3220 Jogos E Materiais Manipulaveis No Ensino De Matematica

admin37109
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Resumoartigo 20161109

Alunos surdos precisam de uma pedagogia sensorial e visual e, para isso, jogos e materiais manipuláveis são ferramentas importantes. Este estudo tem como objetivo analisar a importância dos jogos e materiais manipuláveis no ensino de matemática, em escolas de educação bilíngue para alunos surdos. Este estudo foi realizado no âmbito da abordagem de Vygotski (1896-1934) psicólogo russo. O autor defendeu a linguagem de sinais e o trabalho como princípio básico para a educação de alunos surdos. Defendeu, além disso, a importância do jogo no desenvolvimento da criança. Para Vygotski, existem dois tipos de conceitos matemáticos: culturais e naturais. Os conceitos culturais são aprendidos através de instruções. Os conceitos naturais são desenvolvidos naturalmente nas interações. Dentro e fora, menor e maior, são exemplos de conceitos naturais. Numeral, medida e geometria, são exemplos de conceitos culturais. A pesquisa foi realizada em três escolas na região do Oeste do Paraná, Brasil. Foram entrevistados três professoras e concluiu-se que os jogos são usados para desenvolver no aluno algumas capacidades, como raciocínio. Os materiais manipuláveis são usados para ensinar conceitos culturais matemáticos.

Palavras-chave: Jogos; Materiais Manipuláveis; Vygotski; Educação de Surdos;Ensino de Matemática.

Abstract

Deaf pupils need a sensorial and visual pedagogy and, for this, games and manipulative materials are important tools. This study aims to analyze the importance of games and manipulative materials in mathematics teaching at bilingual education schools for deaf pupils. This study was done under Vygotski’s approach. Vygotski (1896-1934), a Russian psychologist, defended signal language and laboras basic tenet for the education of deaf pupils. The author also defended the importance of games in the child development. To Vygotski, there are two kinds of mathematical concepts: cultural and natural. The cultural concepts are learned through instructions. The natural concepts are developed naturally in the interactions. Inside and outside, smaller and bigger are examples of natural concepts. Numeral, measure and geometry are examples of cultural concepts. The research was made in three schools in the West Paraná region in Brazil. We interviewed three teachers and concluded that games are used to develop in the pupil some capacities, like reasoning. The manipulative materials are used for teaching mathematical cultural concepts.

Keywords: Games; Manipulative Materials; Vygotski; Deaf Education; Mathematical Teaching.

O presente artigo trata sobre a importância dos jogos e dos materiais manipuláveis no ensino de matemática às crianças surdas. O referencial teórico adotado é a psicologia histórico-cultural, de Vygotski. A pesquisa foi realizada na Escola Lucas Silveira para Surdos da Associação de Pais e Amigos dos Surdos de Foz do Iguaçu/PR (APASFI), no Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às Pessoas com Surdez, Cascavel/PR (CAS), e na Associação Cascavelense de Amigos de Surdos, Cascavel/PR (ACAS). O projeto foi submetido ao comitê de ética em pesquisa com seres humanos pela Plataforma Brasil para o Conselho de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual do Oeste do Paraná. Partindo-se da hipótese de que os professores usam jogos para ensinar conteúdos às crianças surdas, e que têm conhecimentos sobre a importância dessa prática, o objetivo geral foi analisar, à luz da psicologia histórico-cultural, os jogos e materiais manipuláveis utilizados no ensino de matemática de crianças surdas.

Os objetivos específicos foram:

  1. Identificar jogos e/ ou materiais manipuláveis utilizados para ensinar matemática em escolas de surdos;
  2. Caracterizar os jogos e/ ou materiais manipuláveis utilizados pelos professores no ensino de matemática de crianças surdas, quanto aos objetivos, materiais e procedimentos.

Para atender aos objetivos, foram entrevistadas três professoras de escolas bilíngues.

