Bibliografia

Propomos neste artigo, discutir criticamente a aproximação da Neurociência com a Educação, buscando elucidar as relações que estão se estabelecendo entre estes campos, visando definir critiacamente o papel e o lugar de sua atuação. 

Resumo

Muito tem se publicado e discutido sobre a chegada das pesquisas em Neurociência no campo da educação. Uma importante parte deste material em circulação critica positivamente enquanto outra negativamente esta aproximação, criando um cenário confuso sobre o assunto, muitas vezes, com indagações e argumentações superficiais ou pautadas em ideologias ou opiniões não baseadas em evidências científicas. Neste estudo, apresentamos uma reflexão sobre as diversas causas do desempenho escolar insatisfatório e de que forma, o conhecimento sobre neurociências pode contribuir para identificação da origem psicofisiológica destas causas. Pela divisão das causas em dois grandes conjuntos de fatores, aprofundamos nossas reflexões sobre qual o papel das neurociências, e consequentemente, educação e psicologia no aprendizado escolar. Definimos, assim, qual o lugar da Neurociência no estudo e intervenção, o qual contribuirá de forma diferenciada para o desenvolvimento da qualidade do ensino, prioritariamente infantil e fundamental. Ao definir criticamente seu papel e lugar de atuação, não só valoriza-se o papel da pedagogia e da psicologia, mas também, afasta-se dos cenários mitológicos e fantasiosos que habitam muitos dos discursos atuais sobre o tema. 

 

Introdução

No Brasil, o ensino fundamental gratuito é garantido por lei, para crianças com idade entre 6 e 14 anos de idade, por meio de acesso às escolas públicas. Insistentes políticas públicas implantadas nas últimas décadas têm conseguido que a grande maioria das crianças frequente estas escolas. No entanto, se o acesso à escola pública não é mais um impedimento, a evasão escolar e a qualidade da educação ainda são assuntos distantes de uma solução satisfatória. Em recente pesquisa realizada com dados de 70 mil escolas de 5.570 municípios se constataram que, embora 99,2% das crianças com idades entre seis e 14 anos estejam frequentando a escola, os resultados mostram que houve um aumento das diferenças de aprendizado em prejuízo das crianças negras, pardas e de baixo nível socioeconômico (Queiroz, 2018). As diferenças de aprendizado foram avaliadas com base no desempenho em leitura e matemática de alunos de 5° e 9° anos e chegaram a 20 pontos, comparando-se os anos de 2005 e 2013. Os autores relatam que tal diferença corresponde a aproximadamente três anos de escolarização.

A preocupação com a qualidade do ensino não é atual. Desde o início do século passado, tem-se direcionado, cada vez mais, a atenção para as condições de fracasso escolar e se buscado entender o porquê de algumas crianças apresentarem dificuldades de aprendizado. As estatísticas ao longo das últimas décadas corroboram as preocupações iniciais. No Reino Unido, aproximadamente 24% das crianças apresentam algum tipo de reforço ou atividade complementar durante seus anos escolares e destas, 3% foram classificadas como Necessidades Especiais (Frith, 2011). No Brasil, estes valores são semelhantes e mostram que cerca de 20% das crianças apresentam dificuldade de aprendizado importante, levando consequentemente a um fraco desempenho escolar. Considerando-se apenas os seis anos iniciais da escolarização formal, o número de crianças com desempenho escolar insatisfatório pode chegar a 35% (Rotta, Ohlweiler, & Riesgo, 2006).

O desenvolvimento de ferramentas de medidas e de diagnóstico pela psicologia e educação tem auxiliado na identificação e nas definições de condições de desvio de desempenho perceptual e cognitivo que apresentam risco para o fracasso escolar. Além disso, entender diferentes condições neurais nas diversas doenças e desordens que estão incluídas no ambiente escolar, é de fundamental importância para eficientes processos de inclusão escolar (Billington, 2017). Os métodos psicométricos possibilitam também o planejamento de intervenções baseadas em informações objetivas e confiáveis, que buscam solucionar este problema. Medidas de funções perceptuais e cognitivas tem nos ajudado a identificar diferentes perfis de habilidades e desempenhos para atenção, memória, julgamento e tomada de decisão, formação de conceitos, nomeação etc. proporcionando o estabelecimento de desvios significativos.

