realização de tarefas em cooperação, e inclusive estimular um certo grau de dificuldade que impulsione o aluno para o sucesso.
Folgueras_Dominguez e Morelli (1985, in Pereira 2004) analisando os resultados de suas pesquisas, revelaram que as principais barreiras dos jovens universitários são transcender o desempenho insuficiente dos níveis prévios de instrução que os obstruem de executar operações cognitivas fundamentais, estes autores também mencionaram como dificuldades apresentadas pelos sujeitos, as deficiências de métodos e técnicas pedagógicas dos professores e a relação professor-aluno. Estas são da mesma forma algumas das colocações feitas pelo sujeito do estudo em tela:
“Quando ele vê que o aluno não tem tanto interesse, ele se resume a passar o conteúdo e desmotiva os alunos pelo cansaço”.
“Ele ajuda quando as aulas deixam de ser monótonas e em alguns casos usam-se ferramentas de como workshops, vídeos, pesquisas, trabalhos orais em grupos, grupos de dinâmicas e troca de conhecimentos entre os próprios alunos”.
“Falta de interesse, as aulas eram muito chatas aí eu nem ligava, saia antes das aulas acabarem”.
Além da forma mais expositiva de apresentar o conteúdo, a qual pode ser a mais indicada em algumas circunstancias, o professor deve desenvolver métodos de ensino mais alternativos, como apresentar os conteúdos de uma forma mais prática. “Muitos processos de instrução fracassam porque não asseguram ao aluno a prática necessária, especialmente quando está envolvido algum tipo de aprendizagem procedimental, que costuma requerer enormes quantidades de prática para alcançar um nível de perícia” (Ericsson e Smit, 1991 in Pozo 2002).
“Tudo na pratica eu considero que é mais fácil, quando você lê às vezes você tem uma dificuldade de entender agora quando você pratica aquilo já abre tua mente pra idéia que a teoria quer te passar”.
“Hoje é difícil sair da sala e conhecer, fazer uma excursão e viver aquilo pra você conseguir assimilar, compreender”.
A estrutura dos materiais e recursos de apoio a aprendizagem podem influenciar as dificuldades de aprendizagem. Esses instrumentos devem ser utilizados considerando as necessidades específicas apresentadas pelos alunos com graus diferentes de dificuldades de aprendizagem. O ensino superior demanda que esses instrumentos sejam os mais diversificados possíveis, principalmente pelo fato dos vários alunos não possuírem os mesmos níveis de desenvolvimento cognitivo. A privação a esses recursos pode impedir que os alunos cumpram os objetivos pedagógicos.
Os resultados de um estudo desenvolvido por Mercuri (1994 in Pereira, 2004) sobre as dificuldades encontradas pelos alunos universitários, confirmam que entre os problemas apresentados, estão; os financeiros, que previnem o acesso a bens materiais para estudo (livros e instrumentos) e para o lazer (cinema, teatro) e os pessoais (limitações relacionadas à compreensão de textos, fadiga, stress, queda nos resultados das provas com conseqüências para o sistema físico e emocional).
“Os livros eu penso que eles não são tão objetivos como eles deveriam ser”.
“Os livros mostram as etapas que nos devemos aprender pra facilitar o aprendizado ele se restringe à teoria, não mostra os exemplos e poderiam no livro, mas eles podiam dar uma bibliografia dando mais exemplos pra que o leitor pudesse entender mais o conteúdo da teoria”.
“Falta de estrutura, a sala seria muito pequena, estrutura geográfica, falta de profissionais qualificados, a falta de recursos, dinheiro quando uma faculdade não tem dinheiro ela não tem uma biblioteca rica um laboratório de informática, se não tiver net, a faculdade não vai possibilitar que ele faça pesquisa”.
As dificuldades de aprendizagem, a definição dos objetivos, a estruturação das tarefas, da turma, da sala, dos espaços pedagógicos, a própria escola como um todo, refletem as dificuldades da sociedade. “Se queremos compreender, seja como aprendizes, como mestre ou como ambas as coisas ao mesmo tempo, as dificuldades relativas as actividades de aprendizagem devemos começar por situar essas dificuldades no contexto social em que são geradas” (Pozo: 2002: 23).
