REVISÃO DA PRODUÇÃO CIENTIFICA BRASILEIRA SOBRE O ALCOOLISMO
Rita Aparecida Romaro, Érika Ferreira Huertas
Resumo
O presente estudo objetivou revisar a produção científica brasileira sobre alcoolismo, classificando-a em quatro dimensões de análise: ano de publicação, base de dados, periódicos de indexação, delineamento e objetivo dos estudos. A amostra foi composta por 161 resumos de periódicos indexados nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde em Psicologia, entre 1997 e outubro de 2006, utilizando-se o descritor alcoolismo. Os artigos foram encontrados em cinco bases de dados e distribuídos em 51 periódicos diferentes. Predominou o delineamento empírico (70,8%), com destaque para o procedimento de estudo de grupos (53,4%), com população adulta não especificada (31,6%) e de ambos os sexos (23,7%), em contextos ambulatorial (29,8%) e hospitalar (22,8%). Os resultados indicam interesse pelo rastreamento e a prevenção.
Palavras-chave: Alcoolismo. Produção científica. Revisão da literatura.
Abstract
The present study has as its objective, review the Brazilian scientific production on alcoholism classifying in four dimensions of analysis: year of publication, data base, indexing periods and underlining & objectives of study. The sample was composed of 161 resumes of indexed periodicals of the Virtual Library of Psychology data base between 1997 and 2006, using as keyword alcoholism. The articles were found in 5 data bases distributed in 51 different periodicals. The predominant underlining was empirical (70.8%), specially with the procedure of group studies (53.4%), with non specified adult population (31,6%) and of both sexes (23,7%), in ambulatory context (29.8%) and in hospitals (22,8%). The results show interest for tracking and prevention.
Keywords: Alcoholism. Scientific Production. Literature Review.
Introdução
Os dados epidemiológicos brasileiros referentes à saúde mental variam de acordo com o tipo de classificação diagnóstica adotada, a população em estudo e os instrumentos utilizados, como ocorre em qualquer parte do mundo. No caso do alcoolismo, os instrumentos utilizados para aferir tanto o abuso quanto a dependência interferem no dado obtido (Kessler, Diemen, Cardoso & Pechansky, 2008).
Almeida Filho e colaboradores, em 1991 realizaram o primeiro estudo brasileiro “avaliando índices dos transtornos psiquiátricos entre adultos da comunidade” (Mari, Jorge & Kohn, 2007, p.119). Esse estudo incluiu 6.476 pessoas com ao menos 15 anos. Os dados foram coletados em Brasília, São Paulo e Porto Alegre, utilizando-se como instrumento na primeira fase o Questionário para Morbidade Psiquiátrica para Adultos (QMPA), sendo aplicado a um membro familiar com mais de 14 anos. Na segunda fase, foi realizada uma entrevista diagnóstica “com 30% dos selecionados positivos e 10% dos selecionados negativos no primeiro estágio, de uma a quatro semanas após a entrevista seletiva. O diagnóstico baseou-se no rol de sintomas checklist do DSM-III” (Mari et al., 2007, p.119).
De acordo com Mari et al. (2007), apesar das limitações metodológicas apresentadas, nesse primeiro estudo nacional, os índices gerais foram consistentes com os estudos internacionais. Esses índices apontaram a prevalência para toda a vida do abuso/dependência de álcool nas três capitais em torno de 15 a 16% para o sexo masculino; para o sexo feminino ocorreu uma variação nas capitais, em Brasília (1,1%), em São Paulo (0%) e em Porto Alegre (2,5%). A prevalência em um ano apontou para a população masculina 8,6% em Brasília e São Paulo, 15,9% em Porto Alegre e para o sexo feminino 8% em Brasília, 0% em São Paulo e 1,6% em Porto Alegre (Mari et al. 2007).