A Neurociência se soma à Psicologia e a Educação, ocupando um lugar completamente inexplorado até as últimas décadas, vindo investigar quais os determinantes psicofisiológicos cerebrais associados ou responsáveis pelos desvios nas funções perceptuais e cognitivas relacionadas ao aprendizado formal, identificados pelas avaliações psicométricas.

Lugares da Neurociência na Educação

A Neurociência é um campo científico que necessita de altos níveis de colaboração entre diferentes áreas para que seus objetivos sejam alcançados. Não somente colaboração entre as áreas que compõe este campo, mas busca uma convergência entre diversas áreas do saber como computação, filosofia, educação e sociologia. O objetivo é possibilitar que as ações destas áreas sejam apoiadas em rigorosos métodos científicos. No caso específico da Educação, permitir que os achados psicofisiológicos sejam adequadamente transferidos para permitir o desenvolvimento de reais potenciais para melhorar o aprendizado escolar.

Uma vez que se consegue ter acesso ao cérebro, definindo localizações, circuitos e funções, uma das contribuições para a Educação está na possibilidade de se comprovar e/ou expandir teorias de aprendizado existentes. Teorias educacionais tradicionais afirmam que ao adquirirmos um novo conhecimento, nós substituímos conhecimentos prévios e com menor precisão, pelo novo. Para Piaget (Ratier, 2010), só há a possibilidade de conhecimento porque há outros anteriores, ou seja, durante as ações e interações com outros objetos/situações, estas entram em conflito com as capacidades já existentes, havendo a necessidade de esforço de modificação para que as novas estruturas compreendam o novo que se apresenta. Assim, na visão de Piaget, as estruturas mentais transformam-se ao longo da vida, ao se tornarem, continuamente mais complexas. Mesmo a teoria da aprendizagem significativa de Ausubel, na qual o aprendiz ao captar os novos conhecimentos ele reconstrói internamente por meio da incorporação às suas estruturas cognitivas (Masini, Moreira, & Colaboradores, 2008). Recentemente, medidas comportamentais têm sugerido que, na verdade, o conhecimento antigo pode não ser substituído pela reconstrução ou incorporação do novo, mas sim, é mantido suprimido por processos inibitórios. Para que isso aconteça, as estruturas cognitivas novas são desenvolvidas em uma área cerebral diferente. Estudos de neuroimagem tem podido atestar esta teoria mais diretamente. Pela medição dos níveis de ativação cerebral durante a apresentação de conceitos equivocados sobre eletricidade para alunos novos e expert em ciências, identificou-se áreas relacionadas ao controle inibitório, durante a apresentação da informação equivocada, mas não para a informação correta (Masson, Potvin, Riopel, & Foisy, 2014). Conhecer o funcionamento cerebral permite que se possa dar mais crédito às teorias existentes sobre o aprendizado, fazer releituras, resignificações e correções norteadas por sólidas bases científicas.

 As descobertas sobre o funcionamento cerebral tem atraído a atenção da humanidade e, esta demanda, tem gerado uma grande quantidade de circulação de informações, por meios científicos e, principalmente, não científicos, fazendo surgir uma importante quantidade de teorias e explicações sobre fenômenos mentais complexos, como raciocínio, escolha e tomadas de decisão, completamente opiniosas e por errôneas e descompromissadas interpretações. Estas teorias são popularmente conhecidas como “neuro-mitos”. Uma destas teorias afirma que existem “estilos” de aprendizado, por exemplo, existem alunos mais “visuais”, ou seja, que aprendem melhor como quando as informações são apresentadas visualmente. Estudos recentes apontam que tais “estilos” de preferências são características de traços genéticos e, os resultados experimentais mostram que os tais alunos, de fato, não apresentam impactos em melhorar o aprendizado (Kratzig & Arbuthnott, 2006). Na verdade, os estudos tem mostrado que ajustar o aprendizado aos estilos gera um impacto negativo, pois perdem informações que são melhores aprendidas de outras formas ou por outras vias. Além disso, há o prejuízo adicional, uma vez que se priva o aluno do desenvolvimento dos estilos não preferidos de aprendizagem. Este exemplo ressalta a necessidade do envolvimento estreito entre os pesquisadores e os professores para se evitar que conceitos advindos de interpretações errôneas possam ir para a sala de aula.

