3372 Percepcao Do Enfermeiro Sobre A Comunicacao Terapeutica Na Atencao Primaria A Saude

Este trabalho objetivou descrever a percepção dos enfermeiros acerca da prática da Comunicação Terapêutica na Atenção Primária à Saúde em dois municípios pernambucanos. Estudo descritivo, com abordagem quantitativa, os enfermeiros pesquisados demonstraram uma autopercepção relacionada à atitude considerada adequada para a efetivação da comunicação terapêutica, muito embora tenham apresentado entendimento restrito para com dimensões relacionadas a esta técnica. Assinala-se a importância de incluir nos processos de educação permanente esta temática para propiciar o aperfeiçoamento teórico-técnico dos profissionais, visando garantir que o cidadão atendido seja o centro do cuidar em enfermagem.

Introdução

A reorganização dos serviços de saúde, um dos eixos relevantes na promoção da saúde, compreende não só aspectos técnicos e estruturais, mas a complexidade das relações que se estabelecem na Atenção Primária à Saúde (APS). Considerada primeiro nível de assistência e porta de entrada para o sistema de saúde, a APS abrange o processo de promoção de saúde (HADDAD et al., 2011). Sendo assim, esses autores compreendem este nível de atenção como estruturante para o Sistema Único de Saúde (SUS). Aceita esta prerrogativa, é importante enfatizar que este modelo de assistência busca na sua prática, atender aos sujeitos de forma integral, estando compatível com os princípios da integralidade e da equidade exigindo mudanças comportamentais e atitudinais por parte de todos os atores sociais nele envolvidos. Estas mudanças perpassam pelo processo de comunicação.

Neste cenário, a comunicação é um instrumento básico do cuidado em enfermagem que está presente em todas as ações realizadas com o paciente, seja para orientar, informar, apoiar, confortar ou atender suas necessidades básicas (PONTES; LEITÃO; RAMOS, 2008).

Stefanelli; Carvalho (2005) apontam a utilização da comunicação terapêutica (CT) como importante no processo de cuidar. Esta por sua vez, pode ser entendida como a capacidade que o profissional de enfermagem tem para usar seu conhecimento em relação à comunicação humana com o intuito de ajudar o cliente a descobrir e utilizar suas potencialidades para reconhecer e resolver seus conflitos e limitações pessoais, além de ajustar-se ao que não pode ser modificado e enfrentar desafios, aprendendo a viver da maneira mais saudável possível, tendo como meta encontrar um sentido para viver com autonomia.

Para alcançar uma comunicação satisfatória e prestar um cuidado humanizado, é preciso que o enfermeiro deseje envolver-se e reconheça que ficar ao lado do paciente para ouvi-lo é uma ação terapêutica e determinante no processo de recuperação da saúde. Entretanto Machado; Leitão; Holanda (2005), dizem que muitas vezes o enfermeiro possui uma visão mecanicista, compreendendo o indivíduo a partir de uma abordagem biológica, sem atentar para as dimensões psicológicas, históricas e culturais, quando na realidade a comunicação entre enfermeiro e usuários dos serviços de saúde deveria ser realizada de forma mais compreensiva e participativa. Dessa forma, Campoy; Merghi; Stefanelli (2005) asseveram que é importante valorizar a comunicação e o relacionamento interpessoal entre a enfermagem e as pessoas como ferramenta básica no atendimento, com vistas a uma assistência de enfermagem competente e humanitária.

Uma vez que a comunicação entre o profissional de enfermagem e a pessoa assistida é fundamental no processo de cuidar, o presente estudo teve como objetivo identificar os elementos da CT na relação clínica enfermeiro-usuário em atendimentos feitos na Atenção Primária à Saúde (APS) dos municípios de Altinho e Surubim-PE, a partir das dimensões: empatia, respeito, escuta receptiva e acompanhamento do paciente em suas reflexões.

Metodologia

Tratou-se de um estudo descritivo, com abordagem quantitativa. Foi realizado com os enfermeiros que atuam nas Unidades de Saúde da Família (USFs) distribuídas nos municípios de Altinho, com 08 enfermeiros e Surubim com 20, ambos com 100% de cobertura de USFs.

O trabalho de campo foi realizado no período de julho a agosto de 2012, cujo critério de inclusão considerado foi atuar na atenção primária à saúde; sendo excluídos os enfermeiros que estavam de férias ou em licença médica.

