Relato de experiência: o que faz a diferença?
Quando acreditar no potencial da criança para aprender, tanto por parte dos professores/educadores, quanto por parte da família faz toda a diferença…
Estive refletindo sobre alguns casos de crianças com dificuldade no processo de aprendizagem com as quais já me deparei e percebi o quanto o afeto e a integração podem fazer a diferença.
Sou professora de educação infantil e psicopedagoga , o que me dá a oportunidade de viver dois lados de uma situação: a criança em sala de aula e a criança no ambiente do consultório.
Os pais e mães vindo conversar com a professora e os que chegam ao consultório para uma consulta costumam ter o mesmo perfil . Com a diferença que os pais e mães que vão ao meu consultório vêem o filho como um “problema difícil ” e estão buscando uma solução, pois a professora já não deu conta de resolver.
A queixa é a mesma : dificuldade para aprender.
Alguns pais são muito permissivos , outros muito rígidos e outros ausentes .
Algumas crianças chegam até mim totalmente desacreditadas pelos pais e professores na sua capacidade de aprender.
É interessante notar que a criança parece começar a desenvolver melhor seu processo de aprendizagem quando muda sua própria postura com relação às pessoas que a cercam .
Vou contar uma historinha que vivi em sala de aula para ilustrar o que estou dizendo:
Tive uma aluna que vou chamar de Claudinha*
A professora do ano anterior disse que a menina não fazia nenhuma atividade proposta e quase não falava.
Até para ir ao banheiro as colegas intercediam por ela.
A menina não abria a boca
Quando conversei com a mãe, percebi que a relação entre as duas era carinhosa, mas a mãe parecia não prestar atenção na menina.
Recordo – me que esta aluna nunca trazia para a escola o material necessário.
Não trazia lápis, borracha, lápis de cor, e ficava bem quietinha . Não reclamava nem pedia nada emprestado.
Quando conseguia o lápis, entregava a folha em branco, pois se sentia incapaz de fazer qualquer coisa.
Aliás, o lápis era entregue a ela por mim, pois pedir, ela não pedia.
Logo no primeiro dia de aula, eu a coloquei sentada na primeira carteira e cuidava para que não se sentasse sozinha.
Não havia problema quanto a isso, pois a menina era muito popular.
As outras crianças tratavam – na como um bebê, incapaz de fazer qualquer coisa.
Diga – se de passagem, que as próprias crianças que já a conheciam do ano anterior trataram de me informar :
A Claudinha não faz nada, professora.
Eu desprezei a informação.
Minha primeira atitude foi deixar de chamá – la de “Claudinha ” e passar a chamá – la de “CLAUDIA”.
Entregava as folhas e solicitava que ela fizesse o que era proposto.
Pedia que ela fizesse desenhos , copiasse seu nome, escrevesse pequenos textos elaborados pelos alunos e escritos na lousa.
Solicitava a ela o mesmo que para os seus colegas.
As folhas da Cláudia voltavam em branco.
Só seus olhinhos brilhavam olhando para mim.
E eu confiei neles.
Depois de uns dois meses, a Cláudia fez seu primeiro desenho:
uma boneca que só tinha uma bolinha servindo de cara.
Foi uma satisfação indescritível !
Aos poucos ela foi se socializando e, cada vez mais, conquistando sua autonomia.
Passou a pedir , ela mesma, o lápis emprestado e resolveu se sentar nas últimas carteiras , pois lá podia desfrutar da companhia dos colegas de sua preferência.
Começou a participar de todas as atividades normalmente demonstrando interesse pelo processo de aprender inclusive a ler e escrever.
Um dia eu tive a grande satisfação de chamar – lhe a atenção por ela ter me desobedecido.
Finalmente Cláudia era uma criança igual as outras.
Confiava nas suas possibilidades de se relacionar e passou a confiar mais em mim, “ousando” descumprir regras estabelecidas sem ter medo de perder o meu afeto.
Ela aprendeu a viver sem medo, o que possibilitou o aumento do seu auto – conceito e , conseqüentemente a descoberta das suas possibilidades de errar e acertar e de poder demonstrar isso.
Quando eu conversei com a mãe de Cláudia sobre o seu desenvolvimento no processo da leitura e da escrita, ela se assustou.
A mãe não havia percebido que a menina aprendia e o quanto ela aprendeu.
Talvez a mãe a considerasse como um “caso perdido” e tivesse desistido de investir.
Talvez ela tivesse medo até de verificar , de notar, de prestar atenção , de acreditar naquele ser que poderia decepcioná – la .
E Cláudia a decepcionou.
Que bom !
Referências Bibliográficas
FERNÁNDEZ, Alícia. A inteligência Aprisionada abordagem psicopedagógica clínica da criança e sua família. Trad. Iara Rodrigues, 2a reedição , Porto Alegre, Ed. Artes Médicas
FURTH,Hans G.. Piaget e o Conhecimento fundamentos teóricos Trad. Valerie Rumjanek Rio de Janeiro, Ed. Forense Universitária , 1974
GOLEMAN, Daniel . Inteligência Emocional Trad.Marcos Santarrita 55a edição Rio de Janeiro Ed. Objetiva LTDA, 1995
Autora
Teresinha Véspoli de Carvalho. Pedagoga, psicopedagoga. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.