A genética comportamental é uma área da Neurociência que está em grande crescimento e permitirá o desenvolvimento de novos insights sobre a relação entre função cerebral geneticamente determinada e aprendizado. Um enorme estudo conduzido com gêmeos mostrou que a inteligência apresenta uma hereditariedade na ordem de 75% e que a realização educacional avaliada aos 16 anos de idade tinha 62% de componentes genéticos responsáveis pelo desempenho escolar (Krapohl, Plomin, Rimfeld, & Trzaskowski, 2014).

A importância deste fato para os educadores ocorre em duas instâncias; a primeira está diretamente relacionada com a expectativa de desempenho escolar. Estes achados genéticos nos informam que nem todos os alunos terão os mais altos níveis de desempenho e que isto pode não estar relacionado aos métodos educacionais ou ao trabalho do educador em sala de aula. Em muitos casos, a estimulação socioambiental encontra uma barreira fisiológica intensa, não é forte o suficiente para sobrepô-la por completo. Assim como nossas aptidões para esporte ou música, o desempenho cognitivo relacionado à educação formal também é variante e fortemente determinado geneticamente. Em segundo, conhecer os mecanismos causais, os processos elementares da atividade cerebral, até mesmo as características não devem ser lidas como pertencentes às instâncias fatalistas. Elas podem implicar diretamente em mudanças positivas nos programas educacionais atuais, se bem utilizadas. Pela perspectiva da neurociência, a educação deve ser um processo individualizado e personalizado para as necessidades de cada aluno, o tanto quanto for possível. Estes conhecimentos trazidos pela Neurociência devem auxiliar as políticas educacionais, dando suporte científico para o atendimento à heterogeneidade dos alunos e encorajar a equidade, por meio de auxílios aos que necessitarem.

Sabemos que a genética é uma área polêmica também na relação entre a Neurociência e a Educação e, parte significativa desta polêmica está baseada em usos incorretos e incompreensões a respeito do tema. A falta de comunicação mais direta entre cientistas e sociedade dificulta a translação de conhecimento e tem potencialmente levado a estas consequências negativas para ambas as áreas. Isto tem ocorrido por se rejeitar todo o conhecimento da genética como fatalístico e incapaz de ser útil, ou aceitando os achados genéticos também como fatais e se esquecer dos fatores ambientais durante os períodos de alta plasticidade cerebral. Forte evidência destas incompreensões advém da ainda confusão feita entre hereditariedade e os efeitos de genes específicos como mostrado por (Ritchie, Bates, & Deary, 2015). Certamente, somente os cientistas em íntima relação com os educadores poderão realizar interpretações adequadas às nuances de cada situação.

Críticas ao uso dos conhecimentos neurocientíficos na educação também vem da dificuldade de se conceber o uso dos conhecimentos de campos distintos do saber, e de correntes teóricas que se focam na diferente natureza das áreas. Isto levou a considerações reducionistas sugerindo que a ponte entre as áreas seria feita por processos especulativos e junção forçada de conceitos. Os achados dos estudos sobre períodos sensíveis e críticos e de modificações sinápticas em condições de desenvolvimento normal e de privações, muitos realizados em modelos animais, assumiu-se que estes achados seriam forçadamente transferidos para humanos. Alguns autores como (Bruer, 1997) acreditam que apenas a Psicologia Cognitiva seria capaz de realizar uma aproximação satisfatória entre o funcionamento cerebral e a educação. Dizemos que esta concepção é falaciosa e vem do raciocínio do qual se realizaria uma ligação extremamente direta, da atividade cerebral dos neurônios com o que se observa na sala de aula, ignorando os anos de pesquisa e desenvolvimento científico da Psicologia Cognitiva. A proposta da Neurociência é contribuir para um entendimento global, holístico do indivíduo em todos os níveis, com base nas interações entre estes níveis e em dupla mão de perspectivas e abordagens, ou seja, do social para o genético e vice-versa.