O ensino de matemática para crianças surdas

Várias pesquisas apresentam dados sobre a importância dos jogos no ensino de matemática para crianças surdas. Segundo Viana e Barreto (2011), na medida em que jogam, as crianças surdas tornam-se mais hábeis em resolver situações problemas e compreender conceitos e operações matemáticas. Para Chaves (2011), o jogo ajuda a formar conceitos espontâneos e científicos e é meio de expressão de sentimentos. Batagin e Malaguetta (2013) e Morás (2012), afirmam que os jogos são indispensáveis na educação de matemática para alunos surdos, por serem visuais e concretos.

Segundo Vasconcelos (2010), alunos surdos precisam de recursos adicionais.A presença do intérprete de língua de sinais, em escolas inclusivas, é condição importante, mas não suficiente, para o aluno surdo ser incluído. É necessário que o intérprete integre suas atividades com professores e que passe por formação continuada.

Costa e Silveira (2014) alertam para o fato de que a linguagem utilizada na escola inclusiva nem sempre tem correlato em Libras. O certo seria que o professor da turma dominasse a língua de sinais e pudesse dar as mesmas explicações em Libras e língua portuguesa.

Nogueira (2009) explicita alguns princípios fundamentais para o ensino de matemática à criança surda, considerando-se a abordagem bilíngue, defendida pela comunidade surda:

  • Ao ingressar na escola inclusiva, o aluno surdo deve já ser fluente em Libras e dispor de um intérprete da Língua Brasileira de Sinais (Libras), adotada no Brasil;

    No bilinguismo, a Libras é a primeira língua, e, a língua portuguesa na modalidade escrita, a segunda. A língua portuguesa na modalidade escrita é ensinada através de Libras;
  • No ensino da criança surda, é importante uma pedagogia visual e multisensorial. Jogos são bons instrumentos para essa abordagem;
  • O ensino de geometria é importante para a criança surda, pois ajuda a compreender e representar o espaço..

    Bertoli (2012) também cita a importância do uso de tecnologias no ensino de matemática para surdos, como o computador e a calculadora.

Com base em algumas evidências empíricas, autores defendem que a inclusão deve ocorrer de modo a integrar alunos surdos, ouvintes, professores e intérpretes. De acordo com Leonel e Borges (2012), mesmo na escola inclusiva é preciso elaborar métodos para ensinar surdos, que poderão ser benéficos a ouvintes também. Por exemplo, ambos podem aprender Libras. Atividades que privilegiam a escuta, tal qual o ditado, impedem a participação dos surdos. Segundo Castro (2010), a geometria pode funcionar como elo entre o professor ouvinte e o aluno surdo no que diz respeito ao saber matemático.

Dentre as pesquisas, há consenso acerca da importância dos jogos e da pedagogia visual para os surdos.

A educação de surdos segundo Vygotski

Vygotski viveu entre 1896 e 1934. Produziu uma teoria educacional vasta, pautada em estudos sobre psicologia, paidologia, critica literária, linguística e neurologia. Viveu na Rússia socialista e produziu sua teoria com base no método Materialista Histórico-Dialético, de Marx. Legou importantes contribuições em várias áreas e, também, para a educação de surdos, cegos e deficientes mentais.

Segundo Silva (2002), nos primeiros trabalhos Vygotski não admitia a importância da língua de sinais. Defendia a oralização, método que visa ensinar o surdo a falar e realizar leitura labial. Mais tarde percebeu que a oralização da criança surda impede a interação, sendo apenas um treino mecânico, sem significado. O autor percebeu que, quando a criança passa muito tempo sendo treinada, acaba por não ter possibilidade de interagir, o que prejudica o desenvolvimento cognitivo. Em sua época, Vygotsky chamava a língua de sinais de “mímica”, e o “surdo” de “surdo-mudo”. Hoje essas denominações são inadequadas. O surdo tem aparelho fonador e pode falar, só não fala porque não ouve.