O segundo e último grande estudo realizado no Brasil foi o de Andrade e colaboradores, em 1997, em dois bairros da cidade de São Paulo, Jardim América e Vila Madalena, num total de 1462 entrevistados, utilizando-se o Composite International Diagnostic Interview (CIDI), versão 1.1, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), baseando-se nos critérios diagnósticos do DSM-III-R. A amostra foi colhida domiciliarmente e estratificada em três faixas etárias (18-24 anos, 25-59 anos e 60 anos ou mais). Esse estudo apontou a prevalência para toda a vida do uso de abuso/dependência de álcool, para o sexo masculino de 7,8% e para o feminino de 3,8%, e da prevalência de um ano: sexo masculino 6,5% e feminino 3,0% (Mari et al., 2007).
As estimativas dos transtornos por uso de substâncias foram limitadas ao estudo multicêntrico e aos estudos de São Paulo. Este teve uma prevalência de abuso e dependência ao álcool de um ano foi de 5,1% e de 6% para toda a vida. O estudo multicêntrico variou de 1,8 a 8,1%, respectivamente. Esse dado sugere que o número de indivíduos com abuso/dependência ao álcool em 2000 era de 3.056.000 e 13.753.000. No curso da vida os índices variaram de 10.187.950 a 13.753.732 (Mari et al., 2007, p. 134).
A maioria das pesquisas realizadas com adultos da população geral sugerem uma prevalência entre 5 e 10% para abuso e dependência do álcool, sendo que nos homens encontra-se uma freqüência pelo menos duas vezes maior que nas mulheres (Galduroz et al, 2005 apud Kessler et al., 2008).
Para Dalgalarrondo (2000), drogas psicoativas são substâncias químicas que, quando ingeridas, produzem efeitos psíquicos e comportamentais, tendo em vista as modificações de funções do Sistema Nervoso Central (SNC), ocasionadas por ingestões repetitivas e excessivas. O autor define a Síndrome de Dependência ao Álcool (SDA) como um estado físico e psíquico ocasionado por uma perda de controle como conseqüência da repetitiva e compulsiva ingestão de bebidas alcoólicas de modo contínuo e periódico.
De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-IV (APA, 2000), o depressor cerebral utilizado com maior freqüência é o álcool, sendo que tal utilização resulta em significativa morbidade e mortalidade. Riscos de acidente, violência e suicídio são observados com maior freqüência em dependentes de álcool, além de transtornos associados ao seu consumo, como intoxicação, abstinência, delirium por abstinência, delírio de ciúmes, demência persistente induzida por álcool, transtorno psicótico, transtorno do humor, transtorno amnésico, transtorno de ansiedade, disfunção sexual e transtornos do sono.
Segundo o DSM-IV (APA, 2000), a dependência de álcool caracteriza-se por evidências de tolerância ou sintomas de abstinência. Apesar das conseqüências adversas, os indivíduos podem continuar consumindo álcool para aliviar os sintomas de abstinência, que podem ser desagradáveis e intensos. Em caso de consumo compulsivo, apesar das conseqüências físicas e psicológicas adversas, os indivíduos continuam usando o álcool. O abuso está relacionado a situações de consumo em circunstâncias contra-indicadas, cujos efeitos posteriores possam interferir no desempenho escolar e ocupacional, bem como nas relações sociais ou interpessoais. Quando acompanhados por evidências de comportamentos compulsivos ou abstinência e tolerância, deve ser considerado um diagnóstico de Dependência de Álcool.
Zago (1996) aponta para estudos que têm atribuído as causas do alcoolismo a fatores individuais, culturais e sociais e até mesmo a interação desses fatores. Tais estudos vêm ao encontro da proposição de teorias biológicas, comportamentais, psicológicas, psicodinâmicas e socioculturais, acerca da etiologia do alcoolismo, entretanto, sem conclusões definitivas, já que não há um consenso entre os pesquisadores sobre um fator determinante para uma explicação causal.
