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A LEITURA QUE TRANSFORMA Márcia Patrícia Barboza de Souza
RESUMO Palavras-chave: leitura – interação – construção de sentidos “Vamos fazer do Brasil um país de leitores” É certo que vários fatores colaboram para esse panorama: famílias de não leitores, custo alto dos exemplares, escassez de bibliotecas, acervos desatualizados e o papel da escola, em especial o do professor, no trabalho com a leitura em sala de aula. Este último, aliás, tem sido alvo de críticas de diversos autores, pois para muitos especialistas, a leitura vai mal porque a escola está mal. Em muitas não há o espaço privilegiado para se realizar a leitura: a biblioteca; quando há tal espaço, conta-se com acervos desatualizados e profissionais mal preparados ou inexistentes. Um fato triste deve ser registrado: quando o número de alunos não suporta o número de salas, em uma escola, apela-se para o espaço da biblioteca, transformando-a em sala de aula, excluindo-a do cenário escolar. Ainda referindo-me à escola, constata-se uma maior preocupação em incentivar a leitura aos alunos da educação infantil e séries iniciais com cantinhos da leitura, hora do conto, etc, o que é muito válido, pois é através dos primeiros contatos que a criança pode se inserir no mundo fantástico da leitura e daí vai, aos poucos, descobrindo outras leituras e se tornando um sujeito leitor. No entanto, verifica-se que todo esse trabalho de inserção ao mundo da leitura prazerosa se esvai do 5º ano em diante, quando os professores começam a adotar como atividades fichamentos de leitura, tornando o ato de ler meramente obrigatório, com histórias muitas vezes desinteressantes para os alunos. Considerando que, em muitos casos, o livro didático é o único instrumento usado para a leitura e que a escola seja o único espaço de contato com a leitura, esta deve viabilizar um trabalho pedagógico apresentando a diversidade de gêneros discursivos existentes, bem como seus objetivos. Deverá também oferecer condições para que seus alunos despertem para o gosto e o compromisso da leitura, mostrando a eles o caráter desafiador do ato de ler. Assim, despertando-os para uma leitura crítica do escrito. O papel de mediador desempenhado por nós professores não é tarefa fácil, aliás, esse trabalho não deve ser tarefa exclusiva do professor de Língua Portuguesa, em todas as disciplinas ele deve ser desenvolvido. A função de cada um de nós, professores e professoras, independente da área curricular, é promover a leitura de textos que devam ser aprofundados para que todos vivenciem o encantamento da descoberta de sentidos trazido pela leitura, dialogando com a realidade e formando para a cidadania. Seguindo o pensamento de Paulo Freire (1988), quanto mais um povo se torna consciente de sua história, mais facilmente perceberá as dificuldades socioeconômicas e culturais da realidade em que vivemos e, conseqüentemente, estará apto para o enfrentamento e a libertação. Segundo Jorge Werthein (2007) – representante da UNESCO no Brasil de julho/1996 a setembro/2005 – é nesse contexto que se encaixa o sentido pedagógico da leitura – o saber ler – ler para garantir a autonomia intelectual, considerando a escola o lócus para a aquisição dessa leitura crítica. Mas, para que isso se estabeleça, é necessário que o professor também seja um leitor. De acordo com Zilberman (2007), raramente a escola provoca lembranças prazerosas de leitura em seus alunos; com atividades pedagógicas entediantes, a leitura parece ficar “do lado de fora” porque os professores não a incorporam ao universo do ensino. Novamente o professor, essa figura tão marcada! Mais uma vez a culpa recai sobre ele, mas é importante destacar que algumas condições adversas o impedem de ser um leitor: baixos salários que levam a um trabalho em dois ou até três turnos, com funções concomitantes, não lhes sobrando tempo para ler, e muitas vezes sem dinheiro para adquirir livros. Daí seu trabalho é cercado de fragmentação e improvisação do ensino da leitura na sala de aula. A isso se acrescenta outros fatores que ultrapassam a competência do professor e podem impedir um efetivo trabalho de leitura na escola: grande número de pessoas que nem chegam aos bancos escolares, alto índice de evasão e repetência, além de precária infra-estrutura e pouca ou nenhuma participação da família na formação do aluno-leitor. Espaços de leitura Porém, outros lugares já são vistos como espaços de leitura: parques, hospitais, penitenciárias, sindicatos, igrejas, centros comunitários e a nossa própria casa. Há de se considerar também projetos inovadores como o ‘trem-biblioteca’, no sul do país e os ‘bibliobarcos’ na Amazônia e Rio São Francisco. Programas de incentivo à leitura freqüentemente ‘invadem’ o cenário da escola. São programas que distribuem livros às crianças, como o ‘Literatura em minha casa’(2007), numa tentativa de levar a leitura à casa dos estudantes, numa forma de democratizar o acesso à leitura. Segundo dados da Câmara Brasileira do Livro (2007), o Brasil consome em média cerca de 2,3 livros por pessoa (incluindo os livros didáticos distribuídos pelo MEC), enquanto a média de países desenvolvidos é de 6 a 10 livros anualmente, sendo a maior parte do material adquirido em bancas de jornal. Outros projetos como o ‘Programa Nacional de Biblioteca na Escola’(oferecendo material de apoio a alunos e professores de escolas públicas) e o ‘Pró-leitura na formação do professor’ (ação conjunta entre MEC e França) são exemplos de iniciativas que fomentam a leitura em nosso país. Devem-se registrar também programas com o apoio de instituições como a Petrobrás (Leia Brasil), o Banco do Brasil (Rodas de Leitura) e da Volkswagem (Formação de Mediadores de Leitura). Programas de formação para mediadores de leitura são de suma importância, já que proporcionam orientação para realização de rodas de leitura e servem para