Para Vygotski (2000), toda aprendizagem gera desenvolvimento. Quando determinada aprendizagem não é possível por uma via, devem ser elaboradas vias colaterais. Por exemplo, a escrita é importante para a interação e o acesso à cultura, mas exige a visão. Para que a criança cega tenha acesso à escrita, é preciso uma via colateral para o desenvolvimento cultural, que é o Braile. A língua de sinais também pode ser considerada uma via colateral para o desenvolvimento cultural.

Vygotsky (1997) considera que a educação pré-escolar é a principal etapa para o aprendizado da linguagem da criança, base de todo sistema educativo. Na educação infantil, a partir do que a criança já traz consigo, por exemplo, o balbucio infantil, a mímica e os gestos naturais, começa-se a ensinar a linguagem. Para as crianças surdas, os aspetos naturais, como o balbucio, a mímica e os gestos, podem naturalmente desaparecer se não ajudarem nas interações sociais. Assim, o autor postula a importância da língua de sinais para o desenvolvimento da criança surda.

Além disso, para Vygotski (1997) a interação gera aprendizagem, e esta pode ser desenvolvida no processo de trabalho. Na educação de surdos o trabalho também é importante processo educativo. O surdo tem a mesma capacidade de aprender que qualquer outra pessoa. Mantém intacta a capacidade de trabalhar, só faltando uma via de percepção do mundo, que é a audição, podendo esta ser substituída por vias colaterais, como a língua de sinais. Além do trabalho, o jogo, que será tratado no tópico seguinte, é importante princípio educativo na teoria de Vygotski.

A importância dos jogos no ensino de matemática segundo a teoria de Vygotski

Pesquisas apontam que a imitação é característica dos jogos e brincadeiras, tanto para surdos, quanto para ouvintes. Silva (2002) observou que é comum as crianças surdas imitarem o mundo ouvinte, por exemplo, fazendo de conta que falam ao telefone ou tocam um instrumento.

Segundo Vygotski (1966), quando a criança brinca, representa coisas ilusórias e ações que só são possíveis na imaginação, utilizando objetos que existem na realidade e aferindo-lhes outros significados. A ação que o objeto permite realizar leva a criança a lhe aferir significado distinto do real. Por exemplo, pode fazer de conta que uma vassoura é um cavalo porque pode usá-la na representação de cavalgada. O jogo é a principal fonte de desenvolvimento da criança na idade de zero a seis anos, mas não se resume a ser atividade prazerosa, pois é carregado de experiências fortes. Retirando do jogo aquilo que é situação imaginária, sobra um conjunto de regras. Por exemplo, a criança que faz de conta que é mãe, age de acordo com as regras do que é ser mãe. Por este motivo, o jogo leva a criança a agir de modo mais evoluído e racional, na chamada “Zona de Desenvolvimento Potencial”. Tudo o que a criança já executa sozinha sem ajuda de um adulto ou par mais capaz, é o que se encontra na sua zona de desenvolvimento real. Ao agir de modo mais evoluído, pela mediação de algo ou alguém, a criança atua no que Vygotski chama de “Zona de Desenvolvimento Proximal”.

Vygotski não trata especificamente do jogo no ensino de matemática, mas sim dos conhecimentos matemáticos, o que permite algumas relações e inferências. Para Vygotski (2000), há dois tipos de conceitos de matemática: naturais e culturais. A criança passa de uma percepção natural da aritmética para uma aprendizagem cultural, sendo esta última dependente de transmissão sistemática.

“Así pues, la tesis fundamental consiste en lo siguiente: en una determinada etapa de su desarrollo, el niño llega a comprender el carácter limitado de su aritmética y comienza pasar a la aritmética mediada. (…) La aritmética escolar constituye un momento de cambio. Aunque la aritmética preescolar entra en conflicto con la escolar, eso no significa que la escuela aborde su enseñanza de manera puramente mecánica. En ese choque tiene lugar una etapa nueva, de desarrollo del cálcul.” (VYGOTSKY, 2000, p. 211).