Na busca de contribuir para uma compreensão do problema, que afeta a saúde física e mental do indivíduo, além de sua adaptação familiar, social e ocupacional, foi realizada uma revisão da produção científica brasileira sobre o alcoolismo, de 1997 a outubro de 2006, classificando-a em quatro dimensões de análise: distribuição percentual dos artigos por ano de publicação; distribuição das publicações por bases de dados; distribuição das publicações por periódicos indexados, delineamentos de pesquisa e objetivos dos estudos revisados.
Método
Compreendeu a análise de 161 resumos de periódicos indexados nas bases de dados disponíveis na Biblioteca Virtual de Saúde em Psicologia – BVS, sendo Index Psi Periódicos Técnico Científicos (72), Index Psi Periódicos de Divulgação Científica (0), Index Psi Teses (10), Index Psi Monografias de Conclusão de Cursos de Especialização (1), PEPsic – Periódicos Eletrônicos em Psicologia (3) e SciELO (75), entre os anos de 1997 a outubro de 2006, utilizando-se o descritor alcoolismo.
Com a busca do descritor supra citado, foram encontradas 264 publicações, dentre as quais 15 eram repetições entre bases de dados, sete se referiam a estudos de experimentos realizados com animais (ratos); 66 não se referiam especificamente ao alcoolismo, abordando temas relacionados a outras patologias da área médica e 15 não disponibilizavam resumos, restando 161 publicações (61%), que traziam resumos completos correspondentes ao delineamento de pesquisa empregado.
O tratamento dos dados foi realizado por meio da análise das freqüências percentuais.
Resultados e Discussão
A primeira dimensão de análise refere-se à distribuição percentual dos artigos por ano de publicação, apresentada na Tabela 1.
Observou-se uma produção contínua sobre o alcoolismo ao longo dos anos, porém com oscilações em relação ao percentual, sendo que o maior percentual de publicações ocorreu nos anos de 2004 (16,8%) e 2005 (17,4%), e os menores nos anos de 2001 (5%), 2002 (6,2%) e 1998 (7,5%), respectivamente e possivelmente também no ano de 2006 (7,5%).
A distribuição de publicações encontradas com o descritor alcoolismo, por base de dados, encontra-se na Tabela 2.
A base de dados SciELO concentrou 46,6% das publicações e a base Index Psi Periódicos Técnico-Científicos 44,7%. Já a base de dados Index Psi Monografias de Conclusão de Cursos de Especialização representou apenas 0,6 % do total de publicações e a base Index Psi Periódicos de Divulgação Científica não apresentou trabalhos correspondentes ao período abrangido pelo presente estudo.
Na base de dados Index Psi Teses, constavam nove dissertações de mestrado e uma tese de doutorado, todas na área da Psicologia, desenvolvidas: uma na Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1997), uma na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005), cinco na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2000, 2001, três em 2003), uma na Universidade Federal da Paraíba (2004) e duas no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (2000 e 2003). Versavam sobre os aspectos psicodinâmicos (1997, 2003), aspectos afetivos em mulheres alcoolistas (2000), aspectos socioculturais (intervenções preventivas com escolares, 2000; religiosidade, 2001 e representações sociais dos profissionais das áreas de humanas e saúde, 2004), aspectos motivacionais (três trabalhos em 2003) e aspectos familiares (2005).
A terceira dimensão de análise refere-se à distribuição das publicações por periódicos indexados, conforme Tabela 3.
Das 161 publicações encontradas, 150 estavam distribuídas em 51 periódicos diferentes, sendo que 29% referiam-se aos periódicos com menos de três publicações sobre o tema em estudo, tendo sido caracterizados como Outros. Além das publicações distribuídas em periódicos, foram encontradas dez teses (6,2%) e uma monografia (0,6%) acerca do assunto.
Os periódicos, Jornal Brasileiro de Psiquiatria (13%); Revista Brasileira de Psiquiatria (10,6%); Revista Latino-Americana de Enfermagem (6,8%); Revista Brasileira de Neurologia (5%); Revista de Saúde Pública (4,3%) e Psicologia em Estudo (3,7%) concentraram o maior número de publicações.