A obtenção dos dados ocorreu através da aplicação de dois questionários estruturados (apêndices A e B). O primeiro questionário (apêndice A) objetivou identificar a compreensão do enfermeiro em relação à CT. O segundo (apêndice B) teve o intuito de obter uma autoavaliação por parte dos enfermeiros à respeito da CT em sua prática profissional¹.

O questionário de autoavaliação apresentava 71 itens que referiam-se às atitudes adotadas pelos enfermeiros quando da consulta de enfermagem na APS, tendo tanto itens adequados quanto inadequados do ponto de vista da comunicação terapêutica, conforme detalhamento disposto na tabela 01.

 
   

Tabela 01 – Quantidade de itens adequados e inadequados por dimensão na prática da comunicação terapêutica.                                                                                                          

 

DIMENSÃO

ITENS

INADEQUADOS

ITENS

ADEQUADOS

TOTAL DE

ITENS

EMPATIA

2

8

10

RESPEITO

11

12

23

ESCUTA RECEPTIVA

9

14

23

ACOMPANHA O PACIENTE EM SUAS

REFLEXÕES

4

11

15

Total

26

45

71

 

Do total de 28 profissionais enfermeiros dos municípios, 03 não se disponibilizaram a participar do estudo; a amostra, portanto perfez 89,28% do universo pesquisado. O tratamento estatístico trabalhou frequências relativas e absolutas, além de proporções.

Resultados

 Participaram da pesquisa 25 profissionais, sendo 07 do município de Altinho e 18 de Surubim. No que diz respeito à compreensão geral do enfermeiro sobre a CT, bem como a utilização e as dificuldades encontradas na aplicação desta técnica, a tabela 02 a seguir, apresenta o consolidado das respostas às questões apresentadas.

Quanto ao entendimento dos enfermeiros sobre a CT relacionada às dimensões indicadas (empatia, confiança, respeito, flexibilidade e eficiência), apenas 4% do total dos enfermeiros pesquisados apontou a totalidade das dimensões. É importante salientar que para o município de Surubim, nenhum participante chegou a assinalar todas as dimensões.

No que se refere à utilização da comunicação terapêutica durante a realização de atividades práticas desenvolvidas na APS, 92% dos profissionais alegaram utilizá-la; enquanto 76% dos entrevistados informaram não sentir dificuldade em sua aplicabilidade.

Tabela 02. Distribuição dos profissionais segundo entendimento, utilização e dificuldades em relação à comunicação terapêutica por município, Altinho/Surubim-PE, 2012.

VARIÁVEIS

 

MUNICÍPIOS

 

 

TOTAL

 

ALTINHO

SURUBIM

 

 

 

n

%

N

%

n

%

Entendimento sobre comunicação terapêutica

1 a 2 conceitos

2

28,58%

10

55,55%

12

48%

3 a 4 conceitos

3

42,86%

8

44,44%

11

44%

5 conceitos

1

14,28%

0

0%

1

4%

Não responderam

1

14,28%

0

0%

1

4%

(continuação)

VARIÁVEIS

 

MUNICÍPIOS

 

 

TOTAL

 

ALTINHO

SURUBIM

 

 

 

n

%

N

%

n

%

Total

7

100%

18

100%

25

100%

Utilização da comunicação terapêutica durante as práticas

Sim

6

85,71%

17

94,44%

23

92%

Não

0

0%

1

5,56%

1

4%

Não responderam

1

14,28%

0

0%

1

4%

Total

7

100%

18

100%

25

100%

Dificuldade em aplicar a comunicação terapêutica

Sim

2

28,58%

3

16,67%

5

20%

Não

4

57,14%

15

83,33%

19

76%

Não responderam

1

14,28%

0

0%

1

4%

Total

7

100%

18

100%

25

100%

A tabela 03 a seguir, apresenta o consolidado relativo à frequência das atitudes dos profissionais quando do atendimento na APS relacionadas às dimensões da CT investigadas, como empatia, respeito, escuta receptiva e acompanhamento do paciente em suas reflexões, segundo a autoavaliação realizada pelos mesmos.

Tabela 03– Consolidado realtivo à frequência das atitudes dos enfermeiros, considerando as dimensões da Comunicação Terapêutica na atenção primária à saúde dos municípios de Altinho e Surubim, PE.