A partir da teoria de Vygotski é possível inferir que os jogos podem assumir aspecto pedagógico, possibilitando tanto a aprendizagem da matemática natural (maior e menor, menos e mais, dentro e fora, etc.), quanto o ensino da matemática cultural (relações entre números e numerais, algoritmos, conjuntos numéricos, frações, etc.).

Na perspectiva do uso pedagógico, Dohme (2011) considera que adultos podem propor jogos como meio para atingir objetivos educacionais, cabendo selecionar qual é o jogo e o vinculo adequado para transmitir a mensagem educacional que deseja.

Para o desenvolvimento de crianças, existem jogos que influenciam em várias áreas. Segundo Santos e colaboradores (1995), o quebra-cabeça desenvolve a atenção, a concentração, a discriminação visual e a relação parte/todo. O dominó exercita o pensamento lógico, a atenção, a concentração e a identificação de semelhanças e diferenças. O bingo de animais melhora a concentração, a discriminação visual e a identificação de animais. Sequência de atributos auxilia na percepção visual e na noção da sequência lógica. O bingo de letras desenvolve a atenção, a percepção visual e o reconhecimento das letras. O alfabeto móvel auxilia na percepção visual e aprendizagem da leitura. A boneca de pano trabalha a imaginação e a improvisação na brincadeira de faz de conta.

Kishimoto (2011) aponta que as divergências em torno do jogo educativo estão relacionadas com a presença de duas funções, a saber: função lúdica e função educativa. Na função lúdica, o jogo propicia a diversão, o prazer e até o desprazer. Na função educativa, o jogo ensina algo e desenvolve a cognição. Ambas as funções, quando equilibradas, chegam ao objetivo do jogo educativo. Jogos podem desenvolver conteúdos específicos ou habilidades cognitivas. Envolvem competição, resolução de problemas e tarefas desafiadoras. Permitem a autoavaliação em torno do alcance de determinado objetivo a ser atingido, podendo exigir o emprego de estratégias.

Materiais manipuláveis são usados diretamente para o ensino de determinado conteúdo matemático. Nessa pesquisa, optou-se por adotar o conceito de materiais manipuláveis conforme explicitação de Reys (1971) (apud Pereira e Oliveira 2016 e apud Nacarato, 2005). Nesta perspectiva, os materiais manipuláveis são objetos que podem ser tocados, manipulados e movimentados no intuito de cumprir determinada tarefa e expressar uma ideia. De acordo com Nacarato (2005), os materiais manipuláveis ganharam destaque a partir de Pestalozzi (1746-1827), pedagogo suíço que defendia a ação, a experimentação e o uso de material concreto no ensino. No Brasil, os materiais concretos foram difundidos na década de 1920 a partir da tendência, no ensino de matemática, conhecida como empírico-ativista, signatário do ideário Escolanovista que, contrário ao ensino tradicional, preconizava uma abordagem ativa, centrada na aprendizagem do aluno.

A partir da explicitação dos autores, é possível inferir que ábacos, contas, réguas, fichas, sólidos geométricos, material dourado, dentre outros, são exemplos de materiais manipuláveis. Além disso, supõe-se ser possível transformar materiais manipuláveis em jogos, dependendo dos modos como são utilizados. Tanto jogos, quanto materiais manipuláveis, são úteis no ensino de matemática de crianças surdas, pois são carregados de aspetos visuais.

Entrevistas com professoras de escola de surdos sobre o uso de jogos e materiais manipuláveis no ensino de matemática

Para entender como as professoras usam jogos no ensino de matemática às crianças surdas, foi feita uma pesquisa qualitativa, do tipo estudo de caso. A escolha das escolas foi feita de acordo com cinco critérios:

  1. Escolas apenas para surdos;
  2. Escolas que adotam o bilinguismo, no qual a Libras é a primeira língua e a língua portuguesa é ensinada como segunda língua, através de Libras, na modalidade escrita;
  3. Escolas situadas em Foz do Iguaçu e Cascavel, municípios do Oeste do estado do Paraná;
  4. Escolas com presença de professores que utilizassem jogos e ? ou materiais manipuláveis no ensino de matemática para surdos;
  5. Escolas cujos professores aceitassem participar da pesquisa.