Observou-se também que entre os periódicos com maior número de publicações cinco eram da área de psiquiatria, um da área de psiquiatria e neurologia, um da área de neurologia, um da área de enfermagem, três da área de psicologia, um da área de saúde pública e três da área de medicina, confirmando o interesse multiprofissional pela abordagem desse complexo quadro clínico.
A quarta dimensão de análise abarca os dois delineamentos empregados nas pesquisas. O conceitual referindo-se aos estudos documentais e às revisões de literatura, e o experimental apresentando um procedimento empírico de coleta de dados, subdividindo-se em estudo de caso, comparação entre grupos e estudo de grupos.
Dos 161 estudos revisados, 47 (29,2%) referiam-se ao delineamento conceitual e 114 (70,8%) ao delineamento experimental. O delineamento conceitual de pesquisa documental foi empregado em 2,5% dos estudos, com quatro publicações e o de revisão de literatura em 26,7%, com 43 publicações. Já o delineamento experimental de estudo de caso foi empregado em 3,1%, com cinco publicações, o estudo comparativo em 14,3%, com 23 publicações e estudo de grupos em 53,4%, com 86 publicações.
Na Tabela 4 são identificados os delineamentos de pesquisa experimental de acordo com a idade e o sexo dos participantes.
A grande maioria dos estudos revisados (89,5%) referia-se a adultos e 1,7% a adolescentes e adultos. Quanto ao sexo, na população adulta encontrou-se a predominância de estudos cujo sexo não estava especificado (31,6%) e da especificação de ambos os sexos (23,7%). Os estudos com as mulheres somaram 12,3% e com a família 7%. Poucos estudos com crianças e adolescentes foram publicados, todos ocorrendo no contexto escolar e, em sua maioria, atentando para aspectos de rastreamento do alcoolismo e prevenção.
Os objetivos predominantes desses estudos foram analisados e distribuídos em categorias, não mutuamente excludentes, de acordo com os dois delineamentos de pesquisa analisados, conforme apresentado na Tabela 5.
Duas pesquisas documentais basearam-se em redações de vestibulandos sobre o alcoolismo. Uma com vestibulandos de diversos cursos com o propósito de identificar concepções à respeito das causas, conseqüências e intervenções, predominando a compreensão moral/legal e médico/social do fenômeno. As redações dos vestibulandos do curso de enfermagem apontaram como causa as estratégias de enfrentamento dos problemas, a necessidade de pertença ao grupo, as influências de aspectos sociais e econômicos, tendo por conseqüências problemas de saúde e familiares. As duas outras se basearam na consulta de prontuários clínicos: a primeira analisou os relatórios de visita domiciliar sob o enfoque da atenção primária à saúde realizada por equipes de enfermagem; a segunda buscou identificar a ocorrência de maus tratos em crianças hospitalizadas, cujos agressores eram bebedores abusivos sem dependência.
Os estudos documentais versaram sobre o consumo e dependência de álcool, sendo que nas redações dos vestibulandos predominaram os fatores etiológicos e socioculturais e nos prontuários clínicos aspectos epidemiológicos, os transtornos associados, os aspectos cognitivos comportamentais, o abuso sexual e a violência.
Dos 43 estudos de revisão de literatura, seis basearam-se em consulta à base de dados (um Medline, três Medline/Lilacs, um Medline/Lilacs/Psyclit e um Bireme/Capes/Banco de Teses e Dissertações da USP), sendo que nenhuma das revisões pesquisou unicamente trabalhos publicados no Brasil. Os aspectos teóricos reflexivos foram abordados em 22 trabalhos, sendo que sete apresentaram uma leitura psicanalítica, 10 abordaram questões relativas à representação social e cinco apresentaram uma revisão conceitual ampla; 14 abordaram aspectos relativos ao tratamento e um à comparação de escalas psicológicas.
Os estudos, de modo geral, apontaram para a associação do consumo abusivo de bebidas alcoólicas e o ambiente sociocultural. Dentre os trabalhos de revisão da literatura, essa associação foi estudada nos grupos de indígenas, de universitários, de mulheres, de idosos em situação de rua, entre outros. A violência foi associada tanto como etiologia, como enquanto conseqüência do abuso de álcool. A inter-relação álcool, trabalho e família foi estudada, bem como a influência da mídia.