 

 

DIMENSÃO

TOTAL

TOTAL

Sempre

Às vezes

Nunca

 

 

 

 

 

n

n

 

n

 

Empatia

– Itens adequados

163

34

 

3

 

 

 

            250

– Itens inadequados

19

19

 

12

 

TOTAL

182

53

 

15

 

Respeito

          – Itens adequados

221

49

 

4

 

 

 

            574

– Itens inadequados

32

119

 

149

 

TOTAL

253

168

 

153

 

Escuta receptiva

         – Itens adequados

219

85

 

46

 

 

 

            575

– Itens inadequados

31

104

 

90

 

TOTAL

250

189

 

136

 

 

TOTAL

 

DIMENSÃO

Sempre

Às vezes

Nunca

TOTAL

n

n

n

Acompanha o paciente em suas reflexões

 

– Itens adequados

216

51

8

 

     

            375

– Itens inadequados

16

51

33

TOTAL

232

102

41

 

Para as atitudes empáticas, grande parte das ações consideradas adequadas do ponto de vista da CT, foi demarcada pelos profissionais como ações frequentes.

Com relação ao respeito a frequência de itens inadequados apresentou-se menor do que os itens classificados como apropriados para a CT.

Quanto à escuta receptiva, as ações mais frequentes foram classificadas como adequadas; de modo similar o acompanhamento ao paciente em suas reflexões, que foi assinalado pelos profissionais como atitude costumeira no atendimento ao paciente.

Discussões

Quanto ao entendimento dos enfermeiros, em virtude do baixo percentual de enfermeiros que compreendiam a CT como relacionada às diversas dimensões apontadas no instrumento aplicado para coleta dos dados, pôde-se concluir que os profissionais pesquisados apresentavam compreensão restrita neste tocante. Estes achados coadunam-se com os estudos de Pontes; Leitão; Ramos (2007) quando se questionou o entendimento dos enfermeiros a respeito da comunicação terapêutica, os mesmos apontaram tratar-se de uma conversa entre enfermeiro e paciente ou ainda a relacionaram com o estado clínico do paciente. Entretanto, de acordo com Mourão et. al (2009) desde o processo de formação acadêmica, o enfermeiro deve aprender o significado da comunicação para poder levá-lo à prática.

Percentual representativo de profissionais que alegou utilizar a CT em sua práxis diária. Estes resultados reforçam o que Pontes; Leitão; Ramos (2007) alegaram, indicando o processo de CT como prioritário, relevante e essencial da atividade de enfermagem.

Os participantes da pesquisa informaram não sentir dificuldade em aplicar a CT em suas atividades. Por outro lado, Stefanelli (1993) afirma que existem vários tipos de dificuldades que impedem uma comunicação eficaz entre as pessoas, denominadas barreiras à comunicação, decorrentes da falta de habilidade para ouvir, ver sentir e compreender a mensagem ou o estímulo recebido.

Com relação às dimensões pesquisadas, identificou-se que grande parte das atitudes consideradas adequadas à CT foram indicadas pelos enfermeiros como sendo sempre aplicadas. Em contrapartida, àquelas classificadas como inadequadas foram identificadas como nunca utilizadas. Sem dúvida, o uso frequente de atitudes adequadas configura a aplicação da CT nas atividades de enfermagem.

Conclusões

É consenso de que a comunicação interpessoal é uma habilidade fundamental que deve ser adquirida pelo enfermeiro que possibilita um cuidar consciente e transformador, na medida em que o processo de interação propicia a troca entre o profissional e à pessoa assistida. Estabelece também a possibilidade do paciente participar do esquema terapêutico que lhes é proposto pelo enfermeiro que dependem efetivamente do processo de comunicação implementado. Neste momento, o empowerment pode ocorrer, sendo este uma das premissas da promoção à saúde que pode ser desenvolvida com maestria pela Atenção Primária à Saúde. Portanto, a utilização da comunicação terapêutica neste nível de atenção à saúde é urgente e fundamental.

O presente estudo por sua vez, identificou que apesar dos enfermeiros não relacionarem dimensões intrínsecas à comunicação terapêutica, demonstrando uma compreensão restrita sobre esta técnica, alegaram não sentir dificuldade quando da sua aplicação. Corrobora com esta última análise, a percepção que os mesmos possuem em relação às ações práticas desenvolvidas na atenção primária à saúde, calcadas por atitudes adequadas e apropriadas para a efetivação da CT.