As entrevistas nas escolas tiveram, neste trabalho, o objetivo de recolher informações acerca dos benefícios que o jogo pode trazer no ensino de crianças surdas. Três professoras responderam ao roteiro de entrevistas que segue abaixo.

  1. Quais as principais características da escola? (Número de turmas, alunos e professores. Estrutura física; Faixa etária e características gerais dos alunos atendidos).
  2. Conte a história da sua formação profissional.
  3. Há quanto tempo você leciona?
  4. Na sua formação profissional, você aprendeu a usar jogos para o ensino da criança surda?
  5. Todas as crianças para as quais você dá aula se comunicam com a língua de sinais? Você precisa ensinar a língua de sinais?
  6. Todos seus alunos são filhos de pais ouvintes?
  7. Em sua opinião, qual a importância dos jogos na educação de crianças surdas?
  8. Você usa jogos em todas as aulas?
  9. Todas as suas aulas são ministradas dentro da sala de aula? Você ministra aulas fora da sala de aula? Quais?
  10. Você pode mostrar os jogos e materiais manipuláveis que utiliza em sala de aula e como eles funcionam?
  11. Os jogos e materiais que você utiliza são comprados ou são confeccionados por você?
  12. A escola tem recursos financeiros para a compra de jogos e materiais?
  13. Em sua opinião, as crianças aprendem melhor quando são usados jogos?
  14. Quais conteúdos você ensina usando jogos?

Todas as entrevistas foram gravadas e depois reescritas, em formato de texto, com destaque para as ideias principais. Alguns trechos das entrevistas foram transcritos. Após, foi realizada uma compilação dos principais jogos utilizados nas três escolas.

Professora 1 (P1)

A primeira professora entrevistada tem formação em Geografia e Matemática. Trabalha há dez anos com Matemática e, com surdos, há 25 anos. Na escola especial para surdos, leciona do 6º ao 9º ano. Concluiu pós-graduação em educação especial, educação de jovens e adultos e,na época da entrevista, estava fazendo o PDE . Atende 2 turmas do 9º ano, uma com 8 meninos, outra com 7 meninos e 3 meninas. No sexto ano, leciona pela manhã, tendo 4 alunos. Os alunos têm entre 12 a 16 anos. Todos os alunos das turmas são filhos de pais ouvintes.

A escola tem professores surdos e ouvintes. Quando os alunos chegam à escola, precisam aprender a língua de sinais. O primeiro professor que ensina Libras é surdo. Entretanto, em todos os níveis de ensino ainda se faz necessário ensinar sinais.

O 1º ano é ofertado para alunos a partir dos 7 anos. Entretanto, dá-se o caso de muitas crianças chegarem tarde à escola. Há alunos que, além da surdez, apresentam outras deficiências. Segundo ela, a escola recebe alunos com surdez e deficiência intelectual, autismo e deficiência física.

P1 conta que, na sua formação, não aprendeu a usar jogos para crianças surdas, mas aprendeu jogos no geral.

“Os jogos para os surdos eles não diferem dos outros, do ouvinte, o que faz a diferença é a língua que será usada que neste caso pra o surdo é a língua de sinais. Os jogos são os mesmos” (Trecho de entrevista com P1).

Conta que aprendeu sobre jogos principalmente na Licenciatura em Matemática, onde desenvolveu projetos sobre jogos em geral.

Diz utilizar jogos constantemente. Os alunos da tarde estudam na escola regular pela manhã e frequentam a escola de surdos à tarde para receber reforço. Nas aulas de reforço ela trabalha com muitos jogos, principalmente com os alunos do 6º ano.