A categoria sobre consumo e dependência de álcool não foi analisada separadamente por ser abordada de forma específica nas demais categorias estudadas, versando sobre habilidades e representações sociais, noção da doença, associação com outras enfermidades, aspectos etiológicos e epidemiológicos, bem como em estudos que visaram à compreensão de alguns aspectos multifatoriais e possibilidades de intervenções terapêuticas.
Nos estudos experimentais e conceituais observou-se um predomínio das categorias consumo/dependência (44,1%), aspectos socioculturais (20,5%) e fatores orgânicos (15,5%). Os estudos envolvendo escalas, testes e questionários predominaram no delineamento experimental (24,2%).
No entanto, ao se analisar a distribuição das categorias por delineamento conceitual ou experimental, observou-se no primeiro o predomínio de estudos abordando o consumo/ dependência (51%), aspectos socioculturais (32%), aspectos psicodinâmicos (15%), abuso sexual e violência (12,8%). No delineamento experimental o predomínio ocorreu nas categorias consumo/ dependência (41,2), aspectos orgânicos (17,5%), aspectos socioculturais (15,8%), estudo dos transtornos associados (12,3%) e 33,3% dos estudos empregaram escalas, testes e questionários psicológicos.
Nos estudos empíricos os aspectos socioculturais foram estudados predominantemente no delineamento de estudos de grupos, destacando as representações sociais em diferentes grupos ocupacionais da área de saúde e humanas, em contextos familiares e de trabalho, em moradores de rua, em migrantes, em caracterizações de usuários de serviços. Foi também destacada a importância do apoio social para o parar de beber. Esses estudos enfatizaram a importância da representação social para o alcoolista, estando ele ou não na condição de abstêmio. Foram também realizados estudos experimentais com grupos de alcoolistas, abstêmios ou não, cônjuges e familiares, bem como profissionais da área de saúde, sobre as concepções acerca do álcool.
A abstinência foi estudada em 6,8% das pesquisas, sendo considerada por ser condição significativa no processo de reabilitação social do dependente etílico e por oferecer maior chance de sobrevida em situações limítrofes. Os estudos empíricos abordaram a relação da abstinência com a fobia social, os estados de mudança no parar de beber, o craving, o papel da família, os sintomas psicossomáticos e a busca de uma mudança na auto-imagem.
Os estudos epidemiológicos (6,2%) apontaram para fatores que contribuíam para o consumo de álcool, como a associação com outras drogas, o baixo nível de escolaridade, a classe social, o estado civil, a faixa etária, o gênero, a estrutura familiar, as psicopatologias associadas, dentre outras variáveis socioculturais. Apesar do predomínio do quadro de alcoolismo encontrado na população masculina, foram localizadas 14 pesquisas com mulheres dependentes de álcool, representando 8,7% dos estudos revisados.
Etiologicamente, as pesquisas referiam-se à importância da gênese do alcoolismo e seu contexto junto às representações sociais entendidas em um paradigma psico-orgânico-sócio-afetivo, correspondendo a 2,5% dos estudos do período.
Os fatores hereditários foram apontados em 1,9% dos estudos revisados, destacando-se a hereditariedade filial cuja vulnerabilidade de problemas comportamentais e emocionais pôde ser observada; fatores de predisposição à procura de novidades e o consumo abusivo de substâncias alcoólicas, propriamente ditas, geralmente iniciadas na adolescência.
Os fatores orgânicos (15,5%) englobaram estudos sobre crises convulsivas, neuropatia óptica e outras patologias visuais, doenças gastrintestinais e hepáticas, efeitos metabólicos e nutricionais na gravidez e no recém-nascido, ritmo circadiano, doença vascular-encefálica, seqüelas neurológicas, entre outras complicações ocasionadas pela ingestão de álcool.