A definição dos tópicos prioritários para a investigação deverá emergir dos trabalhos conjuntos dentre os pesquisadores das diversas áreas devotadas ao entendimento do desempenho escolar. Para que pesquisas relevantes sejam realizadas, a troca mútua de informações e saberes deve ocorrer em constante movimento, permitindo haver espaço para inovações (Varma, McCandliss, & Schwartz, 2008). Esta troca de saberes permitirá que as áreas evoluam para direções ainda nem imaginadas.

A necessidade de investimento em pesquisa para a Neurociência Educacional é outra frente de muito debate. Muito dos métodos utilizados pela Neurociência são de custo elevado, como as técnicas de neuroimagem, como a ressonância magnética funcional (fRMI) e de eletrofisiologia como a eletroencefalografia de múltiplos canais (mEEG) ou os potenciais relacionados a eventos (ERPs) e, portanto, futuros investimentos em pesquisa deverão comportar os custos destas metodologias.

Apresentamos três justificativas para conscientizar a opinião pública e os responsáveis pelos órgãos públicos, da importância destes investimentos. A primeira justificativa é baseada na importância dos próprios achados sobre funcionamento neural para a área. Avanços no conhecimento de mecanismos básicos permitem que os cientistas possam desenvolver novas teorias sobre o funcionamento cerebral relacionado à Educação para serem testadas futuramente. Não se entende mais as ciências básicas e aplicadas como distintas. Já ultrapassamos estas concepções e entendemos que todo investimento em pesquisa é um investimento social. A segunda justificativa é de cunho mais aplicado; o entendimento dos mecanismos neurais nos permite identificar com maior precisão e objetividade, quais os candidatos mais apropriados para programas específicos e direcionados de intervenção. E se várias das intervenções são de grande eficiência, uma terceira justificativa está no entendimento dos mecanismos e processos neurais que constituem sua base. Saber sobre estes processos básicos nos leva a entender como e porque eles funcionam, além de permitir que futuros estudos e intervenções sejam desenvolvidos com eficiência ainda maiores. Para ilustrar a potencialidade da área em contribuir com a Educação, investigações na área de treino cognitivo utilizado diferentes metodologias tem evidenciado que os recentes avanços em técnicas de neuroimagem tem apresentado o mesmo poder exploratório dos eventos mentais e comportamentais, em termos de necessidades individuais de crianças, do que as medidas psicológicas (Klingberg, 2016).

Um dos lugares que a Neurociência certamente irá contribuir muito significativamente é no âmbito da inclusão escolar. Se entender as variações do desempenho escolar em crianças típicas já é um desafio por si só, imenso, quando pensamos em inclusão, nos deparamos com um desafio ainda maior. O professor tem lidar em sala de aula, com uma diversidade enorme de fatores que já limitam o processo de aprendizagem e, adicionalmente, com alunos que apresentam características individuais muito peculiares, dada à suas condições específicas, inclusive do ponto de vista do funcionamento cerebral. Crianças com dislexia, discalculia, disgrafia, déficit de atenção, hiperatividade, paralisia cerebral, autismo, síndrome de Down, entre outras tantas, apresentam anatomia e fisiologia cerebral que podem se assemelhar ou se distanciar enormemente do padrão típico. Certamente, estas crianças apresentam dificuldades adicionais no processo de aprendizagem que podem se apresentar, desde uma leve redução de desempenho até a incapacidade de superar o processamento de certos níveis de complexidade de informação. Conhecer como o cérebro destas crianças funciona, os impactos que as características funcionais e lesões cerebrais impõem ao aprendizado, fornecerão importantes subsídios para o planejamento de estratégias pedagógicas, adequadas às suas condições, garantindo uma inclusão escolar plena. A nós, é bastante claro que somente o conhecimento da dimensão do indivíduo que a Neurociência oferece, permitirá avanços significativos e de maior eficiência no processo de inclusão escolar. 