“Eu acredito, não só para a criança surda, mas para a criança no geral, o jogo é de suma importância. E principalmente o surdo, porque o surdo, eles adquirem muito através do visual, entendeu? O visual e o material manipulativo, então jogo contribui mais ainda, para o surdo”. (Trecho de entrevista com P1)

A professora usa jogos computacionais, que retira de vários sites. Com jogos computacionais trabalha as operações matemáticas básicas.

Na sala de aula expõe os jogos computacionais no telão (Data show) e os alunos vão visualizando, resolvendo e calculando no caderno. No laboratório de informática, cada um usa um computador para jogar o mesmo jogo projetado no telão. Os alunos seguem o jogo no telão e vão resolvendo cada um no seu computador. As aulas são ministradas em lugares diversos: sala de aula, laboratório de informática, pátio, biblioteca e salão. Os alunos fazem trabalhos em grupo e em duplas.

Segundo ela, os alunos brincam muito de pular corda, amarelinha e muitos outros que se adaptam em língua de sinais. Alguns jogos são criados a partir dos que já existem, reinventados para a língua de sinais.

Existem na escola jogos comprados, sendo que há recursos financeiros para tal. Outros jogos são confeccionados, alguns junto aos alunos. No ensino de matemática, a professora diz que as crianças aprendem melhor quando usam jogos. Por isso usa jogos em todos os conteúdos.

Professora 2 (P2)

A segunda professora a ser entrevistada é formada em Pedagogia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná com pós-graduação em educação especial. Leciona desde 2010.

Ministra aulas de complementação pedagógica a 8 alunos surdos incluídos no ensino regular, com idades compreendidas entre 9 e 57 anos de idade, matriculadas no Ensino Fundamental II e Médio. Comenta que os alunos mais velhos apresentam atraso na aprendizagem, sem comprovação de deficiência intelectual. Todos os alunos da turma são filhos de pais ouvintes, sendo que alguns não são fluentes em língua de sinais.

Na formação profissional, P2 não aprendeu a usar jogos, isso foi aprendido na prática, devido às necessidades no trabalho.

“Os jogos são extremamente importantes porque é o material que mais se utiliza com os surdos. Nem só os jogos, mas qualquer outro tipo de material visual, como os vídeos, figuras e recortes. Toda produção que é visual pra eles, contribui bastante para o ensino. Uso para fixar os conteúdos” (Trecho de entrevista com P2).

Não usa jogos em todas as aulas, mas em grande parte. A escola dispõe de jogos computacionais, em CD, enviados pelo Instituto Nacional dos Surdos (INES). São jogos a partir de histórias clássicas da literatura contados em Libras para trabalhar a interpretação.

Todas as aulas são ministradas na sala de aula. Os alunos só saem quando tem o núcleo de convivência. Muitos jogos foram reinventados, outros confeccionados e alguns tirados da internet. Segundo a professora não há jogos em Libras para comprar. A escola não tem recursos financeiros para a compra de jogos. O recurso utilizado não é da escola especial para surdos, mas da Educação de Jovens e Adultos.

P2 considera que, com os jogos, os alunos apresentam menos dificuldades na aprendizagem. Diante das dificuldades, a professora explica ou joga uma vez junto para mostrar como é, até que os alunos consigam jogar sem ajuda docente. A única dificuldade é lidar com a perda no jogo de competição.

Usa jogos confeccionados e computacionais para trabalhar português, geografia e ciências. Alguns alunos ainda apresentam dificuldades com as quatro operações.

Professora 3 (P3)

P3 graduou-se em Matemática na Universidade Estadual do Oeste do Paraná e concluiu pós-graduação em Educação Especial e Ciências. Em formação não aprendeu a usar jogos para ensinar surdos, mas seu trabalho de conclusão da pós-graduação foi sobre jogos na educação especial na área da surdez. Em 2001, começou a trabalhar na escola para surdos. É interprete de Libras e trabalhou como intérprete de surdos que frequentavam o curso técnico de Processamento de Dados.