Entre os transtornos associados (11,2%) encontraram-se estudos relacionados à fobia social, à alexitimia, ao neuroticismo, ao transtorno de estresse pós-traumático, ao transtorno obsessivo compulsivo, ao delírio de ciúmes, à depressão, aos transtornos somáticos, aos jogos patológicos, ao déficit de atenção, à memória e ao raciocínio abstrato, à ansiedade, à baixa tolerância à frustração e aos sintomas histéricos.
Os estudos sobre violência (5%) predominaram nos trabalhos de delineamento conceitual, sendo um estudo sobre a associação do uso de álcool/ substâncias psicoativas e criminalidade, três estudos relacionando a violência doméstica praticada por usuário de álcool, sendo que dois deles estabeleciam uma correlação entre o abuso sexual em mulheres e posterior dependência de álcool e drogas. Dois estudos empíricos ressaltaram a relação entre alcoolismo e violência, sendo que um deles abordou a questão no âmbito familiar.
Entre os aspectos motivacionais (8,9%), cabe destaque às percepções e ações do alcoolista sobre si mesmo e em sua interação com o meio, o desejo de parar de beber, a exposição a situações aversivas associadas ao consumo alcoólico, à esquiva de situações de risco e ao suporte social, inclusive familiar, como fatores facilitadores para o enfrentamento da dependência e procura de tratamento, independentemente do sexo. Em contrapartida, os ganhos associados ao consumo, o favorecimento de encontros coletivos, excesso de otimismo em si mesmo, a função da substância alcoólica percebida como anestésico para o sofrimento (perdas afetivas) foram considerados fatores impeditivos para a reabilitação e percepção da realidade. Alguns estudos abordaram os estágios motivacionais do alcoolista para parar de beber, que se encontram intimamente ligados aos aspectos socioculturais.
A compreensão psicodinâmica (11,2%) acerca do alcoolismo foi destacada nos estudos de revisão de literatura, abordando aspectos relativos ao caráter oral, às relações objetais e transferenciais, aos objetos transicionais e aos mecanismos de defesa, com base no trabalho de autores como Freud, Winnicott, entre outros.
Nos estudos empíricos, no delineamento de estudos de caso, as relações objetais, ansiedades e mecanismos defensivos, religiosidade e sistema familiar foram abordados. Nos estudos comparativos, destacaram-se dois trabalhos com filhos de alcoolistas que apontaram para a timidez, a insegurança e a baixa auto-estima relacionadas às dificuldades escolares, independentemente do sexo.
Os estudos com mulheres alcoolistas apontaram para a presença de tristeza, depressão, ansiedade, baixa tolerância à frustração e maior prejuízo nas relações afetivas.
A dinâmica conjugal foi destacada em 1,9% dos estudos, abordando a estrutura e a organização da relação do casal e a co-dependência quando um dos cônjuges era alcoolista, além dos modos de enfrentamento. Nas mulheres foi apontada uma tendência à minimização do alcoolismo do parceiro, com o adiamento do enfrentamento do problema; outro estudo referia-se às práticas supersticiosas por mulheres de alcoolistas.
A referência à dinâmica familiar foi encontrada em 6,2% das publicações. A ênfase, também, referia-se às pesquisas sobre a organização do sistema familiar diante de comportamentos e situações de violência decorrentes do uso abusivo de bebidas alcoólicas, a co-dependência dos familiares e ao papel que estes exerciam sobre a supressão ou manutenção do consumo alcoólico.
No delineamento de estudo de grupos, a maioria dos resumos revisados referiam-se a pesquisas com pacientes em tratamento, tais como a auto-ajuda, principalmente com os grupos dos Alcoólicos Anônimos; tratamento farmacológico destacando-se os efeitos da carbamazepina-buspirona; o tratamento psicoterápico, ressaltando a possibilidade de tratamento psicanalítico para alcoolistas, a orientação familiar, as intervenções motivacionais breves e outras modalidades terapêuticas não especificadas; o tratamento psiquiátrico; a prevenção, por meio da inserção do psicólogo em ações educativas e preventivas ao uso de álcool e outras drogas, a conscientização com vistas à redução de danos e de recaídas; reabilitação/enfrentamento; técnicas de avaliação psicológica, com a utilização de instrumentos para análise e validação; outras modalidades de tratamento, dentre as quais estão às assistências médicas e de enfermagem.