fomentar a cultura e a valorização da leitura na escola e em outros espaços da comunidade. Tais programas são realizados com o objetivo de difundir a leitura a partir da convivência em um ambiente letrado, contando inclusive com o financiamento de empresas, num sistema de parcerias. Atualmente, devido ao avanço da tecnologia, pode-se ver a disponibilização de livros na Internet, alguns com acesso gratuito, outros de acesso restrito, no entanto ambos apresentam mais uma forma de universalizar a leitura. As Rodas de Leitura Dessa forma os grupos de leitura apresentam características positivas e oportunizam momentos de encontros e reflexão, e fazem com que possamos conhecer melhor o outro, assim como aponta Larrosa (2004) essa é uma das transformações que a leitura pode proporcionar. É interessante destacar que nesse trabalho coletivo e interativo com a leitura podem ser discutidos textos literários, filosóficos, científicos, teológicos, dependendo dos interesses dos grupos. As rodas de leitura trabalham com o ato de ler em sua essência: ler com prazer, ler para entender o escrito, ler para introduzir-se no mundo imaginário e trazê-lo à realidade, numa espécie de descoberta com a verdade. Assim, não se pode negar que a leitura em grupo amplia e ordena nossos conhecimentos. A literatura nos mostra que as rodas de leitura contribuem de forma significativa na formação de novos leitores, melhoram a participação, o espírito crítico, a atenção e a criatividade do sujeito. O objetivo das rodas de leitura é compreender a essência do escrito num processo dialógico da linguagem, assim como aponta Bakhtin (1992). A leitura implica construção de sentidos, pois não se resume apenas em decodificar a mensagem, mas também absorver os múltiplos sentidos que ela proporciona. Por isso é imprescindível que o leitor compartilhe dos sentidos do autor e seja capaz de construir os seus próprios. Sentidos estes construídos no momento de interação que acontece entre texto e leitor, daí a importância que este tem em reunir seus conhecimentos sobre os gêneros discursivos para ser capaz de formular sentido nessa interação com o autor. Nas rodas de leitura é importante considerar a colaboração sem que haja a competição, pois uma vez que o objetivo do grupo seja constituir uma troca, a presença de alguém que queira se tornar o ‘dono da palavra’ pode inibir os demais participantes e assim não permitir a interação. Para que isso não aconteça, o leitor-guia deve ser experiente e promover a igualdade de participação. As rodas de leitura se caracterizam por seu perfil de ‘compartilhamento’, no qual os participantes se reúnem em torno de um leitor-guia. Além disso, devem oferecer um ambiente favorável ao grupo, com um número médio de freqüentadores, apresentando assuntos diversificados ou estudos aprofundados de um mesmo tema; também devem ser considerados o tempo e a intertextualidade, todos critérios que auxiliam na ampliação dos horizontes de leitura pelos não-iniciados. Reafirmando o pensamento de Yunes (1999, p.21), “ler em círculo não é novo: novo é o uso do círculo para aproximar os leitores na troca de suas interpretações”. Texto e leitor – interação e identificação A comunicação é essencial na vida do ser humano e especificamente na comunicação escrita a possibilidade do diálogo imediato não se torna possível devido ao tempo em que o texto foi produzido e sua recepção pelo leitor. Daí a necessidade de se construir sentidos por parte desse leitor, estabelecendo uma dinâmica de interação com o texto, de modo a transformar o entendido e transformar-se a si mesmo. Assim como aponta Freire (1988), “a leitura da palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas por uma certa forma de ‘escrevê-lo’ ou ‘reescrevê-lo’, quer dizer, de transformá-lo através de nossa prática consciente’. Lemos em diferentes situações do nosso cotidiano; lemos para colher informações, para adquirir conhecimentos, para desenvolver atividade do dia-a-dia, para escrever, lemos pelo simples fato de ler, lemos… Portanto, a função social que a leitura desempenha alcança uma dimensão que nos faz desenvolver habilidades cognitivas e nos leva ao domínio de diferentes competências. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN (1997) propõem que sejam oferecidas práticas de leitura que propiciem a reflexão e levem o leitor à construção desses sentidos. A leitura não pode ser vista apenas como um processo de decodificação, mas como um processo dialógico marcado pela polissemia trazida pelo texto. Ela representa uma soma. Ler é compartilhar sentimentos, é dividir conhecimentos, é somar-se. Considerações finais Entretanto, por tudo o que já foi exposto, é fato constatar que a leitura pode gerar seres humanos conscientes, curiosos e críticos. Também pode se tornar um instrumento de conquista de liberdade para o homem, quando amplia a visão de mundo, gera transformação, compreende o cotidiano, tira da alienação. Ao ser incorporada, a leitura pode promover a construção de conhecimentos, a formação da cidadania, e um novo estilo de vida; seguindo o pensamento de Larrosa (2004) a leitura traz um outro olhar do mundo (talvez para alguns isso cause uma profunda tristeza por reconhecer e indignar-se, sem poder para mudar a realidade). Vejo nos círculos de leitura ou qualquer outro projeto de difusão da leitura, um espaço, um modo de propiciar ao indivíduo a oportunidade de sair de sua situação de ‘oprimido’ (remetendo a Paulo Freire) e (inter) agir na sociedade na qual está inserido. Referências bibliográficas Publicado em 14/01/2008 14:37:00 Márcia Patrícia Barboza de Souza – Mestranda em Educação na Universidade Católica de Petrópolis; Especialista em Pesquisa e Docência no Ensino Superior e Língua Portuguesa; Professora de Língua Portuguesa da rede municipal de ensino de Juiz de Fora e da rede estadual de Minas Gerais.
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