“(…) falta de interesse dos professores, eu relaciono isso ao governo, quando o governo não investe na educação conseqüentemente tem-se a dificuldade de aprendizagem é algo que não depende de… Deve ser trabalhado no próprio governo”.
Uma das concepções de dificuldade de aprendizagem apresentadas pelo sujeito desse estudo realça um caráter fundamentalmente biológico, que vai à direção das definições mais padronizadas.
“Eu acredito na hereditariedade, é genético algumas pessoas tem dificuldades porque já herdaram isso dos seus pais”.
Ainda que acreditássemos que as origens das dificuldades de aprendizagem são biológicas; como diz Sternberg e Grigorenko “biológico não significa imutável”. Embora seja possível acreditar que existem fatores que podem ser herdados geneticamente, especialmente os que provocam deficiência mental, não podemos atribuir as dificuldades de aprendizagem a causas hereditárias, mesmo porque, elas se manifestam no comportamento, como conseqüências dessas disfunções e portanto, sofrem a influência também dos aspectos culturais e sociais.
“Eu vou ter uma tendência, mas eu posso mudar eu vou ter mais dificuldade, mas eu posso mudar, eu vou fazer a minha própria historia de vida”.
Pudemos concluir que de um modo em geral o sujeito desse estudo apresenta concepções de dificuldades de aprendizagem relacionadas a aspectos hereditários, auto-regulatórios, motivacionais, sociais, relacionadas aos métodos de ensino, material didático e gestão do tempo
Suas concepções de dificuldades de aprendizagem remetem tanto as definições mais atuais, como as definições mais padronizadas e menos funcionais, especialmente se considerarmos o nível superior.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As dificuldades de aprendizagem podem ser e tem sido definidas de várias formas, desde uma maneira mais padronizada, até uma mais funcional e abrangente. Ao longo do tempo, as várias definições foram sendo melhoradas, mas ainda não permitem uma compreensão suficientemente satisfatória, pelo que é necessário procurar integrá-las para se obter uma “visão” mais adequada do quadro.
A intervenção nessa área pode ir desde uma lógica preventiva até uma mais remediativa, sendo que qualquer uma delas deve passar pela avaliação particular e específica do tipo de dificuldade detectada e das variáveis que estão concorrendo para que ela tenha surgido. É um erro considerar toda dificuldade, uma dificuldade de aprendizagem e toda dificuldade de aprendizagem, uma dificuldade (negativamente).
Falamos aqui de graus de dificuldades de aprendizagem. Na verdade, o aluno tem que sentir que as possui, mas que pode superá-las com as suas competências. Por outro lado, níveis muitos elevados podem impedi-lo de alcançar uma aprendizagem mais bem conseguida.
Para apoiar os alunos com dificuldades de aprendizagem mais acentuadas os professores devem possuir especialização técnica. Entretanto, qualquer professor deve possuir conhecimento científico nessa área, pois as dificuldades de aprendizagem fazem parte indissociável de qualquer processo de aprendizagem. Além disso, o aluno precisa se sentir, apoiado também pelos colegas, pais, bem como pelas outras pessoas envolvidas na sua aprendizagem.
A aprendizagem auto-regulada pode desenvolver através da componente metacognitiva, a reflexão pessoal sobre as dificuldades de aprendizagem e conseqüentemente a melhor forma de se relacionar com elas.
As dificuldades de aprendizagem não existem somente no aluno, nem no ambiente, mas nasce na interação entre os dois. Portanto não são estados internos.
Quanto ao sujeito desse estudo verificamos a ocorrência de concepções de dificuldades de aprendizagem (do ponto de vista referencial) relacionadas ao caráter hereditário, aos métodos de estudo, ao material didático, a motivação, a gestão do tempo, a metacognição e aos aspectos sociais, nomeadamente os governamentais.
Dessa forma, as dificuldades de aprendizagem se manifestariam, por um lado, por causa dos métodos de ensino, materiais didáticos e “culpa” do governo, todos esses aspectos contextuais.
Por outro, por causa de uma “tendência” genética; por causa dos aspectos motivacionais, nomeadamente a falta de interesse para aprender; pela falta de administração do tempo de estudos e por um nível reduzido da capacidade metacognitiva, todos esses aspectos individuais.