Cada uma de suas turmas tem dez alunos. Os poucos alunos fora da faixa etária da série, além da surdez, apresentam outras deficiências, ou então passaram a frequentar a escola tarde. Considera os jogos importantes porque os surdos precisam de uma pedagogia visual e necessitam de interações.

Conta que aproximadamente 98% dos alunos surdos são filhos de pais ouvintes. Alguns alunos aprendem Libras no contraturno e estudam em escola inclusiva. Alunos surdos filhos de pais ouvintes não aprendem a língua de sinais em casa, mas sim na escola, o que dificulta para os que chegam atrasados. Quanto mais nova a criança, mais rápida é a aprendizagem de Libras. Há família que não aceita que a criança não fale, mas, mesmo assim, utiliza sinais inventados em casa para a comunicação. A partir dos sinais ensinados em casa, a professora ensina o sinal correto. A aprendizagem da língua de sinais é natural.

Afirma que os surdos perdem muita coisa pela ausência da língua de sinais nas famílias, como os conceitos mais básicos, longe e perto, aqui e ali, dentro e fora, grande e pequeno, que a criança ouvinte vai à escola sabendo. Com os jogos na educação de surdos, é mais fácil a aprendizagem, pois surdos precisam do visual e da interação.

“São interessantes os jogos num sentido de cativar, criar um vínculo, porque com os jogos consegue-se entrar no mundo deles e eles entrarem no nosso mundo e o professor consegue atingir mais. É algo mais humano, quando você esta ai brincando você vê. É diferente de fazer um trabalho em grupo por exemplo. Os jogos precisam participação de todos e de que um ajude o outro, e evoluam juntos, é uma troca bem maior.” (Trecho de entrevista com P3)

A professora trabalha jogos em todas as séries, do primeiro ao quinto ano e utiliza pátio e sala de aula. Jogos muito simples são importantes ferramentas de ensino.

“No começo eles não sabiam nem a sequência da amarelinha, mas o jogo ajudou-os a saber. A amarelinha ajuda no estudo dos números. Eles têm que jogar a pedrinha, e eles não podem pisar na casa onde está a pedrinha, eles têm que parar numa casa antes. Com isso eles vão ter as noções do antes, depois, menor e maior, o próximo e o longe, a sequência, de ir de voltar. Isso tudo é importante para ensinar números. Uma brincadeira super simples que trabalha muita coisa”. (Trecho de entrevista com P3)

A professora diz que a escola dispõe de laboratório de informática, que ela utiliza para trabalhar jogos computacionais com os alunos do contraturno que frequentam escola inclusiva. Os jogos não computacionais são trabalhados com todos os alunos. Alguns jogos são comprados, outros são adaptados em Libras e confeccionados pela professora e outros, ainda, confeccionados junto com os alunos. A escola tem recursos para a compra de jogos. No entanto, a professora afirmou que prefere confeccioná-los, pois, assim, consegue criar jogos mais de acordo com as necessidades dos alunos. Alguns alunos não têm tanta coordenação para confeccionar os próprios jogos. Por outro lado, os jogos comprados muitas vezes não são de fácil compreensão. As crianças apresentam algumas dificuldades na compreensão de como se joga.

Os alunos têm menos dificuldades de jogar do que de executar trabalho mais abstrato. Por exemplo, o algoritmo realizado no caderno é mais abstrato do que a operação concreta. A professora também faz jogos competitivos, com o objetivo de ensinar o aluno a ganhar e perder.

Análise do uso de jogos segundo as entrevistas

Não há jogo específico para os surdos. Há uma adaptação de jogos existentes para o ensino em Libras. As professoras entrevistadas demonstraram saber na prática o que Vygotski afirma em teoria: os surdos entendem tudo o que um ouvinte entende, contanto que tenham acesso à língua de sinais. O conceito da matemática cultural mais trabalhado é a relação entre número e numeral, por escrito e em Libras.