As escalas, testes e questionários empregados no estudo do alcoolismo foram: Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT); Brief Psychiatric Rating Scale (BPRS); Center for Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D); Composite International Diagnostic Interview (CIDI); Escala de Alcoolismo de MacAndrew; Escala de Atitudes e Crenças dos Enfermeiros; Escala de Avaliação do Craving; Escala BRTIV47; Escala Comportamental de Rutter; Escala Diagnóstica Adaptativa Operacionalizada (E.D.A.O.); Escala de Fobia Social Liebowitz; Escala Infantil Piers-Harris; University of Rhode Island Change Assessment Questionnaire (URICA); South Oaks Gambling Screen (SOGS); Instrumento para a identificação de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT); Inventário de Ansiedade e Fobia Social (SPAI); Inventário de Conseqüências Negativas the Drinker Inventory of Consequences (DrInc); Inventário de Expectativas e Crenças Pessoais Acerca do Álcool (IECPA); Inventário de Habilidades Sociais (IHS); Michigan Alcoholism Screening Test (MAST); Minnesota Multiphasic Personality Inventory (MMPI); Questionário Abuso de Substância e Administração de Serviços de Saúde Mental (SAMHSA); Questionário CAGE; Questionário Cornell Index; Questionário de Morbidade Psiquiátrica de Adultos (QMPA); Questionário de Situações para Beber – Drinking Situation Questionnaire; Questionário do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID); Short-form Alcohol Dependence Data (SADD); Questionário T-ACE; PMK; Teste de Rorschach; Stages of Change Readiness and Treatment Eagerness Scale (SOCRATES); Teste das Pirâmides Coloridas de Max Pfister; Teste de Bender; Teste de Desempenho Escolar (TDE); Teste Desenho da Figura Humana; One-Way; Teste Mann-Whitney; Student Self-Report Questionnaire (SRQ-20); The Marcus Alcoholism Questionnaire; The Seaman Mannello Nurses Attitudes Towards Alcohol and Alcoholism Scale; The Tolor-Tamarin Attitudes Towards Alcoholism Scale.
Nos estudos experimentais predominaram os estudos realizados com o delineamento de estudo de grupos na maioria dos contextos de tratamento: ambulatorial (29,8%), hospitalar (22,8%). O contexto comunitário fez-se presente em 14,9% dos estudos e o contexto do ambiente de trabalho em 8,8%, apontando para novas formas de se tratar das questões referentes ao alcoolismo. Os estudos com crianças e adolescentes predominaram no contexto escolar (9,6%). Nesses três contextos observou-se também a preocupação com o rastreamento do alcoolismo e o incremento de intervenções preventivas. Programas e Núcleos também foram descritos e destacados em 7,9% dos estudos empíricos.
Nos trabalhos de delineamento conceitual a descrição de Programas e Núcleos ocorreu em 12,8% dos trabalhos; os aspectos ligados às intervenções preventivas em 6,4% e a preocupação com o rastreamento em 2,1%.
Considerações Finais
Este estudo corrobora a importância das bases de dados eletrônicas enquanto fontes de pesquisas científicas. Apesar de o presente estudo abarcar somente os últimos dez anos, nas bases de dados consultadas, a produção científica brasileira sobre o alcoolismo pôde ser encontrada, a partir do ano de 1962, primeiro ano de publicação indexada. Nas duas primeiras décadas, os estudos foram muito incipientes sendo que, apenas a partir de 1983, começaram a proliferar e foram contínuos até o ano de 2006.