Acreditamos que avanços significativos na educação fundamental só irão ocorrer quando houver aumento nos recursos destinados à Educação, e que estes, abundantemente, as pesquisas interdisciplinares na área, incluindo a neurocientífica. A luta contra o fraco desempenho escolar necessita não só da melhora nas condições de ensino, no aumento de vagas e da permanência no ambiente escolar, da valorização e da remuneração adequada ao trabalho realizado pelos educadores, mas também de pesquisas amplas sobre as diferentes condições ligadas ao aprendizado escolar. É aqui que a Neurociência entra para contribuir com a área. Já está mostrado que o aumento ao acesso á educação, por si, não foi o bastante para ter uma educação e um aprendizado satisfatório (Queiroz, 2018). Muito pelo contrário, aumentou ainda mais as diferenças de aprendizado entre diferentes grupos socioeconômicos. Além destes aspectos socioeconômicos e psicológicos, precisamos entender os aspectos psicofisiológicos do aluno, os aspectos básicos sobre o funcionamento neural, que só a Neurociência pode oferecer.

As Consequências Negativas do Desconhecimento

Todo o esforço da psicologia do desenvolvimento, escolar, cognitiva e da neuropsicologia permitiram avanços importantes na identificação de desordens e distúrbios do aprendizado. A Neurociência vem somar neste campo, apresentando as causas ou relações psicofisiológicas cerebrais de tais condições, bem como as possibilidades de intervenção mais efetivas, pelo conhecimento das formas e tempos do funcionamento cerebral. Não obstante a todo este esforço, ainda encontra-se na literatura da área da Educação, trabalhos teóricos que tem imputado à ocorrência de estigmas e bullying no ambiente escolar, aos atos nomeados de medicalização da educação, criticando negativamente o papel dos diagnósticos psicométricos e da tendência de tratamento medicamentoso de condições atípicas do desenvolvimento.

Este certamente é um dos nós teóricos que enfrentamos na atualidade. De um lado, teorias centenárias e amplamente difundidas sobre aprendizado e desenvolvimento. De outro lado, o avanço das ciências psicológicas e da Neurociência, no entendimento do órgão humano central para a vida subjetiva, desvendando seu funcionamento que até a pouco mais de 20 anos era, praticamente, conhecido em superficialidade. Este momento histórico de enfrentamento de teorias com evidências científicas é, como esperado, repleto de discussões e embates conceituais-teórico-metodológicos.

O deslumbramento gerado pela descoberta de aspectos fundamentais do funcionamento do cérebro tem levado parte dos profissionais da educação e da saúde a arrastar de forma excessiva os achados sobre atividade cerebral e, de forma pouco controlada, aumentarem a procura por medicamentos que possam solucionar as queixas escolares e familiares. Contrariamente, se tem concepções teóricas que condenam de forma também extrema, o diagnóstico e o uso de medicação para controle comportamental e melhora dos estados atencionais das crianças, considerando-os não como desvios importantes, mas como diversidade. O desconhecimento sobre o funcionamento cerebral de forma mais aprofundada, naturalmente, pode levar a demandas de avaliações e tratamentos exageradas. No entanto, assumir que a causa para tais condições significantes é o diagnóstico psicométrico, corresponde a pretender que uma doença não exista, porque não foi diagnosticada, que seja considerada como uma diversidade. Todos nós sabemos dos benefícios de um bom diagnóstico nos casos de saúde, e porque não na educação? Ser capaz de identificar uma condição extrema é de suma importância, porém, de igual importância é saber o que fazer com esta informação. Pela nossa experiência, na maioria das vezes, os problemas ocorrem exatamente neste ponto; tem-se a condição pela escola e pela família, tem-se o diagnóstico, mas não se sabe como avançar a partir daí. Neste momento aparece o isolamento, a rotulação, o estigma, o bullying por parte de todos e o fracasso escolar por parte do aluno.