Atenta-se, portanto, para a importância de cada vez mais, incluir nos processos de educação permanente o componente relacionado à comunicação terapêutica, propiciando aos profissionais, aperfeiçoamento teórico-técnico em torno de sua práxis, visando garantir que o cidadão atendido seja o centro do cuidar em enfermagem.

Referências bibliográficas

CAMPOY,Marcos Antonio; MERIGHI ,Miriam Aparecida Barbosa; STEFANELLI – Maguida Costa. O ensino de enfermagem em saúde mental e psiquiátrica: visão do Professor  e do aluno na perspectiva da fenomenologia social. Revista Latino-Americana de Enfermagem, São Paulo, 2005; v.13, n.2, p.165-172.

DURMAN, Solânia; DIAS ,Denise Costa; STEFANELLI, Maguida Costa. Utilização de jogo educativo para construção de conceitos relacionados a comunicação terapêutica. 8º Simpósio. Brasileiro de Comunicação em Enfermagem. 2000; p. 01-05.

FERMINO, Tauani Zampieri; CARVALHO Emilia Campos. A comunicação terapêutica com pacientes em transplante de medula óssea: perfil do comportamento verbal e efeito de estratégia educativa. Cogitare Enfermagem, Ribeirão Preto, 2007; v. 12, n.3, p. 287-295.

FERREIRA, Grasiela; BICUDO, Eliane; CARVALHO, Diane; POSSO,Maria Belen; CHAGAS, Luciene Reginato. A Importância da Comunicação no Processo de Enfermagem: A Visão do Enfermeiro. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba, 2009; p.01-06.

HADDAD, Jerusa Gomes Vasconcellos; MACHADO, Eliara Pilecco; NEVES-AMADO, João; ZOBOLI, Elma Lourdes Campos Pavone. A comunicação terapêutica na relação enfermeiro-usuário da atenção básica: um instrumento para a promoção da saúde e cidadania. O Mundo da Saúde, São Paulo, 2011; v. 35, n. 2, p. 145-155.

LÓPEZ, Martha Landeros; CARVALHO, Emilia Campos. A comunicação terapêutica durante instalação de terapia endovenosa: uso de simulação filmada. Revista Latino- Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, 2006; v.14, n.5, p. 658-665.

MACHADO, Márcia Maria Tavares; LEITÃO,Glória da Conceição Mesquita; HOLANDA,Francisco Uribam Xavier. O conceito de ação comunicativa: uma contribuição para a consulta de enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, 2005; v.13, n.5, p. 723-728.

MOURÃO, Carla Monique Lopes et al. Comunicação em Enfermagem: uma revisão bibliográfica. Revista Rene. Fortaleza, 2009; v. 10, n. 3, p. 139-145.

PONTES, Alexandra Carvalho; LEITÃO, Ilse Maria Tigre Arruda; RAMOS, Islane Costa. Comunicação terapêutica em Enfermagem: instrumento essencial do cuidado. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, 2008; v. 61, n. 3, p. 312-318.

SANTOS, Miria Conceição Lavinas; SOUSA, Francisco Stélio; ALVES, Pricilla Cândido; BONFIM, Isabela Melo; FERNANDES, Ana Fátima Carvalho. Comunicação terapêutica no cuidado pré-operatório de mastectomia. Revista Brasileira de Enfermagem, Brasília, 2010; v.63, n.4, p. 675-678.

STEFANELLI, Maguida Costa; CARVALHO, Emilia Campos de. A comunicação nos diferentes contextos da enfermagem – Barueri, SP: Editora Manole, 2005.

STEFANELLI, Maguida Costa. Comunicação com paciente: teoria e ensino. São Paulo: Robe Editorial, 1993.

Autores

José Nivaldo Sousa de Lemos – Enfermeiro

Carlos Wilson de Oliveira- Enfermeiro

Cristiana Acevedo Zarzar- Enfermeira

Elaine Gizely Rodrigues Alves – Enfermeira

Luana Batista da Silva – Estudante de Pedagogia

Jéssica Andrade de Albuquerque – Psicológa

Edson Meneses da Silva Filho – Fisioterapeuta/Educador Físico