Tabelas 1 – Jogos

JOGOS OBJETIVO P1 P2 P3
Memória 

Memorizar

Sequenciar

  X  
Dominó  Desenvolver concentração e raciocínio lógico (P1)

Número e Numeral (P2)
 X X  
Nunca 4 Número e numeral em Libras    
Xadrez Desenvolver raciocínio (P1) (P3)

Desenvolver capacidade de pensamento estratégico (P3)
X   X
Futebol de Mesa Número e numeral. Multiplicação X    
Uno Adição e Subtração (P1)

Desenvolver Raciocínio (P3)
X   X
Trilha Adição e Subtração X    
Dominó educativo em Libras Números e numerais em Libras X    
Bingo Número e numeral X   X
Dominó de divisão Divisão X   X
Quebra-cabeça Desenvolver da atenção e da concentração     X
Roleta da tabuada Tabuada      X
Dominó da tabuada Tabuada      X
Labirinto tridimensional Desenvolvimento do raciocínio lógico     X
Objetivo não associado a jogo específico Aprender a ganhar e a perder.

Interagir
X X X

 

Os jogos são usados para trabalhar prioritariamente o desenvolvimento do que Vygotski chama de matemática natural, além, também, de algumas capacidades cognitivas (raciocínio) e morais (aprender a ganhar e perder). Os únicos conteúdos culturais de matemática trabalhados com jogos são as quatro operações e as relações entre números e numerais.

Diferentemente dos jogos, os materiais manipuláveis são usados para o ensino da matemática cultural, como se pode observar na tabela abaixo.

Tabela 2 – Materiais Manipuláveis

MATERIAIS CONTEÚDOS TRABALHADOS P1 P2 P3
Formas Geométricas – Blocos Lógicos Geometria. Cores. Sinais das Cores e das formas geométricas X  
Sequência numérica Sequência numérica. Antecessor e Sucessor   X X
Régua Numérica – Cusinaire Sistema de Medidas. Frações X X X
Material Dourado – Base 10 Sistema de Numeração Decimal – Quatro operações X X X
Dinheirinho Sistema Monetário. Juros. Porcentagem   X  
Mercadinho Sistema Monetário X    
Balança  Sistema de Medidas X    
Fita Métrica Sistema de Medidas X    
Tampas e caixas de ovos para trabalhar sequência Relação número e numeral     X
Tabuleiro para trabalhar multiplicação Multiplicação      X
Cilindros para trabalhar Libras e numerais Relação entre número e numeral     X
Fichas contendo numerais com seus respectivos sinais e quantidades correspondentes Relação entre número e numeral em Libras     X
Ábaco Sistema de Numeração Decimal Quatro Operações     X
Calendário Dias da semana em Libras     X



Não há diferença substantiva entre as três professoras. Jogos são mais utilizados na resolução de situações problemas, ou na matemática natural, enquanto materiais manipuláveis são mais utilizados para demonstrações de conteúdos, ensino de conceitos e matemática cultural, especialmente para ensinar a matemática em língua de sinais.

Considerações Finais

A teoria de Vygotski como fundamento da educação de surdos pressupõe a importância dos jogos para o desenvolvimento infantil, o uso da língua de sinais e o ensino sistemático da matemática cultural. Há que se considerar, ainda, o trabalho como princípio educativo, algo não analisado nas entrevistas.

Ainda se faz necessário estudar o uso de jogos em contextos de inclusão. No entanto, foi possível concluir, pela prática das professoras, que a matemática natural precisa ser sistematizada na educação de surdos e que os jogos e materiais manipuláveis são importantes neste processo.

 

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Autores

Clodis Boscarioli, Tamara Cardoso André e Odete Agostinho Fernando – (clique no nome para enviar um e-mail ao autor) – Clodis Boscarioli: Doutor; USP; Unioeste; Cascavel, PR, Brasil. Cascavel, Paraná. Tamara Cardoso André: Doutora; UFPR; Unioeste, Foz do Iguaçu, PR Odete Agostinho Fernando: Mestre; UNIOESTE; Universidade Pedagógica Moçambique, Maxixe, Moçambique.