Os problemas que ocorrem na má condução dos casos de fraco desempenho escolar, na grande maioria das vezes, pelo que demonstramos, se dão por desconhecimento profundo da condição daquele aluno. No entanto, isto não pode ser justificativa para permanecermos no escuro do desenvolvimento científico e sob as premissas de teorias sobre aprendizado e desenvolvimento não validadas cientificamente. Desconsiderar importantes avanços científicos no campo, por posicionamentos político-teóricos é atitude grave e de mesma magnitude que submeter alunos a medicações e intervenções terapêuticas sem necessidade.

Durante muitas décadas, apenas as condições psicológicas e socioculturais puderam ser consideradas, mas chegou o momento de estendermos nossos conceitos para o entendimento sobre como funciona o cérebro do indivíduo que constitui as sociedades. Inclusive, a possibilidade de conhecermos sobre o impacto de condições socioeconômicas desprivilegiadas no próprio desenvolvimento cerebral. Estamos caminhando na direção de desvendar o cérebro que aprende. Junto disto, novos métodos de avaliação e metodologias de aprendizado cada vez mais individualizadas estão em pleno desenvolvimento. A Neurociência ocupa este lugar especial no campo da educação, estudando e investigando os diferentes níveis do funcionamento cerebral, do molecular ao sistêmico, do populacional ao individual, oferecendo uma rica fonte de informações para psicólogos e educadores desenvolverem seus trabalhos. Engana-se quem acredita que a Neurociência irá dispensar outros níveis de abordagem e intervenção, como o psicológico, o antropológico e o sociológico, assim como se enganam aqueles que se vinculam, de forma arraigada, a teorias centenárias não validadas cientificamente, perdendo oportunidade de revisitar e reformular tais conceitos.

Considerações Finais

Nos dias atuais, a educação escolar é valorizada tanto socialmente quanto culturalmente. Ter um bom desempenho escolar é um importante indicador de sucesso social futuro, ou seja, de um cidadão plenamente desenvolvido. A educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental são primordiais para a integração de nossas crianças na sociedade. Oferecer um ensino de qualidade é, antes de tudo, formar cidadãos plenamente desenvolvidos. Entender as condições que levam a um prejuízo da aprendizagem, sejam eles extrínsecos ou intrínsecos ao indivíduo, é o fator chave para possibilitar estratégias de ensino e intervenções de forma individualizada e o mais precocemente possível, minimizando, assim, os impactos destas condições.

A Neurociência se concentra em entender os mecanismos neurais que dão suporte às funções perceptuais e cognitivas, oferecendo informações valiosas sobre as estruturas e formas de funcionamento cerebral. Seja por identificar a causa psicofisiológica dos fracos desempenhos escolares, seja refletindo os impactos ambientais e sociais, a Neurociência contribui de forma única para o entendimento dos motivos que levam a tais condições. Associada à Psicologia e à Educação, formam um tripé indispensável para um conhecimento global, em diferentes níveis de processamento e análise da informação pedagógica e dos saberes escolares, capaz de promover eficientemente e com base em achados científicos, o avanço no desempenho escolar de nossas crianças.

Autores

Marcelo Fernandes da Costa: Ortoptista pela Universidade Federal de São Paulo, Mestre e Doutor em Neurociências e Comportamento pelo Instituto de Psicologia da USP, Pós-Doutor em Neurociências pela Universidade de Coimbra, Portugal, Livre-Docência em Psicologia Sensorial e Percepção pelo Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP. Atualmente é Professor Associado II do Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da USP, Vice Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Neurociências e Comportamento do IPUSP. Pertence ao Corpo de Editores de proeminentes periódicos científicos internacionais como Psychology & Neuroscience, Psicologia USP, Perception, Frontiers in Neuroscience, Visual Neuroscience, Vision Research entre outras.

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Elis Regina Campos Cortez Bezerra: Pedagoga pela Universidade São Camilo de São Paulo. Especialista em Neuropsicopedagogia pela Universidade Cruzeiro do Sul. Professora do Programa PET-Trampolim do Senac São Paulo, para inclusão profissional de pessoas com Deficiência Intelectual. Atuou na Escola de Educação Especial para crianças com Múltiplas Deficiências (CRECE). Atualmente é Professora de Ensino Fundamental da Prefeitura de São Paulo.

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Bibliografia

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