A continuidade da exploração do tema vem de encontro aos dados epidemiológicos encontrados nas pesquisas nacionais realizadas na década de 90, com considerável prevalência do abuso/consumo de álcool na população geral. Nesse sentido, pesquisas realizadas no contexto comunitário, de trabalho e de ensino se fazem presentes visando algumas delas o rastreamento e a prevenção, apoiando-se em Núcleos e Programas de atendimento e pesquisa. A validação e utilização de escalas, testes e questionários psicológicos têm auxiliado e se mostrado fundamental para o trabalho de diagnóstico, rastreamento e prevenção.
A preocupação pela compreensão da dinâmica conjugal e familiar, com seus envolvidos, cônjuges, filhos, pais possibilitam um melhor direcionamento de ação interventiva, seja por meio da análise de papéis e contra-papéis dos membros que acabam agindo como co-dependentes, seja para avaliar e planejar estratégias de enfrentamento. Uma outra preocupação que se vem destacando, ainda de forma incipiente é o estudo da mulher alcoolista e suas implicações no meio sociocultural, familiar e intra-pessoal. Os estudos com crianças e adolescentes também foram escassos no período, na base de dados pesquisada.
Na presente revisões foram encontradas pesquisas conceituais e experimentais realizadas por meio de delineamentos metodológicos documentais e revisões literárias, bem como estudos de caso, comparativos e de grupo. Houve ênfase nos delineamentos conceitual, de revisão de literatura, e experimental, com estudos de grupos, ambos referentes às categorias relacionadas ao consumo e dependência alcoólicos e aspectos socioculturais. Esta ênfase corrobora o impacto dos problemas causados pelo uso abusivo de bebidas alcoólicas, refletidos na sociedade e nos que convivem com o alcoolista, sejam amigos, cônjuges ou parceiros, filhos e demais familiares.
Este trabalho, de cunho exploratório, não pretendeu esgotar o assunto, mas contribuir, por meio de determinadas dimensões de análise, para o conhecimento de aspectos dos trabalhos publicados na base eletrônica nacional sobre o alcoolismo.
Referências
American Psychiatric Association. (2000). DSM-IV – Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (4a. edição revisada). Tradução Dayse Batista. Porto Alegre: Artes Médicas.
Dalgalarrondo, P. (2000). Psicopatologia e semiologia dos transtornos mentais. Porto Alegre: Artes Médicas Sul.
Kessler, F.; Diemen, L. von; Cardoso, B.M. & Pechansky, F. (2008). Psicoterapias para o alcoolismo. In: Cordiolli, A.V. (Org.). Psicoterapias abordagens atuais. (pp.585-599) 3ª. Edição. Porto Alegre: ArtMed.
Mari, J.J.; Jorge, M.R. & Kohn, R. (2007). Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos em adultos. In: Mello, M.F.; Mello, A.A.F. & Kohn, R. (0rg.) Epidemiologia da Saúde Mental no Brasil. (pp.119-141). Porto Alegre: ArtMed.
Zago, J.A. (1996). Causas do Alcoolismo. São Paulo. Acesso em 06 fev. 2007. Disponível em: <www.bvs-psi.org.br>.
Publicado em 18/12/2007 09:39:00
Rita Aparecida Romaro, Érika Ferreira Huertas – Rita Aparecida Romaro: psicóloga, especialista em psicologia clínica, formada pela PUC-SP, com especialização em Psicologia Clínica pelo HCFMRP-USP, mestrado em Saúde Mental pelo HCFMRP-USP e doutorado em Psicologia Clínica pelo IPUSP. Docente do curso de Psicologia da Universidade São Francisco – Campus de São Paulo. Autora dos livros: Psicoterapia Breve Dinâmica com pacientes borderline” : uma proposta viável” (2000), “Ética na Psicologia” (2006) e “As faces da Violência: aproximações, pesquisas e reflexões (Organizadora juntamente com Cláudio Garcia Capitão, 2007).
Érika Ferreira Huertas: Psicóloga graduada na Universidade São Francisco.
E-mail: erika.huertas@saofrancisco.edu.br
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