A atribuição às causas individuais e contextuais para explicar parcialmente o surgimento das dificuldades de aprendizagem vai ao encontro das definições mais actuais. Enquanto, a presença de uma concepção biológica/hereditária pode ser vista como ilustrativa das concepções apresentadas pela opinião comum e exemplificativa das definições mais padronizadas.
Esse dado pode indicar a necessidade de uma reflexão ainda mais aprofundada e coerente sobre as causas das dificuldades de aprendizagem.
Quanto à dimensão processual, o sujeito possui uma concepção fundamentalmente relacionada aos aspectos motivacionais, sendo esses, uma característica mais ou menos natural, ou seja, a superação das dificuldades de aprendizagem pode ser conseguida pela crença na capacidade para fazê-la, “(…) é do intuito do homem mostrar que ele é capaz”.
Os meios de comunicação, os livros, as revistas, os monitores, os professores, os colegas e as novelas, somente poderiam ser usados como recursos, se o próprio aluno se sentisse motivado para usá-los. “Sem duvida nenhuma ele somente pode contar a principio consigo mesmo (…) deixando claro que o ponto de partida é acreditar no seu potencial de aprendizado (…)”.
Tal concepção pode denotar a necessidade de uma reflexão mais pertinente quanto à natureza das variáveis contextuais para a superação das dificuldades de aprendizagem. Embora os modelos teóricos mais actuais sobre as dificuldades de aprendizagem valorizem a motivação como uma variável importante, os contextos devem ser refletidos e modificados, tanto pelo próprio aluno quanto pela instituição para que favoreçam aprendizagens mais ricas, com a presença de dificuldades sempre funcionais.
O fato do aluno não sentir que pode ser apoiado pelos meios exteriores e que para superar suas dificuldades só pode contar a princípio consigo mesmo, pode revelar também a ausência de redes de apoio da instituição que freqüenta.
Do ponto de vista contextual, as concepções de dificuldades de aprendizagem se referem positivamente (aspectos de apoio ao aluno) às questões relacionadas aos métodos de ensino diversificados e ao estimulo a motivação, quando o conhecimento é ensinado na prática, para além das “quatro paredes”.
E negativamente (características estimuladoras das dificuldades de aprendizagem) quando pelo contrário, e utilizando as suas palavras, as aulas são “cansativas” e o conhecimento é adquirido somente a partir da teoria.
Foram citadas também a falta de estrutura geográfica (sala pequena), de profissionais qualificados e a falta de recursos financeiros por parte da instituição, dado que impediria o oferecimento de uma biblioteca e laboratórios de informática qualificados.
Essas concepções vão ao encontro das definições mais atuais, que atribuem o impacto dos contextos físicos sobre a manifestação de dificuldades de aprendizagem, especialmente o método de ensino.
Se aceitarmos a hipótese básica que também as representações dos professores influenciam as concepções dos alunos e conseqüentemente a forma como esses abordam os fenômenos, então nesse caso deveríamos atribuir também aos professores a necessidade de refletir sobre as suas próprias concepções.
O conhecimento das concepções de dificuldades de aprendizagem pode se constituir numa ferramenta importante para que o próprio aluno se conscientize sobre o que impede (aspectos internos e externos) a progressão das suas aprendizagens e para que os métodos de ensino e contextos sejam melhorados. Esse conhecimento possibilitará que o aluno auto-regule os seus processos e produtos, fazendo um melhor uso da sua motivação, estratégias de aprendizagem e aspectos contextuais.
Os alunos universitários também possuem dificuldades de aprendizagem. A correta identificação, avaliação e a conseqüente intervenção dependem do conhecimento das suas particularidades; tanto por parte das instituições, como dos próprios alunos. A aprendizagem dos alunos do nível superior pode sair tão reforçada, quanto isso seja realizado organizadamente, pelo aluno, pela instituição, mas principalmente, pelos dois em conjunto.
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Publicado em 01/02/2008 11:41:00
Luiz Gustavo Lima Freire – Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pela UNICAP – Universidade Católica de Pernambuco, mestre em Ciências da Educação e doutorando em Psicologia da Educação pela FPCE – Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, Portugal, é investigador do Projecto de Documentação Histórica “Resgate: Barão do Rio Branco” do Ministério da Cultura do Brasil, no Arquivo do Instituto de Investigação Científica Tropical “Histórico Ultramarino” de Lisboa.
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